UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA ANDRÉ FERNANDES ZANONI TEORIA QUEER NO BRASIL: PENSAMENTO E PRODUÇÃO ACADÊMICA São Paulo 2022 ANDRÉ FERNANDES ZANONI TEORIA QUEER NO BRASIL: PENSAMENTO E PRODUÇÃO ACADÊMICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre. Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto de Monteiro Araújo São Paulo 2022 Elaborado pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Mackenzie com os dados fornecidos pelo(a) autor(a) Z033t Zanoni, AndrÉ Fernandes. Teoria Queer no Brasil : [recurso eletrônico] pensamento e produção acadêmica / AndrÉ Fernandes Zanoni. 742 KB ; il. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2022. Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Paulo Roberto Monteiro de Araujo. Referências Bibliográficas: f. 61-64. 1. Teoria Queer. 2. Gênero. 3. Decolonialidade. I. Araujo, Paulo Roberto Monteiro de, orientador(a). II. Título. Bibliotecário(a) Responsável: Marcela Da Silva Matos - CRB 8/10691 Folha de Identificação da Agência de Financiamento Autor: André Fernandes Zanoni Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, Arte e História da Cultura Título do Trabalho: TEORIA QUEER NO BRASIL: PENSAMENTO E PRODUÇÃO ACADÊMICA O presente trabalho foi realizado com o apoio de 1: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Instituto Presbiteriano Mackenzie/Isenção integral de Mensalidades e Taxas MACKPESQUISA - Fundo Mackenzie de Pesquisa Empresa/Indústria: Outro: 1 Observação: caso tenha usufruído mais de um apoio ou benefício, selecione-os. DocuSign Envelope ID: DC2D7E12-A72D-4494-BA9C-899CD0FF875C ANDRÉ FERNANDES ZANONI TEORIA QUEER NO BRASIL: PENSAMENTO E PRODUÇÃO ACADÊMICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Aprovada em 22/08/2022 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Paulo Roberto de Monteiro Araújo Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof. Dr. Marcelo Martins Bueno Universidade Presbiteriana Mackenzie Prof. Dr. Fransmar Barreira Costa Lima Dedico esta pesquisa à multidão de experiências queer que resiste bravamente à normalidade. AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos especiais ao meu orientador, o professor Paulo Roberto de Monteiro Araújo, por me acompanhar nessa jornada. Sou grato pela atenção, pela paciência, pela amizade e por me ajudar a encontrar o caminho para que essa pesquisa pudesse ser realizada. Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie e a todos os professores e funcionários que criam um ambiente de acolhimento e aprendizado que contribuiu imensamente para minha formação interdisciplinar como pesquisador. Meus sinceros agradecimentos aos professores Marcelo Martins Bueno e Fransmar Barreira Costa Lima pelas contribuições feitas na fase de qualificação que me ajudaram a clarificar e direcionar essa pesquisa. Sou grato por também aceitarem participar da banca de defesa. Agradeço aos meus pais, Paulo e Rose, pelo incentivo ao estudo e por viabilizar minha educação. Agradeço também à minha irmã Melissa pela parceria e por ser a mulher mais forte que eu conheço. Ao meu cunhado Ricardo pela amizade sincera e pelas longas madrugadas de papo cabeça. À Alícia, minha grande amiga, por me incentivar e me dar todo o suporte na reta final da pesquisa. À Beatriz, minha amiga de longa data, que mesmo distante, me escutou e me ajudou nos momentos de crise. À Laura, Gabriela e Larissa, minhas amigas, por todo apoio nesses anos. Desejo que lhes falte força para repetir a norma, que não tenham energia para continuar fabricando identidade, que percam a determinação de continuar acreditando que seus papéis dizem a verdade sobre vocês. [...] Porque a revolução atua através da fragilidade. Paul B. Preciado Queer representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora. Guacira Lopes Louro RESUMO O campo científico deve ser capaz de lidar com mudanças de paradigmas e criações de novas áreas de conhecimento. Sendo o pensamento queer um campo novo que possui múltiplas origens e diálogos possíveis com as diversas áreas do conhecimento, é bastante provável que presenciaremos sua expansão. É preciso elucidar a emergência da pesquisa da Teoria Queer no Brasil, compreendendo os caminhos e escolhas metodológicas que a recepção nacional tem dado para lidar com formulações conceituais queer provindas de diferentes regiões do globo. Será feita uma revisão da produção de textos e artigos científicos de autores nacionais. Os textos de Pedro Paulo Gomes Pereira, Guacira Lopes Louro, Larissa Pelúcio, Berenice Bento e Richard Miskolci possibilitam pensar sobre as definições possíveis para o queer, suas origens históricas e conceituais, levando em consideração a realidade brasileira. Em um momento histórico no qual temos questionado a lógica da colonialidade e as maneiras ocidentais de produzir ciência, a aproximação de parte de nossos pesquisadores com perspectiva queer parece contribuir para a criação de um vocabulário menos normativo. Palavras-chave: Teoria Queer, gênero, decolonialidade. ABSTRACT The scientific field must be able to deal with paradigm shifts and the creation of new areas of knowledge. As Queer thought is a new field that has multiple origins and possible dialogues with various fields of knowledge, it is quite likely that we will witness its expansion. It is necessary to elucidate the emergence of the research on Queer Theory in Brazil, understanding the paths and methodological choices that the national reception has taken to deal with conceptual formulations that come from different regions of the globe. This paper will review the literature and scientific articles produced by national authors. The texts by Pedro Paulo Gomes Pereira, Guacira Lopes Louro, Larissa Pelúcio, Berenice Bento and Richard Miskolci will allow us to think about the possible definitions of queer, its historical and conceptual origins, taking into consideration the Brazilian reality. In a historical moment in which we have been questioning the logic of coloniality and the Western ways of producing science, the approximation of part of our researchers with the queer perspective seems to contribute to the creation of a less normative vocabulary. Key-words: Queer Theory, gender, decoloniality. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 – O CONTEXTO QUEER ................................................................... 15 1.1 Do xingamento ao orgulho …................................................................ 16 1.2 TEORIA + QUEER: entrada na academia, tensões e críticas .............. 21 1.3 Fontes conceituais e epistemológicas do pensamento queer .............. 23 CAPÍTULO 2 – A POSSIBILIDADE DE UM QUEER BRASILEIRO ....................... 29 2.1 Limites da autocrítica da modernidade ocidental ................................ 31 2.2 Perspectiva decolonial ........................................................................ 36 2.3 A tarefa de localizarmos ...................................................................... 42 CAPÍTULO 3 – PENSANDO A REALIDADE QUE NOS CERCA …..……..………. 47 3.1 De volta à questão da tradução ........................................................... 48 3.2 A relação da pesquisa acadêmica com o movimento ativista ............. 49 3.3 Originalidade do pensamento queer brasileiro ..................................... 53 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 58 APÊNCICE 1: Breve análise da peça “Sem Palavras” de Márcio Abreu ........... 60 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 61 INTRODUÇÃO O campo científico deve ser capaz de lidar com mudanças de paradigmas e criações de novos campos de conhecimento. Sendo os estudos queer um campo novo que possui múltiplas origens e diálogos possíveis com as diversas áreas do conhecimento, é bastante provável que presenciaremos sua expansão. É preciso elucidar a emergência da pesquisa da Teoria Queer no Brasil, compreendendo os caminhos e escolhas metodológicas que a recepção nacional tem dado para formulações conceituais queer provindas de diferentes regiões do globo. Essa pesquisa busca delinear as definições possíveis para o queer, suas origens históricas e conceituais, debatendo as suas principais correntes e suas implicações na produção de saberes e nos movimentos sociais por meio de uma análise interdisciplinar que perpassa a História Cultural, a Filosofia e as Ciências Sociais. A pesquisa procura também verificar a recepção crítica da acadêmica brasileira que tem proposto pensar o queer a partir das realidades nacionais, apontando as possibilidades de intersecção com outros movimentos sociais aqui presentes como forma de luta pela transformação social. Queer é uma palavra de origem inglesa que por um longo tempo carregou uma conotação negativa. Usada por mais de um século para apontar a homossexualidade como algo ruim, estranho e questionável, a palavra foi ressignificada como marca de orgulho e resistência pelo movimento ativista dos Estados Unidos na década de 1970. O termo "Teoria Queer" foi criado por Teresa de Lauretis em 1990 para descrever o trabalho e perspectiva teórica de um grupo de intelectuais que têm em comum a problematização das noções clássicas de sujeito e identidade, tendo como apoio a teoria pós-estruturalista1. Em linhas gerais, objeto inicial do pensamento queer é a crítica a noção binária de sexo e gênero tal como espalhada a partir do século XIX a partir da proposta de uma nova epistemologia dos corpos. Segundo David Halperin, o queer aponta não para uma identidade fixa, mas para "tudo o que está em desacordo com o normal, o legítimo, o dominante" (1995, p. 85). Queer, nesse sentido, refere-se a uma posição 1 A teoria pós-estruturalista procura enfatizar a centralidade do papel da linguagem e dos discursos para os processos de construção da sociedade, associando linguagem, cultura, verdade e poder. Entre seus pensadores estão Michel Foucault, Jacques Lacan, Jacques Derrida e Gilles Deleuze. A influência dos pós-estruturalistas será averiguada mais adiante no presente trabalho. 9 de resistência, distanciamento ou tensão em relação à normatividade, isto é, às normas impostas socialmente para ser ou se comportar de determinada maneira, e em especial à heteronormatividade, isto é, às normas impostas socialmente para ser ou se comportar de acordo com o binarismo.de gênero e sexualidade. A proposta de um pensamento queer não está voltada a uma produção de conhecimento fixa. Ao contrário, é por meio de interpretações fluidas da vida social que surgem as ferramentas de análise que denunciam a normatividade como algo forjado nas relações de poder. No Brasil, podemos identificar um início formal dos estudos queer com a tradução das pesquisas sobre gênero e performatividade de Judith Butler. Pelúcio (2016) aponta que a introdução da Teoria Queer no Brasil se deu com a publicação de uma resenha de Karla Bessa, publicada nos Cadernos Pagu em 1995, sob o título de “Gender Trouble: outra perspectiva de compreensão do Gênero”. Ao longo das últimas duas décadas, outros autores têm sido cada vez mais estudados por aqui. Poderíamos mencionar: Eve K. Sedgwick, David M. Halperin, Gayle Rubin, Teresa de Lauretis, Susan Stryker, dentre outros. Entretanto, ainda é baixa a quantidade de obras traduzidas. Recentemente, a publicação das obras de Paul B. Preciado em português intensificou o debate sobre a Teoria Queer tanto na academia quanto no âmbito ativista. É necessário apontar que os principais eixos de algo como uma Teoria Queer não são originais desta, mas sim desdobramentos de debates iniciados nas diversas áreas das humanidades. O conceito de performatividade2 presente em Butler, por exemplo, que, em poucas palavras, aponta que a prática repetida pode ser vista como modalidade explicativa do binarismo de gênero, deriva do debate das Ciências Sociais; o conceito foi usado para discutir as tensões entre o indivíduo e a sociedade e foi descrito pela primeira vez pelo filósofo da linguagem John L. Austin ao descrever a capacidade da fala e da comunicação de agir ou de consumar uma ação (BENTO, 2014). Assim, podemos sinalizar que a produção acadêmica nacional já trabalha desde a década de 1980 com as ferramentas conceituais e reflexivas comuns ao que 2 Em seu importante trabalho Problemas de Gênero (1990), Butler inicia o desenvolvimento deste conceito fundamental para os debates da Teoria Queer. A autora continua a tratar da performatividade em outros trabalhos, como: Bodies That Matter (1993), The Psychic Life of Power (1997) e Excitable Speech (1997). Falaremos mais sobre a autora no primeiro capítulo do presente trabalho. 10 hoje chamamos de Teoria Queer. É justo dizer que quando a Teoria Queer chega ao Brasil ela, em partes, já se encontra aqui. Um dos maiores exemplos dessa conjuntura, é a quantidade expressiva de artigos científicos produzidos na década de 1990 com referências nas obras de Michel Foucault e Jacques Derrida, grande parte voltados à discussão da desnaturalização das identidades, a ênfase nas relações de poder para interpretar as estruturas subjetivas e objetivas da vida social, e até mesmo, a crítica ao binarismo de gênero e sexual. Para fazer uma análise dos caminhos da Teoria Queer no Brasil, portanto, deve-se levar em conta que, principalmente nos anos 90, há uma geração de pensadores que não se enquadram formalmente nos estudos Queer, mas podem ser associados a uma prática queer, mesmo antes de sua construção teórica e sua inserção nas universidades. Há, entretanto, como afirma Miskolci (2012), grande importância na proposição de uma “Teoria Queer” pois “um xingamento que denota anormalidade, perversão e desvio, destaca o compromisso em desenvolver uma analítica da normalização focada na sexualidade” (MISKOLCI, 2012, p. 12). O uso do termo “Teoria Queer” no Brasil é tardio e se inicia principalmente nas áreas de educação e sociologia. Nos últimos anos, muitos pensadores nacionais têm questionado se é pertinente utilizar academicamente no Brasil a palavra “queer”. Quando chega ao Brasil, o termo já se encontra ressignificado e com um status positivo, seu uso acaba não tendo o mesmo impacto que apresenta em língua inglesa (PELÚCIO, 2014). É um fato que palavras da nossa língua, e até mesmo xingamentos, passaram, ou estão passando, por um processo similar de reassociação. Berenice Bento (2014, p.12) coloca a questão, afirmando que “Queer” só tem sentido se assumido como lugar no mundo aquilo que serviria para me excluir. Portanto, se eu digo queer no contexto norte- americano é inteligível, seja como ferramenta de luta política ou como agressão. Qual a disputa que se pode fazer com o nome “queer” no contexto brasileiro? Nenhuma. [...] Seja pelos dilemas da tradução ou pelas “idiossincrasias” que marcam a academia e os biomovimentos sociais brasileiros, devemos reconhecer a dificuldade que os estudos/ativismo transviados têm encontrado para se consolidar no contexto nacional e parece que há um buraco entre a academia brasileira (espaço de recepção dos estudos queer) e os movimentos sociais. Depois de quase quinze anos do meu encontro com estes estudos, ainda escuto com frequência: “Queer o quê?” De qualquer modo, independentemente da nomenclatura, na última década temos presenciado um aumento gradativo de publicações científicas que se propõem a refletir sobre as implicações da crítica à normatividade nas mais diversas áreas do 11 conhecimento. É importante também apontar que as publicações da Revista de Estudos Feministas, bem como dos Cadernos Pagu, possuem relevante importância na disseminação dos estudos queer em âmbito nacional. A partir de 1995 as discussões ligadas às questões queer começam a ocupar um lugar de destaque com o crescente interesse pelas reflexões de Judith Butler e a noção de performatividade de gênero. Essas discussões têm contribuído para a emergência dos estudos queer no Brasil. Nos últimos anos, principalmente entre o público não acadêmico que tem acessado o debate de ideias por meio das redes sociais e blogs na Internet, a palavra queer tem sido lida como sinônimo de transativismo. Circula pelas redes um vídeo intitulado “Seu comportamento cria seu gênero”, no qual a filósofa Judith Butler explica em curtos 3 minutos seu conceito de performatividade. No vídeo, Butler usa termos como “garotos femininos” e “garotas masculinas” para falar sobre a dificuldade de ser enquanto dissidente sexual e de gênero. Esse e outros vídeos têm sido utilizados por um dito movimento feminista, autointitulado de radfem (ou feministas radicais), bem como por grupos conservadores fundamentalistas, para validar um falso argumento de que a intenção da Teoria Queer é incentivar a transição de gênero de crianças e adolescentes. A cada semana uma polêmica diferente inflama as redes provinda de interpretações erradas ou mal-intencionadas de trechos escritos por pensadores queer. Outro caso também envolvendo Butler ocorreu em 2017, quando a autora esteve em São Paulo para participar de um seminário sobre democracia e foi alvo de protestos ultraconservadores que a chamavam de “mãe da ideologia de gênero”. Butler participou do seminário internacional “Os fins da democracia”, em São Paulo, organizado pelo Convênio Internacional de Programas de Teoria Crítica da Universidade da Califórnia em Berkeley e pelo Departamento de Filosofia da USP em parceria com o Sesc. A autora também sofreu agressões verbais no aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo. De fato, há um hiato muito grande entre o entendimento do queer na academia e nos debates entre os movimentos sociais. O presente trabalho parte da necessidade de uma leitura didática do pensamento queer com o intuito de reduzir esse hiato. 