UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO FERNANDO RODRIGUES DA MOTTA BERTONCELLO QUANDO MIGRAR É A ÚLTIMA ALTERNATIVA São Paulo 2019 FERNANDO RODRIGUES DA MOTTA BERTONCELLO QUANDO MIGRAR É A ÚLTIMA ALTERNATIVA Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. ORIENTADORA: Dra. Patrícia Tuma Bertolin São Paulo 2019 B546q Bertoncello, Fernando Rodrigues da Motta. Quando migrar é a última alternativa / Fernando Rodrigues da Motta Bertoncello. 325 f.: il. ; 30 cm Tese (Doutorado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019. Orientador: Patrícia Tuma Martins Bertolin. Bibliografia: f. 295-325. 1. Políticas públicas. 2. Proteção de diversidades. 3. Refúgio por questão de gênero. I. Bertolin, Patrícia Tuma Martins, orientador. II. Título. CDDir 323.42 Bibliotecária Responsável: Ana Lucia Gomes de Moraes– CRB 8/6941 É necessário espantar-se, indignar-se e se contagiar; só assim é possível mudar a realidade. Nise da Silveira Sociedades não são fortes “apesar” da sua diversidade. Elas são fortes “por causa” da sua diversidade. Justin Trudeau. A Daniel Gammerman, que compartilhou comigo a realização de página por página deste trabalho. À memória de minha avó, Suely, que cuidou de mim como uma mãe nos meus primeiros anos de vida. Aos meus pais, Miroslávia Rodrigues da Motta Bertoncello e Fernando Bertoncello, por terem incentivado incondicionalmente a minha educação e minha carreira jurídica. Aos pelo menos 200 milhões de refugiados por questões de gênero que estão pelo mundo, precisando de reconhecimento, proteção e amparo. AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, que me abençoou com oportunidades; e, além disso, permitiu que eu presenciasse histórias de vida de pessoas que precisam ter suas identidades protegidas. À minha orientadora, a professora Dra. Patrícia Tuma Martins Bertolin, que me incentivou e auxiliou durante esses anos de pesquisa, como uma verdadeira educadora, misturando rigor e afeto de uma maneira única. Além disso, não há palavras para expressar a gratidão que sinto pelo seu apoio na escolha do tema de pesquisa e por me receber diversas vezes em sua própria casa para discutir este trabalho, por ler esta tese insistentemente em todas as suas versões e tecer comentários essenciais. Ao professor Dr. Steven Butterman, que me recebeu na University of Miami, nos Estados Unidos, e me ensinou muito sobre as migrações por questões de gênero. O professor Steven Butterman, que é professor titular da University of Miami College of Arts and Sciences, direitor do programa Women’s and Gender Studies foi muito generoso ao abrir as portas do College of Arts and Sciences para poder fazer as minhas pesquisas e ter acesso a materiais, aulas e grupos de estudos sobre o assunto. O Dr. Steven Butterman leu minuciosamente esta tese e me ajudou muito com seus comentários. À professora Dra. Caroline Bettinger-López, professora titular da University of Miami e também diretora da Clínica de Direitos Humanos da University of Miami, que me recebeu como aluno da clínica entre agosto e dezembro de 2018 durante um mestrado em Direito Internacional que cursei concomitantemente a este doutorado; e me ensinou muito sobre gênero e violência de gênero, sobretudo com contribuições da época em que trabalhou na administração do presidente Barack Obama, na qual atuou como conselheira da Casa Branca sobre violência de gênero, conselheira sênior do vice-presidente Joe Biden e membro do Conselho da Casa Branca sobre Mulheres e Meninas. Agradeço muito à gentileza da professora Dra. Caroline Bettinger-López pelas orientações que deu para tese, pelo seu interesse pelo Brasil. À professora Dra. Solange Teles da Silva que acompanhou (e acompanha) de perto meu desenvolvimento enquanto acadêmico de Direito desde o primeiro dia em que entrei no mestrado. Ao professor Dr. Vicente Bagnoli, meu orientador do mestrado, que generosamente incentivou-me nesta pesquisa. Ao professor Dr. Felipe Chiarello, que me ajudou na formulação do projeto de pesquisa, sempre foi muito generoso comigo e acreditou neste tema. Aos meus professores da graduação em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em especial, à professora Dra. Thaís Cintía Cárnio, ao professor Dr. Cecílio Moreira Pires, ao professor Dr. Flávio de Leão Bastos Pereira, à professora Dra. Martha Saad; à professora Dra. Lilian Pires; à professora Dra. Fúlvia Helena; à professora Lia Pierson; e ao professor Armando Luiz Rovai; os quais acompanham minha trajetória acadêmica há uma década e torcem por mim. À professora Tamar Ezer, co-diretora da Clínica de Direitos Humanos da University of Miami, que junto à professora Dra. Caroline Bettinger-López, muito me ensinou sobre a proteção dos gêneros, sobretudo em seu âmbito internacional. À secretária do programa de pós-graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Cristiane Alves, por ter me ajudado com todos os aspectos burocráticos para a conclusão deste longo processo com muita paciência e eficiência. À Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde estou há mais de uma década, a qual sempre me recebeu de braços abertos, dando-me oportunidades, servindo de ambiente para conhecer pessoas fantásticas; e onde me graduei, cursei meu mestrado, tive oportunidade de lecionar nos cursos de pós-graduação lato sensu e onde agora curso meu doutorado. Ao programa de pós-graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que acreditou em mim e na minha pesquisa, aprovando-me no processo seletivo com bolsa do Instituto Presbiteriano Mackenzie (isenção de mensalidade) e posteriormente, por meio de sua comissão de bolsas, concedeu-me bolsa Capes remunerada, o que me permitiu desenvolver a pesquisa com muito mais rigor e dedicação. À University of Miami College of Arts and Sciences, que permitiu que acessasse seus campi livremente e fizesse minhas pesquisas nos Estados Unidos. À University of Miami School of Law pela bolsa na modalidade mérito que recebi isentando-me parcialmente da anuidade da universidade, o que me permitiu cursar meu Master in International Law with Focus on American Law and Transnational Law, o qual foi muito importante para fundamentar e estruturar a pesquisa. À Capes por funcionar como instituição de promoção da pesquisa científica no Brasil, concedendo bolsas e financiando projetos para a promoção do conhecimento e da produção científica. À professora Dra. Vera Moris, minha amiga, que muito me ensinou no que diz respeito às questões concernentes à psicologia e psicanálise. Ao meu amigo, Marcelo Tancredi, que me ajudou com a leitura dos textos em francês que compõem as referências bibliográficas desta pesquisa. À Neide Aprile, minha amiga, que foi a primeira pessoa a me ensinar sobre a importância de se respeitar identidades independentemente de quem sejam ou de como sejam; e me ensinar também que essas identidades merecem o melhor que se pode ter da vida. À minha amiga de infância, Marília Montich Silvério, que desde os 9 anos de idade acompanha minha jornada, torce por mim, tem paciência de ouvir sobre minhas pesquisas, tem paciência comigo. À minha amiga, Andirá Zabin Bonini, que foi minha coordenadora no jurídico do Banco Bradesco entre 2012 e 2015; e ainda hoje me muito em minhas decisões acadêmicas e profissionais. Aos meus colegas de doutorado e amigos Paula Zambelli Brasil, Monica Sapucaia, Isabelle Santos, Patrícia Brasil, Marcelo Barbaresco, Fernanda Salgueiro Borges, Victor Grampa e Arthur Bezerra Junior por estarem sempre perto de mim, dando-me apoio e acreditam em mim. A todos os que têm olhos para enxergar esta sociedade tão desigual, mas, ao mesmo tempo, conseguem ver o que de bom existe nela e continuam em uma luta constante, sem nunca desistirem. RESUMO A presente tese objetiva analisar um recorte que parece muitas vezes invisível: as migrações que acontecem por questões de gênero. Ou seja, migrações que acontecem somente pelo fato das pessoas serem quem, de fato, são. Ela parte de método sistêmico e procura verificar se o quanto o Direito dos Refugiados corrobora com a manutenção de um modelo de desigualdade para com os gêneros e se pauta em bases heteronormativas e masculinas ou, de fato, consegue proteger identidades não-hegemônicas em seus processos de refúgio da mesma maneira que protege as hegemônicas. Neste sentido, discute-se uma abertura no conceito de refúgio por questões de gênero a fim de abarcar uma maior pluralidade de seres humanos, uma vez que se observa forte tendência no sentido de as migrações de gênero acontecerem primordialmente por questões sobretudo humanitárias. Posteriormente, após a apresentação de pesquisas, as quais, por sua vez, parecem comprovar a nova forma de pensar o refúgio por questões de gênero, parece interessante pensar como estabelecer diretrizes aos Estados para que observem as necessidades peculiares destes grupos e estabeleçam políticas públicas para tanto. Por fim, discute-se a viabilidade de se conceber o conceito no Brasil à luz de levantamentos sobre o assunto e das primeiras experiências ocorridas no Canadá, Suécia e Estados Unidos, bem como discutir qual seria o papel do país na promoção do conceito e de tais políticas públicas no cenário internacional. Importante salientar também que se pretende analisar tudo isso dentro de um sistema próprio de proteção da diversidade que parecer estar em construção a fim de se afirmar identidades não-hegemônicas e lhes garantir dignidade, participação e reconhecimento. Palavras-chave: políticas públicas; proteção da diversidade; refúgio por questões de gênero. SUMMARY The present thesis aims to analyze a seemly invisible matter: migrations which happen due to gender issues. Such migrations happen solely to allow people to be who they are. It relies on a systemic method and tries to verify if Refugee Law corroborates with the maintenance of a model of gender inequality and is based on heteronormative and masculine bases or, in fact, is able to protect non-hegemonic identities in their processes of refuge in the same way that it protects the hegemonic ones. In this sense, an openness to the concept of gender refuge is discussed in order to encompass a greater plurality of human beings, since there is a strong tendency for gender migrations to take place primarily because of humanitarian issues. Subsequently, after the presentation of some research, which seems to prove the new way of thinking about gender refuge, it seems interesting to think how to establish guidelines for states to observe the peculiar needs of these groups and to establish public policies for such purpose. Finally, it discusses the feasibility of designing such concept in Brazil in the light of surveys on the subject and the first experiences in Canada, Sweden and the United States, as well as discuss the role of the country in promoting the concept and such policies worldwide. It is also important to point out that it intends to analyze all this within a proper system regarding the protection of diversity that seems to be under construction in order to affirm non-hegemonic identities and guarantee them dignity, participation and recognition. Keywords: public policies; protection of diversity; refuge based on gender issues. RÉSUMÉ Cette thèse vise à analyser une culture qui apparaît souvent invisibles: les migrations qui se produisent les questions de genre. Migrations qui se produisent-à-dire que parce que les gens qui sont, en fait, sont. Il part d'une méthode systémique et tente de vérifier si la Loi sur les Réfugiés corrobore le maintien d'un modèle d'inégalité de genre et est basée sur des bases hétéronormatives et masculines ou, en fait, est capable de protéger des identités non hégémoniques dans leurs processus de refuge de la même manière qu'il protège les hégémoniques. En ce sens, nous discutons une ouverture dans le concept de refuge pour questions de genre pour englober une plus grande pluralité de l'homme, observé depuis forte tendance à se produire la migration entre les sexes principalement par des problèmes essentiellement humanitaires. Plus tard, après la présentation de la recherche, qui, à son tour, semblait soutenir la nouvelle façon de penser à la retraite entre hommes et femmes, il semble intéressant de penser comment établir des lignes directrices aux Etats d'observer les besoins particuliers de ces groupes et d'établir des politiques publiques pour le faire. Enfin, nous discutons de la possibilité de concevoir le concept au Brésil, à la lumière des enquêtes sur le sujet et les premières expériences ont eu lieu au Canada, en Suède et aux États-Unis, ainsi que de discuter ce serait le rôle du pays dans le concept de promotion et les politiques au niveau international public. Il est également important de souligner que si vous souhaitez analyser tout cela dans son propre système de protection de la diversité qui semblent être en construction afin d'affirmer les identités non hégémoniques et d'assurer leur dignité, la participation et la reconnaissance. Mots-clés: politique publique; protection de la diversité; réfugiés pour questions de genre. RESUMEN La presente tesis objetiva analizar un recorte que parece muchas veces invisible: las migraciones que ocurren por cuestiones de género. Es decir, migraciones que ocurren sólo por el hecho de que las personas son quienes, de hecho, son. Se trata de un método sistémico y trata de verificar si el Derecho de los Refugiados corrobora con el mantenimiento de un modelo de desigualdad hacia los géneros y se basa en bases heteronormaticas y masculinas o, de hecho, logra proteger identidades no hegemónicas en sus procesos de integración refugio de la misma manera que protege a las hegemónicas. En este sentido, se discute una apertura en el concepto de refugio por cuestiones de género a fin de abarcar una mayor pluralidad de seres humanos, una vez que se observa una fuerte tendencia hacia las migraciones de género ocurriendo primordialmente por cuestiones sobre todo humanitarias. Posteriormente, después de la presentación de investigaciones, las cuales, a su vez, parecen comprobar la nueva forma de pensar el refugio por cuestiones de género, parece interesante pensar cómo establecer directrices a los Estados para que observen las necesidades peculiares de estos grupos y establezcan políticas públicas para ambas. Por último, se discute la viabilidad de concebir el concepto en Brasil a la luz de levantamientos sobre el tema y de las primeras experiencias ocurridas en Canadá, Suecia y Estados Unidos, así como discutir cuál sería el papel del país en la promoción del concepto y de tales políticas públicas en el escenario internacional. Es importante subrayar también que se pretende analizar todo esto dentro de un sistema propio de protección de la diversidad que parezca estar en construcción a fin de afirmar identidades no hegemónicas y garantizarles dignidad, participación y reconocimiento. Palabras clave: políticas públicas; protección de la diversidad; refugio por cuestiones de género. LISTA DE ABREVIATURAS ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUDH Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (referência a grupo de economias emergentes que tem realizado bons resultados perante a comunidade internacional) CSW Commission on the Status of Women CHOGM Commonwealth Heads of Government Meeting CONARE Comitê Nacional para os Refugiados CIM Comissão Interamericana de Mulheres CIJ Corte Internacional de Justiça ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ERC Equal Rights Coalition IDH Índice de Desenvolvimento Humano IISG Índice de Instituições Sociais e Gênero IOM International Organization for Migration IPEA Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada IRB Immigration and Refuge Bureau LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis LGBTTI Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis e Intersexuais LGBTTIQ+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis, Intersexuais, Queer e identidades minoritárias que não se enquadram nas outras letras LGBTQ2 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer e Dois Espíritos NYU New York University OCDE Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico OEA Organização dos Estados Americanos OUA Organização da Unidade Africana ONU Organização das Nações Unidas OIM Organização Internacional para Migrações OIT Organização Internacional do Trabalho OMPI Organização Mundial da Propriedade Intelectual PNDU Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RDC República Democrática do Congo SGBV Sexual gender-based violence SOIE Sexual orientation, gender identity and gender expression STF Supremo Tribunal Federal UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. UNFPA United Nations Population Fund VSG Vulneráveis à violência sexual e de gênero LISTA DE FIGURAS Figura n. 1 Foto de comunicado feito em placa em Jerusalém Figura n. 2 Formulário divulgado pela organização não-governamental ORAM sobre coleta de informações de familiares de refugiados em Israel Figura n. 3 Formulário divulgado pela organização não-governamental ORAM sobre como deve ser a coleta de informações de familiares de refugiados em Israel Figura n. 4 Volumetric PPG Figura n. 5 Eletromechanical Strain Gauge Figura n. 6 Mercury Strain Gaugue Figura n. 7 Vaginal Photoplethysmograph Figura n. 8 Campo de refugiados venezuelanos em Roraima Figura n. 9 Campo de refugiados de Juba, Sudão do Sul, África Subsaariana Figura n. 10 Detected victims of trafficking in persons, by age and sex, 2014 (most recent years) Figura n. 11 Trends in the shares of males (men and boys) among detected trafficking victims, selected years Figura n. 12 Correlation between migration flows and trafficking flows in the Netherlands, 2011-2013 Figura n. 13 Formulário de cadastramento de refugiados em Israel Figura n. 14 Formulário de cadastramento de refugiados sugerido pela organização não-governamental ORAM Figura n. 15 Tela de aplicativo que se dedica a apresentar temas de saúde pública na Alemanha Figura n. 16 Tela de aplicativo que se dedica a discutir as relações interpessoais do povo alemão Figura n. 17 Pintura que representa a ratificação da Paz de Münster Figura n. 18 Pintura que representa a ratificação do Tratado de Versalhes Figura n. 19 Foto de parada do orgulho LGBTTIQ+ celebrada no campo de refugiados Kakuma, Kenya, em 16 de junho de 2018 Figura n. 20 Foto de ameaça anexada em resposta a parada do orgulho LGBTTIQ+ celebrada no campo de refugiados Kakuma, Kenya LISTA DE GRÁFICOS Gráfico n. 1 Projeções de quantas pessoas podem ser consideradas refugiados por questões de gênero e quantas, de fato, recebem o referido status. Gráfico n. 2 Financial Aid: these countries are the most generous LISTA DE MAPAS Mapa n. 1 UNDP 2016 Human Development report released on 21 March 2017 Mapa n. 2 Panorama dos países que assinaram o Estatuto dos Refugiados e o Protocolo n. 67 Mapa n. 3 Levantamento de países onde é mais perigoso ser mulher Mapa n. 4 Sexual violence in conflict index 2013 Mapa n. 5 Homossexual Activity Mapa n. 6 Same sex marriage Mapa n. 7 Right to change legal gender Mapa n. 8 Same-sex adoption Mapa n. 9 LGBT discrimination Mapa n. 10 LGBT employment discrimination Mapa n. 11 LGBT Housing discrimination Mapa n. 12 Homossexuals serving openly in military Mapa n. 13 Blood donations by MSMSs Mapa n. 14 Conversion therapy Mapa n. 15 Índice de Instituições Sociais e Gênero (IISG) Mapa n. 16 Líderes mulheres pelo mundo Mapa n. 17 Leis de prostituição pelo mundo Mapa n. 18 Leis de pornografia pelo mundo LISTA DE QUADROS Quadro n. 1 Países que criminalizam a orientações sexuais não-hegemônicas Quadro n. 2 Países que punem orientações sexuais diversas com penas de morte Quadro n. 3 Números estimados de refugiados ligados a questões de gênero Quadro n. 4 Ranking Spartacus I Quadro n. 5 Ranking Spartacus II Quadro n. 6 Ranking Spartacus III LISTA DE TRATADOS Agenda 2063 Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos Carta da Comunidade das Nações Carta das Nações Unidas (Carta da ONU ou Carta de São Francisco) Carta de Direitos Humanos da União Europeia Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) Convenção Americana contra todas as Formas de Discriminação e Intolerância Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Convenção Europeia dos Direitos Humanos Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) Convenção Internacional para a Proteção de todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados Convenção Internacional para a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias Convenção n. 169 da OIT Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (Convenção de Genebra) Convenção sobre Asilo Diplomático Convenção sobre Asilo Territorial Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial Convenção sobre os Direitos da Criança Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais Declaração Americana de Direitos do Homem Declaração da Criança Declaração de Cartagena Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas Declaração dos Direitos do Deficiente Mental Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos Declaração de Direitos Humanos Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes Declaração Universal relativa aos Direitos Civis, Políticos e Econômicos Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO Estatuto Constitutivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados Estatuto de Roma Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Princípios de Yogoakarta Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo) Protocolo à Carta Africana de Direitos Humanos sobre os Direitos das Mulheres da África (Protocolo de Maputo) Protocolo de Montevidéu sobre o Compromisso com a Democracia no Mercosul (Protocolo de Montevidéu) Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no Mercosul (Protocolo de Ushuaia) Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos por parte dos Estados Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados Tratado Constitutivo do Mercosul (Tratado de Assunção) Tratado Constitutivo da União Europeia Tratado de Direito Penal Internacional de Montevidéu Tratado de Marraquexe para Facilitar o Acesso às Obras Publicadas às Pessoas Cegas SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 25 1. IDENTIDADE, CULTURA E MIGRAÇÃO SOB A TUTELA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE ................................................................................ 33 1.1 PARA QUAL DIREÇÃO OS DIREITOS HUMANOS PRECISAM SE DESENVOLVER? ................................................................................................................... 34 1.2 PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE: UM PRINCÍPIO INVISÍVEL E UMA SISTEMÁTICA EM FORMAÇÃO ........................................................................................ 43 1.2.1 Proteção da identidade humana sob uma perspectiva individual ......................... 56 1.2.2 Identidade cultural .................................................................................................... 64 1.2.3 Migração: a última alternativa ................................................................................. 72 2. REFÚGIO: A TEIMOSIA EM VIVER ................................................................... 77 2.1 A IMPORTÂNCIA DE SE CONCEBER A MIGRAÇÃO DENTRO DE UMA SISTEMÁTICA DE PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE E O PAPEL DO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS ............................................................................. 83 2.2 DISCUTINDO-SE O DIREITO NACIONAL DOS REFUGIADOS ......................... 92 2.3 LEVANTAMENTO DE DESRESPEITOS AOS DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA DE GÊNERO PELO MUNDO ............................................................................ 96 3. UM REFÚGIO DE GÊNERO PARA TODOS OS GÊNEROS: COLORINDO CONCEITOS ....................................................................................................................... 112 3.1 O QUE SIGNIFICA COLORIR O DIREITO DOS REFUGIADOS? ...................... 116 3.2 RECONHECENDO IDENTIDADES: O PRIMEIRO PASSO PARA SE COLORIR O DIREITO DOS REFUGIADOS ............................................................................................. 119 3.3 AMPLIANDO O CONCEITO DE PERSEGUIÇÕES .............................................. 131 3.4 O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO DENTRO DE OUTROS REFÚGIOS ................................................................................................................................................ 143 3.5 O “PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA UNIDADE FAMILIAR” RESIGNIFICADO PELO DIREITO DOS REFUGIADOS COLORIDO: O QUE É FAMÍLIA? ................................................................................................................................................ 144 3.6 O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO DENTRO DE UM MESMO PAÍS: NAÇÕES DIFERENTES, MESMAS NACIONALIDADES ............................................... 149 3.7 HOMENS PERSEGUIDOS, MULHERES VIOLADAS .......................................... 150 3.8 REFUGIADOS POR QUESTÕES DE GÊNERO E OUTRAS INTERSECCIONALIDADES .............................................................................................. 151 3.9 UMA ESTILÍSTICA COLORIDA PARA REDIGIR UM DIREITO DOS REFUGIADOS COLORIDO ........................................................................................................................... 156 4. POLÍTICAS PÚBICAS PARA PROMOVER O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO .............................................................................................................................. 158 4.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS TÊM GÊNERO? ......................................................... 159 4.1.1 O refúgio por questões de gênero na Suécia ........................................................... 168 4.1.2 O refúgio por questões de gênero no Canadá ......................................................... 169 4.1.3 O refúgio por questões de gênero nos Estados Unidos .......................................... 177 4.2 DESENHANDO POLÍTICAS PÚBLICAS PARA REFUGIADOS POR QUESTÕES DE GÊNERO ............................................................................................................................... 179 4.2.1 Políticas de categorização de refugiados por questões de gênero: uma abordagem sob a perspectiva dos gêneros ............................................................................................. 181 4.2.2 Políticas de combate a análises de enquadramento de gênero para com solicitantes de refúgio por questões de gênero ....................................................................................... 183 4.2.3 Travessias ilegais de refugiados: a urgência de uma perspectiva de gênero à situação ................................................................................................................................. 