12 É preciso elucidar a emergência da pesquisa da Teoria Queer no Brasil, compreendendo os caminhos e escolhas metodológicas que a recepção nacional tem dado para formulações conceituais queer provindas de diferentes regiões do globo. No primeiro capítulo é traçado um panorama geral sobre a origem multi- situada do queer enquanto movimento político e pensamento acadêmico, suas fontes epistemológicas e princípios reflexivos. Trabalharemos com as reflexões de pensadores estrangeiros como Eve K. Sedgwick, Paul B. Preciado, Teresa de Lauretis e Judith Butler. Para isso, a produção de textos e artigos dos autores nacionais que iniciaram o debate da Teoria Queer no Brasil. Os textos de Guacira Lopes Louro, Berenice Bento e Richard Miskolci possibilitam pensar sobre as definições possíveis para o queer, suas origens históricas e conceituais, levando em consideração a realidade brasileira. No segundo capítulo nos concentraremos em analisar a recepção brasileira à Teoria Queer. Em especial, acompanharemos as formulações de dois importantes autores e professores brasileiros, Larissa Pelúcio e Pedro Paulo Gomes Pereira. Nosso intuito é compreender a proposta metodológica dos autores para pensar o queer no Brasil. Os autores criticam a importação e aplicação acrítica de teorias universalizantes tendo como base o pensamento pós-colonial e perspectiva decolonial que serão abordados no desenvolvimento do capítulo. Por fim, no terceiro e último capítulo, tentaremos identificar como as produções queer têm sido lidas por pesquisadores de outras áreas do conhecimento na academia brasileira. Revisaremos entre as publicações de áreas como o direito, a psicologia, a educação, entre outras, por pesquisas que levem em consideração as contribuições do pensamento queer. Também será abordado as relações das produções acadêmicas com o público leigo, o debate público sobre direitos e os impasses atuais dos movimentos ativistas. A tentativa de compreender um movimento que resiste à sua própria definição e recusa proclamar a sua reivindicação, seu projeto ou seus planos políticos, é uma tarefa delicada que deve ser levada a efeito não apenas lidando com o contraditório, mas o incorporando. Pensadores ao redor do globo apontam que estamos vivendo 13 em tempos de instabilidade política e insegurança democrática3. Nesse contexto, o queer representa não apenas uma luta política e social daqueles que se encontram nos extremos das margens econômicas, raciais, étnicas, sexuais e de gênero, mas também a construção de uma epistemologia que englobe o plural, o crítico e o anormal. 3 Wendy Brown, autora norte-americana, analisa a atual situação das democracias ocidentais em seu livro “Nas Ruínas do Neoliberalismo: a Ascensão da Política Antidemocrática no Ocidente” (2019). No Brasil, Heloisa Murgel Starling, Miguel Lago e Newton Bignotto lançaram recentemente (abril de 2022),pela Companhia das Letras, um trabalho que trata sobre o assunto da perspectiva nacional denominado “Linguagem da destruição: A democracia brasileira em crise”. 14 CAPÍTULO 1 – O CONTEXTO QUEER A busca por uma caracterização precisa do que é Teoria Queer se mostra insustentável. Pesquisadores apontam para o fato de que a definição e a origem do queer ainda são questões em aberto (MISKOLCI, 2012. LOURO, 2001. LAURETIS, 2019). Existem múltiplas genealogias possíveis sobre o pensamento queer. É preciso levar em consideração que estamos lidando com uma corrente de estudos que têm uma origem multi-situada com pesquisas e reflexões de autores de vários países. Ainda que a produção norte-americana seja mais conhecida, devemos considerar que nas últimas décadas há uma vasta e importante pesquisa sendo produzida por intelectuais ao redor do globo sobre questões de gênero e sexualidade. Apesar da dificuldade de traçar uma origem precisa do pensamento queer, dada a pluralidade dos autores e perspectivas, podemos investigar quais seriam os marcos comuns que dão início a esse movimento acadêmico-político. Por um lado, as fontes teóricas conceituais e epistemológicas provindas de um conjunto de autores que colaboraram para a construção do queer, e por outro, um contexto sócio-histórico global, evidenciado em peculiaridades regionais, que passa pela formação de movimentos sociais e pela conquista de direitos. Hoje essa vertente de reflexões está em processo de consolidação na academia brasileira em diferentes áreas: da sociologia passando pela história, educação, linguística, comunicação, antropologia e artes. A fim de compreender os caminhos e singularidades do queer no Brasil é preciso antes fazer uma leitura, ainda que parcial e limitada, dos seus fundamentos e origens, tanto teóricas e acadêmicas, quanto políticas e sociais. O intuito desse primeiro capítulo não é dar uma resposta definitiva à pergunta “O que é o Queer?”, mas sim contextualizar seu momento histórico e familiarizar o leitor com as formulações epistemológicas que o viabilizaram. Apesar de mencionar os movimentos ativistas que, desde os anos 60, se ligam intimamente ao contexto sócio-histórico que possibilitou a expansão do queer, o objetivo principal dessa primeira análise é identificar o percurso metodológico e epistemológico pelo qual a Teoria Queer adentrou e se estabeleceu no contexto acadêmico global. Há, como dito, muitos caminhos possíveis para tal. Nessa primeira parte de nossa análise, escolhemos dar primazia ao estudo do pensamento de Michel 15 Foucault, Judith Butler, Paul Preciado, entre outros, dado o entendimento de que tais autores ocidentais influenciaram diretamente as leituras e produções nacionais sobre o queer. Em um primeiro momento, nos concentramos em apontar brevemente a origem da palavra queer e sua ligação com o movimento político, pós-revolução sexual, que questiona a normatividade dos corpos. Posteriormente, nos voltamos ao contexto teórico que viabilizou algo como uma Teoria Queer. É debatido sua ruptura com os Estudos de Gays e Lésbicas e sua busca pela formulação de ferramentas conceituais que possibilitassem a análise histórica-social a partir de categorias como sexo, gênero e sexualidade. Por fim, apontamos os Estudos Culturais norte- americanos, os estudos feministas e o pós-estruturalismo francês como as três principais fontes conceituais para a formulação da crítica queer as normas regulatórias. 1.1. Do xingamento ao orgulho A palavra “queer” é de origem anglófona. Ao longo dos quatro séculos de existência, há pelo menos três momentos essenciais para a compreensão de seu significado. Por um longo tempo, queer carregou uma conotação negativa. Algo como: estranho, esquisito, vulgar. Até hoje é comum o uso em tais sentidos, principalmente nos países de língua inglesa. Uma busca no dicionário de Oxford mostra que “strange”, “odd”, e “peculiar” ainda são sinônimos de “queer”. É possível encontrar a palavra sendo usada em tal sentido nos contos originais de Sherlock Holmes escritos por Arthur Conan Doyle4, também nos romances de Charles Dickens e em outros clássicos da literatura do século XIX. Já no século XX, queer passa a ser associado com a homossexualidade e entendido então como estigma, algo considerado desonroso. A homossexualidade, e qualquer outra forma de sexualidade diferente da heterossexualidade, era classificada 4 Em The Return of Sherlock Holmes (1904) Arthur Conan Doyle escreve: “It’s lucky for you, my man, that nothing is missing, or you would find yourself in Queer Street”. Em tradução livre: “Sorte sua, meu amigo, que nada está faltando, ou você teria terminado na Rua Queer”. Queer já tinha começado a se transformar em um termo degratório para homens afeminados, mas Conan Doyle não o utilizava neste sentido. “Estar na Rua Queer” tem, nesse contexto, um sentido conotativo de estar em uma situação ou condição financeira ruim. 16 como algo não natural, inadequado, anormal e até mesmo como doença. Alguns teóricos ligam esse acontecimento ao julgamento e prisão de Oscar Wilde5. Queer é adicionado à lista de adjetivos negativos e passa a ser mais um insulto e xingamento direcionado aos desviantes da sexualidade considerada “normal”. Hoje a palavra “queer” mantém esse forte vínculo com a representação de gêneros e sexualidades que fogem da heteronormatividade, isto é, aqueles que não reproduzem ou não se comportam de acordo com os papéis sociais de gênero impostos pela cultura e sociedade ocidental. Há, porém, uma diferença de status, tendo em vista o processo de ressignificação pelo qual o termo passou no final do século passado. O insulto é transformado em orgulho de resistir enquanto queer. Foi somente com o movimento de liberação gay dos anos 1970 que a palavra se tornou motivo de orgulho e uma marca de resistência política. Da mesma maneira que as palavras gay e lésbica, queer era uma contestação social, antes de ser identidade. (LAURETIS, 2019, p.397) Do final da década de 1960 até meados da década de 1970, em especial, na América do Norte e na Europa Ocidental, o movimento de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgênero passa por um momento importante de luta e conquista de direitos políticos. O evento mais conhecido desse período é a Revolta de Stonewall em Nova York, uma série de manifestações violentas e espontâneas de membros da comunidade LGBT contra abusos da polícia. 5 João Silvério Trevisan aponta que a figura de Oscar Wilde exerceu um importante papel na construção de um processo identitário homossexual. “Ninguém até então tinha sido tão amplamente identificado enquanto homossexual: graças ao processo judicial sua identidade e homossexualidade se imbricaram num único todo.Isso permite dizer que Oscar Wilde talvez tenha sido o primeiro moderno homossexual do planeta, fator que o torna tão atual. Em resumo, o caso Oscar Wilde teve o importante papel de permitir o nascimento de uma identidade homossexual. Seu julgamento, que aterrorizou várias gerações de homossexuais, a longo prazo também cristalizou a identidade do desejo homossexual nos termos em que o conhecemos até hoje.” (TREVISAN, 2007) 17 Figura 1: Marsha P. Johnson (à esq.) e Sylvia Rivera participantes das manifestações que ficaram conhecidas como Rebelião de Stonewall, em 1969, se tornando ícones do movimento LGBT. Ao analisar os acontecimentos de Stonewall, Renan Quinalha afirma que apesar de não inaugurar o ativismo LGBT nos Estados Unidos, as revoltas marcam uma ideia de militância orgulhosa, que não luta apenas por tolerância, mas por mudanças estruturais na sociedade. Antes de Stonewall, diante da injúria e da vergonha na sociedade patriarcal e heteronormativa, a saída era construir uma imagem socialmente respeitável de homossexual, batalhando por uma integração à normalidade para conseguir acessar as migalhas de alguns direitos. Depois dessa revolta histórica, o melhor jeito de lidar com o preconceito era o embate, a denúncia e a não conformidade. Desse modo, houve um deslocamento no estilo de ativismo, com o orgulho funcionando como vetor ideológico principal de um modo eroticamente subversivo de ser. (Quinalha, 2019, p.19) Nesse momento histórico, o Brasil passava por um dos piores momentos da ditadura militar. Em dezembro de 1968, havia sido outorgado o Ato Institucional nº 5, que retirava uma série de liberdades civis e de direitos individuais. Segundo Quinalha (2019) "a ditadura acabou atrasando em dez anos a emergência do movimento LGBT no Brasil". Quatorze anos depois da Revolta de Stonewall, em 19 de agosto de 1983, em um bar em São Paulo, o Ferro's Bar, mulheres lésbicas protestaram contra a censura e a repressão policial. Em 2003, a data deste protesto, 19 de agosto, se tornaria o Dia do Orgulho Lésbico no Brasil. 18 Figura 2: Protestos de mulheres lésbicas contra a censura e repressão policial em 1983. É no contexto dessa nova postura que o queer começa a se estabelecer como uma afinidade e orgulho daqueles que transpassam os limites de gênero e sexualidade. Uma postura que condiz com esse momento histórico no qual rompe-se com a ideia do gay bem-comportado e assimilado socialmente. Antes do conceito queer ser introduzido na universidade, ele já possuía essa representação política no ativismo e militância de gays, lésbicas e pessoas trans. Um movimento que coloca como ponto central a problematização da normatividade. Ao chamar atenção para as normas que criam o sujeito, busca-se desconstruir tais normas e convenções culturais ao evidenciar o binário hétero-homo como uma construção histórica que deve ser repensada e analisada (QUINALHA, 2019). É preciso mencionar ainda que a origem do queer, em termos históricos- sociológicos, está diretamente ligada à epidemia da aids que, a partir do ano de 1981, marca a vida social, a produção acadêmica e o pensamento político. Um importante artigo denominado “A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes” (2009), escrito por Richard Miskolci e Larissa Pelúcio, demonstra como a emergência da aids suscitou um discurso heteronormativo de patologização das sexualidades dissidentes e reforçou o discurso punitivo às sexualidades distantes dos padrões. 19 Diante desse momento histórico, surgem tensões no movimento ativista que se subdivide. A política queer propõe uma agenda de luta pela transformação social com pautas feministas, antirracistas e anticolonialistas, se opondo a uma política assimilacionista. A multidão queer não tem relação com um “terceiro sexo” ou com um “além dos gêneros”. Ela se faz na apropriação das disciplinas de saber/poder sobre os sexos, rearticulação e no desvio das tecnologias sexo-políticas específicas de produção dos corpos “normais” e “desviantes”. Por oposição as políticas “feministas” ou “homossexuais”, a política da multidão queer não repousa sobre uma identidade natural (homem/mulher) nem sobre uma definição pelas práticas (heterossexual/homossexual), mas sobre uma multiplicidade de corpos que se levantam contra os regimes que os constroem como “normais” ou “anormais”. (PRECIADO, 2011, p.16) O queer não é, nem se pretende, uma identidade. Como lugar de articulação teórica, como espaço epistêmico de produção de conhecimentos politicamente situados, o queer é um lugar de crítica, um ponto de vista, um lócus epistemológico para se pensar questões de corpo, sexo, gênero e sexualidade. O queer não é uma identidade sexual, mas um gesto analítico, uma postura epistêmica, um espaço de articulação e de produção de conhecimento ou, ainda, uma possibilidade de ‘enquadramento’; ele não é um mero lócus de enunciação, ou um ‘lugar de fala’6. O que consolida aquilo que podemos pensar sobre o pensamento queer é justamente a construção de ferramentas conceituais que organizam a experiência da anormalidade. Sendo assim, podemos considerar a Teoria Queer como uma teoria dos e para os anormais. É no sentido da não conformidade que se estabelece a tentativa, por parte dos teóricos, em caracterizar queer dentro de uma conceitualização que resiste às definições generalizadoras. Queer representa o múltiplo, o transitório. Em parte, é a falta de definições que o define. 6 Categoria popularizada recentemente na academia e nos movimentos sociais brasileiros em função do trabalho de Djamila Ribeiro. Por vezes, a leitura que se tem de lugar de fala é equivocada. Esse conceito tem mais ligação com uma localização social, histórica, cultural e contextual de onde emana a voz e o enunciando. O conceito não tem relação com uma lógica de autoridade, ou com argumentos de censura. De qualquer modo, defendemos aqui que o queer não tem relação com tal conceito porque não se configura como identidade. 20 1.2. TEORIA + QUEER: entrada na academia, tensões e críticas A ideia de uma Teoria remete a uma produção de conhecimento científico, racionalmente válido e justificável. Uma Teoria que suporte uma concepção fluida como queer já se mostra desde início como uma formulação epistemológica que aceita e lida com o contraditório. A proposição de uma Teoria Queer indica a reivindicação crítica sobre a própria ideia de teoria como uma solução pretensiosamente essencial e universal. Nas últimas décadas, autores das mais diversas áreas do conhecimento e de diferentes lugares do globo têm-se utilizado das ferramentas teóricas provindas do pensamento queer. Isso se justifica pela queda de um ideal de ciência como conhecimento racional que observa e descreve o mundo e independe do sujeito. Hoje há uma conscientização de que a produção de conhecimento sempre é marcada por um sujeito temporal e que ao longo da história das ciências esse sujeito sempre foi branco, europeu, hetero e elitizado. Esses autores buscam na Teoria Queer uma alternativa epistemológica que desafia as noções binárias e normatizadoras. Sedgwick, importante teórica queer norte-americana, afirma que o queer é Uma ampla mistura de possibilidades, vácuos, solapamentos, dissonâncias e ressonâncias, lapsos e excessos de significados que falamos quando os elementos constitutivos do gênero ou da sexualidade de qualquer pessoa não estão feitos para (ou não se pode fazer) significar uma forma monolítica. Queer designa aventuras experimentais nos âmbitos da lingüística, da epistemologia, da representação ou da política... (SEDGWICK, 2002, p.37). "Queer" passa a descrever um modelo teórico nascente que se desenvolveu a partir de rupturas com os chamados Estudos de Gays e Lésbicas. Como o queer não está alinhado com qualquer categoria de identidade específica, tem o potencial de ser anexado a inúmeras discussões. Na história das formações disciplinares, os estudos lésbicos e gays são em si mesmos uma construção relativamente recente, e a Teoria Queer pode ser vista como a sua mais recente transformação institucional. A crítica produzida pela Teoria Queer é de certo modo uma crítica as epistemologias sobre sexo, sexualidade e gênero. Na união do conceito de Teoria ao xingamento queer, há uma tensão fundante subversiva, essencial para uma área de estudos que se propõe a rever os conceitos de normatividade. É nesse deslocamento 21 do campo da ofensa ao campo do saber que a Teoria Queer é introduzida na academia e passa a habitar o universo do conhecimento. Guacira Lopes Louro, pesquisadora brasileira que pensa as relações e implicações do queer na educação, em um dos primeiros textos nacionais que utilizam a terminologia da Teoria Queer, afirma a respeito desta que Seu alvo mais imediato de oposição é, certamente, a heteronormatividade compulsória da sociedade; mas não escaparia de sua crítica a normalização e a estabilidade propostas pela política de identidade do movimento homossexual dominante. Queer representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora. (LOURO, 2001) O termo “Teoria Queer” apareceu pela primeira vez na década de 1990, em uma palestra proferida por Teresa de Lauretis denominada de “Queer Theory: lesbian and gays sexualities”, na Universidade de Santa Cruz, na Califórnia. Ele adentra o mundo acadêmico como uma tentativa de solucionar alguns impasses entre os chamados Estudos das Mulheres, os Estudos de Gênero e os Estudos de Gays e Lésbicas. Para mim, naquele momento, a teoria queer era um projeto crítico que tinha o objetivo de resistir à homogeneização cultural dos “estudos de gays e lésbicas” que estavam pela academia, tomados como um campo de estudo singular e unificado. (LAURETIS, 2019, p. 398) Os Estudos Gays e Lésbicos preocupavam-se em atestar a “normalidade” de gays e lésbicas sem contestar ou problematizar a heterossexualidade como a suposta ordem natural do desejo. Além disso, tinham como foco principal apenas as formas de homossexualidade socialmente menos perseguidas, cuja performance de gênero era convencional e raramente reconheceram as problemáticas de dissidentes sexuais. Minha ideia para a teoria queer era a de começar um diálogo crítico entre lésbicas e homens gays sobre sexualidade e nossos respectivos históricos sexuais. Eu queria que, juntos, quebrássemos os silêncios que tinham sido erguidos [..] sobre questões de sexualidade e suas relações com gênero e raça. Na minha cabeça, as palavras teoria e queer juntavam em uma expressão o objetivo político da crítica social com o trabalho conceitual e especulativo envolvido na produção dos discursos. (LAURETIS, 2019, p. 399) Essa cisão aponta para algumas diferenças da produção queer em relação aos seus anteriores, em essencial, a crítica à hegemonia heterossexual e um foco menos “minoritarizante” com relação às sexualidades dissidentes, as quais, inclusive, passaram a ser expandidas para abarcar expressões anteriormente menos 22 reconhecidas como as transexualidades, as travestilidades7, a intersexualidade etc. Há, assim, uma mudança do eixo da política sexual, deixando a defesa das identidades e partindo para uma crítica das normas sociais. Os teóricos queer, por meio das próprias fontes feministas e dos estudos gays e lésbicos, desafiam as categorias e oposições "óbvias" de homem/mulher nos quais as noções convencionais de sexualidade e identidade estavam postas (HENNESSY, 1993). 1.2. Fontes conceituais e epistemológicas do pensamento queer A vida social é marcada por normas sociais regulatórias, explícidas ou implícitas, que demandam um alinhamento entre sexo-gênero-sexualidade. Um corpo, ao ser identificado como macho ou como fêmea, é designado a um gênero (masculino ou feminino) e ajustado a uma única forma de desejo (que deve se dirigir ao sexo/gênero oposto). A heteronormatividade, ou seja, a produção e reiteração compulsória da norma heterossexual inscreve-se nesta lógica binária, que dá as diretrizes e os limites para se pensar os sujeitos e as práticas. Fora deste binarismo, situa-se o impensável, o ininteligível, o queer. Richard Miskolci, afirma que O impensável – leia-se uma sociedade não fundada na proibição das relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo - não está fora da cultura, antes dentro dela, apenas de forma dominada. É possível pensar de forma insurgente pelas bordas do social, na região que foi propositalmente forcluída dele e, muitas vezes, relegada até mesmo ao reino do abjeto. Emerge assim um pensamento queer, não normalizador, uma teoria social não-heterossexista e que, portanto, reconhece a sexualidade como um dos eixos centrais das relações de poder em nossa sociedade (MISKOLCI, 2014, p. 17). Já foi apontado anteriormente que há muitos caminhos possíveis para traçar uma origem conceitual do pensamento queer. Dado a impossibilidade de analisar meticulosamente todos os autores queer, optamos por fazer um recorte investigativo, dando primazia para fontes, obras e vertentes mais mencionadas por pesquisadores nacionais (MISKOLCI, 2012; PELUCIO, 2014; BENTO, 2014). Dentre as fontes da Teoria Queer, destacam-se: os Estudos Culturais, o pós-estruturalismo, e os Estudos 7 A identidade travesti, apesar da nomenclatura surgir de uma confusão de tradução do francês “travestite”, é uma identidade feminina que carrega aspectos culturais latino-americanos. Não há diferenças físicas ou psicológicas entre as categorias trans e travesti. Para um estudo aprofundado sobre a formação da identidade travesti no Brasil, ver OLIVEIRA (2017). 23 Feministas. Nesse primeiro capítulo, nos restringimos a descrever o panorama geral dessas três perspectivas de estudo e apontar brevemente suas influências nos teóricos queer. Mais adiante, nos aprofundaremos nas leituras e críticas de pensadores brasileiros sobre tais perspectivas e nas suas propostas para um queer brasileiro. Na perspectiva dos Estudos Culturais, a Teoria Queer se desenvolve a partir de um conjunto de teorias que fazem uma crítica dos discursos hegemônicos na cultura ocidental. A emergência de tais teorias remonta às mudanças profundas de meados do século XX, quando um movimento de crítica à suposta neutralidade e objetividade da ciência e à crença em narrativas totalizadoras, refuta as distinções hierárquicas que distinguiam cultura erudita e popular, enfatizando a experiência dos grupos sociais historicamente subalternizados e explorados. Richard Hoggart e Raymond Williams8, ambos oriundos da classe trabalhadora inglesa, através de um olhar diferenciado sobre a história literária, demonstram que cultura é uma categoria-chave para a investigação social. Para ambos, cultura era uma rede de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Joan Scott, importante historiadora americana, em seu conhecido artigo “Gênero: uma categoria útil para a análise histórica”, publicado originalmente em 1995, esclarece que, a partir desses novos modelos de produção do conhecimento, a categoria gênero passa a ter uma função de ruptura com a naturalização universal, negando o caráter biológico como único fator para definir homem e mulher. O termo "gênero" torna-se uma forma de indicar "construções culturais" - a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mu-lheres. "Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gênero" tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens. Ainda que os pesquisadores reconheçam a conexão entre sexo e aquilo que os sociólogos da família chamaram de "papéis sexuais", esses pesquisadores não postulam um vínculo simples ou direto entre os dois. O uso de "gênero" enfatiza todo um sistema de relações que pode 8 Raymond Williams contribuiu decisivamente para democratizar a nossa concepção de arte e cultura. Nas últimas décadas seu trabalho tem sido traduzido e extensivamente discutido nas academias brasileiras. Como uma primeira leitura do autor, o ensaio “A cultura é algo comum”, de 1958, defende uma concepção de cultura e de educação essencialmente democrática, elaborado a partir de um paralelo com a própria trajetória de vida do autor. 24 incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade. (SCOTT, 2017, p. 75) Para problematizar tais concepções de sujeito e identidade, assumir que gênero, como referente das relações sociais entre os sexos, é constituído nas iterações em práticas discursivas e situar as dimensões femininas e masculinas nas estruturas de poder, a Teoria Queer precisou também considerar as postulações do pós-estruturalismo francês. Os trabalhos de Lacan, Foucault e Derrida produzem, cada um de sua própria maneira, uma crítica do conceito clássico de sujeito. Tanto Foucault quanto a nova e radical forma de política e epistemologia queer têm como característica marcante a resistência à normatização, seja aquela promovida pela “scientia sexual”, cujos dispositivos continuam atravessando os corpos pós-vitorianos, seja aquela presente também na política de identidades, que, na década de 1990, passa a ser questionada pelas sexualidades dissidentes. (MARINHO, 2017, p.24) No primeiro volume da “História da sexualidade: a vontade de saber”, publicado em 1976, Michel Foucault realiza uma pesquisa histórica, baseada na ideia de análise dos discursos, que focaliza o lugar da sexualidade na sociedade ocidental. Sua hipótese é que, desde o século XVI, processo que se intensifica a partir do século XIX, a sexualidade é peça fundamental das estratégias de controle dos indivíduos e das populações. Guacira Lopes Louro (2009) afirma que embora não seja ideal falarmos em “origem”, as contribuições de Foucault para a construção da corrente queer são inegáveis, já é o autor que inicia o debate sobre duas ideias centrais para o queer, a problematização do corpo, da sexualidade e do gênero como dispositivos históricos, e a demonstração de que a sexualidade não é um fato natural, mas uma categoria construída das experiências históricas, sociais e culturais. O pensamento de Foucault foi essencial para a construção filosófica de Judith Butler, cujas ideias são reconhecidas hoje por muitos pesquisadores como a base da Teoria Queer. Em “Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade” (1990), Butler nos propõe repensarmos as categorias mais básicas da identidade humana. Esse trabalho, muito lido e estudado no Brasil, é conhecido por ter fundamentado a desconstrução da ideia de gênero como algo natural e a defesa de que, na verdade, gênero é o agente cultural que opera nos corpos. Sua argumentação, na esteira do pensamento de Foucault, é de que o sexo nunca pode ser entendido como um elemento neutro, pois ele foi, desde sua própria constituição enquanto problema e objeto de investigação científica, um ideal normativo 25 regulatório, um critério de diferenciação. Butler e outros nomes importantes para o movimento pós-feminista9 ou queer, iniciam uma revisão do feminismo ao argumentar a respeito da produção da sujeição e constituição de sujeitos do ponto de vista do corpo, do sexo e do gênero. Reivindicando um movimento pós-feminista ou queer, Teresa de Lauretis, Donna Haraway, Judith Butler, Judith Halberstam (nos Estados Unidos), Marie-Hélène Bourcier (na França), mas também as lésbicas chicanas como Gloria Andalzua ou as feministas negras como Barbara Smith e Audre Lorde, atacarão a naturalização da noção de feminilidade que havia sido, inicialmente, a fonte de coesão do sujeito do feminismo. A crítica radical do sujeito unitário do feminismo, colonial, branco, proveniente da classe média alta e dessexualizado foi posta em marcha. Se as multidões queer são pós-feministas não é porque desejam ou podem atuar sem o feminismo. Pelo contrário, elas são o resultado de um confronto reflexivo do feminismo com as diferenças que o feminismo apagou em proveito de um sujeito político “mulher” hegemônico e heterocêntrico. (PRECIADO, 2011, p. 17) De fato, algumas vertentes do pensamento feminista, desde a década de 1980, também contribiram para a estruturação conceitual da Teoria Queer, proporcionando elementos para um novo ativismo bem como elementos epistemológicos para a composição do queer. O chamado feminismo lésbico, representado por nomes como Audre Lorde, Gayle Rubin, Adrienne Rich e Monique Wittig. O pensamento lésbico denunciava o caráter compulsório da heterossexualidade. Wittig em seu conhecido texto “O Pensamento Hétero”, descreve a heterosexualidade como não apenas uma prática sexual, mas como regime político que regula os corpos (HENNESSY, 1993). A política das multidões queer emerge de uma posição crítica a respeito dos efeitos normalizantes e disciplinares de toda formação identitária, de uma desontologização do sujeito da política das identidades: não há uma base natural (“mulher”, “gay” etc.) que possa legitimar a ação política. Não se pretende a liberação das mulheres da “dominação masculina”, como queria o feminismo clássico, já que não se apoia sobre a “diferença sexual”, sinônimo da principal clivagem da opressão (transcultural, trans-histórica), que revelaria uma diferença de natureza e que deveria estruturar a ação política. (PRECIADO, 2011, p. 18) As autoras feministas começam a apontar para a necessidade de um novo olhar sobre as epistemologias ocidentais hegemônicas, denunciando seu carácter 9 O conceito de pós-feminismo apresenta variantes na sua definição. Para uma melhor compreensão sobre o tema, indicamos a leitura do verbete no Dicionário da Crítica Feminista (MACEDO, 2005). Aqui usaremos pós-feminismo como representante de uma multiplicidade de feminismos que reconhece o fator da diferença como uma recusa da hegemonia de um tipo de feminismo sobre outro, conforme Preciado (2011). 