224 4.2.4 Acampamentos de refugiados e a necessidade de uma perspectiva de gênero ao analisar a situação ............................................................................................................... 189 4.2.5 Políticas de combate aos trabalhos análogos aos de escravos .............................. 230 4.2.6 Políticas públicas de combate à prostituição e ao engajamento na indústria pornográfica por parte dos refugiados por questões de gênero ...................................... 194 4.2.7 Tráfico de refugiados ............................................................................................... 200 4.2.8 Políticas públicas de promoção e cuidado da saúde dos refugiados por questões de gênero .................................................................................................................................... 208 4.2.9 O combate aos binarismos ...................................................................................... 211 4.2.10 Políticas públicas e a promoção do conceito de orgulho ...................................... 213 4.2.11 Políticas públicas e relações internacionais ........................................................... 214 4.2.12 Refúgio, tecnologia e políticas públicas ................................................................. 218 4.2.13 Políticas públicas interseccionais ............................................................................ 221 4.2.14 O refugiado construindo sua própria política pública ......................................... 221 4.2.15 Educação feminista e emancipação ........................................................................ 222 4.3 DISCUTINDO O PAPEL DO DIREITO ENQUANTO DOCUMENTO FORMALIZADOR E PROPOSITOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA REFUGIADOS POR QUESTÕES DE GÊNERO............................................................................................. 227 5. CONVOCANDO-SE ATORES PARA CONSTRUIR UM DIREITO DOS REFUGIADOS COLORIDO ............................................................................................... 229 5.1 POR UMA COMUNIDADE INTERNACIONAL COLORIDA E DIVERSA ............. 229 5.1.1 O papel do hard law: proposta de Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados sobre o Refúgio por Questões de Gênero ............................................................................ 233 5.1.2 Vantagens e limitações do soft law .......................................................................... 234 5.1.3 O Conselho de Segurança das Nações Unidas ........................................................ 235 5.1.4 Sobre o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e seu papel na construção de um Direito dos Refugiados Colorido ........................................................... 236 5.1.4.1 Algumas considerações sobre a Revisão Periódica Universal realizada no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas .......................................................... 237 5.1.5 Organizações internacionais .................................................................................... 237 5.1.6 Discutindo o papel das cortes internacionais e seu papel contra-hegemônico na promoção do refúgio por questões de gênero ...................................................................... 238 5.1.7 Comitês de monitoramento coloridos ........................................................................ 240 5.1.8 Sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos: por uma posição sobre o refúgio por questões de gênero.............................................................................................. 242 5.2 OS ESTADOS E SUAS POLÍTICAS DE REFÚGIO .............................................. 243 5.2.1 Construindo estados feministas: o desafio de equilibrar poderes ...................... 243 5.2.2 Discutindo o papel do Brasil ................................................................................... 245 5.2.2.1 Discutindo o papel do Brasil no cenário internacional .............................................. 249 5.2.2.2 Discutindo o papel do Brasil no âmbito dos entes federativos .................................. 251 5.3 CONVOCANDO ATORES ESTATAIS E NÃO-ESTATAIS ................................. 251 5.3.1 Iniciativa privada: para além da responsabilização .............................................. 251 5.3.2 Religiões: violência ou paz? .................................................................................... 252 5.3.3 Organizações não-governamentais: um caráter difuso essencial ........................ 255 5.3.4 Qual a contribuição da comunidade acadêmica? .................................................. 256 5.3.5 Os gêneros falando por si mesmos .......................................................................... 257 5.3.5.1 Os movimentos sociais ............................................................................................... 257 5.3.5.2 Os próprios gêneros chamados à construção de um Direito dos Refugiados Colorido ................................................................................................................................................ 262 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 265 APÊNDICE A – TRADUÇÃO DO DICIONÁRIO DE TERMOS SOBRE GÊNERO DA UNIVERSIDADE DE BERKELEY, CALIFÓRNIA, ESTADOS UNIDOS .................. 271 APÊNDICE B – PROPOSTA DE PROTOCOLO FACULTATIVO AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS SOBRE O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO ............ 278 ANEXO – MAPAS SOBRE OS DIREITOS DOS GÊNEROS PELO MUNDO ........... 286 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 295 25 INTRODUÇÃO Esta pesquisa teve como ponto de partida percepções sobre as opressões as quais os gêneros foram submetidos. Sendo assim, pensando em um recorte metodológico, a partir da crise dos refugiados tão latente no mundo e o contato com o Direito Migratório nas aulas do mestrado com a professora Patrícia Tuma Martins Bertolin, surgiu o seguinte questionamento: se a história dos gêneros nas sociedades ocidentais já é marcada por exclusão social, violência e assassinatos, como será a de pessoas que além de questões de gênero sofrem ao mesmo tempo com a questão da migração forçada?. Após estudar no mestrado sobre a importância da regulação financeira para a promoção do desenvolvimento sustentável e revisitando o fato de que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável1 reconhece a “igualdade de gênero” enquanto uma das dimensões do Desenvolvimento Sustentável e a “promoção dos direitos dos migrantes” enquanto um fundamento essencial para o alcance do referido desenvolvimento, pareceu coerente continuar pesquisas sobre o tema. Aprofundando-se nos estudos sobre “gênero” e “migrações”, algumas inquietações começaram a surgir: primeiramente, com o fato das Nações Unidas2 e a comunidade internacional terem ficado tanto tempo silentes quanto às questões de gênero3; além disso, com o fato dos movimentos feministas e os movimentos LGBTTIQ+4 muitas vezes separarem lutas que sempre pareceram tão inseparáveis; um incômodo também com a omissão do Direito Internacional sobre a maioria dos países da África e do Oriente Médio perseguirem gêneros e punirem essas existências com penas de prisão e morte; um incômodo com o fato de que só se considerava perseguições penas positivadas de prisões ou morte para com estas identidades; 1Em setembro de 2015, na Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, ocorrida durante a 70ª sessão da Assembleia Geral da ONU, foi adotada como parte central da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (A/RES/70/1) pelos Estados-membro das Nações Unidas. A Agenda lista os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, amparados sobre um tripé, que considera as dimensões social, ambiental e econômica de forma integrada e indivisível ao longo de todas as suas 169 metas (AGENDA 2030, 2017). 2Nesta tese utiliza-se os termos “Nações Unidas”, “Organização das Nações Unidas” e “ONU”; todos como sinônimos. 3Em uma reunião realizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, em comemoração ao Dia Internacional dos Direitos Humanos em Genebra, os Estados Unidos, por meio de sua secretária de Estado na época, Hillary Clinton, proclamaram a seguinte frase em defesa dos Direitos LGBTTIQ+: “Direitos Humanos são Direitos LGBT, Direitos LGBT são Direitos Humanos”. Em 1995, Hillary Clinton também na Quarta Conferência de Mulheres organizada pela ONU Mulheres em Benjing, disse: “Os Direitos das mulheres são Direitos humanos; e os Direitos Humanos são Direitos das mulheres”. Essas duas frases representam pressão dos países considerados desenvolvidos, liderados pelos Estados Unidos e pela União Europeia, para com o sistema internacional de Direitos Humanos a fim de reconhecer que a população LGBTTIQ+ e as Mulheres sejam considerados tão seres humanos quanto os homens heterossexuais/heteroafetivos. Foi por conta desta pressão realizada em 1995, inclusive, que, conforme será abordado nesta tese, a Declaração Universal de Direitos do Homem teve seu nome alterado para Declaração Universal de Direitos Humanos (CLINTON, 2017). 4O significado de cada item desta sigla será discutido logo no primeiro capítulo desta tese. Além disso, vale apontar também que nos capítulos seguintes a referida organização internacional será devidamente abordada dado seu papel para a construção de um sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos. 26 com a falta de prioridade do Brasil sobre este assunto, tanto no seu campo interno quanto para com a comunidade internacional; uma percepção sobre a importância das políticas públicas para a implementação de direitos declarados e o entendimento de que uma tese de doutorado não poderia terminar em uma mera declaração de direitos, mas também deveria tratar da efetivação destes direitos por meio da promoção de políticas públicas e com a proposta de construção de um Direito que formalize essas políticas públicas. Pautando-se nestas inquietações, desenvolve-se a referida pesquisa sobre a seguinte dúvida metodológica: o Direito dos Refugiados corrobora a manutenção de um modelo de desigualdade para com os gêneros e se pauta em bases heteronormativas e masculinas ou, de fato, consegue proteger identidades não-hegemônicas em seus processos de refúgio da mesma maneira que protege as hegemônicas? Como hipótese, acreditava-se que o Direito dos Refugiados corroborava a manutenção de um modelo de desigualdade para com os gêneros, porque não estava devidamente equipado para garantir os fluxos migratórios de identidades minoritárias. Sendo assim, partiu-se de método sistêmico para realizar a referida verificação. Discorrendo um pouco sobre o principal objetivo desta pesquisa, trata-se de mostrar que este tema existe. Há um silêncio sobre o assunto no Direito (nacional e internacional), na comunidade internacional e nos discursos de Direitos Humanos. O referido silêncio torna-se ainda mais sem sentido quando se observa as centenas de milhões de seres humanos que possuem sua dignidade ameaçada por questões de gênero e precisam migrar, conforme apontado no capítulo 2 desta tese. Há ainda outros dados apontados no decorrer deste trabalho que demonstram o quão absurdo é o silêncio quanto ao assunto. No capítulo 2 desta tese, por exemplo, aponta-se que cerca de 175 milhões de pessoas da comunidade LGBTTIQ+ estão sofrendo ameaça de perseguição direta e poderiam se enquadrar na qualidade de refugiados. Esses números não consideram, todavia, as mulheres heterossexuais/heteroafetivas5, que transgridem regras culturais (como não querer casar a partir dos 5 anos de idade ou se submeter à mutilação genital, por exemplo), o que aumentaria consideravelmente os referidos números em algumas outras centenas de milhões de seres humanos. Isso porque não há apontamento em qualquer legislação internacional e brasileira de que as lutas da população LGBTTIQ+ caminham junto com as lutas das mulheres em conquistas e retrocessos. 5Durante esta tese, procura-se, na medida dos limites impostos pela norma culta da língua portuguesa, utilizar termos alternativos às nomenclaturas “homossexuais”, “heterossexuais”, “bissexuais” ou “transexuais”; uma vez que, conforme discutido mais adiante, as experiências humanas dos gêneros são fenômenos complexos, geralmente não restritos às experiências sexuais de cada um. 27 Ainda sobre o silêncio em relação ao assunto, vale apontar que a Convenção de Genebra, também abordada no capítulo 2 desta tese, junto com documentos mais modernos sobre migrações e refúgio desconsideram quase que inteiramente migrações por questão de gênero. Neste mesmo sentido, no capítulo 2 desta tese também se demonstra que cerca de 2.500 pessoas conseguem anualmente o status de refugiados por questões de gênero, pautados em documentos administrativas precários do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), ou em entendimentos internos de alguns países. Todavia, reitera-se: centenas de milhões de seres humanos não conseguem o status e nem sabem que existe esta opção. Inclusive, países que reconhecem igualdade de gênero como seus pilares negam-se a conferir o referido status e salvar essas vidas em questão. Ou seja, trazer a visibilidade para esses grupos em países esquecidos, em regiões esquecidas, portadores de identidades desconhecidas, perseguidos milenarmente por textos oficiais não é pouca coisa. Há, todavia, outros objetivos com esta pesquisa. Há muitas críticas no âmbito acadêmico sobre a qualidade da pesquisa jurídica e questionamentos sobre o fato do Direito ser considerado ciência, uma vez que se entende o Direito muitas vezes como mera positivação de conceitos e textos que se tornam naturalmente compulsórios depois de uma promulgação (FRAGOLE; VERONESE, 2004). Sem se aprofundar na discussão, há uma consideração que há de ser feita: se de um lado há limitações na pesquisa jurídica, uma pesquisa jurídica também pode oferecer saídas mais pragmáticas a problemas sociais por meio do próprio Direito. Percebeu-se, assim, no decorrer desta tese, que seria objetivo dela trazer soluções específicas, e não somente apontar problemas ou reflexões. As ferramentas utilizadas para tanto são duas: o Direito e as políticas públicas. Sendo assim, busca-se, além de discutir o tema, formas de trazer as Teorias de Gênero6 para a legislação internacional e brasileira. Além disso, busca-se nas Teorias de Políticas Públicas ações que precisam ser adotadas. Em outras palavras: há, sim, uma reflexão sociológica, psicológica/psicanalítica e filosófica sobre os gêneros, as migrações, a diversidade humana; mas se entende necessário sobretudo apontar um caminho para a comunidade acadêmica construir uma solução e a trazer ao Direito Internacional e ao Direito Brasileiro. Além disso, foi realizada pesquisa bibliográfica nas áreas do Direito (sobretudo nas subáreas do Direito dos Refugiados e Direitos Humanos), das Teoria de Políticas Públicas, da Filosofia Política, da Sociologia e da Psicologia/Psicanálise. Esses textos estudados estão em 6Os termos “Teoria(s) de Gênero” e “Teoria(s) Feminista(s)” são tratados como sinônimos nesta pesquisa. 28 livros e revistas científicas brasileiros, canadenses, libaneses, estadunidenses, ingleses, alemães, portugueses, holandeses, belgos, espanhóis e franceses; devidamente referenciados ao longo desta tese. Ainda sobre as pesquisas bibliográficas, vale ressaltar que também se pesquisou leis brasileiras, tratados7 e decisões das cortes brasileiras, internacionais e de cortes supremas de outros países; tudo devidamente referenciado no decorrer do trabalho. Utilizou-se também de estudos, reportes e manuais desenvolvidos pelas Nações Unidas e suas organizações internacionais coligadas, bem como dos outros sistemas regionais de proteção de Direitos Humanos (Sistema Interamericano, Sistema Europeu, Sistema Africano, Sistema Asiático, Sistema Árabe e do Instituto de Políticas Públicas para Direitos Humanos do Mercosul) e também materiais desenvolvidos por organizações não-governamentais que tratam sobre: migrações, gêneros e Direitos Humanos. Além disso, para o desenvolvimento da pesquisa, cursei crédito na University of Miami8, em Miami, nos Estados Unidos, intitulado Queering the American Dream: LGBT Latin America in South Florida, sob a orientação do professor Dr. Steven Butterman9. O referido crédito tinha como objetivo estudar as migrações por questões de gênero da America Latina para o Sul da Florida, sobretudo aquelas que acontecem sob a perspectiva do refúgio. Durante esse tempo nos Estados Unidos, também fui estagiário docente do professor Dr. Steven Butterman, que me envolveu nas seguintes atividades acadêmicas: participação em algumas atividades do grupo de estudo o qual coordena: Queer Studies Research Group; participação como ouvinte em palestras (Mass incarceration story lab; Ethics, representation and the body: the politics of cultural production about feminicidio in Ciudad Juarez, Mexico - with professor Nula Finnegan from University College Cork, Ireland; Yes Institute’s presentation on training programs to prevent suicide regarding sexual orientation and gender issues; e Legal Technology and Access to Justice). 7Importante salientar que a terminologia “tratado” utilizada aqui, bem como no decorrer desta tese, refere-se ao gênero que, à luz do Direito Internacional pode compreender protocolos, convenções, declarações, tratados em sentido estrito, bem como outros diplomas internacionalistas. 8A University of Miami é uma universidade localizada em Miami, Estados Unidos. Ela ocupa o o 186º lugar no ranking de universidades no mundo (THE WORLD UNIVERSITY RANKINGS 2018, 2018). As pesquisas realizadas nessa instituição aconteceram tanto no âmbito da sua escola de Direito, bem como no âmbito dos departamentos de Ciências Sociais. 9Steven Butterman é bacharel em Relações Internacionais pela University of Colorado, Estados Unidos, mestre e doutor pela University of Winscosin, Estados Unidos. É professor titular da University of Miami, Estados Unidos, e líder do grupo de pesquisa Women and Gender Studies da University of Miami. Além disso, tem interesse nas seguintes áreas: cultura e literatura luso-brasileiras; gênero; sexualidades; estudos queer; cinema e literatura brasileiros; e cultura brasileira LGBTQ (COLLEGE OF ARTS AND SCIENCES, 2018). 29 Importante salientar que todos estes eventos foram importantes para reflexões realizadas durante a tese e durante as reflexões realizadas, foram devidamente citados em notas de roda pé. Paralelamente à redação desta tese cursei um segundo mestrado em Direito Internacional também na University of Miami, o que contribuiu muito para esta pesquisa que tanto conversa com o Direito Internacional. Durante meu mestrado, fiz um estágio na Clínica de Direitos Humanos da University of Miami, sob a orientação da professora Dra. Caroline Bettinger-López10, e me envolvi em projetos que lidavam com a violência de gênero. Dentre estes projetos, destaca-se o projeto COURAGE in Policing Project (Community Oriented and United Responses to Address Gender Violence and Equality), o qual visa promover políticas de accountability para polícias ao redor do mundo apurarem devidamente reportes de violência de gênero. O contato com a Clínica de Direitos Humanos permitiu maior interação com os sistemas regionais de proteção de Direitos Humanos; o que contribuiu muito com esta pesquisa. No Brasil, além dos créditos obrigatórios do doutorado, a participação no grupo de Estudos “Mulher, Sociedade e Direitos Humanos”11, organizado pela professora Patrícia Tuma Martins Bertolin foi fundamental; possibilitando-se assim, construir uma posição sobre a Teoria de Gênero e propor as aplicar ao Direito dos Refugiados, conforme apontado nos capítulos 3, 4 e 5 desta tese. Além disso, no Brasil, a participação em 4 palestras foram muito importantes para conclusões articuladas nesta tese: palestra ministrada na Universidade de São Paulo (Largo do São Francisco), São Paulo, Brasil, sobre imigração e refúgio no Brasil em 17 de agosto de 2015; palestra realizada em 15 de março de 2017 em homenagem ao Dia Internacional da Mulher na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil; palestra na Procuradoria Regional da República em 20 de junho de 2017, São Paulo, Brasil, sobre Migração e Refúgio; palestra na Câmara dos Deputados Federais do Brasil em 28 de fevereiro de 2018, Brasília, Brasil; sobre migração e trabalho doméstico no Brasil. Por fim, aponta-se que no capítulo 4 desta tese procurou-se trazer a experiência do refugiado para o centro da construção da política pública. Embora não se tenha realizado 10Caroline Bettinger-López é professora titular da University of Miami e também diretora da Clínica de Direitos Humanos da University of Miami. Doutora pela University of Columbia School of Law, Estados Unidas, trabalhou na administração do presidente Barack Obama, na qual atuou como conselheira da Casa Branca sobre violência de gênero, conselheira sênior do vice-presidente Joe Biden e membro do Conselho da Casa Branca sobre Mulheres e Meninas (MIAMI LAW, 2018). 11Importante apontar que o envolvimento no referido grupo sobretudo no que diz respeito aos estudos sobre os gêneros permitiu fazer pesquisa bibliográfica para o trabalho especificamente sobre acadêmicos feministas e quais suas contribuições para a construção do Direito. Sendo assim, todos pensadores de gênero devidamente citados nesta tese são apresentados em nota de rodapé, que, por sua vez contém os seguintes dados: nome completo do autor, sua formação acadêmica completa, universidade a qual está vinculado, principais posicionamentos sobre a temática. 30 aplicação de questionários específicos para captar esta experiência, colheu-se depoimentos já registrados em livros12, palestras e também no Projeto Vidas Refugiadas13. Sobre a divisão deste trabalho, vale apontar que a introdução desta tese se utiliza de metalinguagem para explicar quais foram as primeiras reflexões que geraram a elaboração de um problema metodológico para ser pesquisado. Além disso, cataloga os recursos de pesquisa para deixar ainda mais claro aos leitores quais são os pontos de partida do trabalho. Por fim, apresenta a sistematização do trabalho em introdução, capítulos, considerações finais, apêndices e anexo. No capítulo 1 desta tese, por sua vez, far-se-á uma abordagem teórica sobre a evolução dos Direitos e Humanos, uma vez que nem todas as identidades humanas ainda parecem representadas em textos protetivos. A partir desta abordagem procura-se propor a elaboração de uma sistemática protetiva da diversidade humana surgida a partir de um princípio implícito já existente no que se refere à proteção dos Direitos Humanos, que é o princípio da proteção da diversidade humana. No capítulo 2 desta tese, desenvolver-se-á a migração humanitária enquanto subdimensão da proteção da diversidade e como última alternativa para proteger identidades humanas. A partir deste conceito trabalha-se a ideia de como é importante trazer a questão para uma articulação internacional, e de como é importante também revisitar as perseguições sofridas em países, uma vez que não parece que todas as identidades humanas, sobretudo no que diz respeito aos gêneros, encontram visibilidade aos olhos do Direito dos Refugiados. No capítulo 3 desta tese, discutir-se-á as Teorias de Gênero e se procura as aplicar ao Direito dos Refugiados, uma vez que há omissão do Direito dos Refugiados no que se refere ao refúgio por questões de gênero. Sendo assim, cria-se um conceito de refúgio por questões de gênero a ser incorporado pelo Direito. No capítulo 4 desta tese discutir-se-á sobre a articulação de políticas públicas para a promoção do refúgio por questões de gênero nos países que recebem os referidos refugiados. Sendo assim, discute-se sobre Teorias de Políticas Públicas, faz-se análise de políticas públicas para refugiados por questões de gênero ao redor do mundo14 e, além disso, propõe-se diretrizes para a institucionalização de algumas políticas específicas neste sentido. 12Conforme também apontado no capítulo 4 desta tese, no livro The girl from Aleppo: Nujeen’s scape from war to freedom, Nujeen conta como foi sua experiência enquanto jovem refugiada portadora de deficiência física. 13Conforme também apontado no capítulo 2 desta tese, o site Vidas Refugiadas torna público o projeto Vidas Refugiadas que tem como objetivo compartilhar a história de mulheres que migraram para o Brasil por conta de questões relacionadas ao seu gênero (VIDAS REFUGIADAS, 2017). 14A metodologia utilizada para a escolha dos países está explicada no início do capítulo 4 desta tese. 31 No capítulo 5 desta tese, discutir-se-á, por fim, qual o papel do Brasil no cenário internacional no sentido de promover e cobrar das nações o refúgio por questões de gênero, bem como seu papel para viabilizar essa espécie de refúgio internamente. Há por trás desta discussão, um questionamento: que país se quer ser no nível interno e para a comunidade internacional? Além disso, discute-se o papel da própria comunidade internacional e de outros atores não estatais na construção na promoção do refúgio por questões de gênero. Nas Considerações Finais da pesquisa, procurou-se sobretudo realizar um levantamento dos principais problemas abordados em cada capítulo do trabalho, bem como suas possíveis soluções. Além disso, procura-se trazer uma mensagem esperançosa (mas também realista) para aqueles que lutam pelos direitos dos gêneros. No APÊNDICE A desta tese, por sua vez, optou-se por traduzir o Dicionário de Termos de Gênero da Universidade de Berkeley, Califórnia, Estados Unidos; uma vez que não se encontrou nada assim produzido por um centro de pesquisa brasileiro. Além disso, o dicionário em questão esclarece uma série de termos utilizados no decorrer desta tese, funcionando como um glossário para a consulta do leitor desta pesquisa. No APÊNDICE B desta tese, consolidou-se uma proposta de tratado que verse sobre o Direito dos Refugiados por Questões de Gênero. Esse texto é uma consolidação dos principais temas abordados e conceitos construídos a partir desta tese. No ANEXO desta tese, por sua vez, há uma série de mapas que demonstram quais os Direitos dos Gêneros que já foram conquistados pelo mundo. Além disso, vale apontar que as notas de rodapé constituem parte bastante importante da pesquisa, procurando sobretudo se aprofundar em algumas discussões que tangenciam as temáticas abordadas, bem como servem de instrumento para situar o leitor, antecipando reflexões que serão mais desenvolvidas ou, ao contrário, resgatando conceitos já trabalhados. Além disso, elas foram utilizadas como meio para referenciar cada autor feminista citado no trabalho, contando um pouco da sua formação, pesquisa científica e área de estudo. É importante apontar também que todos os conceitos novos a serem sugeridos por esta tese estão devidamente em itálico15 (desta forma) enquanto conceitos já elucubrados por outros autores e que merecem destaque estão entre aspas (“desta forma”). Essa metodologia foi utilizada para deixar claro aos leitores o que é produção resultado desta pesquisa e o que não é. Por fim, importante apontar também que este trabalho faz parte da linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana 15Vale apontar também que termos e citações em língua estrangeira também estão em itálico. 