26 reducionistas, essencializador e, mesmo falocêntrico. Os desdobramentos de tais discussões repercutem nas desestabilizações propostas pelos estudos queer. Larissa Pelúcio (2012) fala sobre "tensões epistemológicas" que nascem no interior do movimento feminista sobre a validade teórica-política da categoria mulher. Nos anos de 1990, a academia brasileira participa ativamente desse debate liderado por um grupo de feministas identificadas com o feminismo pós-colonial que questionavam quem de fato era a Mulher, com maiúscula, acionada nas falas do feminismo branco europeu. Começa um debate sobre a necessidade de ampliar a definição de feminismo para incluir a luta por direitos de todas as mulheres, parte do debate do transfeminismo10 e do feminismo negro11. Mais do que isso, percebe-se as diferenças das lutas e prioridades dos movimentos feministas do Norte e do Sul global. Dessas cisões dentro do movimento, levantam questões quanto a coerência das políticas identitárias, o que nos leva ao centro do debate sobre gênero orientado pela Teoria Queer, a saber, a desnaturalização da diferença sexual e a desestabilização das "identidades de gênero". Assim, toma força a proposta de Butler de desprender o gênero de uma base biológica e apontá-lo como uma ficção reguladora que produz materialidade, inteligibilidade e grau de importância do que entendemos como corpos organizados em sexos distintos e sexualidades próprias. O sexo passa a ser apontado como sendo ele também socialmente construído. Apagar a delimitação entre sexo e gênero e rejeitar a identidade é central para que o pensamento queer se estabeleça no debate das ideias. Se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio constructo chamado “sexo” seja tão culturalmente construído quando o gênero; a rigor, talvez o sexo sempre tenha sido gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se como absolutamente nenhuma. [...] O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos. (BUTLER, 2003, p. 25) As fontes conceituais e epistemológicas que aqui citamos não foram lidas e incorporadas pelo pensamento queer de modo acrítico e passivo. Ao contrário, a 10 Além de lutar pela desconstrução da universalização da mulher, que acaba por colocar a mulher branca, cisgênero e de classe média no centro do movimento feminista, o transfeminismo tem suas próprias pautas, debatendo as questões trans na área da saúde, segurança pública e educação. 11 Vertente do movimento feminista que busca centralizar e explorar as experiências de mulheres negras. Tem como base entender e trabalhar com a posição do racismo, sexismo e classicismo na vida de mulheres negras ou não brancas. 27 proposição de novos conceitos surge justamente de uma releitura crítica dessas fontes, principalmente pelos autores de maior impacto acadêmico já mencionados. As três fontes aqui mencionadas podem ser identificadas, em maior ou menor grau, no pensamento de teóricos queer nacionais e internacionais. A leitura desses autores evidencia que cada um deles também se apropriou criticamente de outras fontes conceituais provindas da Filosofia, da História, da Antropologia e de outras áreas do saber. Judith Butler, por exemplo, trabalha conceitos provindos da psicanálise, da fenomenologia e da filosofia da linguagem para formular seu conceito de performatividade de gênero. Tendo feito esse sobrevoo geral sobre o queer, a história da palavra, do contexto em que ela adentra o universo do conhecimento e dos debates com as fontes que a antecederam, passaremos a nos concentrar nas pesquisas nacionais que têm questionado as potências, as transformações e aproximações da Teoria Queer para pensarmos a nossa realidade local. 28 CAPÍTULO 2 - A POSSIBILIDADE DE UM QUEER BRASILEIRO Pesquisadores latino-americanos têm questionado a potência da Teoria Queer, apontando para os limites de mais uma teoria cuja as fontes conceituais remetem a um cânone ocidental. Ao longo da história das ciências, uma fórmula epistêmica se repete: Autores americanos e europeus produzem ideias pretensiosamente universais que são exportadas e replicadas nas periferias geopolíticas. Estaria a Teoria Queer fadada a seguir o mesmo caminho? No capítulo anterior estabelecemos que uma das pretensões de um pensamento queer é a de questionar aquilo que se coloca como norma, isto é, anunciar a instabilidade de padrões normativos sobre o corpo, o gênero e a sexualidade. Para realizar tal virada, parte-se na busca de reapropriar-se do discurso e da produção de conhecimento e um campo de possibilidades é aberto. Nessa reapropriação de disciplinas e saberes sobre os sexos, o queer subverte as normas de subjetivação vigentes e se rebela contra a lógica de produção de corpos normativos (Preciado, 2011). Há, entretanto, a necessidade de nos aprofundarmos nas especificidades e divergências no interior do pensamento queer. Pereira (2012) nos alerta para um certo perigo em generalizar definições conceituais que podem acabar por “nublar as diferenças” do que seria justamente a proposta queer de “política da diferença”. A utilização de repertório comum de autores, a luta contra a heterossexualidade compulsória, a posição contrária a binarismos fáceis, entre outros, são características que conferem aura de transgressão e contestação ao pensamento queer, o que pode sugerir, numa abordagem apressada, uma integração das posições num todo único e homogêneo. Porém, as divergências no interior do pensamento queer são grandes e, assim, tratar as posições e teorias de forma unificada, desconsiderando a especificidade de cada pensamento, retira a força das propostas e das ideias. Distante do contexto de enunciação e sem atenção devida à singularidade de cada campus teórico, corremos sempre o risco de nublar a densidade das proposições queer - que necessitam de um movimento autorreflexivo intenso e contínuo -, o que conduziria à repetição pura e simples de teorias, sem que haja a resistência das realidades analisadas. (PEREIRA, 2012, p.374) O autor incentiva a prática de uma análise teórica que leve em consideração as histórias locais, nos alertando que a leitura de teorias dissociadas das realidades locais reproduz o ciclo de “repetição (periféricas) de teorias (centrais)”. Considerando o queer como um movimento contrário a hegemonia de teorias normativas e a ideia 29 de universalidade, evidencia-se a necessidade de que a própria Teoria Queer coloque a si mesma em perspectiva. O intuito desse segundo capítulo é de acompanhar o caminho conceitual e metodológico levado a efeito por pesquisadores brasileiros que propõe a condução e transformação do queer pela e para a realidade local. Aqui nos concentramos nas contribuições de Larissa Pelúcio, livre docente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, e de Pedro Paulo Gomes Pereira, livre docente pela Universidade Federal de São Paulo. A pesquisadora e professora Larissa Pelúcio, especialista em Estudos de Gênero, Sexualidade e Teorias Feministas, tem uma extensa lista de publicações que se propõem a pensar o queer a partir da realidade brasileira. Nessa pesquisa nos concentramos em duas publicações essenciais para o debate. O artigo “Subalterno quem, cara pálida? Apontamentos às margens sobre pós-colonialismos, feminismos e estudos queer” publicado no Dossiê Saberes Subalternos, organizado pela autora para a Revista Contemporânea em 2012. Também o artigo “Traduções e torções ou o que se quer dizer quando dizemos queer no Brasil?” publicado em 2014 na Revista Periódicus e sua versão revisada e enriquecida “O Cu (de) Preciado – estratégias cucarachas para não higienizar o queer no Brasil” publicado em 2016 na Revista Iberic@l. Também será usada aqui como fonte, parte da pesquisa realizada pelo professor Pedro Paulo Gomes Pereira. Dentre suas publicações selecionamos dois artigos que debatem a possibilidade de um queer brasileiro, “Queer nos trópicos” e “Queer decolonial: quando as teorias viajam”, ambos publicados na Revista Contemporânea em, respectivamente, 2012 e 2015. Pelúcio e Pereira descrevem em seus textos um caminho teórico que desafia os saberes canônicos e contribui para a autonomia intelectual das produções brasileiras. Além do aprendizado conceitual de grande valia, há nos autores um procedimento metodológico que necessita ser compreendido e propalado. Na leitura dos textos, fica claro a consistente compreensão e apropriação do cânone ocidental e das críticas a este produzidas, seja por suas próprias margens (sexuais, de classe), ou por outras margens globais (latina, asiática). Mas os autores, não se restringem a isso. Metodologicamente, fica claro que para os autores tão importante quanto a discussão de conceitos e filosofias, é a consideração pelos 30 saberes provindos da cultura de nosso país, não se impedindo de demorar nas referências às histórias locais e chamando atenção a singularidade da construção da nossa subjetividade. Os autores nos colocam em contato com o debate das epistemologias subalternas. Com o intuito de pensar sobre a autonomia intelectual da academia brasileira, procuram dimensionar a influência de pensadores e pensadoras que desafiaram a produção ocidental de saberes, reunindo conceitos provindo das mais diversas áreas do globo. Aqui mencionaremos alguns desses conceitos e pensadores, em especial, aqueles que podem ajudar a entender os desafios do queer no Brasil. Pretendemos aqui visualizar as aproximações possíveis entre o pensamento queer e as teorias pós-coloniais. A questão das chamadas teorias subalternas tem recebido cada vez mais atenção da academia brasileira. Entretanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Assim, nossa aspiração é apresentar o debate e verificar as possibilidades de percursos conceituais que levem em considerações as ferramentas queer de desestabilização das binariedades, mas que deem primazia a realidade nacional marcada pelas relações de colonialidade. 2.1 Limites da autocrítica da modernidade ocidental O trabalho de teóricos pós-coloniais, como Edward Said, Frantz Fanon, Gayatri Spivak, Homi Bhabha e outros, tem transformado a visão contemporânea sobre a relação entre ciência e verdade. O autor porto-riquenho Ramón Grosfoguel, em um importante texto no qual discute sobre as implicações epistemológicas do pensamento decolonial nas relações de poder globais, assim resume a problemática: Esta questão não tem a ver apenas com valores sociais na produção de conhecimento nem com o facto de o nosso conhecimento ser sempre parcial. O essencial aqui é o lócus da enunciação, ou seja, o lugar geopolítico e corpo-político do sujeito que fala. Na filosofia e nas ciências ocidentais, aquele que fala está sempre escondido, oculto, apagado da análise. [..] O lugar epistémico étnico-racial/sexual/de género e o sujeito enunciador encontram-se, sempre, desvinculados. Ao quebrar a ligação entre o sujeito da enunciação e o lugar epistémico étnico-racial/sexual/de género, a filosofia e as ciências ocidentais conseguem gerar um mito sobre um conhecimento universal Verdadeiro que encobre, isto é, que oculta não só aquele que fala como também o lugar epistémico geopolítico e corpo-político das estruturas de poder/conhecimento colonial, a partir do qual o sujeito se pronuncia. (GROSFOGUEL, 2008, p.119) 31 O ideal de um conhecimento universal verdadeiro começa a ser lido como um mito que oculta o lugar epistêmico geopolítico a partir do qual se é produzido. A epistemologia própria das ciências europeias baseia-se em um afastamento entre o sujeito enunciador e sua produção filosófica e científica. As teorias críticas do Sul Global denunciam tal afastamento, por muito tempo visto como necessário para acessar uma suposta objetividade, como reducionista e desqualificador de saberes não-canônicos. Anunciar o lugar de fala significa muito em termos epistemológicos, porque rompe não só com aquela ciência que esconde seu narrador como denuncia que essa forma de produzir conhecimento é geocentrada, e se consolidou a partir da desqualificação de outros sistemas simbólicos e de produção de saberes. (PELÚCIO, 2012, p. 398) A figura de Michel Foucault, que é sempre presente no debate das ciências sociais, traz consigo uma ambiguidade. De uma maneira geral, as contribuições do filósofo francês são necessárias para qualquer discussão sobre a modernidade. Entretanto, Pelúcio (2012) e Pereira (2012) apontam um limite das leituras foucaultianas. Foucault se interessa pelo que chama de uma “insurreição dos saberes” ou ainda, “reviravolta do saber” (FOUCAULT, 2005). Sua proposta de genealogia dos discursos pode nos fornecer ferramentas conceituais contra cientificismos centralizadores. Seu conceito de “saberes sujeitados”, apresentado em curso ministrado no ano de 1975, nos fala sobre um conjunto de conhecimentos silenciados pelas relações de poder. Não obstante, na leitura crítica de seu curso, evidencia-se seu eurocentrismo que deixa de lado o fato de que “a ‘reviravolta do saber’ na França tem estreita relação com as revoltas coloniais e suas consequências” (PELÚCIO, 2012, p. 401). Pereira fala sobre o silêncio de Foucault a respeito do colonialismo em toda sua teoria do biopoder. Teoria na qual, o filósofo francês, procura explicar a modernidade como um momento histórico no qual a vida biológica e a vida política encontram-se indissociáveis e o poder passa a se ocupar da administração dos corpos e da gestão calculista da vida. Para além do fato de que tal relação entre poder e vida era restrita a sociedade européia, afinal a expectativa de vida na América Latina, por exemplo, ainda era extremamente baixa, também é notável que, ao falar sobre as 32 condições de emergência do biopoder na Europa, Foucault não a relacione a ação colonial. O filósofo espanhol Paul Preciado, em seu conhecido "Testo junkie” (2008), acrescenta as transformações das tecnologias de produção da subjetividade como centrais as relações do biopoder, ao que ele chama de “regime farmacopornográfico”. (PRECIADO, 2018) Sua preocupação é quebrar o paradigma da diferença sexual e reformular o entendimento sobre feminilidade, masculinidade, heterossexualidade e homossexualidade. Para isso, o autor sustenta que as sociedades contemporâneas operam por meio de dispositivos de produção de verdade, ou tecnologias sociais, que asseguram a dominação e a distribuição assimétrica do poder, estabelecendo hierarquias, privilégios e abjeções ao longo da história, mas sobretudo a partir da modernidade. Mas, assim como em seu antecessor, há também em suas formulações um silêncio sobre parte central da história da contemporaneidade. A entrada da vida na história no ocidente dá-se sob, e tem como condição, a própria ação colonial. Lida aqui dos trópicos, a era do biopoder (ou a modernidade ocidental) surgiria ela própria sob o signo da colonização, num dramático quadro no qual a emergência da vida e a potência de produzir a vida no ocidente não são apenas simultâneas aos corpos precários dos trópicos, mas deles dependentes. A história de Foucault sobre o aparecimento da vida na história e as formulações de Preciado não parecem, no entanto, abordar mais detidamente essas vinculações entre biopoder e práticas coloniais, perfazendo um silêncio sistemático sobre uma face fundamental da constituição da modernidade. (PEREIRA, 2012, p. 378) Tanto Foucault quanto Preciado fazem críticas à modernidade ocidental e a sua configuração de ciência distanciada do sujeito. Pensadores queer ao redor do globo usam do pensamento de ambos para pensar sobre a construção dos modelos binários, da heteronormatividade, das tecnologias do corpo, das possibilidades de ação e práticas políticas subversivas, entre muitas outras contribuições dos autores. O que acadêmicos brasileiros, como Pelúcio e Pereira, parecem estar apontando é para o perigo da leitura de tais teóricos de maneira dissociada das realidades locais. Para estabelecer tal alerta, há uma preocupação em demonstrar que as teorias sociais concebidas na Europa estão diretamente relacionadas à experiência histórica, social e política do continente e, portanto, não podem ser aceitas como princípios universais. Esse silêncio certamente está vinculado ao envolvimento desses autores com seus contextos socioculturais - esse silêncio sendo atribuído aos limites da própria imersão nos dilemas da modernidade ocidental. Essa percepção desses autores, intimamente vinculadas 33 aos seus quadros histórico-sociais, faria com que a forma de compreender as teorias seja alterada: nessa condição, apareceriam como produtos locais, intimamente envolvidas com seus dilemas particulares. Os conceitos de biopoder (em suas diversas versões) e de farmacopornopoder seriam, não obstante as pretensões universais, teorias ancoradas em histórias particulares, locais, provinciais. (PEREIRA, 2012, p. 378) Quanto mais nós, como pesquisadores, podemos e devemos ler, compreender e apropriar-nos de teorias e ideias