32 Mackenzie, intitulada de “A cidadania modelando o Estado”; e, sendo assim, trata-se de, dentro da proposta do programam de refletir acerca do conceito de cidadania e o integrar aos princípios do Estado Social e Democrático de Direito (especialmente no que se refere ao dever de promover a justiça social e a participação política efetiva) ser mais uma voz no que diz respeito a apontar aos Estados que precisam considerar as questões de gênero em sua estrutura a fim de romper com a positivação de fortes violações a Direitos Humanos no que se refere a gênero, em alguns casos, constitucionalmente aceitos. Trata-se também de repensar invisibilidades e questionar quais violações são estas, porque, talvez, elas não apareçam tão claramente nas leis e constituições. 33 1. IDENTIDADE, CULTURA E MIGRAÇÃO SOB A TUTELA DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE O primeiro capítulo desta tese procura responder à seguinte pergunta metodológica: quais instrumentos jurídicos existem para que se proteja a diversidade humana? Sendo assim, ele procura dialogar com o conceito de proteção da diversidade humana. Procura-se abordar, todavia, este conceito sob uma perspectiva evolutiva de proteção dos Direitos Humanos, porque parece que a construção desta proteção passou da religião à Filosofia, da formação de um sistema constitucional de proteção garantido pelos Estados a um sistema internacionalizado (em âmbito global e regional) garantido pela comunidade internacional, bem como por sistemas de integração regional e de livre comércio. Sendo assim, esta construção deu-se no sentido de reconhecer que, tanto na ordem constitucional liberal quanto na ordem internacional-regional, parece haver um supra princípio de proteção da diversidade humana implícito, dividido, por sua vez, em 3 grandes dimensões: a identidade/personalidade; a identidade cultural; e a migração. Desta forma, o presente capítulo procura: identificar como se deu o processo evolutivo de formação de uma sistemática protetiva de Direitos Humanos; apontar que a construção de um subsistema de proteção (constitucional e internacional) da diversidade é necessário; e se aprofundar no que consiste a efetiva proteção da diversidade por meio de uma análise de suas dimensões. Vale ressaltar que a presente proposta não se trata de um conceito fechado em si mesmo e que, para tanto, serão utilizadas outras disciplinas que tratem das temáticas abordadas sem, todavia, que se fuja da proposta de uma cidadania solidária16 que construa um Estado por meio do Direito. É importante apontar ainda que, exatamente por se discutir um conceito aberto, o presente capítulo (ou mesmo a tese em questão) não tem a pretensão de sedimentar um conceito estático, mas sugerir propostas que começam a ser discutidas para que se possa avançar mais um passo no que diz respeito à proteção dos Direitos Humanos, contribuindo para o fortalecimento desta sistemática complexa que vem evoluindo. 16Sobre a cidadania solidária, é importante apontar que se trata de uma nova dimensão de cidadania, agora inclusiva, promovendo a ideia de solidariedade e pertencimento ao todo. Neste sentido, inclusive, Fábio Konder Comparato (2006, p. 577) entende que enquanto a liberdade e a igualdade põem as pessoas umas diante das outras, a solidariedade reúne-as, no seio de uma mesma comunidade. Sendo assim, no plano da solidariedade, todos são convocados a defender o que lhes é comum. 34 1.1 PARA QUAL DIREÇÃO OS DIREITOS HUMANOS PRECISAM SE DESENVOLVER? Sobre a origem dos Direitos Humanos, Donnely (1981, p. 36, tradução do autor17), afirma que: Enquanto a linguagem dos "direitos humanos" é um fenômeno do século XX, o conceito tem raízes profundas na tradição ocidental do pensamento político. Quão longe, porém, podemos rastrear essas raízes, e exatamente onde elas estão? Os "direitos naturais" e os "direitos do homem" estão claramente ligados ao conceito de direitos humanos. Sendo assim, percebe-se uma forte conexão entre a noção de Direitos Naturais e Direitos Humanos, valendo lembrar que Direito Natural (ius naturale, no latim; ou “jusnaturalismo”, em português) é uma teoria que tem como projeto avaliar as opções humanas com o propósito de agir de modo razoável e bem; o que, por sua vez, é alcançado por meio da fundamentação de determinados princípios do Direito Natural, que são considerados bens humanos evidentes em si mesmos (FINNIS, 2007). A tutela dos bens humanos, objeto do Direito Natural, seria, portanto, a tutela daquilo que é inerente ao ser humano e constitui elemento essencial para sua construção enquanto tal, o que, claramente, confunde-se com o conceito de tutela dos Direitos Humanos. Neste sentido, Dalmo de Abreu Dallari (2000, p. 54, grifo do autor) afirma que: No final da Idade Média, no século XIII, aparece a grande figura de Santo Tomás de Aquino, que, tomando a vontade de Deus como fundamento dos direitos humanos, condenou as violências e discriminações, dizendo que o ser humano tem direitos naturais que devem ser sempre respeitados, chegando a afirmar o direito de rebelião dos que forem submetidos a condições indignas. A partir da segunda metade da Idade Média, inclusive, começa-se a difundir documentos escritos, reconhecendo-se direitos a determinadas classes sociais, a determinadas comunidades, mas não ainda a todas as pessoas, não existindo qualquer proposta de universalização (FERREIRA FILHO, 1998, p. 11). Dentre estes documentos, merece destaque a Magna Carta, outorgada por João Sem-Terra no século XII devido a pressões exercidas pelos barões decorrentes do aumento fiscal para financiar campanhas bélicas e pressões da Igreja para o rei submeter-se a autoridade papal (COMPARATO, 2003, pp. 71-72). Tal documento reconheceu vários direitos, tais como: a liberdade eclesial, a não existência de impostos, sem anuências dos 17Texto orginal em inglês: “While the language of "human rights" is a twentieth century phenomenon, the concept has deep roots in the Western tradition of political thought. How far back, though, can we trace these roots, and exactly where do they lie? ‘Natural rights’ and ‘the rights of man’ clearly are closely connected to the concept of human rights” (DONNELY, 1981, p. 36). 35 contribuintes, a propriedade privada, a liberdade de ir e vir e a desvinculação da lei e da jurisdição da pessoa do monarca (COMPARATO, 2003, pp. 79-80). A Filosofia desenvolvida na Grécia Antiga, contudo, também foi importante para se chegar ao conceito de Direitos Humanos, uma vez que situou a pessoa humana como centro da questão filosófica. Ou seja, passou-se de uma explicação mitológica da realidade para uma explicação antropocentrista, possibilitando-se, então, refletir sobre a vida humana (MARTINS, 2003, p. 21). Neste mesmo sentido, houve grande contribuição da reforma protestante que contestou a uniformidade da Igreja Católica, dando importância à interpretação pessoal das escrituras sagradas (LALAGUNA, 1993, p. 15). Sobre a positivação dos Direitos Humanos, acredita-se que os próprios textos sagrados já realizavam o papel de positivar direitos inerentes ao ser humano. A Torah, (também conhecida como: “Pentateuco” ou “Lei de Moisés”), por exemplo, que ainda hoje constitui texto central do judaísmo, escrita por volta do século XII a.C. (1300 a.C.), traz um conjunto de regras religiosas, morais e sociais impostas obrigatoriamente ao povo judeu (ARRUDA, 1995, p. 86). Tal lei contemplava os dez mandamentos que são leis tidas como de inspiração divina. Sobre a Torah, Césare Cantu (2003, p. 259, grifos do autor) demonstra que: A unidade de Deus, proclamada à frente da lei, traz consigo a unidade da espécie e desde então começa a igualdade entre os homens: a mesma proibição dos maus pensamentos sanciona a individualidade, e faz que cada um se julgue e se reconheça um ente digno de respeito. Ou seja, a própria formação judaico-cristã na construção da cultura dos povos do ocidente, parece ter corroborado o entendimento de haver direitos que são inerentes à natureza humana. Neste mesmo sentido, é importante lembrar que: [...] a lei da caridade universal é tão fundamental no conceito de Jesus Cristo, que a equipara à lei máxima do amor a Deus. Mais ainda, através da fraternidade universal, através das obras de amor ao próximo, deve-se realizar, segundo a vontade de Jesus Cristo, o amor a Deus, dependendo destas obras o destino eterno do ser humano. Tão universal e tão perfeita há de ser esta caridade, que ela inclua mesmo os inimigos, a exemplo do amor que neste mundo o próprio Deus tem para com os homens maus (SODER, 1960, p. 60). Percebe-se, portanto, a contribuição da formação judaico-cristã na construção do que é ser humano e, sobretudo, na construção de quais são os seus direitos. Acerca de tal contribuição, Pinsky (2003, p. 72) afirma que, ao longo da história formou- se um monoteísmo ético. Trata-se de uma concepção revolucionária para a época do que é ser Deus (ou, talvez, do que é ser humano; porque a partir do momento em que se tem um deus 36 ético, desenha-se um ser humano ético). Tal monoteísmo ético transforma-se em base do judaísmo, cristianismo e islamismo. Ele estrutura um longo caminho (que não está terminado) no sentido de desenhar o que são os Direitos Humanos. Este fundamento ético avança na história e, ao longo dela, reconhece-se a relevância das Revoluções Inglesa, Americana e Francesa para o reconhecimento de direitos inerentes à pessoa humana e suas respectivas influências nas constituições do século XIX (RUBIO, 1998, p. 72). Supera-se, portanto, um momento de codificação religiosa e conceituação filosófica do que seriam estes direitos inerentes ao ser humano para uma positivação constitucional do que seriam estes direitos. A Revolução Inglesa (que ocorreu entre 1640 e 1688) é considerada a primeira revolução burguesa da história. Ela representou: a transição de um capitalismo comercial para um capitalismo industrial; a formação de um novo modelo econômico; e também a formação de uma monarquia constitucional. Ou seja, um Estado absolutista, gerido por monarcas, mas com dominação econômica de classes burguesas (SMANIO, 2009, p. 25). Para Smanio (2009, p. 26), do ponto de vista social, a Revolução Inglesa passou a desenhar um Estado pautado no modelo individualista hobbesiano; o que significa dizer que se encontrando num mundo hostil, tanto em face da natureza quanto em relação a seus semelhantes, o ser humano buscou reagir a estas hostilidades inventando técnicas de sobrevivência por meio de sistemas de regras que reduzem os impulsos agressivos mediante penas, ou estimulam os impulsos de colaboração e de solidariedade por meio de prêmios (BOBBIO, 1992, p. 34). Dessa forma, inaugura-se o Liberalismo com a proteção dos direitos civis por meio de uma carta de direitos – chamada na época de Bill of Rights (SMANIO, 2009, p. 26). A Revolução Americana, por sua vez, efetivada com a Declaração de Independência de 1776 e também com a Constituição de 1787, trata-se de outra revolução burguesa muito importante, uma vez que significa aprofundar-se no “indivíduo” e garantir a proteção econômica e privada dele (SMANIO, 2009, p. 26). Sobre a revolução americana, Bobbio (1992, p. 36, grifos do autor) entende que, além da proteção econômica e privada do indivíduo, ela teve como seu fundamento: (...) o direito natural; (...), o governo fundado no contrato social, a república como governo que rechaça para sempre a lei da hereditariedade, a democracia como governo de todos. Neste mesmo sentido, Smanio (2009, p. 26) aponta que a revolução francesa, a terceira revolução burguesa, é fundada na ideia de Direitos Naturais (liberdade, igualdade e 37 fraternidade) e, por meio da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, dá uma dimensão jurídica e política à cidadania liberal. Posteriormente, outras constituições18 inspiraram-se nos modelos americano e francês, sobretudo, no que diz respeito à garantia e defesa destes direitos naturais ao ser humano. Desta forma, o desenvolvimento dos Direitos Humanos seguiu seu curso afirmando-se durante o constitucionalismo liberal do século XIX, adquirindo, a partir do século XX, característica de universalidade (DA SILVA, 2016). Percebe-se, portanto, que o século XVIII representou a conquista dos direitos civis (vida, liberdade, propriedade e igualdade perante a lei). O século XIX, por sua vez, representou a conquista dos direitos políticos, uma vez que a principal discussão versava sobre a participação popular no governo. Por fim, o século XX representou as conquistas no âmbito dos direitos sociais (SMANIO, 2009, p. 16). Foi desse modo que o início do século XX trouxe diplomas fortemente marcados pelas preocupações sociais. Neste sentido, Vicente Bagnoli (2005, p. 93), aponta para três documentos pautados nestas preocupações: a Constituição do México de 1917, a Constituição de Weimar de 1918 e a encíclica Rerum Novarum.19 A Constituição Mexicana é considerada marco normativo em matéria de Direitos Humanos porque garantiu direitos individuais com fortes tendências sociais, sobretudo no campo trabalhista (art. 5º) e no que diz respeito à efetivação da educação (art. 3º) (DA SILVA, 2016). Sobre a constituição de Weimar20, Gilberto Bercovici (2005, p. 18) entende que ela se divide em três níveis: O primeiro nível seria o dos direitos fundamentais, sociais e econômicos, como o direito ao trabalho (art. 163), a proteção ao trabalho (art. 157), o direito à assistência social (art. 161), e o direito de sindicalização (art. 159). Outro nível social seria o do 18Neste sentido, vale citar o exemplo da constituição espanhola, de 19 de março de 1812 (Constitución de Cádiz), popularmente conhecida como La Pepa, que previa o “princípio da legalidade”, restrições aos poderes do rei, o “princípio do juiz natural”, a proibição de tributos arbitrários, o direito de propriedade, a desapropriação mediante justa indenização e a liberdade; bem como a constituição portuguesa, de 23 de setembro de 1822, que, por sua vez, consagrou direitos: à liberdade, à segurança, à propriedade, à inviolabilidade do domicilio, à igualdade perante a lei, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, ao sigilo de correspondência, à educação e à assistência, à proibição da prisão sem culpa formada, à humanização do Direito Penal com a proibição de todas as penas cruéis (tortura) e/ou infamantes e à humanização do Direito Penitenciário (DA SILVA, 2016). 19Publicada pelo Papa Leão XIII, a encíclica trata da condição dos operários e propõe auxílio a estes seres humanos (BAGNOLI, 2005, p. 93). 20Sobre as origens históricas da constituição de Weimar, Bagnoli (2005, p. 33) aponta que: “antes mesmo da celebração do armistício da primeira guerra de 11 de novembro de 1918, a Alemanha foi palco de diversas disputas internas que culminaram na República de Weimar. Na noite de 7 de novembro, proclama-se na Baviera uma República Democrática e Socialista por meio dos partidos de esquerda mais radicais. Aos 9 de novembro, o partido socialista alemão proclama a República na chancelaria de Berlim. No final de 1918, já com uma nova lei eleitoral, realizam-se as eleições para formar o congresso dos representantes das províncias imperiais, que, eleito, vota em janeiro de 1919 pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte”. 38 controle da ordem econômica capitalista por meio da função social da propriedade (art. 153) e da possibilidade de socialização (art. 156). Finalmente, o terceiro nível seria o mecanismo de colaboração entre trabalhadores e empregados por meio de conselhos (art. 165). Com esta organização, a ordem econômica de Weimar tinha o claro propósito de buscar a transformação social, dando um papel central aos sindicatos para a execução desta tarefa. Percebe-se, portanto, a consolidação dos Direitos Humanos, em suas diversas esferas, no que diz respeito à formação de Estados constitucionais. Todavia, parece que o surgimento do constitucionalismo social não foi suficiente, porque não conseguiu evitar atrocidades como as ocorridas na Segunda Guerra Mundial. A Segunda Guerra Mundial, considerada a guerra mais abrangente e mais letal da história humana, marcada por um número significante de ataques contra civis, incluindo o Holocausto e o uso de armas nucleares - com uma série de atrocidades cometidas, demonstrou que os direitos dos indivíduos enquanto seres humanos deveriam ser protegidos em escala global, por meio do Direito Internacional global (DA SILVA, 2016). Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos Estados totalitários nazifascistas, 51 países reuniram-se em São Francisco, nos Estados Unidos, e firmaram a Carta Nações Unidas21, em 26 de junho de 1945. Este documento espelha a preocupação com a internacionalização de Direitos Humanos desde seu preâmbulo. Com o objetivo de desenvolver os princípios da Carta, foi constituída a Comissão dos Direitos Humanos, cujos objetivos principais consistiam em preparar uma Declaração Universal relativa aos Direitos Civis, Políticos, Econômicos e Sociais, bem como elaborar um documento juridicamente mais vinculante do que uma mera declaração, na forma de tratado, pacto ou convenção, redigido em termos legais, relativo aos Direitos Civis e Políticos, de cumprimento obrigatório para todos os Estados que o assinassem e ratificassem e, por fim, propor medidas para programar os princípios da declaração e os dispositivos da convenção para examinar as petições e as reclamações de indivíduos ou grupos (DA SILVA, 2016). Sendo assim, a Assembleia Geral da ONU22, reunida em Paris, adotou a Declaração Universal do Homem e do Cidadão (atualmente, reconhecida como Declaração Universal de Direitos Humanos23). 21A Liga das Nações foi substituída pela Organização das Nações Unidas, também conhecida como Nações Unidas (ou ONU), neste contexto pós Segunda Guerra. Vale lembrar que a Liga das Nações, embora não tivesse a mesma pretensão de internacionalização de direitos inerentes ao ser humano, já apresentava preocupações relativas a causas como: a escravidão, mulheres envolvidas em prostituição, direitos dos trabalhadores e a proteção de algumas minorias (CLAPHAM, 2007, p. 28). 22As Nações Unidas, dentre as demais organizações internacionais, ocupam espaço de destaque e liderança na condução do Direito Internacional. Estabelecida pela Carta da ONU, a Assembleia Geral constitui plenário das Nações Unidas. Nela reúnem- se os 194 países reconhecidos pela ONU para discutir e deliberar sobre resoluções de caráter não vinculante acerca de justiça e governança global (KLABBERS, 2017, p. 94). 23Sobre esta mudança de nomenclatura, embora os temas sejam mais discutidos à frente, é importante salientar que tais mudanças contemplam uma evolução, sobretudo, na temática dos gêneros, visto que se faz necessário proteger os direitos de 39 Sobre a Declaração Universal de Direitos Humanos, Bobbio (1992, p. 18, grifos do autor) afirma que: Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. Percebe-se, portanto, uma acentuada revolução no que diz respeito à proteção dos Direitos Humanos, visto que ganham universalidade; o que significa dizer que qualquer ser humano deve possuir sua natureza humana preservada e protegida, inclusive, protegida em relação ao seu próprio Estado da qual é nacional. Neste sentido, inclusive, Hannah Arendt (1989) afirma que no mundo do século XX perder a nacionalidade significava ser expulso da humanidade, pois Direitos Humanos nada valiam para aqueles que eram considerados apátridas ou aqueles que tinham o azar de nascerem em Estados que violassem seus Direitos Humanos mais essenciais às suas próprias existências. Percebe-se também, ao longo desta narrativa sobre a evolução dos Direitos Humanos, o quanto evoluíram em termos conceituais: da conceituação tradicional de Direito Natural desenvolvida por filósofos como São Tomás de Aquino, posteriormente evoluindo para sua emanação por meio de dispositivos constitucionais, para finalmente encontrarem sua realização como direitos universais (positivados ou não). Neste mesmo sentido, Bobbio (1992, p. 18) aponta que: A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais. Além da Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovou-se dois pactos: o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, vigente desde 3 de janeiro de 1976; e o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, vigente desde 23 de março de 1976. Posteriormente, a comunidade internacional tem trabalhado na criação de mecanismos capazes de assegurar a observância universal desses direitos, como, por exemplo, a instituição de um processo de reclamações junto ao Conselho de Direitos Humanos24 das qualquer ser humano (independentemente de seus mais diversos gêneros) e, também, independentemente de serem considerados cidadãos ou não, uma vez que o conceito de “cidadão” e “nacional” confunde-se e, dessa forma, a referida terminologia pode tornar-se excludente. 24O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas será abordado no capítulo 5 desta tese. 40 Nações Unidas, objeto do Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos por parte dos Estados (CLAPHAM, 2007, p. 27). Em um âmbito mais específico, vale ressaltar também, que foram editados diversos tratados a fim de proteger direitos específicos de determinadas minorias, as quais precisavam de ações afirmativas25 para poderem se colocar perante suas respectivas sociedades. Neste sentido, portanto, Bobbio (1992, p. 34, grifo do autor) aponta: (...) a passagem ocorreu do homem genérico — do homem enquanto homem — para o homem específico, ou tomado na diversidade de seus diversos status sociais, com base em diferentes critérios de diferenciação (o sexo, a idade, as condições físicas), cada um dos quais revela diferenças específicas, que não permitem igual tratamento e igual proteção. A mulher é diferente do homem; a criança, do adulto; o adulto, do velho; o sadio, do doente; o doente temporário, do doente crônico; o doente mental, dos outros doentes; os fisicamente normais, dos deficientes, etc. Com este intuito de, de fato, observar as minorias e proteger a diversidade, tais tratados em âmbito específico foram editados, tais como, por exemplo: a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, em 1959; a Declaração da Criança, em 1971; a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental, em 1975; a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos, em 1982; dentre outros. Mesmo com a proteção de direitos específicos, ainda se percebeu que muito precisaria ser feito em matéria de proteção dos Direitos Humanos e, assim, começaram a surgir sistemas regionalizados de proteção desses direitos. Dessa forma, surgiram: o sistema interamericano de Direitos Humanos; o sistema africano de Direitos Humanos; e o sistema europeu de Direitos Humanos (CLAPHAM, 2007, p. 29). Sob a gestão da Organização dos Estados Americanos (OEA)26, o sistema interamericano de Direitos Humanos tem ganhado forças nas Américas, sobretudo, posteriormente à edição do Pacto de São José da Costa Rica, o qual tem colocado em discussão diversos dispositivos no âmbito legal e constitucional nos Estados americanos, reinventado entendimentos nestes Estados27. 25As ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física (GOMES, 2001, p. 6). 26A OEA foi criada pela Carta de Bogotá em 1948, circunstância em que foi proclamada a Declaração Americana de Direitos do Homem, posteriormente substituída pela Convenção Americana de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica). A OEA possui dois órgãos executórios: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos como instância prévia e consultiva do sistema; e a Corte Interamericana de Direitos Humanos como órgão consultivo e contencioso do sistema (GONÇALVES, 2016, p. 215). 27Um exemplo é a Opinião Consultiva n. 5/85, na qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos (corte internacional que integra o sistema da OEA) manifestou-se contrária à obrigatoriedade do diploma e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista, o que, por sua vez, influenciou decisão recente do Supremo Tribunal Federal brasileiro sobre o tema (Recurso Extraordinário n. 511.961), que, por sua vez, decidiu no mesmo sentido. 41 O sistema regional africano de proteção dos Direitos Humanos, por sua vez, desenvolveu-se na Organização de Unidade Africana (OUA), atual União Africana. O seu principal instrumento de Direitos Humanos é a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (DIREITOS HUMANOS, 2017). Sobre o sistema europeu de proteção aos Direitos Humanos, cumpre ressaltar que foi instituído pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos de 4 de novembro de 1950, a qual constitui seu principal documento, que, além de discorrer sobre direitos, também cria a Corte Europeia de Direitos Humanos (PIOVESAN, 2015, pp. 175-184). No que se refere ao Mercosul28, importante salientar que foi celebrado o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n. 592 de junho de 2009, o qual considera ser fundamental assegurar a proteção, promoção e garantia dos Direitos Humanos e as liberdades fundamentais de todas as pessoas. Além disso, o referido protocolo também estabelece em seu art. 1º que: A plena vigência das instituições democráticas e o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais são condições essenciais para a vigência e evolução do processo de integração entre as Partes [países membros do bloco] (grifos do autor). Ou seja, o compromisso daqueles países que integram o Mercosul tanto com os Direitos Humanos quanto com a difusão de valores democráticos é condição essencial para que se permaneça neste processo de integração regional29. Dessa forma, embora ainda que embrionário, o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul parece inaugurar um sistema regional de proteção dos Direitos Humanos na América do Sul. Dentro deste contexto de ruptura, a Constituição da República Federativa do Brasil, atual Constituição brasileira, por sua vez, é reconhecida como o marco do processo de democratização do país, porque consolida, em termos normativos, a interrupção do regime militar instalado em 1964. A demarcação jurídica da transição do regime militar e seu autoritarismo para um regime democrático é verificada pela ampliação dos direitos e garantias fundamentais (DA SILVA, 2016). 28Importante salientar que o Mercosul (abreviação de Mercado Comum do Sul) trata-se de bloco econômico dotado de personalidade jurídica, cujos principais objetivos são: a integração de seus países membros permitindo uma livre circulação de mercadorias; a criação de uma tarifa externa comum (o que significa constituir imposto de importação comum entre os países signatários em relação a produtos de outros países e blocos econômicos); e a adoção de uma política comercial comum (GONÇALVES, 2016, p. 168). 