formuladas a partir de outras realidades, mais é necessário afinarmos nosso olhar crítico, aprendendo a identificar e desafiar pretensões universalizantes. Mesmo quando falamos de um pensador como Preciado, que pensa a partir de uma margem da sociedade ocidental, e que como homem transsexual luta pelas minorias sexuais e dissidentes de gênero, percebemos que sua proposta pressupõe uma certa universalização dos modos de produzir teoria e de agir politicamente típicos do norte global de onde fala. Em seu importante texto “Queer decolonial: quando as teorias viajam”, Pereira aponta que um dos aspectos da dissonância na circulação de ideias é a leitura de textos políticos como textos puros, transformando agentes políticos em sujeitos transcendentais. O autor salienta que, ainda mais significativo que a leitura, é a questão da aplicação de teorias importadas independentemente das histórias locais, especialmente quando tais teorias surgem em um apagamento das próprias realidades de onde vieram, como no silêncio sobre o colonialismo. Nas palavras do autor: Há sempre a possibilidade de se aplicar e replicar no Sul aquilo que não só era próprio de outros contextos, como também se forjou num processo de obliteração das próprias experiências das histórias locais. (PEREIRA, 2015, p.418) Nesse mesmo texto, Pereira seleciona e analisa parte da obra do filósofo italiano Giorgio Agamben, a fim de exemplificar a falta de centralidade das ações coloniais que marcam as teorias europeias e trazem um vazio epistemológico quando importadas para o sul global. Os conceitos do italiano, assim como os do francês e do espanhol, são bastante presentes em análises queer que tratam da biopolítica e das vidas precárias. Parte extensa de sua obra se dirige a criação de um vocabulário conceitual que possibilite a formulação de uma crítica à política ocidental. Em poucas linhas, Agamben identifica duas figuras centrais que estariam presentes em toda a história da política ocidental, a saber, o soberano (ou o poder soberano) e o homo sacer (ou a vida nua). Ao decidir o limite entre a vida que merece 34 ser protegida e a vida que pode ser exposta à morte, o soberano politiza o fenômeno da vida, possibilitando ou não sua entrada na esfera jurídica. O homo sacer é a vida marginalizada pelo próprio Estado, cuja morte não constitui crime. O ponto central de sua teoria está no uso contemporâneo, inclusive por democracias, do “estado de exceção”, técnica de governo daquilo que não pode ter forma legal. Na base da exceção encontra-se sempre uma vontade soberana que tem poder de decretá-la de forma mais ou menos arbitrária, suspendendo total ou parcialmente a ordem. A exceção revela sempre o soberano. Ao decretar a exceção o soberano sai das penumbras do direito e mostra-se como aquele que tem o poder de suspender o direito e impor uma ordem a partir da vontade soberana. Agamben entende que a tecnologia da exceção não só revela o soberano, mas também revela o vínculo oculto do poder soberano sobre a vida humana. A vontade soberana não só exerce sua soberania sobre coisas, territórios, riquezas etc., mas sobre a vida humana. (ROCHA, 2021) Agamben argumenta que o estado de exceção se tornou uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, se apresentando como o paradigma dominante da política contemporânea. No deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica permanente de governo, ofusca-se a fronteira entre a vida que merece ser protegida e a vida que pode ser exposta à morte. As percepções de Agamben sobre os dispositivos políticos de controle da vida são de grande valia para a produção de críticas a tais dispositivos, tal como se propõe a Teoria Queer. Pereira problematiza o que chama de “aplicação de teorias importadas”, como a de Agamben, alegando que Para elucidar como se instalaram os estados de exceção nas Repúblicas e Estados Constitucionais, Agamben analisa a história dos governos, passando pelo Senado Romano, pela Revolução Francesa, pelas duas grandes guerras mundiais, pelos acontecimentos de 11 de setembro e 2001. Essa sofisticada e erudita análise (e extensa nos períodos históricos) sobre a origem e o desenvolvimento do pensamento político e legal do Ocidente, no entanto, contrasta com um silêncio profundo sobre a história da colonização. Em toda sua obra, Agamben faz apenas referências pontuais à colonização, sem se deter em histórias concretas. Na tentativa de entender a vida política do Ocidente, em nenhum momento explora os modos pelos quais a própria entidade geopolítica “Ocidente” surge por meio da dominação dos Outros. (PEREIRA, 2015, p.420) A falta de referências ao colonialismo na argumentação de Agamben é ainda mais alarmante tendo em vista que seu conjunto teórico é uma produção recente, feito em um contexto pós-colonial e na presença de uma importante literatura pós-colonial. Seu trabalho é mais um exemplo de que a crítica produzida no interior da tradição 35 ocidental a respeito de si mesma, de suas origens e dispositivos, é limitada. Esse limite encontra-se justamente no eurocentrismo que, circunscrito na lógica de universalização, reduz seu horizonte de percepção e restringe a sua potência. É a partir desse entendimento que pesquisadores brasileiros têm insistentemente apontado a necessidade de ler e produzir críticas de gênero e sexualidade atentando-se para a realidade local. As ferramentas conceituais e metodológicas do pensamento queer estão diretamente ligadas a inversão, modificação e subversão de ideias; pensado aqui do sul global esse movimento deve ser feito em combinação com a crítica à colonialidade. Se entendemos que nenhuma teoria é despida da cultura que a produz, que seu vocabulário já denota uma posição no mundo, que sua descrição está contaminada da visão de uma cultura; então romper com o eurocentrismo e seus limites implica em questionar a ilusória distância entre a produção de conhecimento e localidade. 2.2 Perspectiva decolonial Traçamos no capítulo inicial alguns apontamentos sobre as intenções originais de algo como uma Teoria Queer. Foi apontado que o queer propõe-se como um movimento político-teórico dos corpos e sexualidades dissidentes. Entendemos que a oposição à normatividade leva à renúncia da ideia de verdade universal e a insurgência de teorias-outras12 provindas dos mais diversos corpos e subjetividades. Entretanto, o alerta de inúmeros pesquisadores do sul global é de que, apesar do queer abdicar-se de um lugar de autoridade, ainda vivemos em um contexto de disparidades no universo de produção de conhecimento, marcado pelo contraste de poder e localidade. o queer não está fora das diferenças de poder e de prestígio dos itinerários das teorias. Não obstante sua potência subversiva, a teoria queer não é externa à colonialidade, nem há como pensá-la isoladamente dos contextos políticos e de seus itinerários e de sua apropriação, bem como dos processos de tradução implicados. Ela viaja ao Sul, com os desafios, os perigos e as potencialidades que as viagens ensejam. (Pereira, 2015, p. 413) 12 A palavra “outras” aqui remete à antropologia. A ideia de “Outro” ou “Outros” aponta uma construção identitária de valores e representações de algo ou alguém indefinido, que não é nem falante nem ouvinte. 36 Ao apresentar a problemática, Pereira elucida tais disparidades, e reflete sobre as viagens de ideias e teorias, seus itinerários e apropriações. O autor nos sinaliza que no deslocamento da Teoria Queer para o sul global o termo queer se esvazia de seu poder subversivo que desestabiliza a própria ideia de “Teoria” que o acompanha. No trajeto, uma das propriedades mais caras ao queer, isto é, sua capacidade de questionar as autoridades produtoras de conhecimento, se perde. Para o autor, “aplicar a teoria queer, acatando aqui o que fora formulado alhures, é uma espécie de escape do campo queer, uma vez que se assume como Teoria aquilo que brincava (e ridicularizava) com essa pretensão” (PEREIRA, p. 414.) O conceito de colonialidade formulado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano (2005) nos ajuda a compreender os motivos pelos quais presenciamos a repetição de tal fórmula de importação de teorias. Segundo o autor, ainda perdura por todo o âmbito cultural, social e científico uma estrutura, que hierarquiza geopoliticamente e controla o conhecimento, forjada na história do colonialismo, mas que se manteve mesmo após o fim das colônias. Walter Mignolo, outro importante nome do pensamento decolonial latino-americano, explica que “Colonialidade” equivale a uma “matriz ou padrão colonial de poder”, o qual ou a qual é um complexo de relações que se esconde detrás da retórica da modernidade (o relato da salvação, progresso e felicidade) que justifica a violência da colonialidade. E descolonialidade é a resposta necessária tanto às falácias e ficções das promessas de progresso e desenvolvimento que a modernidade contempla, como à violência da colonialidade. (MIGNOLO, 2017, p.13) Ao passo que a ideia de colonialismo nos indica um período histórico, a colonialidade aponta para uma lógica de continuidade dos mecanismos coloniais. A “matriz ou padrão colonial de poder”, que se apresenta em toda classificação epistêmica e ontológica, transforma diferença cultural em valores hierárquicos e cria o rebaixamento de populações e raças. As produções de Quijano e Mignolo nos sugerem que o eurocentrismo e suas pretensões universalistas estão intimamente ligados a diferença colonial e que para nos abrirmos verdadeiramente a outras experiências, histórias e teorias, é preciso decolonizar, isto é, desprender-se da lógica da colonialidade e descartar os mecanismos de hierarquização europeus. 37 A partir dessas reflexões, justifica-se uma certa desconfiança do pensamento decolonial13 em relação a viagem do queer para o Sul Global. As fontes conceituais da Teoria Queer, conforme já apresentado no primeiro capítulo, mostram a sua proximidade com teorias formuladas nos centros europeus e americanos. Já discutimos aqui os apontamentos de Pereira (2015) sobre os conceitos de biopolítica de Foucault e de farmacopornografia de Preciado que, apesar de ignorarem em suas formulações a diferença colonial, são recorrentemente empregados sem criticidade em análises locais. Pelúcio também reflete sobre a necessidade de construirmos nossas próprias ferramentas conceituais e teóricas a fim de pensarmos nossa realidade. Nossa drag, por exemplo, não é a mesma do capítulo 3 do Problemas de Gênero de Judith Butler, nem temos exatamente as drag kings das oficinas de montaria de Beatriz Preciado, ou sequer podemos falar de uma história da homossexualidade do mesmo modo de David M. Halperin, ou da Aids como o fez Michel Warner. Nosso armário não tem o mesmo “formato” daquele discutido por Eve K. Sedwick. (PELÚCIO, 2012, p.413) Ao apontar cinco dos mais conhecidos nomes do pensamento queer euro- americano, Pelúcio parece nos alertar que todo e qualquer conteúdo que chega até nós não pode ser lido sem que seja considerado em seu contexto cultural e recorte social. Nesse sentido, o próprio fato de que o termo “queer” tem difícil tradução e se mantem em inglês por onde quer que viaje, já contribui para as suspeitas do pensamento decolonial sobre este e nos faz questionar a possibilidade de uma Teoria Queer que contraponha a geopolítica do conhecimento. Discutiremos mais adiante em profundidade a proposta de Pereira de um olhar diferente para o incomodo que o impasse da tradução de queer causa ao pensamento decolonial. Em poucas palavras, o autor aponta que Em realidade, a teoria queer e a crítica decolonial necessitam ser afetadas pelos corpos e experiências, donde a propensão a se enredarem nos dilemas dos processos de tradução. O queer carrega em si a necessidade de tradução, como se a dificuldade em traduzir o próprio termo queer apontasse o como télos justamente aquilo que parece ser impossível (a própria tradução). (PEREIRA, 2015, p.417) 13 Alguns escritos produzidos por intelectuais latino-americanos, ao serem traduzidos para a língua portuguesa, usam a expressão "descolonial" como aparente sinônimo de "decolonial". Entretanto, para alguns autores é relevante a diferenciação destes termos. A ideia de “decolonialidade” sublinha que o processo de colonização ultrapassa um momento histórico. Em alguns contextos, o decolonial seria a contraposição à “colonialidade”, enquanto o descolonial seria uma contraposição ao “colonialismo”, já que o termo é utilizado para se referir ao processo histórico posterior às administrações coloniais. 38 É necessário considerar que a Teoria Queer, em sintonia com a perspectiva decolonial, surge e se fundamenta na crítica das epistemologias normativas e na aposta em outros corpos, histórias e teorias não cânones. O pensamento decolonial se aproxima do queer na medida que reivindica atenção às imagens-outras, pensamentos-outros e teorias-outras. Como a teoria queer, a crítica decolonial interroga as pretensões teóricas que generalizam pressupostos e assuntos particulares e eludem as formulações dos Outros, consideradas como específicas e particulares. (PEREIRA, 2015, p. 415) Falamos anteriormente sobre uma lógica de importação de teorias que opera com pretensão universalizante no universo do conhecimento. A habilidade do pensamento decolonial de abdicar ou subverter essa lógica pode ser potencializada no seu encontro com a Teoria Queer, na medida que ela “se originou como pensamento inconformado de corpos inconformes” (PEREIRA, 2015, p. 416). Isso significa que a capacidade do queer de considerar e afetar-se pelos corpos e experiências oportuniza sua convergência com a decolonialidade. É importante apontarmos também que a possibilidade de um pensamento queer decolonial se põe como uma alternativa de aproximação da academia brasileira e as produções de nossos vizinhos de língua espanhola. Pelúcio (2014; 2016) nos fala sobre um incômodo crescente entre pesquisadores nacionais com uma produção científica, que apesar de se localizar fora do regime de ciência canônico, está sempre em debate com centros europeus e por vezes ignoram as produções latinas. A autora aponta a necessidade de “problematizar as formas como temos localmente absorvido, discutido e ressignificado as contribuições de teóricas e teóricos queer” (PELÚLIO, 2014, p.7). Uma das operações viáveis para tal problematização é refletirmos sobre o nosso posicionamento ante a produção queer latino-americana. Apesar das singularidades locais, nossa tendência inicial de aproximação com os estudos queer foi, sobretudo, de procurar aplicar os achados teóricos e conceituais queer, mais do que tencioná-los e, assim, produzir nossas próprias teorias (ainda que em diálogo com o que estava sendo produzido em outros países). Postura que tem mudado durante o próprio exercício de pesquisa e produção intelectual brasileira no campo do gênero e da sexualidade. Mas o fato é que ainda nos mantemos bastante reverentes a produções teóricas europeias e norte-americanas, enquanto guardamos relativa ignorância a respeito das contribuições de nossos vizinhos continentais, com os quais compartilhamos, muitas vezes, cenários sociais, políticos, econômicos e culturais bastante próximos. Sintomaticamente, dialogamos muito pouco com o resto da América Latina. É como se a língua portuguesa 39 tivesse nos ilhado nesse mar volumoso do idioma espanhol. (PELÚCIO, 2016, p.127) Pelúcio fala sobre uma tendência inicial de aplicar conceitos provindos da Teoria Queer, ao mesmo tempo que identifica uma mudança de postura das pesquisas nacionais. Mais adiante, nesse mesmo texto, a autora escreve sobre Néstor Perlongher14, antropólogo argentino, que produziu sua obra fora dos regimes heteronormativos da ciência canônica e que voltava seu olhar para as bordas. Perlongher, nos anos 80, muito antes da conceituação do queer surgir na academia e em meio a epidemia de AIDS, posicionava-se contra a normatização dos corpos e sexualidades, entrelaçando linguagem acadêmica e marginalizada. Pelúcio defende, na esteira do trabalho feito por Perlongher, que se queremos entender nossas peculiaridades locais é preciso que aprendamos a ler as marcas históricas e culturais que nos constituem como periféricos, abrindo espaço para produções que a autora chama criativamente de “epistemologias cucarachas”. Creio que essas produções têm mostrado a potência das reflexões locais, na sua intensidade antropofágica. Não estamos tentando “traduzir o queer da sociedade central para a sociedade da periferia”, como teme Mário César Lugarinho, nem traindo “a própria antropofagia que nos confere identidade”. Faço a mesma aposta que Lugarinho, a de que nossa produção é aquela gestada nas fronteiras, na ambiguidade das margens, do estar aqui e lá a um só tempo. Dos riscos que o entre-lugar apresenta, mas também da riqueza que essa experiência proporciona. Temos procurado mostrar que a construção dos sujeitos abjetos é marcada por discursos de poder nos quais as experiências de exclusão estão referidas a processos históricos que marcam subjetividades. Talvez nossa própria experiência fronteiriça tenha nos sensibilizado para essa produção marginal, subversiva, forjada pela força rasteira dos que sempre necessitaram enfrentar os inseticidas morais para sobreviver. (PELÚCIO, 2016, p. 134) Há uma ampla possibilidade de encontros entre o queer e o decolonial. A potência de ambas as perspectivas está justamente em suas configurações abertas à multiplicidade de experiências, saberes e corpos. Nossa subjetividade está marcada pela colonialidade do poder, o que nos coloca nesse “entre-lugar" do qual fala Pelúcio. A autora abre a possibilidade de que estar nas margens da produção de conhecimento é de fato a razão pela qual nos aproximamos da perspectiva queer e de suas 14 Perlongher emigrou para o Brasil em 1981. Na Universidade Estadual de Campinas, produziu uma pesquisa etnográfica pioneira na antropologia brasileira. Sua obra “O negócio do michê, prostituição viril em São Paulo” foi publicada em português pela Editora Brasiliense em 1987. Acadêmico e poeta, também é autor de uma vasta produção de poesia “neobarroca” (ou como ele mesmo a denominou na sua rebelde e corrosiva irreverência: “neobarrosa”). Faleceu devido a complicações decorrentes do vírus HIV, em 26 de novembro de 1992. 