29Entende-se por integração regional, a formação e funcionamento de sistemas de integração socioeconômicas em âmbito regional e das zonas privilegiadas de cooperação com o objetivo de fortalecimento destes Estados que procuram se reunir frente aos demais Estados e Organismos Internacionais (GONÇALVES, 2016, p. 166). 42 Sobre os Direitos Fundamentais elencados na Constituição de 1988, Flávia Piovesan (1996) aponta que os valores constitucionais compõem um contexto axiológico básico para a interpretação de todo o ordenamento jurídico; um postulado-guia para orientar a hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição; e um critério para medir a legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade. Dessa forma, percebe-se, portanto, uma sistematização para que se seja possível articular tais direitos e os garantir. A efetivação da democracia por meio do texto constitucional brasileiro, além do rol de Direitos Fundamentais nela elencados, bem como as suas garantias e a sua sistemática articulada colocou o Brasil de um contexto de ditadura em um contexto, ao menos no âmbito textual, em mesmo patamar que a maioria de centenárias democracias desenvolvidas no que se refere à promoção e efetivação dos Direitos Humanos. Todavia, tal evolução ao longo da história do Brasil e do mundo, ainda não garante direitos iguais a todos. Sendo assim, questiona-se quais serão os próximos caminhos que os Direitos Humanos precisam traçar para evoluir ainda mais no que diz respeito a esses sistemas de proteção. Sobre o questionamento feito, vale lembrar as palavras de Eleonor Roosevelt (1958, p. 17, grifo do autor) por ocasião da proclamação da Declaração Universal de Direitos Humanos. Em tal declaração, a relatora da comissão, procurou entender onde começaria a proteção dos Direitos Humanos nos seguintes termos: Onde começam, afinal, os direitos humanos? Em pequenos locais, perto de casa – tão perto e tão pequenos que não podem ser vistos em quaisquer mapas do mundo. No entanto, são o mundo da pessoa individual, o bairro onde vive, a escola ou universidade que frequenta, a fábrica, ou escritório onde trabalha. Estes são os locais onde todos os homens, mulheres ou crianças procuram justiça social, oportunidade, dignidade sem discriminação. Se estes direitos não tiverem significado lá, terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação do cidadão consciente, que os suporte perto de casa, será em vão que buscaremos o progresso neste vasto mundo. Dessa forma, percebe-se importante discutir onde começam os Direitos Humanos para se traçar os próximos caminhos no que se refere à tutela desses direitos, porque é neste embrião de proteção que parece importante que estes sistemas se desenvolvam. Sendo assim, parece que a proteção dos Direitos Humanos deve-se voltar daqui para frente, seguindo a sua evolução, para o que Roosevelt chamou de “mundo individual da pessoa”. Portanto, aponta-se para a continuidade desta proteção no sentido de que se reconheçam direitos íntimos ao ser humano em específico. 43 1.2 PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE: UM PRINCÍPIO INVISÍVEL E UMA SISTEMÁTICA EM FORMAÇÃO Parece ter chegado o momento da discussão dos Direitos Humanos, seja no seu âmbito constitucional, global ou regional, entender que há um supra princípio tutelado, dimensão do princípio da dignidade humana, que é a proteção da diversidade. A Constituição da República Federativa do Brasil não menciona expressamente esta proteção, mas procura a proteção efetiva da diversidade em muitas de suas passagens, uma vez que reafirma valores democráticos e estabelece como seu princípio fundamental a dignidade humana (art. 1º, III). Neste sentido, entende-se que não pode haver o pressuposto de proteção da dignidade humana para uma figura hegemônica30 do que é ser humano, mas uma garantia dessa dignidade independentemente do ser humano a que se refira. A Constituição também estabelece que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). Ou seja, os objetivos do país também constituem discurso que reconhece a diversidade e procura protegê-la. No art. 5º da Constituição, por sua vez, restam elementos que corroboram para que se conclua a existência de um princípio de proteção neste sentido, uma vez que estabelece: que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, bem como a criminalização e inafiançabilidade do racismo. O art. 215 da Constituição também suscita a importância de se proteger a diversidade, uma vez que prevê que o Estado deve garantir a todos o pleno exercício dos Direitos Culturais e acesso às fontes da cultura nacional, bem como o apoio e incentivo à valorização e à difusão das manifestações culturais. Ademais, o mencionado dispositivo também estabelece que o Estado deve proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, bem como das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, e ainda a valorização da diversidade étnica e regional do país. Neste mesmo sentido, vale ressaltar que o art. 231 da Constituição estabelece que são reconhecidos aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam; o que também, por sua vez, representa proteção de uma diversidade étnica que existe na região. 30Ainda neste capítulo será discutido o conceito de “hegemonia”. 44 Dessa forma, percebe-se que a Constituição brasileira, ao longo do seu texto, procura proteger a diversidade sob suas mais variadas facetas: étnico, cultural e no âmbito dos gêneros. Além disso, não se pode esquecer que a Constituição brasileira, desde seu preâmbulo, estabelece os valores democráticos como ponto de partida do Estado brasileiro, o que corrobora ainda mais o entendimento de que há abertura para esta diversidade articular-se. Sobre democracia, Bobbio (2003, p. 137) esclarece que: [...] a democracia é uma das três possíveis formas de governo na tipologia em que as várias formas de governo são classificadas com base no diverso número dos governantes. Em particular, é a forma de governo na qual o poder é exercido por todo o povo, ou pelo maior número, ou por muitos, e enquanto tal se distingue da monarquia e da aristocracia, nas quais o poder é exercido, respectivamente, por um ou por poucos. Ou seja, o próprio senso de pluralidade no exercício do poder dentro de um Estado Democrático de Direito pressupõe um Estado que não deve proteger ou privilegiar determinado gênero, etnia ou classe social, mas as mais diversas facetas de gêneros, etnias e classes sociais (assim como outros grupos), os quais se inserem neste Estado, uma vez que em uma democracia o poder nunca permanece estagnado, passando simbolicamente nas mãos destes diversos grupos (LEFORTE, 1990). Neste mesmo sentido, Habermas (1997, p. 42) alega que o processo democrático depende de cinco elementos para ser considerado legítimo, os quais são: a) inclusão de todas as pessoas envolvidas; b) chances reais de participação no processo político, repartidas equitativamente; c) igual direito a voto nas decisões; d) o mesmo direito para a escolha dos temas e para o controle da agenda; e) uma situação na qual todos os participantes, tendo à mão informações suficientes e bons argumentos, possam formar uma compreensão articulada acerca das matérias a serem regulamentadas e dos interesses controversos. Habermas (1997, p. 42) comenta que até hoje, nenhuma ordem política conseguiu preencher suficientemente esses cinco critérios apresentados, mas ressalta que a complexidade social, que impede essa realização plena, não se opõe, em princípio, a uma implementação aproximativa do processo. Desta forma, um princípio constitucional de proteção da diversidade seria pressuposto de um Estado democrático, porque garantiria que os Estados se aproximassem da própria democracia, uma vez que proporcionaria a manutenção da sua pressuposta pluralidade de indivíduos. Quanto às definições do que seria um Estado democrático, Rawls (1999, p. 326) estipula uma lista de quais seriam os seus bens primários constitutivos nos seguintes termos: 45 a) Primeiro, as liberdades básicas tais como dadas por uma lista, por exemplo: liberdade de pensamento e liberdade de consciência; liberdade de associação. E a liberdade definida pela liberdade e integridade da pessoa, bem como pelo domínio (rule) da lei; e finalmente as liberdades políticas; b) Segundo, liberdade de movimento e escolha de ocupação contra um fundo de oportunidades diversas; c) Terceiro, poderes e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidade, particularmente aquelas nas principais instituições políticas e econômicas; d) Quarto, renda e riqueza; e e) Finalmente, as bases sociais do autorrespeito. Dentre os elementos basilares citados por Rawls, entende-se que sobretudo a “liberdade” e o “autorrespeito” pressupõem a necessidade de democracias protegerem a diversidade. A “liberdade” de ser quem se é e também de estar inserido onde há identificação pressupõe uma sociedade diversa; e “autorrespeito” para com quem se é, independente de quem se seja, também pressupõe uma sociedade que tenha seu direito de se organizar de forma diversa. A técnica da mutação constitucional31 como forma de reinterpretação32 da Constituição também se transformou em um meio de lidar com a diversidade de uma democracia, porque embora alguns vejam a Constituição como ordem hermeticamente fechada, essa visão parece não condizer mais com a realidade. Neste sentido, Barroso (1996, p. 73) posiciona-se: uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto o possível com o antigo. Percebe-se, portanto, que a Constituição deve ser adaptada à realidade social, porque geralmente, um discurso, por si só, não consegue dar conta da realidade jurídica construída e ampliada constantemente (SCHIER, 1997). A técnica da mutação constitucional, que permite ao texto positivado manter-se atualizado, diz respeito a um pressuposto de que a diversidade posteriormente surgida (ou reconhecida) precisa de proteção. 31O termo “mutação constitucional” tem origem na doutrina alemã e, buscando resgatar este conceito, Uadi Lammêgo Bulos (2010, p. 23), define-a como “... o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes constitucionais”. No Brasil, Barroso (2010, p.126-127), por sua vez, afirma que “... a mutação constitucional consiste em uma alteração do significado de determinada norma da Constituição, sem observância do mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas e, além disso, sem que tenha havido qualquer modificação de seu texto. Esse novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer de uma mudança na realidade fática ou de uma nova percepção do Direito, uma releitura do que deve ser considerado ético ou justo. Para que seja legítima, a mutação precisa ter lastro democrático, isto é, deve corresponder a uma demanda social efetiva por parte da coletividade, estando respaldada, portanto, pela soberania popular”. 32Sistematizando, a partir da doutrina clássica, Barroso (2010) procurou identificar os mecanismos de mutação constitucional, destacando-se: a interpretação (judicial e administrativa); a atuação do legislador; e a prática de costumes constitucionais. 46 No âmbito internacional, por sua vez, é importante ressaltar que vários tratados tangenciam o princípio de proteção da diversidade. A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, fruto da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura, em sua 33ª reunião, ocorrida em Paris, de 03 a 21 de outubro de 2005, por exemplo, afirma que a diversidade cultural é uma característica essencial da humanidade, constituindo um patrimônio comum, a ser valorizado e cultivado em benefício de todos, sabendo que a diversidade cultural cria um mundo rico e variado que aumenta a gama de possibilidades e nutre as capacidades e valores humanos, permitindo, assim, um dos principais motores do desenvolvimento sustentável das comunidades, povos e nações. Além disso, a referida convenção reconhece a necessidade de se adotar medidas para proteger a diversidade das expressões culturais incluindo seus conteúdos, especialmente nas situações em que expressões culturais possam estar ameaçadas de extinção ou de grave deterioração. No que se refere à orientação sexual e à identidade de gênero, ainda no âmbito internacional, a Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional de Direitos Humanos, realizaram um projeto com o objetivo de desenvolver um conjunto de princípios jurídicos internacionais sobre a aplicação da legislação internacional às violações de Direitos Humanos com base na orientação sexual e identidade de gênero, no sentido de dar mais clareza e coerência às obrigações de Direitos Humanos dos Estados. Sendo assim, depois de uma reunião de especialistas, realizada na Universitas Gadjah Mada, em Yogyakarta, Indonésia, entre 6 e 9 de novembro de 2006, 29 especialistas de 25 países, com experiências diversas e conhecimento relevante das questões da legislação de Direitos Humanos, adotaram por unanimidade os Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero33. Os Princípios de Yogyakarta34 tratam de um amplo espectro de normas de Direitos Humanos e de sua aplicação a questões de orientação sexual e identidade de gênero. Tais 33Gênero com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento (JESUS, 2012, p. 24). No APÊNDICE A desta tese, há tradução feita pelo autor referente ao Dicionário de Termos sobre Gênero da University of California in Berkeley, Estados Unidos, com definições como essa e outros termos relacionados aos estudos sobre os gêneros. 34Os princípios elencados no referido documento são os seguintes: Princípio 1 - Direito ao gozo universal dos Direitos Humanos; Princípio 2 - Direito à igualdade e à não-discriminação; Princípio 3 - Direito ao reconhecimento perante a lei; Princípio 4 - Direito à vida; Princípio 5 - Direito à segurança pessoal; Princípio 6 - Direito à privacidade; Princípio 7 - Direito de não sofrer privação arbitrária da liberdade; Princípio 8 - Direito a um julgamento justo; Princípio 9 - Direito a tratamento humano durante a detenção; Princípio 10 - Direito de não sofrer tortura e tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante; Princípio 11 - Direito à proteção contra todas as formas de exploração, venda ou tráfico de seres humanos; 47 princípios afirmam a obrigação primária dos Estados de implementarem os Direitos Humanos. Cada princípio é acompanhado de detalhadas recomendações aos Estados. No entanto, o texto do documento também enfatiza que muitos outros atores têm responsabilidades na promoção e proteção dos Direitos Humanos incluindo-se, assim, o sistema de Direitos Humanos das Nações Unidas, instituições nacionais de Direitos Humanos, mídia, organizações não-governamentais e financiadores; responsabilização que permite, inclusive, concluir que, o princípio da proteção da diversidade depende de uma gestão compartilhada de diversos atores, bem como concluir também que proteger a diversidade pressupõe também promovê-la. A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, por sua vez, reconhece que: a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade. Sendo assim, a referida convenção aponta para medidas necessárias a serem adotadas pelos Estados a fim de suprimir essa discriminação em todas as suas formas e manifestações. Dentre tais medidas ressalta-se: inscrever na sua constituição nacional ou em qualquer outra lei apropriada o princípio da igualdade dos homens e das mulheres e assegurar por via legislativa ou por outros meios apropriados a aplicação efetiva do mesmo princípio; adotar medidas legislativas e outras medidas apropriadas, incluindo a determinação de sanções em caso de discriminação; tomar medidas apropriadas para eliminar a discriminação praticada contra as mulheres por uma pessoa, uma organização ou uma empresa qualquer; tomar todas as medidas apropriadas, incluindo disposições legislativas, para modificar ou revogar qualquer lei, Princípio 12 - Direito ao trabalho; Princípio 13 - Direito à seguridade social e outras medidas de proteção social; Princípio 14 - Direito a um padrão de vida adequado; Princípio 15 - Direito à habitação adequada; Princípio 16 - Direito à educação; Princípio 17 - Direito ao padrão mais alto alcançável de saúde; Princípio 18 - Direito à proteção contra abusos médicos; Princípio 19 - Direito à liberdade de opinião e expressão; Princípio 20 - Direito à liberdade de reunião e associação pacíficas; Princípio 21 - Direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; Princípio 22 - Direito à liberdade de ir e vir; Princípio 23 - Direito de buscar asilo; Princípio 24 - Direito de constituir uma família; Princípio 25 - Direito de participar da vida pública; Princípio 26 - Direito de participar da vida cultural; Princípio 27 - Direito de promover os Direitos Humanos; Princípio 28 - Direito a recursos jurídicos e medidas corretivas eficazes; Princípio 29 - Responsabilização (“Accountability”). 48 disposição regulamentar, costume ou prática que constitua discriminação contra as mulheres; revogar todas as disposições penais que constituam discriminação contra as mulheres; modificar os esquemas e modelos de comportamento socioculturais dos homens e das mulheres com vista a alcançar a eliminação dos preconceitos e das práticas costumeiras, ou de qualquer outro tipo, que se fundem na ideia de inferioridade ou de superioridade de um ou de outro gênero ou de um papel estereotipado dos homens e das mulheres; assegurar que a educação familiar contribua para um entendimento correto da maternidade como função social e para o reconhecimento da responsabilidade comum dos homens e das mulheres na educação e desenvolvimento dos filhos. Ademais, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher exige dos Estados o reconhecimento dos seguintes direitos: de votar em todas as eleições e em todos os referendos públicos e de ser elegíveis para todos os organismos publicamente eleitos; de tomar parte na formulação da política do Estado e na sua execução, de ocupar empregos públicos e de exercer todos os cargos públicos em todos os níveis do governo; de participar nas organizações e associações não-governamentais que se ocupem da vida pública e política do país. No âmbito do sistema interamericano de Direitos Humanos, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (também conhecida como Convenção de Belém do Pará) procura combater a violência física, sexual ou psicológica, quer tenha ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual. Além disso, a Convenção de Belém do Pará estabelece mecanismos para efetivar os referidos direitos, quais sejam: a possibilidade de informar à Comissão Interamericana de Mulheres35; a possibilidade de se solicitar opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção à Corte Interamericana de Direitos Humanos; a possibilidade de qualquer pessoa, grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos 35A Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) é uma entidade especializada, encarregada de supervisionar o trabalho da Organização dos Estados Americanos em seus esforços para promover a igualdade de gênero na região. Segundo seu estatuto, a referida comissão tem a finalidade de “(...) promover e proteger os direitos da mulher e apoiar os Estados-Membros em seus esforços para assegurar o pleno acesso aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais que permitam que as mulheres e homens participem em condições de igualdade em todos os âmbitos da vida social, para lograr que desfrutem plena e igualitariamente dos benefícios do desenvolvimento e compartam também a responsabilidade pelo futuro” (OAS, 2017, tradução do autor). 49 sobre o assunto; e também a possibilidade, caso cabível, da Comissão Interamericana de Mulheres processar o Estado infrator perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Quanto ao Brasil, é importante salientar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 já fora formatada em consonância à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Sobre este assunto, cumpre ressaltar que: Assim se formou no Congresso Constituinte uma aliança suprapartidária que levantou bandeiras que viriam a ser bem sucedidas como a licença-maternidade de 120 dias (art. 7º, XVIII), o direito ao título de domínio de terra à mulher (art. 194), a igualdade de salários entre homem e a mulher (art. 7º, XXX), além de garantir a igualdade de direitos (art. 5º, caput) e, pela primeira vez na história constitucional do país, lançar mão de ações afirmativas na busca da igualdade material, bem de acordo com o Estado Democrático e Social delineado na Constituição de 1988 (BERTOLIN36; SÁLVIA, 2015, pp. 99-100). Cumpre ressaltar também que, com o mesmo intuito, foi editada a Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, configurando um verdadeiro marco na história legislativa brasileira, pois se procurou punir, de modo mais severo e célere a violência que ocorre no âmbito familiar, contra a mulher (BARUKI; BERTOLIN, 2010, pp. 297-323). Além das questões de gênero e cultura, a comunidade internacional, por meio da edição da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência37 de 2006, desenvolveu um conceito de deficiência pautada implicitamente no princípio da proteção da diversidade, procurando discutir a questão sob o ponto de vista da articulação de seres humanos pertencentes a grupos minoritários com uma sociedade regida e pensada por (e para) uma maioria diferente destas minorias, chamando a atenção para a pluralidade de indivíduos que existe dentro da terminologia “pessoas com deficiência”. Neste sentido, vale ressaltar que no preâmbulo da referida convenção é reconhecido: que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano; a diversidade das pessoas com deficiência; a importância da cooperação internacional para melhorar as condições de vida das pessoas com 36Patrícia Tuma Martins Bertolin é doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo, graduada em Direito pela Universidade da Amazônia e pós-doutora pela Superintendência de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, São Paulo. Professora permanente do Programa de Pós- Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie e líder dos grupos de pesquisa "O Direito do Trabalho como instrumento de cidadania e limite ao poder econômico" e "Mulher, Sociedade e Direitos Humanos". Tem pesquisado nas áreas de Direito do Trabalho, Direitos Humanos e Feminismos (CNPQd, 2018). 37Em 2008, o Brasil internalizou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: o primeiro tratado de Direitos Humanos recepcionado com status equivalente a emenda constitucional. É importante também recordar que no país há cerca de 45 milhões de brasileiros e brasileiras considerados com deficiência (NOVOS COMENTÁRIOS À CONVENÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, 2014, p. 9). 50 deficiência em todos os países, particularmente naqueles em desenvolvimento; as difíceis situações enfrentadas por pessoas com deficiência que estão sujeitas a formas múltiplas ou agravadas de discriminação em razão de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, origem nacional, étnica, nativa ou social, propriedade, nascimento, idade ou outra condição; que mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração; a necessidade de incorporar a perspectiva de gênero aos esforços para promover o pleno exercício dos Direitos Humanos e liberdades fundamentais por parte das pessoas com deficiência. Ademais, vale ressaltar também que a referida convenção, de acordo com seu art. 3°, é regida pelos seguintes princípios: o respeito pela dignidade inerente ao ser humano, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; a não-discriminação; a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; o respeito pela diferença e a aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; a igualdade de oportunidades; a acessibilidade; a igualdade entre o homem e a mulher; o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. No âmbito da Organização dos Estados Americanos também se elaborou a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, cujo objetivo principal está em prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra estes indivíduos e propiciar sua plena integração à sociedade. No que diz respeito aos mecanismos de monitoramento também apresentados pela referida convenção em relação à garantia dos direitos das pessoas com deficiência, vale ressaltar: a possibilidade de emissão de relatórios periódicos ao Secretário-Geral da OEA; e a constituição de Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência, que, por sua vez, é encarregada de examinar o progresso registrado na aplicação da Convenção e de trocar experiências entre os Estados, produzindo relatórios. Ainda sobre a questão da deficiência, vale ressaltar que a perspectiva feminista tem qualificado o debate sobre o corpo no contexto dos estudos sobre deficiência, especialmente no tocante à radicalização do pressuposto da desnaturalização do corpo (MELLO; NUERBENG, 2012). Neste sentido, conforme Garland-Thomson (2009), as teorias feministas levam esse debate para além da crítica ao corpo perfeito e às barreiras de acesso, à medida que contemplam uma análise profunda sobre o estatuto social e cultural do corpo, sobre a política da aparência, 51 a medicalização do corpo e da subjetividade e a construção social da identidade no contexto do corpo considerado deficiente. Sendo assim, percebe-se que tais debates sobre o corpo contribuem para que se entenda o que alicerça a proteção da diversidade, porque ela não pressupõe uma proteção de algo que seja inferior ou necessariamente mais frágil. Pelo contrário, a proteção da diversidade reconhece que o diverso não é menos referencial que o hegemônico38 e nem necessariamente mais frágil ou, de fato, deficiente. Ou seja, em alguns momentos, proteger diversidade significa imputar responsabilidade sobre o diverso, negar sua fragilidade e abdicar da superproteção. Dessa forma, parece que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015), inspirado sobretudo na Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, absorveu esse entendimento e revogou as hipóteses de incapacidade absoluta39 do Código Civil brasileiro de 2002, por meio de seu art. 3º, mantendo somente a hipótese de menores de 16 anos serem considerados absolutamente incapazes. Neste mesmo sentido, foi editado o Tratado de Marraquexe para Facilitar o Acesso às Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para Aceder ao Texto Impresso40, de 27 de junho de 2013, sendo importante salientar que o acesso à cultura por parte das pessoas cegas não é somente importante para lhes conferir igualdades de oportunidades, mas também para que haja uma maior troca entre cegos e não cegos, porque, com certeza, diferentes experiências corroboram umas com as outras. Ainda sob ponto de vista da pluralidade de seres humanos, outros instrumentos jurídicos de proteção foram editados no que se refere à faixa etária dos cidadãos e suas respectivas vulnerabilidades, uma vez que as nuances de faixas etárias precisam ser levadas em consideração e encaixadas nessa sistemática protetiva da diversidade41. Dessa forma, foi editada em âmbito global, por exemplo, a Convenção sobre os Direitos da Criança e no âmbito nacional o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), colocando estes indivíduos enquanto sujeitos de direito. Entender as crianças e adolescentes como sujeitos de direito nem sempre foi tão óbvio quanto parece. Um fato importante no avanço da luta contra os maus tratos à criança ocorreu 38Importante apontar que ainda neste capítulo pretende-se discutir o conceito de “hegemonia”. 