40 propostas de subverter os discursos e confluir força aos corpos. Mignolo (2008) ao discorrer sobre diferença colonial enfatiza que esta se manifesta nos corpos. Há uma intensa relação entre corpos, localização geográfica, língua, história e cultura. Nesse sentido, a Teoria Queer, em compasso com a perspectiva colonial, sempre se coloca como uma política de localização, uma teoria corporificada. A teoria queer e o pensamento decolonial não preconizam uma simples rejeição das teorias do Norte global: são ideias e práticas, corporificados e localizados, que denunciam e fustigam essas divisões geopolíticas, e se movimentam de forma a romper e recuperar as Teorias, produzindo com isso algo novo. (PEREIRA, 2015, p. 418) Pereira e Pelúcio identificam que para uma leitura decolonial do queer é preciso direcionar os esforços para romper com a lógica da colonialidade. Ao falar sobre a obra de Agamben, conforme mencionamos anteriormente nesse capítulo, Pereira insiste que não é suficiente sinalizar o esquecimento do autor quanto a história colonial, mas defende que alteremos os conceitos, transformando-os a fim de que se ampliem e situem a colonialidade como dimensão formativa da política ocidental (PEREIRA, 2015, p. 422). Romper com o eurocentrismo e seus limites vai além de dar voz aos saberes das margens, é modificar os conceitos de tal maneira que se produza algo novo. Destacamos que para a efetivação de tal possibilidade, os autores apontam para a centralidade de duas práticas: a política de localização, que se preocupa em anunciar o lugar de enunciação, e a corporeidade das teorias, que denuncia a instabilidade das normas. Autores decoloniais (Mignolo, 2008; Quijano, 2005) argumentam que a diferença colonial opera a partir da construção de uma figura de humano oposta à imagem de mulheres, negros e corpos dissidentes. Pereira aponta que assim como análise de Agamben sobre as relações entre o homo sacer e o soberano, é indiferente à colonialidade, também o é para com a corporeidade. Na obra de Agamben, contudo, o gênero dos atores não é questionado ou pensado como parte da vida - o homo sacer não é considerado em sua dimensão de gênero e sexualidade. Há também uma desencarnação manifesta nos procedimentos analíticos: Agamben, apaga a ligação corpórea do pesquisador, mantendo-se separado de uma incorporação suscetível de forçá-lo ou limitá-lo. E a essa posição desencarnada, sem localidade, opõe-se a posição das mulheres, dos corpos queer, dos corpos racializados, sudacas, enraizados numa corporeidade instransponível. (PEREIRA, 2015, p. 422) 41 O ilusório distanciamento do pesquisador, produzido por meio de procedimentos analíticos típicos das epistemologias ocidentais, tem relação não apenas com o apagamento da sua posição corpórea enquanto homem, branco, europeu, mas também com o silenciamento de suas próprias histórias enquanto colonizador. É a essas distâncias que se contrapõe a proposta de um queer decolonial. Pereira e Pelúcio parecem acreditar que a crítica à tais apagamentos e silenciamentos só pode ser surgir a partir de fora do Ocidente e por isso a necessidade de estarmos abertos a outros saberes e teorias que se atentem para as experiências dos corpos e novas formas de agência15. Em 2015, quando Pereira escreveu seu artigo “Queer decolonial: quando as teorias viajam”, o autor apontava para o fato de que os contornos de tais encontros ainda estavam nublados e que havia um longo caminho a ser trilhado para a elaboração de uma crítica queer decolonial. Ao longo dos 7 anos que se passaram, presenciamos um aprofundamento do debate com publicações acadêmicas de pesquisadores brasileiros. Os nomes de muitos desses autores já foi mencionado na presente pesquisa e muitos outros poderiam ser. Pesquisadores brasileiros de diferentes áreas do conhecimento têm aderido as propostas queer de questionar os modelos normativos a partir do olhar decolonial. Falaremos mais adiante sobre algumas das pesquisas que têm sido desenvolvidas nesse sentido na academia brasileira. Antes disso, porém, discutiremos em maior detalhe as possibilidades de abertura do queer para nossa realidade local, dando atenção a singularidade da construção de nossa subjetividade. 2.3 A tarefa de localizarmos É no intuito de pensar outras possibilidades de reflexão científica e ação política que teórico críticos do Sul Global tem revisado textos das diversas áreas das 15 A ideia de ”agência“ para a sociologia diz respeito à capacidade de indivíduos em agirem de maneira indepentente, fazendo suas escolhas livremente. Em oposição, a ideia de ”estrutura“, isto é fatores de influência, como classe social, religião, gênero, etnia e costumes que podem determinar ou limitar o indivíduo. Muitos autores queer refletem sobre esses conceitos. Judith Butler, na esteira do pensamento foucaultiano, defende que o sujeito opera como uma categoria linguística que está sempre em processo de construção no interior das relações de poder. Para ela, o indivíduo constroi estratégias de resistência e subversão aos mandatos sociais que o limitam em meio ao processo de subjetivação. Essa possibilidade é definida em Butler como agência. Para um estudo sobre essa perspectiva ver: FURLIN (2013). 42 humanidades, passando pela Filosofia, Sociologia e Antropologia, produzidos tanto por autores norte-americanos e europeus, quanto por pensadores asiáticos e africanos. A partir da compreensão de que teorias importadas precisam ser consideradas em seus contextos históricos e sociais, a releitura de tais textos têm possibilitado a revisão crítica de nossas próprias produções acadêmicas. O esforço de localizar nossa posição epistêmica numa perspectiva global não é justificado apenas no sentido de nos capacitarmos criticamente para a leitura e aplicação de teorias produzidas no exterior. Pesquisadores queer brasileiros defendem que nos situarmos no universo de produção de saberes é importante para fortalecer as ferramentas críticas usadas para pensar nossa realidade. Pereira e Pelúcio, por exemplo, cada um à sua maneira, demonstram um interesse em compreender as singularidades culturais que marcam as sexualidades e corporalidades aqui presentes. Tendo em mente que as formas de subjetividades são grande parte fruto de uma imensidão de influências recebidas pela realidade que cercam o sujeito, podemos identificar a complexidade e o desafio de compreender a realidade brasileira. Sabemos que nosso povo é composto de uma ampla paleta de cores e origens. Mais do que isso, presenciamos entre nós contrastes entre posições sociais e raciais que culminam em grandes lacunas de oportunidades e diferentes níveis de acesso à formação educacional16 e outros direitos básicos. Pelúcio (2012) nos fala sobre a multiplicidade de corpos e cores que formam nossa população nacional e sobre como a colonização nos impede de refletirmos sobre nossas diferenças e suas implicações. Em meio a esses recortes, é plausível que muitos de nós tenham resistência em se ver enquanto “outro”. Muitas vezes, só nos damos conta das marcas da colonialidade quando saímos de nosso país e, como imigrantes, ocupamos um lugar de “outro”. Como a autora aponta, “ser o ‘outro’ é condição relacional e contextual” (PELÚCIO, 2012, p. 398). Como pesquisadores acadêmicos, essa posição pode parecer mais evidente, pois a colonização, que também é epistemológica, como 16 Nas últimas décadas, vemos o debate sobre diversidade se intensificar no debate público. Empresas privadas, campanhas ativistas e até ações governamentais propagam o reconhecimento e inserção social e política dos particularismos étnicorraciais e culturais, especialmente nas políticas educacionais. Com base no pensamento queer, alguns pesquisadores têm questionado a potência desses discursos, levantando um debate sobre o apagamento das diferenças no interior de tais propostas de diversidade. Para uma análise detalhada da questão, ver Abramowicz (2011). 43 falamos anteriormente, nos identifica nessa condição de ”outro”, o que reflete no lugar que nossa produção científica ocupa no universo do conhecimento. Pereira e Pelúcio nos instigam a pensar sobre o queer a partir da nossa realidade, o que significa não apenas estar conscientes na nossa condição de fronteira, mas também voltarmos nosso olhar para as particularidades das experiências de dissidência de gênero e sexo no Brasil e abrimos espaço para os saberes e formas de agência das nossas margens. Na produção textual de Pereira, por exemplo, podemos identificar um procedimento metodológico que consiste em intercalar o debate de conceitos, típico da pesquisa científica das humanidades, com relatos reais de experiências particulares de dissidentes de gênero que nos provocam a pensar sobre as singularidades da nossa realidade. Em “Queer nos trópicos", o autor conta sobre a história de Cida, uma travesti com quem conviveu durante uma pesquisa etnográfica em um refúgio para portadores de Aids em Brasília. Em seu relato, narra sobre as peculiaridades daquela vida e nos faz refletir sobre as histórias e situações precarizadas de grande parte da população LGBT no Brasil. Pereira traça um paralelo da história de Cida com a história pessoal de Paul B. Preciado17 contata em seu Testo Junkie (2008). Algumas semelhanças são evidentes. Ambas passaram por modificações corporais, viveram em grandes urbes, manifestaram suas sexualidades dissidentes, nasceram em pequenas cidades do interior. As diferenças, entretanto, são muitas. Preciado afirmou: "Eu habito distintas megacidades ocidentais" (2008, p. 77). O verbo habitar é caro para uma filósofa, pois o termo pode remeter a autores diversos (como Heidegger, 1986, por exemplo), e indica a decisão de vínculo com esses lugares. Cida, mesmo que viajada, jamais largou sua cidade natal, que a acompanhou em seus gestos e modos de falar. [...] Temos então uma filósofa que fala de grandes cidades da Europa e dos Estados Unidos, nas quais habita; uma travesti que transitou por várias cidades e vive num refúgio para portadores de Aids no Brasil. (PEREIRA, 2012) Entre esses dois corpos queer, grandes diferenças se colocam. Preciado habita megacidades, transita com facilidade entre três línguas e insistentemente denuncia os marcadores sociais e culturais de feminilidade e masculinidade. Cida, por sua vez, sempre carregou os traços do interior, descreve-se como incapaz de usar corretamente sua língua materna e diz admirar profundamente as mulheres delicadas 17 Em 2012, quando Pereira escreve o texto aqui citado, Preciado ainda não tinha alterado sua identidade de gênero. Em 2015, Preciado retificou seu nome para Paul e assumiu uma identidade masculina. 44 que conheceu no interior. Pereira fala sobre a opção religiosa de Cida pela Umbanda. Mais à frente em seu texto, faz um outro relato sobre algumas travestis de Santa Maria no Rio Grande do Sul no qual também afirma a centralidade das religiões afro- brasileiras para aqueles universos. As travestis buscam o acolhimento de suas sexualidades dissidentes no interior de uma nova gramática, procurando na religião opções performáticas, morais e de conhecimento que justifiquem suas escolhas, que lhes acolham, e nas quais possam se expressar. [...] anseiam por uma nova linguagem que ofereça condições para que se vejam por outras lentes e de outros ângulos, além daqueles que as patologizam e criminalizam. Sair dos espaços onde seus corpos são abjetos para outros nos quais seus corpos são belos e seus desejos legítimos. Espaços onde podem dançar nas casas de santo, em ruas sem asfaltos de bairros afastados e precários, em transe, incorporando Pombajira, ao som do batuque. (PEREIRA, 2012, p. 387) Dessa maneira, Pereira parece estar interessados na reflexão sobre saberes e sistemas simbólicos que se encontram fora da lógica científica, mas que podem ser de grande valia para compreensão da subjetividade, da organização social e das escolhas e desejos dos corpos dissidentes que coabitam nossa realidade local. A história de Cida, das travestis de Santa Maria e de tantos outros corpos, não devem ser escutadas com o intuito de corroborar a aproximação da Teoria Queer e da perspectiva decolonial, mas sim na tentativa de permitir que estas sejam afetadas por novas maneiras de agência e reinvenções do corpo. Não há, num quadro como o que descrevi neste artigo, como se aplicar uma proposta como a de Preciado não somente porque o biopoder é algo aberto que precisa ser cartografado (inclusive em suas variantes, como o farmacopornopoder aventado por Preciado), mas porque os corpos são diversos, pois os mediadores são outros e a biotecnologia se mescla com entidades e deuses que conformam outro corpo; e, ademais, a forma de agir (a agência) não é a mesmo em todos os contextos ou independentes das histórias locais. (PEREIRA, 2012, p. 388) Se estabelecemos que a Teoria Queer, assim como o pensamento decolonial, são possibilidades de conhecimentos que passam pelo corpo e por uma política de localização, podemos entender que esses são projetos permanentemente abertos com itinerários sempre em construção. Estarmos apartados geográfica e epistemologicamente do Norte global e termos entre nos tantas outras formas de subjetividades pode significar uma capacidade única de mudar as formas de pensar e produzir teorias. De forma que a luta decolonial afete as maneiras pelas quais pensamos sobre questões de sexualidade, gênero e normatividade, sensibilizando-as 45 para a existência de uma matriz do poder que apaga experiências e formas de vida e naturaliza uma hierarquia de pensamento. O desafio que o pensamento de Pereira e Pelúcio parece propor para a academia brasileira não é o de simplesmente abandonar o cânone ocidental, já que as teorias não servem para serem aplicadas. Ao contrário, os autores atestam a importância que a releitura crítica de teorias do cânone ocidental até para que possamos de fato “revisá-las, torcê-las, perscrutar seus silêncios e obliterações, e fazê-las falar diferente” (PEREIRA, 2015, p. 428); e que, simultaneamente, sejamos afetados pelas histórias locais e discursos aparentemente inacabados. Esses seriam os caminhos possíveis para que um pensamento queer brasileiro se manifeste e se efetive, rompendo com as lógicas de importação e replicação de teorias. 