39Vale apontar que algumas hipóteses de incapacidades absolutas foram convertidas em hipóteses de incapacidades relativas. 40Ratificado por 20 países (até a data de depósito desta tese), o tratado foi assinado durante reunião da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em Marraqueche, no Marrocos. A proposta do texto foi de autoria do Brasil, em parceria com Paraguai e Equador. Importante também apontar que o Tratado de Marraquexe, assim como a Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2017). 41Neste sentido, percebe-se que a partir da compreensão de um princípio de proteção da diversidade, surge dele uma sistemática jurídica complexa a fim de garanti-lo. 52 em 1846, nos Estados Unidos, quando a Sociedade para Prevenção da Crueldade contra os Animais teve que socorrer a menina Mary Ellen, cujos pais adotivos a maltratavam severamente. A alegação usada para intervenção foi a de que a criança era um membro do reino animal e que, portanto, seu caso poderia ser regido pelas leis que punem a crueldade contra os animais; sendo que esta estratégia foi necessária uma vez que não havia qualquer legislação que considerasse estes indivíduos enquanto sujeitos de direitos e necessariamente carentes de uma proteção específica (MARTINS; JORGE, 2010). Sendo assim, foi necessária a reconfiguração destas identidades a fim de as proteger e garantir seu desenvolvimento. Da mesma forma, ainda no que se refere a proteções referentes a faixas etárias, a Organização dos Estados Americanos, em sua XLV Assembleia Geral, realizada no dia 15 de junho de 2015, em Washington, Estados Unidos, aprovou e abriu para assinatura a Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, da qual o Brasil foi um dos signatários42. A referida Convenção, em seu preâmbulo, diz se respaldar: (...) ativamente a incorporação da perspectiva de gênero em todas as políticas e programas dirigidos a tornar efetivos os direitos do idoso e destacando a necessidade de eliminar toda forma de discriminação (grifo do autor). Sendo assim, percebe-se o quanto a referida Convenção já está inserida em um sistema protetivo da diversidade, uma vez que não trata somente deste grupo minoritário em separado, mas também devidamente o articulando sob a perspectiva das questões de gênero. A partir de textos mais amplos sobre a temática dos Direitos Humanos também é possível verificar que estes foram redigidos visando proteger a diversidade. A Declaração Universal de Direitos Humanos, por exemplo, em seu art. 1º, estabelece que: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Pautada neste artigo, a Organização das Nações Unidas desenvolveu a campanha Livres e Iguais, a qual, por sua vez, procura promover a igualdade de pessoas LGBT43, e um maior respeito aos seus direitos em todos os lugares do mundo (NASCIDOS LIVRES E IGUAIS, 2013). 42Importante salientar também que no âmbito interno, o Brasil também conta com o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003). 43Vale salientar que esta sigla serve para se referir aos seguintes grupos: “lésbicas” (mulheres que se relacionam sexualmente e/ou afetivamente com outras mulheres); “gays” (homens que se relacionam sexualmente e/ou afetivamente com outros homens); “bissexuais/biafetivos” (homens ou mulheres que se relacionam sexualmente e/ou afetivamente com outros homens ou mulheres, havendo uma fluidez nesta escolha); “transexuais” (seres humanos que nasceram com órgãos genitais, o que os fez serem registrados como pertencendo ao gênero masculino ou feminino, mas durante seu processo de autoentendimento e autodeterminação não se viram enquanto tais, o que, por sua vez, levou-os a se submeterem a cirurgias de transgenitalização e reverterem seus órgãos sexuais); e “travestis” (seres humanos que nasceram com órgãos genitais, o que os fez serem registrados como homens ou mulheres, mas durante seu processo de autoentendimento e autodeterminação não se viram enquanto tais, mas não quiseram se submeterem a cirurgias de transgenitalização e reverterem seus órgãos sexuais); sendo que “travestis” e “transexuais” tem sido ambos definidos também pela terminologia “transgêneros”, o que parece mais apropriado, uma vez que não se trata somente de uma questão de sexualidade. Todavia, é importante salientar também que: diferente do que aponta o documento, hoje se tem utilizado o termo LGBTTIQ+, para que se faça uma distinção clara entre “transexuais” e “travestis”, 53 Dessa forma, a campanha Livres e Iguais recomenda aos Estados que tomem as seguintes providências: 1. Proteger as pessoas da violência homofóbica e transfóbica. Incluir a orientação sexual e a identidade de gênero como características protegidas por leis criminais contra o ódio. Estabelecer sistemas efetivos para registrar e relatar atos de violência motivados pelo ódio. Assegurar investigação efetiva, instauração de processo contra os perpetradores e reparação das vítimas de tal violência. Leis e políticas de asilo devem reconhecer que a perseguição de alguém com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero pode ser um motivo válido para um pedido de asilo; 2. Prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante às pessoas LGBT em detenção através da proibição e punição de tais atos, garantindo que as vítimas sejam socorridas. Investigar todos os atos de maus tratos por agentes do Estado e levar os responsáveis à justiça. Prover treinamento apropriado aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e garantir um controle eficaz dos locais de detenção; 3. Revogar leis que criminalizam a homossexualidade, incluindo todas as leis que proíbem a conduta sexual privada entre adultos do mesmo sexo. Assegurar que não sejam presos ou detidos em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero, e não sejam submetidos a exames físicos degradantes e desnecessários com a finalidade de determinar sua orientação sexual. 4. Proibir a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. Promulgar leis abrangentes que incluam a orientação sexual e identidade de gênero como motivos proibidos para discriminação. Em especial, assegurar o acesso não discriminatório a serviços básicos, inclusive nos contextos de emprego e assistência médica. Prover educação e treinamento para prevenir a discriminação e estigmatização de pessoas intersexo e LGBT. 5. Proteger as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica para as pessoas intersexo e LGBT. Qualquer limitação destes direitos deve ser compatível com o direito internacional e não deve ser discriminatória. Proteger indivíduos que exercitam seus direitos de liberdade de expressão, de associação e de reunião dos atos de violência e intimidação por grupos privados (NASCIDOS LIVRES E IGUAIS, 2013, p. 13, grifo do autor). Ainda no que diz respeito ao sistema global de proteção dos Direitos Humanos, vale lembrar que o art. 27 do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos dispõe sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias étnicas, religiosas e linguísticas; o que, por sua vez, pressupõe obviamente proteção da diversidade. Inclusive, foi pautado neste artigo que se elaborou a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, a qual, procura assegurar a aplicação ainda mais efetiva dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos no que diz respeito aos direitos das pessoas pertencentes a essas minorias. bem como para chamar atenção à população “intersexual” (seres humanos que nasceram com caracteres sexuais incluindo cromossomos, gônadas e/ou órgãos genitais que dificultam a identificação de um indivíduo como totalmente feminino ou masculino). Ainda se utiliza o termo “Q” para se referir à população Queer, conceito definido no capítulo n. 3 desta tese; bem como o símbolo “+”, que abraça uma perspectiva plural e aberta de seres humanos que podem ser inclusos nesta sigla de resistência. Importante apontar também que no APÊNDICE A desta tese há tradução do autor do Dicionário de Termos sobre Gênero da University of California in Berkeley, Estados Unidos, a fim de discutir mais detalhadamente essas e outras terminologias sobre o assunto. 54 Vale ainda apontar, que o Tratado Constitutivo da União Europeia, em seu art. 2º, estabelece que: A União [Européia] baseia-se nos valores de respeito pela dignidade humana, à liberdade, à democracia, à igualdade, ao Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros em uma sociedade em que o pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre mulheres e homens prevalecem. (grifos do autor, tradução do autor44) Este dispositivo internacional não só se refere ao princípio da proteção da diversidade, mas aborda praticamente os principais valores que servem para sua constituição: dignidade humana; liberdade; democracia; Direitos Humanos; identidades minoritárias; pluralismo; não discriminação; justiça (social); solidariedade e igualdade entre gêneros. Neste mesmo sentido, a Carta de Direitos Humanos da União Europeia, em seu art. 21, condena qualquer discriminação baseada em qualquer motivo, como, a título exemplificativo, discriminações de gênero, raça, cor, origem étnica ou social, genéticas, linguagem, religião ou crença, opinião política ou qualquer outra opinião, pertença a uma minoria nacional, propriedade, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual. No âmbito do sistema interamericano de Direitos Humanos, por sua vez, cumpre ressaltar que a Convenção Americana de Direitos Humanos reafirma seu propósito de consolidar nas Américas, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais. Em uma tentativa de definir justiça social, vale destacar que para Nancy Fraser45 (2011), a justiça social exige, simultaneamente, redistribuição, reconhecimento de identidades e a participação popular; sendo esses, portanto, os seus elementos definidores. Ou seja, o conceito de justiça social reafirmado pela Convenção Americana de Direitos Humanos pressupõe a proteção de uma diversidade de indivíduos que precisam ser reconhecidos, afirmados e protagonistas da condução do Estado e da própria comunidade internacional. Neste mesmo sentido, o art. 8º da referida Convenção estabelece que: “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral”; o que corrobora o entendimento de que é necessário proteger os indivíduos tais como são. 44Texto original em inglês: “The Union is founded on the values of respect for human dignity, freedom, democracy, equality, the rule of law and respect for human rights, including the rights of persons belonging to minorities. These values are common to the Member States in a society in which pluralism, non-discrimination, tolerance, justice, solidarity and equality between women and men prevail”. 45Nancy Fraser é uma teórica crítica estadunidense, feminista e professora na The New School, em Nova Iorque, Estados Unidos. Amplamente conhecida por sua crítica à política de identidade e seu trabalho filosófico sobre o conceito de justiça, Fraser também critica firmemente o feminismo liberal contemporâneo e seu abandono no que diz respeito a questões sobre justiça social (THE NEW SCHOOL, 2017). 55 Ainda no âmbito do sistema interamericano de Direitos Humanos, vale ressaltar que em 10 de junho de 2013, na Assembléia Geral da Guatemala, a Organização dos Estados Americanos aprovou a Convenção Americana contra todas as Formas de Discriminação e Intolerância. Esta Convenção é o primeiro instrumento juridicamente vinculativo que condena a discriminação com base em uma multiplicidade de motivos, incluindo orientação sexual, identidade e expressão de gênero. Dessa maneira, a OEA está posicionada como uma das primeiras organizações a combater todas as formas de discriminação e intolerância. No entanto, até o momento, lamentavelmente, este instrumento ainda não está em vigor porque deve cumprir as ratificações mínimas necessárias para que isso aconteça e ainda assim os Estados não depositaram o instrumento de ratificação ou adesão e se limitaram à mera assinatura, que é um passo anterior. Recentemente, todavia, o Uruguai foi o primeiro país a assinar o documento. Uma análise de todos esses levantamentos permite perceber, portanto, que proteger a diversidade é responsabilidade: constitucional e dos Estados; dos sistemas internacionais de proteção dos Direitos Humanos e da comunidade internacional; bem como dos próprios sistemas democráticos. Sendo assim, é importante tornar visível esse princípio para que seja possível articular uma sistemática protetiva da diversidade como próximo passo a ser dado no que diz respeito ao processo evolutivo de proteção dos Direitos Humanos. Dessa forma, é importante salientar que a doutrina, jurisprudência, textos normativos (constitucionais, infraconstitucionais e internacionais) versem expressamente sobre esse princípio e comecem a regular a articulação dessa sistemática. Por meio da articulação de uma sistemática de proteção da diversidade é possível alocar leis, tratados, dispositivos constitucionais dispersos no universo jurídico e os agrupar dentro deste sistema. Sendo assim, fica mais didático localizar tais textos, bem como identificar quais direitos inerentes à proteção da diversidade carecem de regulamentação. Além disso, configurar essa sistemática própria auxilia na afirmação de direitos que ainda permanecem invisíveis, bem como possibilita que se garanta sua eficácia. Para fazer essas análises, sugere-se a compreensão mais profunda do que, de fato, significa proteger a diversidade. Sendo assim, para compreender melhor o conceito, sugere-se uma divisão didática do princípio em 3 dimensões: a proteção da identidade/personalidade humana; a proteção da identidade cultural humana; e a proteção do direito humano de migrar. Cada dimensão será abordada em seguida. 56 1.2.1 Proteção da identidade humana sob uma perspectiva individual A discussão sobre identidade humana é complexa, multidisciplinar e, sobretudo, inacabada, porque o ser humano constrói-se a todo tempo, bem como a realidade que o cerca. O que no campo das ciências sociais e disciplinas afins entende-se por “identidade”, no campo da psicanálise e psicologia, confunde-se com o que se entende por “personalidade”. Gordonn Allport (1973, p. 75) foi um dos responsáveis pela definição do conceito de “personalidade” e a entende nos seguintes termos: A personalidade é a organização dinâmica dos sistemas psicofísicos [fazendo alusão às características emocionais e físicas dos seres humanos], que determinam, no interior do indivíduo, seus ajustamentos únicos ao meio. Ou seja, a “personalidade” diz respeito a quem se realmente é, no plano da autoconsciência e da inconsciência, e também em interação com os ambientes, os quais, por sua vez, influem (ou não) na percepção de si mesmo. Freud (1980, p. 525) também definiu personalidade e desenvolveu uma Teoria Psicanalítica, a qual argumenta que o comportamento humano é o resultado das interações entre três partes componentes da mente: o “id”, o “ego” e o “superego”. Tais elementos componentes comprovam a complexidade da formação da personalidade do ser humano. Em termos simples, sem a pretensão de um aprofundamento técnico em matéria psicanalítica, o que Freud entende por “id” seria uma parte do self46 regido pelo princípio do prazer. O “id” estaria, portanto, profundamente ligado à libido e à ação de impulsos. Em outras palavras, está localizado na zona inconsciente da mente, sem conhecer a realidade consciente e ética, agindo, portanto, apenas a partir de estímulos instintivos, o que lhe atribui a característica de amoral (FREUD, 1980, p. 530). O “superego”, por sua vez, de acordo com Freud (1980, p. 530), seria o componente inibidor da mente, atuando de forma contrária ao “id”. Considerado hipermoral, segue o “princípio do dever” e faz o julgamento das intenções do sujeito geralmente agindo de acordo com heranças culturais relacionadas a valores e regras de conduta. O superego é, então, componente moral e social da personalidade. O “ego” seria a parte consciente da mente, sendo responsável por funções como percepção, memória, sentimentos e pensamentos. Ele seria regido pelo “princípio da realidade”, 46Conforme Jung (2002), o si-mesmo, ou self, é uma imagem arquetípica do potencial mais pleno do ser humano. Ele ocupa a posição central da psique como um todo e, portanto, do destino do indivíduo. 57 sendo o principal influente na interação entre sujeito e ambiente externo. É um componente moral, que leva em consideração as normas éticas existentes e atua como mediador entre “id” e “superego” (PSICOATIVO, 2017, não paginado). Importante salientar que essa teoria estrutural da personalidade atribui grande importância à maneira como os conflitos entre as partes da mente moldam o comportamento e a personalidade, sendo que esses conflitos são em sua maioria inconscientes (PSICOATIVO, 2017, não paginado). De acordo com Freud, ainda, a personalidade desenvolve-se durante a infância e é criticamente moldada por meio de uma série de cinco estágios psicossexuais, que ele chamou de Teoria Psicossexual do Desenvolvimento. Durante cada estágio, a criança é apresentada com um conflito entre movimentos biológicos e expectativas sociais. A navegação bem-sucedida desses conflitos internos levará ao domínio de cada estágio de desenvolvimento e, em última análise, a uma personalidade que Freud entende como plenamente madura (PSICOATIVO, 2017, não paginado). Neste sentido, percebe-se o quanto é importante proteger a formação do ser humano já em seus primeiros anos de vida e, portanto, discutir instrumentos jurídicos que garantam esta formação, desconstruindo propostas pautadas na concepção de que o Direito não pode conversar com o foro íntimo do ser humano. Ademais, de acordo com a Teoria Psicossexual freudiana, as fases do desenvolvimento humano são as seguintes: a “fase oral” (que compreende o período do nascimento até 1 ano de idade) e consiste em uma espécie de interação primária de uma criança com o mundo por meio da boca; “a fase anal” (que compreende o período de 1 a 3 anos de idade), na qual Freud acreditava que o foco principal do libido estava no controle da bexiga e evacuações; a “fase fálica” (que compreende o período entre 3 e 6 anos de idade), na qual se sugeriu que o foco principal da energia do “id” é sobre os órgãos genitais e também na época em que a experiência do menino é uma experiência de “complexo de Édipo47” e da menina é “complexo de Electra48”, bem como o período em que as crianças adotam os valores e as características do pai do mesmo gênero, formando assim o “superego”; a “fase latente” (que compreende o período de 6 a 11 anos de idade), na qual o superego continua a se desenvolver, enquanto as energias do “id” são 47Moreira (2004, p. 219) aponta que o “complexo de Édipo” faz referência a um desejo inconsciente que os meninos sentem durante a infância de desejo em relação à suas mães e ciúmes e raiva que sentem para com os pais, uma vez que quem, de fato, concretiza essa relação são os pais e não eles. Moreira (2004, p. 219) aponta ainda que “complexo de Édipo” constitui uma das problemáticas fundamentais da teoria e da clínica psicanalítica, bem como um momento crucial da constituição do sujeito. Dessa forma, Moreira (2004, p. 219) entende que o Édipo não é somente o “complexo nuclear” da identidade, mas também o ponto decisivo da sexualidade humana. 48Aponta-se que no mesmo contexto do “complexo de Édipo”, o “complexo de Electra” faz referência a um desejo inconsciente que as meninas sentem durante a infância de desejo em relação a seus pais e ciúmes e raiva que sentem para com as mães, uma vez que quem, de fato, quem concretiza essa relação são as mães (MOREIRA, 2004, p. 219). 58 suprimidas e as crianças desenvolvem habilidades sociais, valores e relacionamentos com colegas e adultos fora da família; e o “estágio genital” (que compreende o período de 11 a 18 anos de idade), no qual o início da puberdade faz com que a libido se torne ativo novamente (FREUD, 1978). Neste sentido, percebe-se também o quanto o Direito precisa articular proteções específicas não somente no que diz respeito aos primeiros anos de formação dos seres humanos, mas em cada estágio desses primeiros anos de formação, porque se a referida discussão permanecer no campo da educação, psicologia e psicanálise, esta proteção não poderá ser popularizada e entregue a todos os indivíduos de uma sociedade. Importante salientar também que as ideias de Freud, todavia, foram criticadas por conta de seu foco singular na sexualidade como protagonista no desenvolvimento pessoal da personalidade (COSTA, 1994, p. 28). Além disso, Costa (1994, p. 28) aponta que as teorias pós-freudianas, dando continuidade ao que ensinava o autor, muitas vezes, sustentaram a perspectiva de que a maior parte do desenvolvimento da personalidade ocorre na infância e que a personalidade é estável no final da adolescência. A partir dos anos 90, os teóricos modernos da personalidade concordaram que a sua formação extende-se até a idade de 30 anos. Hoje, as perspectivas majoritárias que estudam a formação da personalidade são baseadas no “princípio da plasticidade”, uma vez que os traços de personalidade são sistemas abertos que podem ser influenciados pelo ambiente em qualquer idade (BALTES, 2017, p. 366). Este modelo interacional de desenvolvimento enfatiza as relações entre um indivíduo e seu ambiente e sugere que há uma dialética entre continuidade e mudança ao longo da vida (ROBERTS; CASPI, 2003, p. 183). Vale ressaltar também que o processo de formação da personalidade é complexo e parece se dar por meio de fatores genéticios e sociais (HARKNESS; LILIENFELD, 2017, p. 349). O que, todavia, parece ser importante extrair sobre a discussão da formação da personalidade humana, no âmbito da proteção dos Direitos Humanos, é reconhecer a identidade/personalidade como Direito Humano, porque é a partir dela que se forma justamente um ser humano. Vale ressaltar também que é necessário dissociar o Direito à Proteção da Identidade/Personalidade dos “direitos que decorrem da personalidade” já positivados nas legislações da maioria dos países, como, por exemplo, no Código Civil brasileiro (arts. 11 a 21). Tais artigos pressupõem um ser humano genérico, sem religião, sem personalidade, porque 59 tais direitos ali elencados procuram proteger a pessoa humana, não a sua identidade, em uma esfera mais íntima, necessariamente. O Direito à Proteção da Identidade/Personalidade pressupõe seres humanos únicos, com repertórios culturais, políticos, linguísticos, filosóficos, religiosos. Portanto, proteger a identidade/personalidade humana significa proteger seus elementos formadores. Neste sentido, pergunta-se: quais seriam os elementos formadores da identidade/personalidade humana? Tão dinâmico quanto o processo de formação desta identidade/personalidade seria a resposta, porque identidades/personalidades são distintas justamente porque são formadas por elementos distintos, cheios de nuances que compõem o ser humano como único. Uma jovem, por exemplo, filha de uma família de classe média de católicos não praticantes, que nasceu e foi criada em uma grande metrópole, em uma democracia laica e que poucas vezes ao ano frequenta ou frequentou uma igreja ou qualquer outra espécie de culto, muito embora não possua posicionamentos filosóficos enquadrando-se como ateia, em regra, não pode ser considerada como alguém que tem a religiosidade e as práticas católicas como alicerces da composição da sua identidade/personalidade. Todavia, se esta mesma moça, por algum motivo íntimo, converte-se ao islamismo, casa-se com um mulçumano, adota as práticas alimentares, religiosas e de criação e educação de seus filhos, relaciona-se dentro da comunidade, desenvolve atividade econômica dentro desta mesma comunidade durante longo período de tempo, talvez tenha adotado para si uma identidade/personalidade que, além de tantos outros elementos que a formam, também considere a religião. Além da religião, parece que a sexualidade tem sido protagonista para a construção íntima de um ser humano. Neste sentido, as Teorias de Gênero resgataram conceitos freudianos e lacanianos acerca da sexualidade na formação da identidade/personalidade do indivíduo. MacKinnon49 (1989, p. 109), por exemplo, aponta que nas sociedades, ser “homem” ou “mulher” é inerente à identidade do ser humano. Conceber-se “homem” ou “mulher” influencia as percepções do mundo e na construção de uma identidade forçada, que pode destoar do “eu”. A construção desta identidade feminina é uma construção, sobretudo social, limitando a capacidade das mulheres ao que, de fato, signifique ser uma mulher e como deve se portar “a 49Catherine MacKinnon é uma advogada, professora e autora estadunidense bastante focada nas questões de gênero e com boa parte de sua obra dedicada ao assunto. Ela é reconhecida tanto nos Estados Unidos quanto ao redor do mundo, sendo citada e revistada por diversos outros autores na área de Estudos de Gênero. Importante ressaltar também que o trabalho de MacKinnon não se restringe à academia, uma vez que é também advogada, tem defendido questões polêmicas nas cortes estadunidenses e canadenses, inclusive levando discussões às mais altas cortes destes países a fim de que sejam reconhecidos direitos em relação aos gêneros. Ela escreve sobretudo pautada em três questões centrais: a Teoria Política Feminista e suas peculiaridades; relações de gênero por trás da construção do Estado; bem como a necessidade de que seja construído um movimento antiprostituição e antipornografia (UNIVERSITY OF MICHIGAN, 2017). 60 mulher”50. Tanto é verdadeira esta afirmativa que aquelas mulheres que resistiram a seguir estes padrões são consideradas menos mulheres, menos femininas (1989, p. 110). Como demonstrado, a formação desta personalidade, que, por sua vez, começa na infância, não afeta somente a infância propriamente dita, mas também todo o destino destes seres humanos. Neste mesmo sentido, MacKinnon (1989) aponta que filhas, meninas, não podem dizer sim ao sexo, por exemplo. Mulheres casadas, por sua vez, jamais podem negá-lo, bem como as prostitutas, o que as coloca em patamar de igualdade neste quesito. Ou seja, sob o ponto de vista do gênero, a formação da identidade feminina não parece livre. Os órgãos genitais, a capacidade de gerar filhos e alguns hormônios das mulheres não parecem somente determinar a identidade, mas todo o seu destino. Esta construção social do que é ser mulher limita, portanto, a capacidade das mulheres ao que, de fato, signifique ser uma e como deva se portar. Além disso, nestas tentativas de ruptura é que percebem o quanto são dependentes economicamente, o quanto há pouco dinheiro circulando nas mãos de muitas mulheres (MACKINNON, 1989, p. 113). A construção da identidade masculina também pode ser torturante, porque estar em uma posição de poder não necessariamente significa estar em contato com quem se realmente é sob o aspecto da identidade/personalidade. Gilligan51 (2011), ao analisar os primeiros anos da infância de meninos demonstra o quanto eles resistem para introjetar valores masculinos e o quanto são capazes de sentir e demonstrar afeto. Para Gilligan (2011), a construção do masculino é bastante torturante, porque separa o que é ser homem do que é ser humano, procurando-se transformar homens em soldados e/ou provedores. Gilligan (2011) também demonstra o quanto meninos, nos primeiros anos de vida, resistem a internalizar valores masculinos, como, por exemplo, a não demonstração de afeto, sobretudo para com outros meninos. A questão da sexualidade na composição da identidade/personalidade torna-se ainda mais complexa quando se discute os limites que diferem e que aproxima o conceito “gênero” e o conceito “sexualidade”. 50Neste sentido, vale perceber o que a autora, de fato, discute a utilização do termo “a mulher”, terminologia empregada até hoje em frases como, por exemplo: “como deve portar-se ‘a mulher’ ou ‘a mulher’ não pode portar-se desta forma”. A utilização da terminologia com artigo definido “a” reduz bilhões de seres humanos, bem como suas respectivas experiências e complexidades. Trata-se de “essencialismo de gênero”. 51Carol Gilligan é uma teórica feminista estadounidense, psicóloga, professora da New York University, Estados Unidos, e professora visitante da Cambridge University, Reino Unido. Gilligan tem sobretudo estudado o conceito de “moral” e como a “moral” masculina tem uma amplitude diferente da feminina (NYU, 2017). 61 Grossi (1998, p. 27) entende “gênero” por um conjunto de características sociais e históricas do ser humano, servindo o “gênero”, portanto, para determinar tudo o que é cultural e historicamente determinado em uma sociedade. Neste mesmo sentido, Joan Roughgarden (2016, p. 36, grifo do autor, tradução do autor52) estabelece que gênero é uma construção cultural na qual um dos elementos constitutivos seria o sexo (mas não necessariamente a sexualidade), nos seguintes termos: O gênero, ao contrário do sexo, é normalmente considerado pertencente unicamente aos seres humanos, algo que é construído pela cultura e uma expressão altamente divergente em diferentes culturas. O que poderia significar gênero enquanto aplicados aos animais? Para os animais, considero gênero a aparência, o comportamento e a história de vida de um corpo sexuado, que é um corpo classificado de acordo com o tamanho dos gametas produzidos. Assim, o gênero é a aparência mais a ação - como um organismo usa sua morfologia (cor e forma) e comportamento para desempenhar um papel reprodutivo. Não é sempre, todavia, que os elementos constitutivos da identidade/personalidade humana convergem na formação do self. Portanto, cabe às próximas formas de proteção dos Direitos Humanos cuidarem destas coalisões. Naomi Mark (2008), por exemplo, tem estudado os judeus ortodoxos e ultra ortodoxos LGBTTIQ+, uma vez que há uma grande diferença entre judeus não religiosos, judeus religiosos não ortodoxos e judeus ortodoxos/ultra ortodoxos53. Os judeus ortodoxos/ultra ortodoxos, embora com diversas subdivisões, costumam agrupar-se em sociedades nas quais não se estabelece vínculos afetivos fortes com quem não seja da comunidade. Os casamentos costumam acontecer logo após os 18 anos de idade e a maioria das atividades profissionais desenvolvidas acontecem dentro da própria comunidade. Nesse aspecto, assemelham-se a algumas nações indígenas, as quais até conseguem transitar pela cultura laico-ocidental, mas não há uma perspectiva integrativa. Tais comunidades (algumas com mais intensidade, outras com menos intensidade) têm suas vidas geridas por preceitos religiosos (mais especificamente pelas leis da Torá e do Talmude, seus livros sagrados) no campo das práticas religiosas propriamente ditas, mas também das relações sociais, da alimentação, das leis do Direito de Família e do próprio comércio. Nessas comunidades não há espaço para qualquer outra identidade que não seja a masculina ou a 52Texto original em inglês: “Gender, as distinct from sex, is normally thought of pertaining uniquely to humans, something that is constructed by culture and finding highly divergent expression in different cultures. What could gender mean while applied to animals? For animals, I take gender to mean the appearance, behavior, and life history of a sexed body, which is a body classified according to the size of gametes produced. Thus, gender is appearance plus action – how an organism uses its morphology (color and shape) and behavior to carry out a reproductive role” (ROUGHGARDEN, 2016, p. 36). 53É importante lembrar que a referida classificação é bastante simples tendo em vista a forte diversidade de movimentos que existem dentro da própria identidade judaica. 62 feminina, não há espaço para o afeto que não seja o heteronormativo, dentro de um casamento escolhido pela família, cuja reprodução é uma regra e dificilmente se restringe a menos de 3 filhos. Se parece insuportável, por exemplo, ser gay54 ou transgênero55, em uma dessas comunidades, não é menos insuportável quando alguém criado em um ambiente tão distinto, com tantas regras, resolve romper com sua própria comunidade e não encontra nas comunidades LBGTTIQ+ ocidentais o amparo que precisam. Sobre este assunto, Naomi Mark (2008, p. 182, grifo do autor, tradução do autor56) afirma que: Antes de se assumirem, muitos gays e lésbicas diversas vezes lutam com um sentimento de isolamento da família e amigos até chegarem a um acordo com a sua orientação sexual. Para gays ortodoxos que vivem em comunidades unidas e estruturadas, há uma camada adicional de percepção de sigilo necessário devido às pressões e estigmas comunais. Os judeus ortodoxos são criados para permanecer em um universo mais separados dos do mundo secular [terminologia utilizada para designar quem não é religioso], tornando-se muito mais difícil para os gays ortodoxos procurarem e fazerem uso de apoios seculares e recursos seculares já mais desenvolvidos neste sentido. A pessoa gay ortodoxa, além disso, pode antecipar a rejeição daqueles no mundo secular que não estão familiarizados com suas práticas religiosas e costumes. Ou seja, parece que a dimensão da identidade/personalidade terá que dar conta de articular maneiras de como elementos indenitários antagônicos convirjam dentro de um único ser humano. Outro desdobramento da identidade/personalidade humana parece ser o próprio corpo. O corpo não pode ser apenas limitado pela sua forma, mas sim, é o que se representa dele em gestos, formas, atitudes, em sua múltipla apresentação (LOURO, 2000). A discussão sobre identidade e corpo passa pelas mais diversas facetas: deficiência física, aborto, cirurgia plástica, doação de órgãos, transsexualidades, travestilidades, eutanásia, 54Importante salientar que, ao longo deste trabalho, escolheu-se o termo “gay” em detrimento de “homossexuais” ou “homoafetivos”, uma vez que a referida terminologia não restringe identidades a relações sexuais ou a relações afetivas. Conforme já apontado, no APÊNDICE A, há uma tradução do autor do Dicionário de Termos sobre Gênero da University of California in Berkeley, Estados Unidos; o qual explora mais essas definições. 55Da mesma forma exposta na nota de rodapé anterior, evita-se o termo “transexual” toda a vez que possível nesta tese, uma vez que os gêneros não se formam somente a partir de suas experiências sexuais. Conforme já apontado também, no APÊNDICE A, há uma tradução do autor do Dicionário de Termos sobre Gênero da University of California in Berkeley , Estados Unidos; o qual explora mais essas definições. 56Texto original em inglês: “Prior to coming out, many gays and lesbians often struggle with a sense of isolation from family and friends as they come to terms with their sexual orientation. For orthodox gays living in close-knit, structured communities, there is an additional layer of perceived “necessary secrecy” due to communal pressures and stigmas. Because Orthodox Jews are raised to remain somewhat separate from those in the secular world, it becomes that much harder for Orthodox gays to seek out and make use of secular supports and resources. The Orthodox gay person may anticipate rejection from those in the secular world who are not familiar with his or her religious practices and mores” (MARK, 2008, p.182). 63 distanásia, ortotanásia, moda, direito à imagem, estupro, incesto, apotemnofilia57, acrotomofilia58. Discutir o corpo, sob qualquer destas diversas facetas, permite que se perceba que ele não é livre. Para Butler59 (2013) o corpo parece ser fortemente regulado por leis positivas e condições sociais que, muitas vezes destoam do íntimo do que é ser humano (de sua identidade, de sua essência) e transformam o indivíduo em um ser performativo60 que precisa atender primeiramente aos anseios de uma sociedade do que aos seus próprios anseios. O direito/dimensão à identidade/personalidade precisa rediscutir o corpo a fim de procurar libertá-lo, desregulá-lo. Outro componente da identidade/personalidade humana parece ser o afeto. Tal ideia foi desenvolvida por Freud (1900, p. 573, grifos do autor, tradução do autor61), que transformou o afeto em um ponto central da sua teoria psicanalítica, como possível observar em uma das passagens de sua obra: Não podemos prosseguir nossa elucidação se não considerarmos o papel dos afetos nestes processos, o qual, porém, só é possível aqui de maneira incompleta. Formulemos então este enunciado: A sufocação do ics62 se torna necessária, sobretudo, porque o decurso das representações no interior do ics, deixado a si mesmo, desenvolveria um afeto que, em sua origem, teve a característica do prazer, mas, desde que se produziu o processo de repressão, leva a característica do desprazer. A sufocação tem o fim, mas também o resultado, de prevenir esse desenvolvimento de desprazer. (...). Na base disto, há uma suposição muito determinada sobre a natureza do desenvolvimento de afeto. Simplificando os dizeres de Freud, o afeto parece ser ponto central da sua teoria psicanalítica, justamente porque também parece ser ponto central da formação do psiquismo humano63. O afeto (ou a falta dele) formam o ser humano que, por sua vez, desenvolve a sua 57Trata-se de uma de desejo de se ver amputado em uma ou mais partes do corpo. 58Trata-se da preferência sexual por pessoas que tenham alguma parte de seus corpos amputada, pois a excitação é proporcionada justamente pela falta daquela parte. 59Judith Butler é uma filósofa feminista estadunidense, reconhecida como uma das principais teóricas da questão contemporânea do Feminismo, Teoria Queer, Filosofia Política e Ética. Ela é professora do departamento de retórica e literatura comparada da University of California em Berkeley, Estados Unidos, tendo conquistado seu doutorado em filosofia na Yale University em 1984 (BERKELEY, 2017). 60No capítulo 3 desta tese será discutido o conceito de “performatividade”. 61Texto original em espanhol: “No podemos continuar nuestra elucidación si no tenemos en cuenta el papel de afectar a estos procesos, los cuales, sin embargo, sólo es posible aquí de forma incompleta. A continuación, vamos a formular esta declaración: se necesita la sofocación del sistema ic, sobre todo, porque el curso de las representaciones dentro del sistema ic, abandonada a sí misma, se desarrollaría un afecto que, en su origen, tenía la característica de placer, pero desde ese produjo el proceso de la represión toma la característica de desagrado. La asfixia es el final, pero el resultado, para evitar este descontento desarrollo. (...). Sobre la base de esto, no es una suposición muy específica acerca de la naturaleza de desarrollo del afecto” (FREUD, 1900, p. 573). 62Freud, ao longo de sua obra, substitui o termo “inconsciente” pela terminologia “ics”. Sendo assim, toda a vez que for encontrado o termo “ics”, deverá ler-se “inconsciente”. Importante salientar também que, com a Psicanálise do Inconsciente, Freud desconstrói o narcisismo humano, uma vez que o ser humano antes visto como alguém em lugar privilegiado agora é visto como um ser movido por forças que sua própria razão desconhece e sobre as quais tem pouco controle (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992). 63Trata-se do conjunto de características psíquicas ou mentais de um ser humano (MESQUITA; DUARTE, 1996). 64 capacidade de amar e ser amado (ou não se desenvolve essa capacidade de forma plena justamente por conta da falta dele). Há algumas décadas64, Jean Piaget (1975) postulou que o pleno desenvolvimento da personalidade sob seus aspectos mais intelectuais é indissociável do conjunto das relações afetivas, sociais e morais que constituem a vida da instituição educacional, reconhecendo, portanto, que o afeto compõe o que é ser humano. Sendo assim, proteger a identidade/personalidade de alguém parece ser também tutelar os seus afetos: sua maneira de dar e receber amor, sua maneira de se relacionar, bem como buscar garantias para que esses indivíduos, desde a infância, no decorrer de seus respectivos processos de evolução, tenham garantido tal desenvolvimento afetivo. Dessa forma, percebe-se que a discussão sobre o Direito Humano à Identidade/Personalidade em seu aspecto mais individual possível é um desafio que começa a se estruturar a partir do momento em que se considera, tanto no âmbito global, regional e também constitucional, as questões referentes à sexualidade, às religiões, aos gêneros, aos corpos, aos afetos, ao próprio desenvolvimento humano, além de possíveis novas elucubrações de novas dimensões as quais podem compor a referida identidade/personalidade, contribuindo para a formação de um sistema de proteção da diversidade humana. Todavia, assim como a divisão da composição da identidade humana em subdimensões, a divisão entre identidade humana sob um prisma individual e identidade humana sob um prisma coletivo serve muito mais para fins didáticos, porque os conceitos ora se confundem, ora se inter-relacionam, não existindo, um sem o outro. Dessa forma, acredita-se que a evolução da sistemática de proteção da diversidade também deve considerar a participação e a interação destas identidades individuais com identidades coletivas, culturas. 1.2.2 Identidade cultural Se é necessário que o sistema/princípio de proteção da diversidade passe a expressamente reconhecer e tutelar a identidade/personalidade humana, bem como suas diversas e abertas subdimensões, também é verdade que a identidade coletiva (cultural) de determinados grupos precisa encontrar protagonismo, no que diz respeito à sua proteção. Neste sentido, é importante recordar que a história da humanidade é marcada pelas mais diversas violações de direitos identitários, seja no âmbito da identidade/personalidade, seja no 64Observa-se aqui que mesmo Piaget e Freud desenvolvendo suas pesquisas em épocas bem distantes e diferentes, reafirmam um mesmo entendimento sobre a questão. 65 âmbito da identidade coletiva de um grupo. Talvez, a maior demonstração da falta de respeito para com a identidade humana expresse-se sob a forma dos crimes de genocídio. Em 1944, o termo “genocídio” foi empregado de forma pioneira na obra de Lemkin, que, juntou os radicas latinos genus (povo, raça, nação) e excidium (ruína, destruição) para se referir à destruição de uma nação ou de um determinado grupo étnico (JAPIASSÚ, 2009). Posteriormente, em 1951, a comunidade internacional, no âmbito do sistema global de Direitos Humanos editou a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, criminalizando a prática e, posteriormente, com a instituição do Tribunal Penal Internacional65, por meio do Estatuto de Roma, atribuindo-se ao referido tribunal julgar tais crimes. Além disso, é importante salientar que há genocídios cuja proposta é exterminar a identidade/personalidade dos seres humanos, enquanto, em outros procura-se exterminar determinada identidade coletiva (uma cultura). No Holocausto66, por exemplo, diversos grupos 65Nos termos do Estatuto de Roma, vale ressaltar que o Tribunal Penal Internacional é um órgão internacional permanente e independente, responsável pelo julgamento de crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão que afetem a comunidade internacional, podendo ocorrer de forma isolada ou não. No entanto, todos os países que ratificaram o Estatuto de Roma estarão sujeitos a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, tão logo haja alguma violação coletiva dos Direitos Humanos protegidos pelo Estatuto. 66Além do Holocausto, diversos outros genocídios são reconhecidos pela comunidade internacional. Toledo (2016, p. 16-20) aponta quais foram os maiores em número de vítimas nos seguintes termos: o genocídio de Holodomor teve aproximadamente 4,2 milhões de ucranianos mortos entre 1932 e 1933, sendo fruto do regime comunista da União Soviética, comandado pelo ditador Joseph Stalin, que, por sua vez, promoveu uma reestruturação na agricultura da região, criando fazendas coletivas pouco eficientes e modificando os seus ciclos produtivos, o que levou toda essa população a morrer de fome; o genocídio de Bengalis teve cerca de 1,5 milhão de mortos e ocorreu durante a guerra de independência de Bangladesh (na época, Paquistão Oriental) sendo que o exército do Paquistão Ocidental (atual Paquistão) cometeu, com apoio de políticos locais e milícias religiosas, o assassinato indiscriminado de civis e combatentes das forças rebeldes do leste; o genocídio cambojano gerou cerca 2 milhões de mortos em 4 anos, o correspondente a 25% da população da época. Trata-se do processo de assassinato em massa promovido no Camboja pelo regime do Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot, entre 1975 e 1979. As vítimas do massacre foram membros do governo anterior (o governo de Lon Nol): servidores públicos, servidores militares, policiais, professores, vietnamitas, líderes cristãos e muçulmanos, pessoas da classe média e com boa formação escolar; o genocídio armênio teve cerca de 1 milhão de mortos. Até hoje os turcos não admitem que cometeram o genocídio armênio durante a Primeira Guerra Mundial, quando comandavam o Império Otomano e se aliaram à Alemanha e ao Império Austro-Húngaro para combater Grã-Bretanha, França, Rússia e Estados Unidos, alegando que, os armênios, que eram cristãos, morreram em conflitos com os curdos ou foram vítimas de guerra (e não de genocídio); o genocídio dos Tutsis, por sua vez, teve cerca de 1 milhão de mortos. Em abril de 1994, em Ruanda, o governo extremista controlado pela etnia hutu orquestrou o massacre de quase 1 milhão de pessoas da minoria tutsi. O genocídio foi ordenado depois de um atentado contra o avião do presidente hutu, Juvenal Habyarimana. Os tutsis foram considerados culpados pelo ataque e milícias hutus invadiram casas, pilharam bens, estupraram mulheres e mataram seus filhos (a fim de realmente exterminar toda esta etnia); o genocídio do povo Tibetano gerou cerca de 350.000 mortos, uma vez que desde que a China reconquistou o Tibete, em 1950, o governo chinês tentou apagar elementos da cultura e da identidade dos tibetanos, o que levou o país a cometer um genocídio gradual, que, por sua vez, estendeu-se por décadas. O massacre começou ainda no governo do partido Kuomintang, retirado do poder pelos comunistas. O novo regime, por sua vez, prosseguiu com a perseguição, simbolizada até hoje pelo exílio do Dalai Lama, líder político e espiritual do Tibete que deixou o país em 1959, após a Revolução Comunista, e se mudou para a Índia; o genocídio dos Sérvios gerou cerca de 300.000 mortos. Depois de invadir e conquistar a antiga Iugoslávia durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista anexou partes do país, entregou outras aos aliados Itália e Bulgária e dividiu o que restou em protetorados. Criou ainda um Estado croata fantoche, onde o poder foi entregue à organização fascista Ustase, controlada pelos alemães. Além de colaborar com os nazistas na eliminação de judeus e outros grupos, o governo da Croácia decidiu massacrar também os sérvios, seus inimigos históricos; o genocídio dos Assírios gerou aproximadamente 300.000 mortos. O genocídio assírio, também conhecido como Sayfo ("Espada"), ocorreu na Segunda Guerra Mundial, em circunstâncias semelhantes às do massacre dos armênios pelo 66 foram perseguidos e exterminados pelo regime nazista. De acordo com dados da Holocaust Encyclopedia (2017), dentre estes grupos o com maior número de extermínios foi o dos judeus (uma vez que cerca de 6 milhões de judeus foram mortos pelo regime nazista), sendo que o genocídio dos judeus ocorreu sobretudo com objetivo de exterminar uma cultura coletiva. Todavia, o regime nazista perseguiu outros grupos como, por exemplo, as pessoas com deficiência física (cerca de 250 mil deficientes físicos foram exterminados) e os gays (cerca de 70 mil foram mortos), sendo que tais grupos foram exterminados em razão da sua identidade individual (identidade/personalidade). Flávio de Leão Bastos Pereira (2018, p. 142), por sua vez, aponta que: A posição pós-liberal entende o genocídio como um processo de cunho sistêmico ou estrutural, que dispensa a presença de uma estrutura estatal e agentes intencionados em praticá-lo, mediante a destruição previamente organizada de um grupo-alvo, por razões nacionais, raciais, étnicas ou religiosas, muito embora possamos vislumbrar a omissão do Estado, que tendo ciências de suas obrigações assumidas para preservar a cultura e a existência de certo grupo minoritário, deixa de cumpri-las, permitindo, pois, a eliminação da identidade do referido grupo. Esse conceito difuso de genocídio é bastante importante, uma vez que permite que se aponte diversas atrocidades que acontecem com determinadas identidades dentro de um determinado país por mera omissão estatal. Percebe-se, portanto, que as identidades precisam ser protegidas, porque atrocidades podem acontecer, uma vez que identidades/culturas entram em choque com outras identidades/culturas ou mesmo identidades/personalidades entram em choque com identidades/culturas. A discussão sobre como as diferentes identidades podem conviver e interagir deve ser prioridade tanto no âmbito constitucional quanto internacional e devem se pautar nas seguintes premissas: parece haver uma confusão sobre os conceitos de “nação”, “cultura” e “Estado”; parece haver identidades que são hegemônicas em relação a outras; os instrumentos jurídicos, a partir desta dimensão da proteção da diversidade, devem ir além do retórico discurso da tolerância; é necessária articulação da “interculturalidade”67 no contexto do Estados e da comunidade internacional. Quanto ao primeiro item apontado, algo que pode agravar os choques entre identidades/culturas é a falsa ideia de que dentro de um mesmo Estado soberano habita uma Império Otomano. Sob influência da Alemanha, os turcos decidiram eliminar todos os grupos étnicos minoritários do seu território e iniciaram uma série de ataques a povoados assírios, do interior da Turquia às províncias otomanas no Oriente Médio. O genocídio intensificou-se durante a deportação dos assírios para campos de prisioneiros e continuou mesmo depois do fim da Primeira Guerra, só sendo interrompido entre 1922 e 1923, com a dissolução do Império Otomano. 67Ainda será discutido neste item os conceitos de “interculturalidade” e “multiculturalismo”. 67 única identidade cultural. Acredita-se que esta falta de entendimento existe justamente por conta da confusão que se faz com os conceitos de “nação”, “cultura” e “Estado”. O conceito tradicional68 de Estado diz respeito à existência de um povo assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando (JELLINEK, 1914, p. 95). Em outras palavras, conforme o conceito mais tradicional, Estado é a sociedade politicamente organizada em um determinado território. O primeiro elemento constitutivo deste Estado é chamado por Bonavides (2010) de “elemento formal”, consistindo no que se entende por poder político (ou soberania69). O seu segundo elemento constitutivo seria o “territorial” (igualmente denominado de “elemento geográfico” ou “espacial”). O terceiro elemento do Estado é o “elemento humano”, representado pelo povo70. “Povo”, para Bonavides (2010, p. 80), é conceito jurídico-político, pois significa o conjunto de pessoas que exercem direitos políticos, (ou seja, que votam ou são votadas), e, assim, estas pessoas estão vinculadas juridicamente ao Estado. O conceito de “nação”, por sua vez, não pode se confundir com os conceitos de “Estado” ou “povo”, uma vez que “nação” seria um conceito sociológico (ou cultural), pois significa o conjunto de pessoas que têm origens, tradições e costumes comuns, sendo, portanto, concebida culturalmente, na medida em que as pessoas que a formam apresentam entre si um vínculo de identidade, que pode se dar por algum aspecto étnico, linguístico ou envolvendo a formação histórico-cultural daquele grupo (BONAVIDES, 2010, p. 80). Essa confusão ocorre porque na formação do estado moderno – séculos XVI e XVII – a ideia de “Estado” se confundiu com a de “nação”, porque a lógica era a de que cada nação, ou seja, cada grupo de pessoas dotado do mesmo elo, do mesmo vínculo, formaria um Estado, e esse entendimento se tornou tão forte que os próprios termos passaram a ser empregados como sinônimos, conjugando as expressões para se referir ao Estado como “nação” e vice-versa, ou ainda como Estado-Nação (BONAVIDES, 2010, p. 80). Na acepção sociológica, “nação” não se confunde com Estado, porque, com o passar do tempo, percebeu-se que por vezes um Estado (único), enquanto entidade jurídica, política, de 68Importante salientar que há outras acepções para se enxergar o Estado. Na perspectiva sociológica, à luz de Marx e Engels, por exemplo, o Estado é visto como ente que possui o domínio da força. Ou seja, o Estado representa o monopólio da força e da violência, sendo aquele que pode usá-las com exclusividade. Já em uma perspectiva jurídica kantiana, o Estado é concebido como a institucionalização jurídica da sociedade (BONAVIDES, 2010). 69Embora a doutrina tradicional entenda, neste caso, “soberania” e “poder político”, como sinônimos, há posicionamentos igualando “poder político” a “governo”) (BONAVIDES, 2010). 70A doutrina italiana traz um quarto elemento do Estado: o elemento teleológico, que, por sua vez, consiste na finalidade para existência do Estado. No entanto, a doutrina brasileira entende que a finalidade estaria embutida nos outros três elementos do Estado (BONAVIDES, 2010). 