46 CAPÍTULO 3 – PENSANDO A REALIDADE QUE NOS CERCA A chegada da Teoria Queer no Brasil pode ser entendida por diferentes perspectivas. A persistência do termo em inglês causa certo estranhamento e suspeitas. No seu contexto de origem queer gera um forte impacto no ambiente acadêmico ao trazer consigo perspectivas de corpos e sexualidades marginais. Na sua viagem ao Sul, o termo queer perde sua característica subversiva e encara a tentação de ser lido apenas como mais um estrangeirismo que pouco nos diz sobre nossa realidade local. Por um outro lado, atestamos anteriormente que antes da denominação queer ser formulada e importada, parte do pensamento brasileiro já apontava um movimento de crítica às concepções de normalidade e às tendências assimiladoras típicas do presente momento político-econômico de nosso tempo, o que representa parte central da ideia de um pensamento queer. Quando falamos sobre Teoria Queer em um contexto global uma lista de nomes nos ocorre, dentre os quais, Judith Butler, Paul B. Preciado, Eve. K Sedgwick, Teresa de Lauretis e Sam Bourcier recebem destaque no Brasil. Aos poucos as obras desses autores começaram a serem traduzidas para o português, lidas intensamente pelos movimentos ativistas e discutidas por grupos acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento. No capítulo anterior, concentramo-nos em analisar as propostas, alertas e provocações de dois pesquisadores brasileiros para a leitura e produção queer nacional. Pereira e Pelúcio demonstram a importância da leitura crítica desses textos que chegam até nós e do olhar atento as nossas subjetividades. O objetivo desse terceiro e último capítulo é discutir em maior detalhe a produção acadêmica nacional e apontar as áreas de estudo que têm se dedicado à pesquisa original no campo do gênero, da sexualidade e da normatividade no Brasil. Sabemos que não será possível mencionar todos grupos e pesquisadores nacionais, por isso nosso intuito aqui é apresentar alguns trabalhos e iniciativas que buscam priorizar questões mais prementes para a realidade brasileira. Inicialmente debateremos em maior profundidade sobre a questão da tradução de queer para o português e seu poder de ressignificar e ampliar os estudos sobre gênero e sexualidade. Depois disso, procuraremos entender as relações do pensamento queer acadêmico com o movimento ativista no Brasil. Por fim, tendo 47 reunido exemplos e conceitos de pesquisas nacionais, formularemos algumas reflexões sobre a originalidade do pensamento queer brasileiro e realizaremos um sobrevoo por publicações recentes de pesquisadores nacionais que dão atenção as particularidades das questões brasileiras. 3.1 De volta à questão da tradução As pretensões da Teoria Queer de insubordinar-se à normatividade compulsória encontram seu melhor emblema no próprio questionamento da existência de algo que possa ser uma teoria. Sedgwick (2002) e Butler (2002), cada uma à sua maneira, propõem contornos subversivos para a quebra do ideal de uma teoria universalista. Ao abdicar da posição de autoridade e expandir para a multiplicidade de corpos dissidentes, o queer abre a possibilidade de colocar a si mesmo em dúvida e transformar-se em algo novo. O termo pode facilmente ser abandonado na presença de outros que produzam ações mais efetivas, conforme atesta Pereira (2015). Judith Butler, uma das autoras mais comumente relacionada à Teoria Queer, em entrevista à Sara Ahmed, diz como uma boa parte de teoria queer foi dirigida contra o policiamento da identidade, a demanda de ter uma identidade e mostrá-la mediante solicitação tem sido um tanto surpreendente para mim. Mas então, mais uma vez, tenho que me perguntar: por que não deveríamos ficar surpreendidos pelas direções que toma um termo como “queer”? Ele tem viajado para longe e muito, e quem sabe qual será a próxima mutação que terá. Dito isso, fico muito mais atraída pelo trabalho queer que está sondando as possibilidades de aliança, e não apenas lutando pelos direitos de uma identidade. (BUTLER, 2017) Tais discursos podem parecer conflituosos com o simples fato de que o termo queer resiste a traduções fáceis. Pode-se pensar que tal fato estabelece de imediato uma assimetria, levando consigo um contexto inglês e ocidental por onde viaja. Pereira, entretanto, nos convida a pensar sobre a questão da tradução sob uma outra ótica. O autor argumenta que Se a teoria queer puder, ao contrário, se abrir para outras experiências e saberes [..], nesse caso, há a possibilidade de, em vez de o termo em inglês assinalar um processo de assimetria consubstanciado num eurocentrismo avassalador, a expressão designar a resistência a traduções fáceis. (PEREIRA, 2012, p. 389) O que os pesquisadores brasileiros parecem estar defendendo é que: mais importante que o processo de traduzir queer ou procurar equivalentes diretos para 48 nossa língua, seria o processo de conduzir o termo e deixá-lo encontrar a realidade local mesmo que isso signifique arriscá-lo por algo novo. Mário César Lugarinho publicou um texto em 2001 um trabalho importantíssimo sobre o assunto intitulado “Como traduzir a Teoria Queer para a Língua Portuguesa". Nesse trabalho, Lugarino segue a teoria pós-estruturalista e considera a o processo de tradução em conformidade com a proposta de Derrida de reinterpretar, reelaborar e desconstruir, o que implica envolvimento e comprometimento. Para o autor, “traduzir o queer da sociedade central para a sociedade da periferia é trair a própria antropofagia que nos confere identidade” (LUGARINHO, 2001, p. 44) Nesse sentido, acolher o termo em inglês é reconfigurá-lo. De modo que traduzir signifique transformar na origem e nos destinos os termos que viajam. Assim, pesquisadores brasileiros têm dito não acreditarem que manter o uso do termo queer em português seja uma postura de subserviência ao imperialismo anglófono18. Ao contrário, manter o termo na sua língua original nos provoca a estarmos atentos aos limites das teorias importadas. 3.2 A relação da pesquisa acadêmica com o movimento ativista Sabemos que a questão das nomenclaturas nas ciências humanas tem se tornado cada vez mais complexa. No caso dos estudos queer, um amplo leque de variações tem surgido para nomear as diferentes perspectivas que aos poucos ganham espaço institucional. As disputas entre as políticas identitárias e a Teoria Queer parecem acontecer com certas peculiaridades no Brasil, o que pode ser verificado nas próprias divisões dos departamentos de universidades nacionais. Em algumas universidades brasileiras, no campo da historiografia, por exemplo, percebemos uma divisão entre os chamados Estudos de Gênero, mais alinhados às propostas queer, e os Estudos das Mulheres, ainda bastante marcados por binarismos e políticas identitárias. 18 Importantes movimentos em defesa dos direitos humanos no Oriente Médio, como o Ira Queer no Iraque, ou o Al Qwals, na Palestina, que mobilizam o queer como aposta política transnacional em um contexto linguístico onde o árabe cumpre um importante papel de resistência linguística anti- imperialista. 49 De fato, essa disputa ainda parece causar controvérsia entre acadêmicos e militantes, em uma separação entre pós-identitários e identitários ou entre queer e adeptos do essencialismo estratégico. Parte do movimento ativista entende que a posição avessa às políticas identitárias coloca o queer como sendo contrário ao movimento LGBT. Apesar da divisão entre “identitários” e “queer” fazer pouca diferença o resto da sociedade brasileira, essas diferentes visões colocam em disputa o papel do movimento dentro do novo cenário da política sexual brasileira. O professor e sociólogo brasileiro Richard Miskolci analisa os embates entre o movimento ativista e os pensadores queer em um detalhado artigo publicado em 2011. A suposta oposição “identitários” versus queer parece apenas um sintoma de resistência do movimento atual à criação de um diálogo mais crítico com o Estado, ao estabelecimento de uma crítica articulada e sistemática às pressões conformistas do mercado [...] Ao empregar, neste contexto, frases como “a população LGBT”, membros do movimento, do Estado ou mesmo da academia ontologizam um grupo político histórico e socialmente delimitado como se fosse algo acabado e generalizado na experiência social cotidiana. [..] Ao invés de transformar a experiência da discriminação em força política de resistência e questionamento da heteronormatividade, parece mais forte, no contexto brasileiro, a manutenção de uma perspectiva que busca conciliar a armadilha identitária da qual o movimento parece não saber sair. Daí a estratégia que subdivide a homofobia nas chamadas transfobia, homofobia, lesbofobia, apelando para a proteção e a tolerância de identidades ao invés de problematizar as normas sexuais e, sobretudo, as de gênero. (MISKOLCI, 2011, p.47) Para o autor, naquele momento, grande parte da disputa consistia em definir como se darão as relações entre Estado, demandas sociais, movimento, academia e mercado. Na visão de Miskolci, o queer propõe uma relação mais crítica com o Estado e questiona a “essencialização” identitária na qual seu modelo representativo atual se baseia, ao passo que movimento ativista insiste na afirmação identitária mesmo que esta implique em novas formas de controle social, quer pelo Estado quer pelo mercado. Os autores da Teoria Queer, entretanto, se denominam como pós-identitários, o que não significa ser contra as políticas identitárias que resultam em reivindicações políticas. Butler (2002, p. 60) diz que é “necessário fazer reivindicações políticas recorrendo a categorias de identidade e exigir o poder de nomear-se [...], mas também é preciso recordar o risco que comportam essas práticas.” Nesse sentido, a questão que se coloca não é contra a afirmação das identidades, mas de questionar o uso de determinadas estratégias e as relações de poder que estão inseridas nos discursos 50 que tratam dessas questões. O que a Teoria Queer faz, e pesquisadores brasileiros têm se dedicado a isso, é apontar os limites das políticas identitárias. O antropólogo e professor de direitos humanos Sérgio Carrara, em artigo publicado na revista Bagoas, faz um panorama sobre as políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo e aponta algumas consequências de centralizar o movimento LGBT brasileiro na luta política por direitos. Em diversos momentos, temos apontado para as possíveis consequências indesejáveis de se canalizar ou formalizar a luta política na linguagem dos direitos e, particularmente, na dos direitos humanos, ou seja, para as possíveis consequências dessa espécie de judicialização da política. É interessante lembrar que, até pouco tempo, quando o paradigma marxista ainda imperava nas ciências sociais brasileiras, a justiça fazia parte das chamadas “superestruturas” e dela nada se podia esperar no sentido de uma transformação social mais profunda. Ao contrário, a justiça (burguesa, como se dizia então) era parte do problema e não de sua solução. Vivemos hoje um cenário oposto, em que parece imperar certa “utopia jurídica”, segundo a qual se espera da justiça que resolva todos os problemas, produzindo uma espécie de “terra sem males”. Esse aspecto não parece razoável, caso consideremos, entre outros, o fato de as próprias desigualdades sociais se reproduzirem no acesso diferencial à justiça e à sua aplicação; além, é claro, de a justiça ter, enquanto estrutura burocrática, limites evidentes para acolher todas as demandas a ela dirigidas. (CARRARA, 2010, p. 143) Sabemos que o acesso à Justiça, no Brasil, é bastante desigual e diretamente relacionada à classe social a que se pertence. Carrara alerta que apostar unicamente no direito pode resultar em garanti-los apenas para uma certa elite econômica. Evidentemente que a lei é um instrumento valioso, porém os teóricos queer nos chamam a atenção para uma segunda consequência dessa aposta: a luta por direitos também marca a definição de quem são sujeitos de direitos. Além disso, na luta pelos direitos e na própria constituição de sujeitos que têm direito aos direitos (momento fundamental dessa luta), vem se desenhando uma nova moralidade sexual, projetando novos sujeitos perigosos ou abjetos em oposição a “cidadãos respeitáveis”, ou seja, aqueles que merecem, por suas qualificações morais, ser integrados, assimilados à “sociedade”. (CARRARA, 2010, p. 144) Se a proposta queer é de questionar e subverter as normas sociais imposta, a construção do que é ser gay, lésbica, bissexual ou trans impõem novas normas que repetem exatamente os mecanismos que nos oprimiram e que continuam nos oprimindo. O queer se coloca como uma política das diferenças, no sentido de se posicionar como um entrave epistêmico-cultural que vai muito além da conquista de direitos para as categorias identitárias. Na visão de Miskolci, o debate sobre a Teoria 51 Queer dentro da academia brasileira tem provocado mudanças na agenda de luta dos movimentos sociais, que podem ser intensificadas com o diálogo e a abertura de ambos os lados. A recepção brasileira da Teoria Queer tem se dado em um novo momento de inflexão de nossa política sexual, esse campo amplo e dinâmico de ação, reflexão e luta que envolve atores como o movimento social, a academia e o Estado. Assim, política sexual não se resume apenas a uma de suas frentes, como a de demanda de igualdade jurídica por meio dos direitos sexuais, antes a um conjunto de atores que dialogam e disputam sobre o estabelecimento de uma agenda de luta em meio a um contexto social dinâmico. (MISKOLCI, 2011, p. 38) No final de seu artigo, Miskolci aponta que a superação dessa divisão entre ativistas e acadêmicos não poderia se dar pelo apontamento de um vencedor em uma disputa sobre dois pontos de vista, mas pelo “diálogo sobre tensões irresolvidas dentro de um mesmo conjunto de pessoas que, a despeito de todas as diferenças, partilha de um projeto de luta contra as desigualdades e as injustiças” (MISKOLSCI, 2011, p.51). Os textos aqui citados de Miskolci e Carrara foram publicados há mais de uma década. Apesar de certas tensões ainda permanecerem, muito foi alterado na relação entre o movimento ativista e a academia brasileira desde então. Aos poucos o movimento LGBT brasileiro começa a se transformar. O impacto das pesquisas nacionais chega à produção cultural de forma intensa, com artistas, escritores e diretores representando e produzindo críticas que cada vez mais interseccionam gênero e decolonialidade.19 Nos últimos anos, vemos que o uso crescente das redes sociais tem gerado certa ambiguidade; por um lado possibilita um diálogo mais contínuo entre a academia e o público geral, por outro, inflama discursos de ódio e entraves com outros movimentos sociais. Nesse contexto, o trabalho de pesquisadoras e ativistas como Helena Vieria20, Rita Von Hunty21 e de outras e outros pensadores, tem ajudado a disseminar a política das diferenças e as críticas queer à normatividade. 19 Ver apêndice 1 do presente trabalho que trata sobre a peça “Sem Palavras” do diretor Márcio Abreu. 20 Helena Vieira é pesquisadora, dramaturga e ativista. Colaborou com diversos livros, entre eles, "Explosão Feminista" organizado por Heloisa Buarque de Holanda e "História do Movimento LGBT no Brasil" organizado por James Green e Renan quinalha. Helena também oferece cursos livres onde fala sobre Feminismo Decolonial, Teoria Queer e a História da Sexualidade para o público geral. 21 Rita Von Hunty é a persona drag queen do ator e professor Guilherme Terreri. A colunista e YouTuber fala sobre cultura, marxismo, gênero, pensamento decolonial, entre outros assuntos. Em junho de 2021, 52 3.3 Originalidade do pensamento queer brasileiro Sam Bourcier, importante pensador queer francês, participou de uma mesa de debate no ano de 2015 no I Seminário Queer em São Paulo. Na sua fala, mostrando-se atento aos debates pós-coloniais, Bourcier argumenta que as políticas queer não são apenas uma questão de gênero. Desde a sua conceitualização à sua prática, as políticas queer são também caminhos de luta antirracista e antimperialista, de interpelar os dispositivos da biopolítica que classifica e hierarquiza os corpos. O autor reafirma que o queer, de fato, são muitos e são traduzidos de forma muito diferente de acordo com contextos diferentes. A fala de Bourcier nos mostra que os debates sobre colonialidade produzidos aqui no sul global tem aos poucos penetrados os círculos internacionais. Nos parece então que os esforços de pesquisadores brasileiros de ler o queer a partir de perspectivas decoloniais são bastante justificáveis e já começam a surtir efeito no universo acadêmico global. Paul Preciado participou de uma mesa com Caetano Veloso na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) em 2021. No mesmo ano, Judith Butler conversou com Linn da Quebrada e Jup do Bairro no programa Transmissão do Canal Brasil. A autora Larissa Pelúcio narra dois encontros que teve com outros pesquisadores latino-americanos nos quais ouviu que o universo acadêmico brasileiro estava sendo reconhecido por produzir pesquisas na área de gênero e sexualidade. Creio que estamos demonstrando com nossa produção que as fronteiras traçadas entre Norte e Sul são mais porosas e penetráveis do que nos fizeram crer. Centros sempre tiveram suas periferias, e as periferias, por sua vez, sempre tiveram seus centros. Foram as ideias dessas periferias centrais aquelas que nos impressionaram. (PELÚCIO, 2012, p. 412) Na mesma mesa do seminário, antes de Bourcier, na fala de Berenice Bento, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, se explicita a importância da posição anticolonialista para pensar o queer. A autora afirma que as categorias no “mês da diversidade", Rita publicou um texto intitulado “O Orgulho LGBTQIA+ não é sobre amor, nem sobre consumo” onde defende que os movimentos de orgulho e resistência foram apropriados por setores ”higienistas” da comunidade LGBTQIA+ e pelo capital, que descobriu no movimento uma nova e promissora fatia de mercado consumidor. Nesse e em outros textos da autora podemos identificar sua proximidade com o pensamento queer. 