68 Direito Público Internacional, abriga vários grupos com identidades distintas e características próprias. Nessa perspectiva, surgiu a ideia de que dentro de um Estado poderia existir mais de uma nação e, consequentemente, o emprego da expressão indistintamente pode gerar conflito terminológico71 (BONAVIDES, 2010, p. 80). Sendo assim, no Brasil, por exemplo, identifica-se dentro do Estado brasileiro vários grupos formados por uma identidade, a exemplo das comunidades tradicionais72. Nessa linha, é possível afirmar a existência de várias nações dentro do Estado brasileiro, e, assim, de um Estado plurinacional73 – aquele que compreende várias nações/culturas dentro de si. Ou seja, “povo” é elemento do Estado, “nação” não, porque é o nome dado a determinado grupo que compartilha de uma mesma cultura, que, por sua vez, é entendida por Wolf (1987, p. 78, tradução do autor74) como: “ (...) as formas desenvolvidas historicamente por meio das quais os membros de uma determinada sociedade se relacionam entre si”; sendo que, neste mesmo sentido, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO, entende que: a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. Dessa forma, percebe-se que a sistemática de proteção da diversidade deve contemplar a dimensão da proteção da identidade cultural nestes Estados plurinacionais, levando em consideração que diferentes culturas lá existentes não são “subculturas”, mas nações dentro de um mesmo Estado. De um mesmo modo, a discussão sobre a proteção da identidade cultural também deve levar em consideração a segunda premissa levantada que é a existência, dentro desses Estados, de identidades hegemônicas em relação a outras. Neste sentido, inclusive, vale ressaltar os genocídios anteriormente citados, os quais permitem verificar que identidades hegemônicas 71Essa ideia de Estado plurinacional no contexto da América Latina, sob os auspícios do Novo Constitucionalismo Democrático Latino-Americano (também conhecido como Constitucionalismo Andino), desenvolveu-se com outra concepção, na qual, além de respeitar e proteger a diversidade cultural, ou seja, as minorias dentro de uma cultura hegemônica, deveria também reconhecer a própria natureza normativa das regras de convivência desses diversos grupos (BOAVENTURA SANTOS, 2010). 72De acordo com o Decreto 6040, de 7 de fevereiro de 2007, o qual instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, os povos e comunidades tradicionais são definidos como "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição" 73O Estado plurinacional e, consequentemente, o novo constitucionalismo latino-americano lançam uma nova conotação à democracia, que Boaventura Santos (2007) denomina de “demodiversidade”, uma democracia onde a diversidade cultural tem voz, onde não ser igual é ser normal, onde não pertencer à cultura reificada, não é significado de não reconhecimento, de injustiça social. 74Texto original em espanhol: “(…) las formas desarrolladas históricamente a través del cual los miembros de una sociedad determinada se relacionan entre sí” (WOLF, 1987, p. 78). 69 sentem-se no direito de aniquilar milhões de outros seres humanos por se considerarem superiores em relação aos demais. É importante salientar que o combate à hegemonia é árduo, porque, segundo Gramsci (2002, p. 65), ela é obtida e consolidada em embates que comportam não apenas questões referentes à estrutura econômica e à organização política de um Estado. Há um envolvimento, no plano ético-cultural, na expressão de saberes, nas práticas, nos modos de representação e nos modelos de autoridade que querem legitimar-se e se universalizar. Portanto, a hegemonia não deve ser entendida necessariamente nos limites de uma coerção/dominação abertamente forçada, uma vez que inclui um universo de convicções, normas morais e regras de conduta internalizadas e que tornam outras invisíveis. Trabalhar, portanto, a proteção da dimensão da identidade cultural sob a perspectiva da proteção da diversidade não se trata somente de procurar proteções para garantir dignidade a grupos oprimidos (e/ou invisíveis), mas fornecer espaços dentro dos Estados, em suas instituições democráticas, para que identidades culturais reconstruam instituições, normas e valores; o que configura a terceira premissa a ser considerada quando se discute a proteção da identidade cultural que, por sua vez, consiste no debate de como instrumentos jurídicos devem ir além do retórico discurso da tolerância e encontrar maneiras efetivas não somente de proteção, mas de participação. Neste sentido, a Convenção n. 16975 da OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais avançou ao reconhecer, em seu art. 6º que, ao aplicar as disposições da Convenção, os governos deverão: consultar os povos interessados, mediante procedimentos de caráter democrático apropriados e por meio de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de os afetar diretamente; estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; bem como fixar os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. Mecanismos como esse apresentado pela Convenção n. 169, OIT, consistem no início da construção de uma democracia que cria a possibilidade de um reconhecimento intersubjetivo 75É importante salientar que a Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais deve ser considerada como um instrumento para a inclusão social de 40 milhões de pessoas que são constantemente esquecidas no caminho ao desenvolvimento da América Latina (OIT, 2017). 70 daqueles que pertencem a uma determinada cultura minoritária sem a necessidade de se adquirir valores hegemônicos para que se faça parte dela (HONNETH, 2003). Tal reconhecimento supera a defesa de uma mera tolerância76 dos grupos minoritários e da promoção do multiculturalismo, passando para o debate da interculturalidade. Sobre o conceito de “multiculturalismo”, vale ressaltar que foi Pierre Trudeau, primeiro ministro no Canadá, no ano de 1971, quem utilizou, pela primeira vez, o termo, buscando afirmar que o Canadá era um país no qual se reconhecia as diversas culturas que estavam lá inseridas (TRUDEAU, 1971). A partir de então, o “multiculturalismo” desenvolveu-se como um fenômeno que busca questionar o modelo ocidental que, até então, era monocultural, pois não reconhecia os direitos das minorias, que eram obrigadas a seguir as regras ditadas pelas culturas hegemônicas (GOMARASCA, 2012). Hoje, portanto, entende-se “multiculturalismo” no seguinte sentido: O pluralismo cultural [ou multiculturalismo] é um modelo de tratamento da diversidade cultural, o que representa a presença simultânea de populações com diferentes pertenças culturais no mesmo espaço territorial [ou Estado] e vivendo em harmonia (OIM, 2017, p. 10, grifo do autor, tradução do autor77). Contudo, é importante ressaltar também que o conceito de “multiculturalismo” é confrontado por Teorias Críticas de Estudos da Diversidade78 no sentido de que ele não proporciona um diálogo entre culturas, o que leva as minorias a ficarem isoladas, sem possibilidades de integração com a as demais culturas (KYMLICKA, 1996). Sendo assim, cabe à dimensão da identidade cultural discutir a promoção não só de espaços garantidos a minorias culturais, mas também cuidar da articulação da “interculturalidade” no contexto do Estados e da comunidade internacional; o que, por sua vez, leva à quarta premissa a ser analisada sob a óptica da dimensão da proteção da identidade cultural. Vale ressaltar, portanto, que se entende “interculturalidade” no seguinte sentido: O conceito de interculturalidade se destina a refletir as relações entre diferentes grupos culturais que vivem no mesmo espaço social [Estado]. Além disso, não só reconhece a existência da diversidade cultural, mas celebra o encontro entre culturas e promove o diálogo entre elas, o que não significa ignorar as relações de poder desiguais em que são construídas muitas das supostas diferenças culturais. Neste sentido, as intervenções com base em uma abordagem intercultural não representam só reconhecer as diferenças e promover o encontro e convivência entre as culturas, 76Gutmann (1993) discute a necessidade da superação da defesa da tolerância, uma vez que o termo reflete a aceitação da mais vasta gama de opiniões e diferenças culturais, enquanto não ameacem e causem danos às maiorias hegemônicas de forma direta. Sendo assim, o autor sugere substituir o termo por “respeito”. 77Texto original em espanhol: “El pluralismo cultural es un modelo de tratamiento de la diversidad cultural que da cuenta de la presencia simultánea de poblaciones con diferentes pertenencias culturales en un mismo espacio territorial y sostiene que las mismas pueden convivir en armonía” (OIM, 2017, p. 10). 78Rinaldo Walcott (2016, pp. 39-61; 94-96) aponta como o conceito de “multiculturalismo” ainda se confunde com o conceito de “tolerância” e não confere em si um papel de igualdade e protagonismo sobre identidades marginalizadas. 71 mas também desafiar as condições através das quais são construídos e dispostos hierarquicamente muitas destas diferenças, através de um paradigma monocultural na sociedade ocidental (...) (OIM, 2017, pp. 10-11, grifos do autor, tradução do autor79). Boaventura Santos (2003, p. 89), por sua vez, aponta alguns fundamentos do discurso intercultural, que são: a superação do debate entre “universalismo” e “relativismo cultural”80; o reconhecimento de que todas as culturas falam em dignidade, mas nem todas a concebem como Direitos Humanos; a percepção da incompletude das culturas; a noção de que cada cultura tem sua própria versão acerca do que é a dignidade humana; e, por fim, a distinção entre a luta pela igualdade e pelo reconhecimento das diferenças. Todos estes fundamentos apontados precisam ser levados em consideração ao se articular instrumentos jurídicos de proteção. Todavia, é importante salientar que, no que se refere à discussão sobre o “relativismo cultural” em contraposição ao Direito Internacional dos Direitos Humanos por conta de seu “universalismo”, deve-se considerar na discussão os conceitos de identidade cultural e identidade/personalidade. Isso porque, embora verdade que o relativismo cultural seja um conceito importante de ser trabalhado para impedir que o Direito Internacional dos Direitos Humanos torne-se uma ferramenta de perpetuação de valores hegemônicos a minorias culturais, o relativismo cultural também não pode ser totalitário no que se refere a questões relacionadas à proteção da identidade/personalidade, porque em identidades culturais minoritárias também há identidades/personalidades hegemônicas em relação a identidades/personalidades minoritárias, percebendo-se, dessa forma, a importância dos textos constitucionais e internacionais trabalharem expressamente com estes conceitos e proteções. Ou seja, a autodeterminação das identidades culturais sob a égide do reconhecimento precisa ser garantida dentro de um sistema de proteção da diversidade. Todavia, é importante frisar que a autodeterminação dessas culturas coletivas não pode impedir a autodeterminação de si mesmo, porque, caso contrário, somente identidades/personalidades minoritárias inseridas em culturas hegemônicas teriam sua dignidade devidamente protegida, uma vez que elas têm mais recursos, inclusive estatais, de resistir à hegemonia de outras identidades/personalidades. 79Texto original em espanhol: “El concepto de interculturalismo intenta reflejar las relaciones entre los distintos grupos culturales que conviven en un mismo espacio social. Además, no sólo reconoce la existencia de la diversidad cultural sino que celebra el encuentro entre culturas y promueve el diálogo entre ellas, lo cual no implica desconocer las desiguales relaciones de poder sobre las que se construyen muchas de las pretendidas diferencias culturales. En este sentido, las intervenciones basadas en un enfoque intercultural suponen no sólo reconocer las diferencias y promocionar el encuentro y la convivencia entre culturas, sino también cuestionar las condiciones a través de las que se construyen y ordenan de manera jerárquica muchas de esas diferencias, a través de un paradigma monocultural que en la sociedad occidental (...)” (OIM, 2017, p. 10- 11). 80O relativismo cultural é um processo de observar sistemas culturais sem uma visão etnocêntrica em relação à sociedade do pesquisado, partindo-se, portanto, do pressuposto de que cada cultura se expressa de forma diferente (VILLAS BÔAS FILHO, 2006). 72 Ainda sobre a referida discussão André de Carvalho Ramos (2014, p. 188) entende a necessidade de um “meio termo”, o qual ele denomina de “shift centre” e se refere no seguinte sentido: Há uma tendência de um “shift centre” no debate entre universalismo e relativismo, como reconhece Mushhat, visando construir bases teóricas para um diálogo intercultural. Neste sentido, em 2001, a Organização das Nações Unidas celebrou o Ano do “Diálogo entre Civilizações”, contrapondo-se, em especial, à tese de Huntington de que o século XXI será o século do choque de civilizações (sarcasticamente denominado de “the West against the Rest”). Neste sentido, na composição desse “shift centre” os conceitos de proteção da identidade/personalidade e de identidade cultural devem ser incorporados; e diante desse choque entre culturas e identidades articula-se a terceira dimensão da sistemática protetiva da diversidade: a migração. 1.2.3 Migração: a última alternativa Introduzindo-se a discussão sobre migrações, vale a pena apontar o conceito de “diáspora” definido por Garbrielle Sheffer (2006, p. 73, tradução do autor81): Uma formação social-política, criada como resultado de migração forçada ou voluntária, cujos membros se consideram de mesma origem etnacional e que residem permanentemente como minorias em um ou vários países anfitriões. Os membros de tais entidades mantêm contatos regulares ou ocasionais com o que eles consideram sua terra natal e com indivíduos e grupos do mesmo fundo que residem em outros países anfitriões. Pela definição de Sheffler (2006, p. 73), percebe-se, portanto, que a globalização gerou a possibilidade de se viver uma vida comunitária transnacional, na qual os migrantes interagem simultaneamente com seus países de origem e seus países de residência, se estiverem interessados e dispostos a fazê-lo. Percebe-se também que como um resultado, a globalização ampliou o conjunto de atores que potencialmente têm uma participação no desenvolvimento nacional para não só incluir os residentes locais, mas também emigrantes e seus descendentes (RIDDLE, 2017, p. 2). Os migrantes adquirem e possuem recursos humanos, financeiros e sociais em seus países de residência, às vezes superiores ao indivíduo médio do país de origem. Dessa forma, 81Texto original em inglês: “A social-political formation, created as the result of either forced or voluntary migration, whose members regard themselves as of the same ethno-national origin and who permanently reside as minorities in one or several host countries. Members of such entities maintain regular or occasional contacts with what they regard as their homelands and with individuals and groups of the same background residing in other host countries” (SHEFFER, 2006, p. 73). 73 muitos atores globais, incluindo organizações internacionais, Estados, empresas e organizações não-governamentais, procuraram envolver os migrantes para auxiliar nos objetivos de desenvolvimento do país de origem, criando-se mecanismos que os envolvem para contribuir com capital humano, financeiro e/ou social de onde partiram (RIDDLE, 2017, p. 2). Sendo assim, percebe-se a importância da migração não somente para indivíduos e suas respectivas identidades em si, mas também para a redistribuição de privilégios e promoção da igualdade82 pelo mundo. Sobre a relação entre migração e desenvolvimento, Ana Melisa Pardo Montaño (2015, p. 31, tradução do autor83) aponta que: O fenômeno migratório foi visto às vezes como resultado de desequilíbrios no desenvolvimento econômico, enquanto em outros momentos é considerado um processo potenciador do crescimento econômico, tanto da perspectiva do ponto de origem quanto da perspectiva do ponto de destino. Estas visões diferentes dependem de lugares, tempos e circunstâncias históricas relacionadas com a migração. Percebe-se, portanto, que, hoje, diante da ordem econômica mundial, há relação forte dos fluxos migratórios e questões desenvolvimentistas. Todavia, relacionar a migração a questões desenvolvimentistas somente, não permite que se compreenda o ato de migrar enquanto dimensão da sistemática protetiva da diversidade. Sob o próprio prisma do desenvolvimento, a análise não parece ser tão fácil, uma vez que o termo “desenvolvimento” tem sido empregado em diferentes conotações (BERTONCELLO, 2016, p. 35). Eros Grau (2010), por exemplo, afirma que a ideia de desenvolvimento pressupõe dinâmicas de mutações e, por conta disso, exige da sociedade um processo de mobilidade social contínua e intermitente, enquanto a ideia de crescimento é meramente quantitativa. Ou seja, desenvolvimento não é sinônimo de crescimento. Ignacy Sachs (2010), por sua vez, entende que desenvolvimento é sinônimo de desenvolvimento sustentável, que, por sua vez, deve ser verificado em dimensões: a dimensão social, intimamente relacionada com a redução de desigualdades sociais; a dimensão cultural, que estabelece um equilíbrio entre tradição e inovação; a dimensão ecológica, atrelada à preservação do capital natural e à limitação do uso dos recursos não-renováveis; a dimensão ambiental, que respeita e realça a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais; a dimensão territorial, que se refere às configurações urbanas e rurais; a dimensão econômica, ou 82No terceiro capítulo desta tese aborda-se os conceitos de “privilégio” e “igualdade”. 83Texto original em espanhol: “El fenómeno migratorio ha sido visto en ocasiones como resultado de los desequilibrios en el desarrollo económico, mientras que en otras se ha considerado como un proceso potencializador del crecimiento económico, tanto en el origen como en el destino. Estas diferentes visiones dependen de los lugares, los momentos y las circunstancias históricas relacionadas con el fenómeno migratório” (PARDO MONTAÑO, 2015, p. 31). 74 seja, desenvolvimento econômico equilibrado; a dimensão política nacional, que pressupõe o bom desenvolvimento da democracia, dos Direitos Humanos e o bom relacionamento do Estado com a iniciativa privada, a fim de que se estabeleça a coesão social; e a dimensão política internacional (baseada na eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU, na garantia da paz e na promoção da cooperação internacional). Solange Teles da Silva (2010, p. 102), sobre esta divisão do conceito de desenvolvimento sustentável, aponta que: [...] é possível identificar três pilares indissociáveis na base do conceito de desenvolvimento sustentável: o econômico, o social e o ambiental. Trata-se de garantir à transmissão da capacidade produtiva de uma geração a outra geração, permitindo a satisfação das necessidades essenciais e a preservação dos recursos naturais, assegurando, portanto, que o desenvolvimento leve em consideração, além da dimensão econômica, a coesão social e a capacidade de reprodução do meio ambiente. Ou seja, falar de migração sob a perspectiva do desenvolvimento não é tão simples quanto parece, porque se faz necessário analisar as diversas dimensões que compõem o desenvolvimento, muito além de questões puramente econômicas. Foi por isso que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável inseriu 17 objetivos, entendendo os migrantes como “agentes de mudança e promotores do desenvolvimento sustentável” tanto para com seus países de origem quanto de destino.84 Para além da concepção contemporânea de migração, verifica-se que os fluxos migratórios têm feito parte da história do mundo. Neste sentido, analisa-se a seguinte consideração sobre dados da Organização Internacional do Trabalho: A migração é resultado da situação econômica e política agitada do mundo, sendo também um componente importante na construção de um processo histórico. No entanto, a migração ocorreu nas últimas duas décadas como resultado de guerras, fome e desequilíbrios econômicos, tendo um caráter especial, portanto. Desde a Segunda Guerra Mundial, as migrações em larga escala, por meio dos mares, terras e fronteiras linguísticas e culturais, não são mais eventos excepcionais e se tornaram a norma como em períodos históricos anteriores (BASCH; LERNER, 1986, pp. 4-5, tradução do autor85). 84Como este trabalho procura abordar o tema das migrações sob a óptica dos gêneros, vale apontar que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável também inseriu como um de seus objetivos primordiais a “promoção da igualdade de gênero”. 85Texto original em espanhol: “La emigración que se produjo a consecuencia de la agitada situación económica y política del mundo ha sido un componente importante del proceso histórico. Sinembargo, los movimientos migratorios ocurridos en las dos últimas décadas – resultado de las guerras, el hambre y los desajustes económicos del apos-guerra, han tenido un carácter especial, debido a las trayectorias geográficas que han seguido y la magnitud de la población afectada. Desde la segunda guerra mundial, las migraciones en gran escala, a través de mares, tierras y fronteras lingüísticas y culturales, han dejado de ser fenómenos excepcionales y se han convertido en la norma como ocurrió en períodos históricos anteriores” (BASCH; LERNER, 1986, p. 4-5). 75 Diante deste contexto, portanto, acredita-se que migrar é um Direito Humano, uma vez que as fronteiras estabelecidas e que definem os Estados soberanos são meramente artificiais86. Todavia, muitas são as barreiras encontradas por aqueles que se desafiam migrar para se refugiarem de seus próprios países, os quais não conseguem garantir-lhes Direitos Humanos básicos. Observando pelo ponto de vista de quem recebe esses migrantes, Michale Minkenberg (2008, p. 262, tradução do autor87) aponta que: Há pequenos grupos políticos nas democracias ocidentais contemporâneas que instrumentalizam o direito por meio de códigos de alteridade. Percebe-se uma mobilização política indenitária contra tudo o que é estrangeiro. Ademais, Michale Minkenberg (2008) aponta diversos sentimentos, os quais enumera e denomina, entendendo serem os principais vilões daqueles que migram, uma vez que tais sentimentos alimentam práticas pouco amigáveis para com estes migrantes. São eles: o racismo, o antissemitismo, o chauvinismo88, o religiocentrismo (fundamentalismo), a xenofobia, o nativismo89, a heteronormatividade90 e o autoritarismo. Diante deste contexto é que se parece encontrar o refúgio hoje. Contudo, inclusive, diante do exposto, as dificuldades dos refugiados começam a ser mais exploradas, bem como as resistências daqueles que recebem os refugiados também começam a ser alvo de uma crítica mais contundente da comunidade internacional, da imprensa e da pesquisa científica; os quais, aos poucos, procuram incorporar o discurso dos Direitos Humanos. A migração, sob a perspectiva do refúgio seria a terceira dimensão da referida sistemática de proteção da diversidade, exercendo, por sua vez, o que Kymlicka (1992) chama de “direito de retirada”. O conceito de “direito de retirada” consiste na última tentativa de se proteger a diversidade, porque, no plano ideal, por meio do Direito Constitucional e/ou Internacional, ela deveria estar protegida nos próprios Estados (localidades ou culturas) onde é encontrada. Ou 86Conclusão articulada em palestra ministrada na Universidade de São Paulo (Largo do São Francisco) sobre imigração e refúgio no Brasil em 17 de agosto de 2015. Essa articulação foi proferida pelo palestrante Carlos Bezerra Júnior. 87Texto original em francês: “Il n’est guèrre de grupe politique, dans les démocraties occidentales contemporaines, qui s’appuie autant que la droite radicale sur l’instrumentalisation des codes de l’altérité. Cela constitue même, dans une certe mesure, une caractéristique qui la définit: la mobilisation politique contre tout ce que est étranger semble l’essance même de sa politique et son identité” (MINKENBERG, 2008, p. 262). 88Trata-se de patriotismo e crença exacerbada de superioridade de nações em relação a outras (MINKENBERG, 2008, p. 263). 89Trata-se de ação que procure valorizar a cultura de um lugar, em reação à imposição de uma cultura externa, em geral dominante. O nativismo faz-se sentir especialmente na história dos povos que foram colonizados por outros (MINKENBERG, 2008, p. 263). 90Trata-se de crença, muitas vezes internalizadas, de que somente os valores heterossexuais/heteroafetivos devem reger as dinâmicas sociais (MINKENBERG, 2008, p. 263). Este conceito está mais aprofundado na tradução feita pelo autor deste trabalho do Dicionário de Termos sobre Gênero da University of California in Berkeley no APÊNDICE A desta tese. 76 seja, alguém que, precisa se retira de sua comunidade/país está exercendo de sua última alternativa para proteger a sua identidade/personalidade. Sendo assim, quando a discussão do “direito de retirada” dá-se sobretudo no âmbito dos Estados, uma vez que o próprio Estado persegue a identidade/personalidade e/ou a determinada cultura de outrem; e a comunidade internacional falha no que diz respeito a articular uma alternativa dentro do próprio Estado para que se proteja a diversidade, o “direito de retirada” transfigura-se em migração por caráter humanitário (“refúgio” ou “asilo”91). Quanto aos levantamentos do que já foi construído para corroborar esta terceira dimensão da proteção da diversidade, bem como eventuais elucubrações do que ainda precisa ser pensado para garantir a referida proteção, ficará por conta dos demais capítulos desta tese fazê-lo, porque uma vez que se trata de última alternativa à proteção da diversidade, uma atenção maior precisa ser dada ao assunto. 91No capítulo 2 desta tese será feita a distinção dos dois conceitos. 