53 analíticas e políticas de sexualidade, gênero e raça têm pouco valor explicativo se consideradas fora de contextos mais amplos e complexos, nos apontando para a impossibilidade de análises essencialistas naturalizantes e universais e nos alertando que o parentesco entre o universalismo científico e o pensamento colonial é profundo. A recepção e reflexão da Teoria Queer no Brasil tem sido produzida em uma multiplicidade de vozes e direcionamentos. Em um momento histórico no qual temos questionado a lógica da colonialidade e as maneiras ocidentais de produzir ciência, a aproximação de parte de nossos pesquisadores com perspectiva queer parece contribuir para a criação de um vocabulário menos normativo. Rapidamente termos como colonialidade, gênero, racialização do sexo, sexualização da raça, diferença, regime heteronormativo, passaram a ocupar fóruns políticos, arenas acadêmicas, páginas de comportados periódicos científicos. Em uma análise diletante, acho que isso tem a ver com essa busca [...] por novos referentes, por um léxico torcido, fresco o suficiente para não estar marcado pelo peso dos saberes psi, médicos e jurídicos. Em boa medida, particularmente encontrei essa possibilidade nos estudos queer. [...] Acredito firmemente que temos trabalhado nessa produção de forma original e ao mesmo tempo sintonizadas e sintonizados com o que está sendo produzido em centros e periferias múltiplas. (PELÚCIO, 2012, p. 414) Desafiar as epistemologias centrais devorando “tupinambarmente”, como nos convoca Pelúcio, os textos produzidos por elas e por suas margens, das quais aqueles produzidos pelos teóricos queer. Os debates que surgem dessas ações têm sido campos de articulação e luta para a transformação social. O queer brasileiro, em diálogo com as Teorias Feministas e Pós-coloniais, nesse conjunto de insurgências dos chamados Saberes Subalternos, tem mostrado as fissuras dos padrões socialmente regulados que operam nas subjetividades presentes aqui. Mais do que isso, as produções nacionais têm trabalhado na construção de ferramentas conceituais, na criação de políticas educacionais e na solução de impasses em conjunto com os movimentos sociais. Nos últimos anos, com o processo de incorporação criativa da Teoria Queer e outras fontes, os estudos acadêmicos têm produzido pesquisas que podem contribuir para uma transformação da área educacional e das políticas públicas, também para a análise das relações entre Estado e movimento, mas, sobretudo, essa sofisticação e ampliação temática mostra mais os limites de atuação para o movimento social do que lhe oferece ferramentas prontas para a sua ação política imediata. Parte das reflexões acadêmicas atuais tem contribuído para refletir sobre a construção de um outro fazer político, para a complexização dos debates internos e a problematização da relação do movimento com relação às suas bases e, sobretudo, com o Estado. (MISKOLCI, 2011, p.46) 54 Um ponto central ao analisarmos a recepção da Teoria Queer é o fato de sua entrada na academia brasileira se deu a partir da área da Educação. Tal dado, nos atesta que o queer faz parte de uma renovação teórica que tem quebrado “monopólios” sobre a área de pesquisa em sexualidade. O artigo “Teoria Queer: uma política pós-identitária para a Educação” de Guacira Lopes Louro é vista por muitos pesquisadores como um marco da recepção da Teoria Queer no campo da educação no Brasil. Publicado em 2001, na Revista de Estudos Feministas, esse texto traz uma introdução didática à Teoria Queer. A autora investiga a situação dos movimentos homossexuais nos EUA e Brasil e aponta para a importância de uma teoria e política pós-identitária. Ao apresentar o pensamento queer, Louro faz um percurso teórico entre Michel Foucault, Jacques Derrida e Judith Butler, dando uma nova leitura aos autores que já estavam sendo debatidos na academia brasileira. Esse caminho teórico marca profundamente a visão brasileira da Teoria Queer. Prova disso é o fato de que esse texto é citado pela grande maioria de publicações dos estudos queer no Brasil até hoje. Na última década temos presenciado um aumento gradativo de publicações científicas que se propõem a refletir sobre as implicações da crítica à normatividade nas mais diversas áreas do conhecimento. No Direito, por exemplo, surgem grupos voltados à defesa de ações políticas e legais contra violências baseadas no gênero e/ou na sexualidade. Podemos citar os trabalhos atuais feitos por Marcelo Maciel Ramos no Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero da UFMG que uma série de livros publicados sobre as questões de gênero e sexualidade. Em 2021 publicou um artigo intitulado “Teorias Feministas e Teorias Queer do Direito: gênero e sexualidade como categorias úteis para a crítica jurídica”. Nesse texto, o autor descreve os atravessamentos da história do feminismo e do queer, mantendo como ponto focal o poder jurídico. Ramos percorre pela literatura do queer global de maneira fluída, mas é interessante perceber que o autor, em especial na parte final do texto, sobre a realidade brasileira e peculiaridades que encontramos aqui, um dado que mostra que os alertas discutidos no segundo capítulo da presente pesquisa têm sido considerados pela pesquisa nacional. É principalmente nas Ciências Sociais que vemos um crescimento do volume de publicações e grupos científicos voltados aos Estudos de Gênero e a Teoria Queer. 55 Larissa Pelúcio (UNESP), Berenice Bento (UnB), Richard Miskolci (UFSCAR) e Leandro Colling (UFBA) são alguns dos principais pesquisadores na área. O trabalho de Berenice Bento (2006; 2012), por exemplo, trouxe à academia brasileira o debate a respeito da transgeneridade, instaurando uma disputa teórica ao afirmar a necessidade de discutir o que é normal e o que é patológico, no âmbito do gênero. A sensibilidade do tema no Brasil é enorme, considerando as peculiaridades do nosso sistema de saúde, do acesso desigual ao sistema judiciário e das características locais das identidades trans e travestis. Seu livro “O que é Transexualidade”, parte da coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense, tem sido usado em ações educativas que visam divulgar informações assertivas sobre a questão trans. No segundo capítulo, falamos sobre parte do trabalho de Pedro Paulo Gomes Pereira. Além daqueles textos que discutem sobre os caminhos possíveis para um queer brasileiro, Pereira tem dedicado grande parte da sua produção para discutir questões de teor mais urgente na realidade brasileira. Tópicos como políticas públicas de saúde para pessoas trans e travestis, violência doméstica contra mulheres e uso de drogas por pessoas em situações vulneráveis. Em 2021, Pereira publicou um artigo, escrito em coautoria com Richard Miskolci e outros pesquisadores, intitulado “Violência pós-morte contra travestis de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil”. Trata-se de uma pesquisa etnográfica decorrente do assassinato de cinco travestis. Mencionamos no segundo capítulo, o estudo de Pereira que vinha sendo feito desde o ano de 2011 com as travestis de Santa Maria. Seu texto analisa as violências vivenciadas pelas travestis em suas trajetórias e que, muitas vezes, culminaram em seus homicídios, direcionando o olhar para as violências que continuam mesmo após a morte. Ainda vivemos em uma sociedade, em um país, que a violência contra corpos dissidentes é tolerada e se manifesta até mesmo depois de suas mortes, buscando apagar a história e os rastros de suas existências. Ainda no campo das Ciências Sociais, é imprescindível mencionar a obra produzida por Rita Laura Segato, antropóloga argentina que vive no Brasil. Apesar da autora não lidar de maneira direta com a pensamento queer, sua extensa obra debate sobre questões de gênero nos povos indígenas e comunidades latino-americanas e as relações entre gênero, racismo e colonialidade. Seu amplamente citado artigo 56 “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial” (2012), tem influenciado intensamente a produção acadêmica latino-americana e os movimentos sociais antirracistas. Segato também foi coautora da primeira proposta de cotas para estudantes negros e indígenas na educação superior do Brasil. Por último, para exemplificar o esforço que tem sido feito por parte da academia brasileira de compreender as peculiaridades da nossa realidade, mencionaremos o trabalho de Iara Beleli. Em “Reconfigurações da intimidade” (2017), a autora analisa as atuais características das relações de intimidade no “mercado amoroso” no Brasil. Por meio de uma investigação em sites de relacionamento, a pesquisadora propõe uma reflexão sobre a hipervisibilização da intimidade. Seu argumento final, de que a codificação dos sujeitos nesses contextos ocorre a partir da articulação de diferenças marcadas no corpo e acionadas por meio de objetos, nos ajuda a pensar sobre as relações e associações do imaginário coletivo entre classe social e os tipos de masculinidade e feminilidade. Muitos outros nomes e departamentos poderiam ser citados. Não é nossa pretensão fazer um mapeamento exaustivo da pesquisa queer no Brasil. A intenção é apontar alguns dos pesquisadores nacionais que têm se debruçado sobre o tema para pensar sobre e para nossa realidade local. Reforçamos o pedido de Pelúcio (2014) de que nos leiamos mais e que sejamos afetados pela realidade que nos cerca. 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS Começamos o presente trabalho discutindo a dificuldade de caracterizar precisamente o que é a Teoria Queer. Sendo suas origens e definições múltiplas e abertas, há uma ampla pluralidade de autores e perspectivas. Investigamos os marcos comuns que dão início a esse movimento acadêmico-político que está em processo de consolidação na academia brasileira. Compreendemos a origem da palavra queer e sua ligação com o movimento político e o contexto teórico que viabilizou algo como uma Teoria Queer a partir da sua ruptura com os Estudos de Gays e Lésbicas. A Teoria Queer se funda na busca pela formulação de ferramentas conceituais que possibilitem a análise histórica-social a partir de categorias como sexo, gênero e sexualidade. Identificamos os Estudos Culturais norte-americanos, os estudos feministas e o pós-estruturalismo francês como as três principais fontes conceituais para a formulação da crítica queer as normas regulatórias. Entretanto, ressaltamos que a proposta queer é uma proposta de crítica e, portanto, apontar essas fontes só é relevante se na medida olharmos para nossa realidade. É isso que pesquisadores latino-americanos têm colocado, questionado a potência da Teoria Queer e apontando para os limites de mais uma teoria cuja as fontes conceituais remetem a um cânone ocidental. A reapropriação de disciplinas e saberes sobre os sexos é fundamental para que a subversão das normas de subjetivação vigentes e da lógica de produção de corpos normativos. Os pesquisadores nacionais alertam que tal movimento só pode ocorrer a partir de uma análise teórica que leve em consideração as histórias locais, quebrando o ciclo de “repetição (periféricas) de teorias (centrais)”. Considerando o queer como um movimento contrário a hegemonia de teorias normativas e a ideia de universalidade, evidencia-se a necessidade de que a própria Teoria Queer coloque a si mesma em perspectiva. No Brasil, parece ser central que a compreensão e apropriação do cânone ocidental e das críticas a este produzidas, seja por suas próprias margens (sexuais, de classe), ou por outras margens globais (latina, asiática), sejam somadas aos saberes provindos da cultura de nosso país, às histórias locais e as singularidades da construção da nossa subjetividade. 58 A chegada da Teoria Queer no Brasil pode ser entendida por diferentes perspectivas. Na sua viagem ao Sul, o termo queer perde sua característica subversiva e encara a tentação de ser lido apenas como mais um estrangeirismo que pouco nos diz sobre nossa realidade local. Entretanto, o que pesquisadores brasileiros parecem estar defendendo é que mais importante que processo de traduzir queer ou procurar equivalentes diretos para nossa língua, seria o processo de conduzir o termo e deixá-lo encontrar a realidade local, arriscando-o por algo novo. A recepção e reflexão da Teoria Queer no Brasil tem sido produzida em uma multiplicidade de vozes e direcionamentos. Em um momento histórico no qual temos questionado a lógica da colonialidade e as maneiras ocidentais de produzir ciência, a aproximação de parte de nossos pesquisadores com perspectiva queer parece contribuir para a criação de um vocabulário mais inclusivo. 59 APÊNCICE 1: Breve análise da peça teatral “Sem Palavras” de Márcio Abreu Depois de quase dois anos sem apresentações teatrais devido à pandemia de Covid-19, em uma noite de sexta-feira no pequeno, mas aconchegante, Teatro do SESC Pompéia em São Paulo, estreava Sem Palavras, uma produção da Companhia Brasileira de Teatro, com direção e texto de Marcio Abreu. A primeira cena impacta: a frase “Nós viemos de um país em ruínas” dita por uma travesti nua e que projeta a natureza e a profundidade do debate que ali se dará. Debate esse que acontece exatamente na falta ou até mesmo na incongruência e contradição das palavras. Sem palavras nos apresenta corpos em deslocamento. Oito pessoas passam por um apartamento e o comportamento de cada uma delas motiva reflexões sobre machismo, racismo, homofobia ou transfobia. São pequenas literaturas articuladas por transição, transmutação, mudanças de narrativas de amor ou violência. Os debates levados a efeito no âmbito político-acadêmico, como a dissolução das identidades, as novas formas de subjetivação, as injustas relações entre Norte e Sul globais, são colocadas em cena na voz de pessoas comuns vivendo seus dias, crises e dramas. Mais do que isso, as histórias representadas ali abordam o esgotamento do verbo, sua banalização. É nítida a confusão gerada por uma linguagem que perdeu seu lugar de confiança, desde que nos percebemos dominados pela quantidade de informações que lemos e ouvimos diariamente. A desordem das palavras é acentuada por um país que não se conhece, que não tem referência de si e que busca no exterior respostas para suas faltas. Sem Palavras fecha uma trilogia iniciada com Projeto Brasil (2015), e seguida por Preto (2017). A dramaturgia inspira-se nas crônicas de “travessia” do filósofo transgênero Paul B. Preciado, descritas em seu livro “Um Apartamento em Urano”, e nos textos da escritora e ativista Eliane Brum. Os atores e atrizes Fábio Osório Monteiro, Giovana Soar, Kauê Persona, Kenia Dias, Key Sawao, Rafael Bacelar, Viní Ventanía Xtravaganza e Vitória Jovem Xtravaganza compõem o elenco, que se completa com o músico Felipe Storino, responsável pela trilha sonora. 60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABRAMOWICZ, Anete; RODRIGUES, Tatiane Cosentino; CRUZ, Ana Cristina Juvenal da. A diferença e a diversidade na educação. Dossiê Relações Raciais e Ação Afirmativa. Revista Contemporânea, n. 2, p. 85-97, 2011. AHMED, Sara. 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