77 2. REFÚGIO: A TEIMOSIA EM VIVER Conforme já verificado no primeiro capítulo desta tese, vale lembrar que Eleonor Roosevelt (1958) no momento da proclamação da Declaração Universal de Direitos Humanos questionou onde começariam os Direitos Humanos e a criação de uma sistemática protetiva da diversidade responde a este questionamento, uma vez que se preocupa em alcançar a esfera mais íntima do ser humano e o proteger dentro de sua casa, sua comunidade e também dentro de si mesmo. Dessa forma, reitera-se: proteger a diversidade não é promover somente o refúgio. As ações de proteção da diversidade precisam ocorrer dentro dos Estados, das comunidades, visando proteger identidades plurais em sentidos individual (personalidade) e coletivo (culturas). Todavia, sabe-se que nem sempre há êxito na proteção destas identidades e a migração torna-se a única alternativa pragmática para que a vida humana continue a existir. Sendo assim, percebe-se a importância de se articular sistemas protetivos para que os seres humanos possam se refugiarem e viverem uma vida digna. É importante salientar também que o direito de se refugiar e viver essa vida mais digna deve ser reconhecido para qualquer identidade humana (individual ou coletiva) e, dessa forma, percebe-se a importância de se conceber a noção de refúgio dentro de um sistema de proteção da diversidade. Neste sentido, vale ressaltar que, durante a Segunda Guerra Mundial, muitas nações, nas quais os judeus alemães pediram asilo, impuseram obstáculos significativos à sua imigração, como, por exemplo, no que se refere aos processos de candidatura, uma vez que ao se requisitar os vistos de entrada exigia-se que os imigrantes potenciais fornecessem informações sobre si próprios e os membros das suas famílias a bancos, médicos e à polícia alemã (HOLOCAUST ENCYCLOPEDIA, 2017). No caso dos Estados Unidos, os requerentes foram obrigados a fornecer declarações juradas de vários patrocinadores e a obter um número de espera dentro de uma cota estabelecida para seu país de nascimento, o que limitou severamente suas chances de emigrar (HOLOCAUST ENCYCLOPEDIA, 2017). Quanto ao Brasil, por sua vez, Roney Cytrynowicz (2002, p. 396, grifo do autor) aponta que: O antissemitismo esteve presente nos anos 1930 e 1940 em importantes círculos do governo, especialmente o Itamaraty, e sua mais grave consequência foram as circulares secretas que restringiram a imigração de judeus ao Brasil a partir de 1937. Este antissemitismo produziu episódios terríveis, como a história dos três mil 78 vistos a católicos não-arianos que o Vaticano solicitou ao governo brasileiro e que, em sua maior parte, acabaram sendo recusados, conforme o livro do historiador Avraham Milgram, e centenas de histórias trágicas de refugiados que não puderam entrar, conforme as pesquisas de Maria Luíza Tucci Carneiro. Neste sentido, não há dúvida de que a política do governo brasileiro foi conivente com o antissemitismo na Europa (...). Sendo assim, obeserva-se, por meio dos respectivos exemplos dados, que talvez não só faltou uma articulação global para se proteger e promover o refúgio, como também faltou entendimento de que identidades diversas precisariam de proteção, reconhecimento e afirmação. O processo de refúgio dos judeus na Segunda Guerra Mundial tornou-se ainda mais duro, porque no final da década de 1930, uma severa depressão econômica global reforçou um medo e uma desconfiança em relação aos estrangeiros, bem como reforçou o antissemitismo em particular, uma vez que as pessoas mostravam-se cautelosas com os imigrantes que podiam retirar-lhes os empregos e utilizar seus serviços sociais (HOLOCAUST ENCYCLOPEDIA, 2017). Desta forma, percebe-se também o quanto é importante discutir a proteção da diversidade em âmbitos globais e regionais, porque o referido exemplo de aversão aos refugiados judeus reafirma o entendimento de Hannah Arendt (1989), já discutido anteriormente, a qual alegava que no mundo do século XX perder a nacionalidade significava ser expulso da humanidade, pois Direitos Humanos não valiam para aqueles que eram considerados apátridas ou aqueles que tinham o azar de nascerem em Estados que violassem seus Direitos Humanos mais essenciais às suas próprias existências. A discussão, portanto, do refúgio diante do que significa proteger a diversidade requer descontruir a noção de que cidadania está atrelada à nacionalidade (SMANIO, 2009, p. 35); sendo que enquanto a desconstrução não for realizada, a nacionalidade ou a regionalidade estarão entre as maiores “interseccionalidades” existentes. Sobre o conceito de “interseccionalidade”, é importante ressaltar que ele tem a preocupação em entrelaçar distintas formas de diferenciações sociais (e sobretudo de desigualdades) (CRENSHAW, 1991). Ou seja, trata-se de apontar vulnerabilidades que somadas se potencializam e fragilizam uma mesma identidade. Vale lembrar também que embora tenha sido utilizado expressamente apenas a partir de 1989, uma vez inaugurado pela teórica feminista estadunidense Kimberlé Crenshaw92 em um 92Kimberlé Williams Crenshaw é uma advogada estadunidense, especializada em Direitos Civis e em Teoria Crítica da Raça. Ela é também professora titular da Faculdade de Direito da Univeristy of California in Los Angeles, Estados Unidos, e da Columbia Law School, Estados Unidos, onde se especializou em questões raciais e de gênero. Ela é conhecida pela introdução e desenvolvimento da Teoria Interseccional (COLUMBIA, 2017). 79 artigo intitulado Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: a Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics (CRENSHAW, 1989), há muito tempo tem-se discutido a ideia contida no referido conceito. Neste sentido, Henning (2015, p. 102) aponta que um de seus marcos simbólicos tem sido visto como as contribuições do manifesto de 1977, Combahee River Collective, o qual se tratava de um coletivo de feministas negras e lésbicas baseado em Boston, entre 1973 e 1980, que defendia uma luta articulada não apenas contra a opressão sexual das mulheres, mas também contra outras formas de dominação e de desigualdades baseadas em racismos, heterossexismos e exploração por classe social. Ainda sobre “interseccionalidade”, Angela Davis93 (2008, p. 79, tradução do autor94) ensina que o referido conceito: (...) inicia um processo de descoberta, nos alertando para o fato de que o mundo a nossa volta é sempre mais complicado e contraditório do que nós poderíamos antecipar. (...) Ela [a interseccionalidade] não provê orientações estanques e fixas para fazer a investigação feminista (...). Ao invés disso, ela estimula nossa criatividade para olhar para novas e frequentemente não ortodoxas formas de fazer análises feministas. A interseccionalidade não produz uma camisa de forças normativa para monitorar a investigação (...) na busca de uma “linha correta”. Ao invés disso, encoraja a cada acadêmico feminista a se envolver criticamente com suas próprias hipóteses seguindo os interesses de uma investigação feminista reflexiva, crítica e responsável. Em outras palavras, Angela Davis parece demonstrar que há diversas maneiras de se olhar as vulnerabilidades acumulando-se e, por sua vez, fragilizando a existência humana. Sobre a acumulação dessas vulnerabilidades, Fineman95 (2008, pp. 15-16, grifo do autor, tradução do autor96) também aponta que da mesma maneira que se acumulam, elas 93Angela Yvonne Davis é hoje uma ativista política americana, acadêmica e autora. Ela é professora aposentada da Univeristy of California in Los Angeles, Estados Unidos, onde atuou no Departamento de História da Consciência e também onde atuou como diretora do departamento de Estudos Feministas da universidade. Angela Davis, assim como é conhecida, graduou-se na Brandeis University, Estados Unidos; e fez seu doutorado na Frankfurt Universität, Alemanha. Seus interesses de pesquisa são: Feminismo, Teoria Crítica, Marxismo, Filosofia, História de Punição e Prisões (BIOGRAPHY, 2017). 94Texto original em inglês: “(…) begins a process of discovery, alerting us to the fact that the world around is always more complicated and contradictory than we could anticipate. (...) It does not provide watertight and fixed guidelines for feminist research (...). Instead, it stimulates our creativity to look at new, often unorthodox forms of feminist analysis. Intersectionality does not produce a normative force-shirt to monitor research (...) in the search for a 'right line'. Instead, it encourages every academic feminist to engage critically with her own assumptions in the interests of a reflexive, critical and responsible feminist research” (DAVIS, 2008, p. 79). 95Martha Albertson Fineman tem um bacharelado pela Temple University, e formação em Direito pela University of Chicago, ambas as universidades nos Estados Unidos. Ela foi nomeada juíza para Corte de Apelações dos Estados Unidos do Sétimo Circuito e também foi docente na Faculdade de Direito da University of Wisconsin, Estados Unidos. Desde 2004, ela é professora de Direito na Emory University, Estados Unidos. Suas principais produções acadêmicas estão voltadas para as áreas de Direito e jurisprudência feminista, bem como para os estudos de vulerabilidades humanas (EMORY UNIVERSITY, 2017). 96Texto original em inglês: “Within the various systems for conferring assets, individuals are often positioned differently from one another, so that some are more privileged, while others are relatively disadvantaged. Important to the consideration of privilege is the fact that these systems interact in ways that further affect these inequalities. Privileges and disadvantages accumulate across systems and can combine to create effects that are more devastating or more beneficial than the weight of each separate part. Sometimes privileges conferred within certain systems can mediate or even cancel out disadvantages conferred in others. A good early education may triumph poverty, particularly when coupled with a supportive family and progressive social network” (FINEMAN, 2008, p. 15-16). 80 atenuam-se ou mesmo se extinguem quando diante de situações de “privilégio” nos seguintes termos: Dentro dos vários sistemas de atribuição de privilégios, os indivíduos são frequentemente posicionados de forma diferente um do outro, de modo que alguns são mais privilegiados, enquanto outros são relativamente desfavorecidos. Importante para a consideração de privilégio é o fato de que esses sistemas interagem de forma a afetar ainda mais essas desigualdades. Privilégios e desvantagens acumulam-se em todos os sistemas e podem se combinar para criar efeitos mais devastadores ou mais benéficos que o peso de cada parte separada. Às vezes, os privilégios conferidos em certos sistemas podem remediar ou mesmo cancelar as desvantagens conferidas a outros. Uma boa educação precoce pode triunfar na pobreza, particularmente quando associada a uma família e a uma rede social progressista. Neste sentido, percebe-se que se viver em determinado país (ou região) onde se garantam proteções mais efetivas à diversidade humana constitui privilégio para determinada identidade. Da mesma forma, migrar para determinados países (ou regiões) em busca desses privilégios representa uma luta para se atenuar vulnerabilidades e conseguir viver uma vida digna. A vulnerabilidade nacionalidade/regionalidade, portanto, precisa ser bastante levada em consideração quando se fala em proteger a diversidade, porque os graus de proteção indentitária variam de país para país de maneira drástica, bastando verificar índices internacionais, como, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)97. Neste sentido, aponta-se o seguinte mapa divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2017)98 a fim de demonstrar o quanto o desenvolvimento humano é diferente de país para país99: 97Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. Além disso, ele ajuda a classificar os países como “desenvolvidos” (desenvolvimento humano muito alto), “em desenvolvimento” (desenvolvimento humano médio e alto) e “subdesenvolvidos” (desenvolvimento humano baixo). Importante salientar também que a estatística é composta a partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB (Produto Interno Bruto) per capita (como um indicador do padrão de vida) recolhidos em nível nacional. Cada ano, os países membros da ONU são classificados de acordo com essas medidas. O IDH também é usado por organizações locais ou empresas para medir o desenvolvimento de estados, cidades e até mesmo de bairros dentro de uma mesma cidade (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2017). 98O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é o órgão da Organização das Nações Unidas que tem por mandato promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo. Para tanto, o PNUD produz relatórios e estudos sobre o desenvolvimento humano sustentável e as condições de vida das populações, bem como executa projetos que contribuam para melhorar essas condições de vida, nos países onde possui representação. Ele atua também como organismo internacional que coordena o trabalho das demais agências, fundos e programas das Nações Unidas (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2017). 99Importante salientar também que de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2017), os IDHs variam, conforme dados referentes ao ano de 2016, de 0,95 (Noruega) a 0,35 (República Centro-Africana), sendo que o IDH do Brasil está em 0,75, ocupando a 79ª posição no ranking elaborado pelo referido programa. Todavia, aponta-se que dentro do próprio país há desigualdades, sendo que os IDHs das suas cidades variam entre 0,86 (São Caetano do Sul, São Paulo) até 0,42 (Melgaço, Paraíba). 81 Mapa n. 1: Trata-se de mapa divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU), no qual se demonstra o índice de desenvolvimento humano por país, dividindo os países nos seguintes grupos: países com índice de desenvolvimento humano muito alto (de 1,0 a 0,85); países com índice de desenvolvimento alto (0,85 a 0,7), países com índice de desenvolvimento humano médio (0,7 a 0,55) e países com índices de desenvolvimento humano baixo (0,55 a 0). Diante desses dados, portanto, aqueles que almejam uma vida mais digna, precisam migrar e não são poucos os que se submetem a esta espécie de diáspora, uma vez que de acordo com as informações mais recentes divulgadas pela Organização das Nações Unidas (2017), o mundo já tinha cerca 244 milhões de imigrantes em 2015, 41 milhões a mais do que em 2010. Se dentro de países com índices tão baixos de desenvolvimento humano é quase intolerável para que identidades hegemônicas permaneçam, pior ainda fica para as identidades não-hegemônicas, sendo que um processo migratório de um ser humano não-hegemônico para um país desenvolvido pode o colocar em uma escala de poder muito mais alta que aquele próprio indivíduo de identidade hegemônica de onde partiu o migrante. Um exemplo a ser dado nesse sentido foi extraído de palestra proferida na Univeristy of Miami, Estados Unidos, em 22 de fevereiro de 2017, pela professora Nuala Finnegan, da University College Cork, Irlanda, sobre o feminicídio em Ciudad Juarez, México. De acordo com a professora Finnegan, Ciudad Jurez apresenta os maiores índices de feminicídio (termo que se refere ao assassinato de mulheres simplesmente pelo fato de serem mulheres). Ou seja, se Ciudad Juarez sofre com seus índices de baixo desenvolvimento humano, pior fica para seus grupos mais vulneráveis, como as mulheres. Desta forma, levando-se em consideração também que Ciudad Jurez é cidade que faz fronteira com os Estados Unidos, os índices de mulheres que migram daquela região tão violenta para o país vizinho alcançam patamares até 3 vezes mais altos que de homens migrantes. 82 No Brasil, a situação parece semelhante no que se refere à maior vulnerabilidade de grupos minoritários. De acordo com a organização não-governamental Social Progress Imperative, o país apresenta um dos maiores índices de violência do mundo, ocupando a posição de 11º país mais violento no planeta. Todavia, de acordo com o Atlas da Violência 2017 divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), esta violência não é distribuída igualitariamente entre cidadãos, mas concentrada em regiões, etnias, gêneros e faixas etárias. Um exemplo dessa referida concentração da violência é demonstrado em uma das conclusões articuladas no Atlas em questão no seguinte sentido: Em 2015, apenas 111 municípios (2,0% do total de municípios) responderam por metade dos homicídios no Brasil, ao passo que 10% dos municípios (557) concentraram 76,5% do total de mortes no país. Observamos profundas diferenças em termos de desenvolvimento humano entre os municípios que ocuparam a primeira posição entre os mais pacíficos e os mais violentos, a saber, Jaraguá do Sul (SC) e Altamira (PA). Enquanto os indicadores de escolaridade e de renda são francamente favoráveis ao município catarinense, consideramos outros canais que potencialmente explicam a relação entre crescimento econômico e criminalidade violenta, que podem ajudar a entender as diferenças de letalidade violenta nos territórios (grifos do autor). Ademais, parece importante salientar também que o conceito “interseccionalidade- nacionalidade” (ou “regionalidade”) serve para demonstrar o quanto é precioso o ato de migrar para se garantir a dignidade humana. Todavia, para que se viabilize um processo migratório digno, outras “interseccionalidades” também devem ser levadas em consideração. Neste sentido, Jasbir Puar100 (2007, p. 48) aponta que o conceito de “interseccionalidade” possui recortes tão plurais que fica impossível dizer quais vulnerabilidades enfraquecem mais (ou menos) um ser humano, bem como quais são as dores que doem mais (ou menos). Infere-se a partir desta consideração que a análise das vulnerabilidades humanas exige bastante complexidade. Para a efetivação da referida análise, Martha Fineman (2010, p. 16, tradução do autor101) propõe uma abordagem sistemática nos seguintes termos: Por meio de uma abordagem sistemática, uma análise de vulnerabilidade pode abordar algumas das ambigüidades e anomalias que são evidentes em nossos modelos atuais de discriminação e nas categorias de identidade que esses modelos utilizam. Tal abordagem concentra-se nas interações das instituições que conferem aos atributos e deixa claro por que alguns indivíduos podem manobrar desvantagens passadas (...). 100Jasbir Puar é professora associada de Estudos de Gênero e da Mulher na Rutgers University, Estados Unidos, mestre em Estudos da Mulher pela New York University, Estados Unidos, e doutora em Estudos Étnicos pela University of California in Berkeley, Estados Unidos. A autora ganhou notoriedade por tentar reinventar o conceito de “interseccionalidade”, discordando da maioria das autoras feministas que escrevem sobre o assunto (RUTGERS, 2017). 101Texto original em inglês: “Using this systematic approach, a vulnerability analysis can address some of the ambiguities and anomalies that are evident in our current models of discrimination and in the identity categories these models utilize. Focusing on the interactions of asset-conferring institutions makes clear why some individuals can maneuver past disadvantages (…)” (FINEMAN, 2010, p. 16). 83 A essa abordagem sistemática mencionada por Fineman (2010, p. 16), Jasbir Puar (2007) chama de “assemblage”; conceito que basicamente constitui em metodologia que soma e subtrai vulnerabilidades e privilégios de cada indivíduo. Por meio da “assemblage” de cada ser humano é possível mensurar um resultado final e chegar a um entendimento do porquê determinado ser humano está em uma determinada situação; a qual Patrícia Hill Collins102 chama de “alocação social” (COLLINS, 2013). Sendo assim, é importante salientar também que além da nacionalidade (ou regionalidade), outras tantas vulnerabilidades precisam ser levadas em consideração, o que demonstra mais fortemente a necessidade de compreender a proteção dos refugiados dentro de um sistema de proteção da diversidade, percebendo-se também que a dimensão migratória da proteção da diversidade engloba inclusive a proteção destas identidades (individual e coletiva) durante todo o processo migratório: na própria solicitação no país em que não se pode mais viver, no processo de viagem do migrante, bem como na sua chegada ao país de asilo e, inclusive, na construção de sua vida no mesmo país de asilo. Portanto, pergunta-se: o quanto que o conceito de refúgio está subentendido como pressuposto do conceito de proteção da diversidade no que se refere à articulação de instrumentos jurídicos de proteção dos Direitos Humanos para que se garanta a proteção dessas identidades enquanto consideradas “identidades em refúgio”? Sendo assim, visando responder ao questionamento acima, ao longo deste capítulo analisa-se o que já fora produzido em matéria jurídica, bem como o que ainda falta ser produzido para garantir a referida proteção. Dessa forma, fica possível traçar os próximos passos para a construção da dimensão migratória da proteção da diversidade. 2.1 A IMPORTÂNCIA DE SE CONCEBER A MIGRAÇÃO DENTRO DE UM SISTEMA DE PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE E O PAPEL DO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS Logo após a Segunda Guerra Mundial, como o problema dos refugiados não tinha sido resolvido, sentia-se a necessidade de um instrumento internacional que definisse a condição 102Patrícia Hill Colins é formada em Sociologia pela Brandeis University, Estados Unidos; tem mestrado em Sociologia e Educação pela Harvard University, Estados Unidos; e doutorado também pela Brandeis University. Ela atualmente é professora catedrática da University of Maryland, Estados Unidos, e também professora emérita da University of Cincinnati, Estados Unidos; em ambas, lecionando e pesquisando nas áreas de: Sociologia, Gênero, Desigualdades e Interseccionalidades (UNIVERSITY OF MARYLAND, 2018). 84 jurídica dos refugiados. Sendo assim, em vez de se formular acordos para situações específicas de refúgio, optou-se por um instrumento único contendo a definição geral das pessoas que deveriam ser consideradas como refugiados (ACNUR, 2017, p. 13). Percebendo-se a necessidade da migração humanitária, portanto, sob decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 28 de julho de 1951, editou-se a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (também conhecida como Convenção de Genebra), que, por sua vez, entrou em vigor em 22 de abril de 1954, e à qual o Brasil tornou-se signatário por meio do Decreto n. 50.215, de 21 de janeiro de 1961. Na definição de refugiado, de acordo com a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, art. 1º, estabeleceu-se que é aquele: 1) Que foi considerado refugiado nos termos dos Ajustes de 12 de maio de 1926 e de 30 de junho de 1928, ou das Convenções de 28 de outubro de 1933 e de 10 de fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de setembro de 1939, ou ainda da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados; 2) Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguidos por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. Percebe-se, portanto, a intenção nítida do artigo em ampliar o conceito de refúgio, resgatando conceitos mais restritivos abrangidos por outras convenções celebradas anteriormente. De acordo com estes instrumentos, os refugiados eram classificados por categorias conforme a sua nacionalidade, o território que deixaram e a ausência de proteção diplomática por parte do seu país de origem (ACNUR, 2017, p. 13). Com este tipo de definição por categorias, a interpretação era simples e não levava em consideração a pluralidade de seres humanos que podem adquirir este status. Todavia, sobre “ser” refugiado, Casagrande (2017, pp. 128-129) faz uma consideração importante no seguinte sentido: Com relação ao ser refugiado, sugere-se que seja mais pertinente usar o verbo estar, pois o estar refugiado representa condição vivida subjetivamente e categorizada objetivamente pelo Direito. Ou seja, configurar-se nas hipóteses do art. 1º da Convenção de Genebra pode ser a realidade de qualquer ser humano, sendo assim, percebe-se o quanto foi importante a ampliação do referido conceito, porque pior que estar ali configurado é estar em uma situação de fuga sem 85 uma proteção legal para o que está se vivendo. Ou seja, a referida ampliação conceitual também é resultado da percepção que se precisa proteger a diversidade. Além disso, o art. 1º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, ao estabelecer que o refúgio pode ocorrer também por questões relacionadas à “raça”, “religião”, “nacionalidade”, “grupo social” ou “opiniões políticas”, demonstra intenção de se proteger a diversidade, porque distingue grupos que talvez precisem de tratamento específico sem a possibilidade de serem equiparados a grupos hegemônicos, o que faz a Convenção ser inaugurada de forma bastante positiva no que se refere à proteção da pluralidade de seres humanos a serem abrangidos por ela. Apoiando-se no texto da Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado, entende-se “raça” no seu sentido mais amplo, incluindo todos os tipos de grupos étnicos, englobando também membros de grupos sociais específicos de origem comum, formando uma minoria no seio de uma vasta população (ACNUR, 2017, p. 25). Da mesma forma, entende-se que a “perseguição por motivos religiosos” pode assumir várias formas, tais como a proibição de fazer parte de uma comunidade religiosa, de praticar o culto em privado ou em público, da educação religiosa ou a imposição de graves medidas discriminatórias sobre pessoas por praticar a sua religião ou pertencerem a uma comunidade religiosa específica (ACNUR, 2017, p. 26). No que se refere à “perseguição por questões de nacionalidade”, conforme já abordado no primeiro capítulo desta tese ao se discutir a importância da proteção da identidade cultural dos povos, aponta-se que o termo “nacionalidade” não deve ser entendido apenas no sentido de “nacionalidade jurídica”, vínculo que une um indivíduo a um Estado. Refere-se também ao pertencimento a um grupo étnico ou linguístico e pode, ocasionalmente, sobrepor-se ao termo “raça”. Além disso, aponta-se que a “perseguição por motivos de nacionalidade” pode consistir em ações e medidas adversas dirigidas contra uma minoria nacional (étnica, linguística) e, em determinadas circunstâncias, o fato de pertencer a essa minoria pode, por si só, fundamentar o temor de perseguição (ACNUR, 2017, p. 26). No que se refere à “perseguição por questões políticas”, entende-se que o fato de uma pessoa possuir opiniões políticas distintas daquelas do governo não é, por si só, motivo que justifique a solicitação de refúgio, cabendo ao solicitante demonstrar que teme ser perseguido em razão dessas opiniões. Isso pressupõe que o solicitante tem opiniões não toleradas pelas autoridades porque são críticas às suas políticas ou aos seus métodos (ACNUR, 2017, p. 27). Todavia, cumpre esclarecer que essa possibilidade no âmbito da América Latina tem sido tratada não como hipótese de refúgio, mas de “asilo político”, uma vez editado o Tratado de 86 Direito Penal Internacional de Montevidéu, que dedica um capítulo ao tema, bem como a Convenção sobre Asilo Diplomático e a Convenção sobre Asilo Territorial, as quais também se dedicam à referida temática. No que se refere à terminologia “pertencer a grupo específico” utilizada no Estatuto, normalmente, o simples fato de pertencer a um grupo social específico não é suficiente para fundamentar a solicitação de refúgio. No entanto, podem existir circunstâncias especiais em que o simples fato de pertencer a esse grupo é motivo suficiente para temer a perseguição (ACNUR, 2017, p. 27). Além dessas categorias de refúgio apresentadas, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados ao longo de seu texto declara os seguintes direitos em relação aos refugiados: o direito de não ser expulso, exceto sob determinadas condições estritamente definidas (art. 32); o direito de não ser punido por entrada ilegal no território de um Estado contratante (art. 31.º); o direito ao trabalho pelo menos nas mesmas circunstâncias e condições que os nacionais naquele país de refúgio (art. 17 a 19); o direito à habitação (art. 21); o direito à educação (art. 22); o direito à saúde pública (art. 23); o direito à liberdade de religião (art. 4º); o direito de acesso à justiça e aos respectivos tribunais do país de acolhimento (art. 16); o direito à livre circulação no território (art. 26); e, o direito de emissão de documentos de identidade e de viagem (art. 27 e 28). Sendo assim, fica claro que a Convenção de Genebra foi editada pautada nos princípios do “non-refoulement” (não reenvio do refugiado), o princípio da integração dos refugiados nas mais diversas esferas da vida, o princípio da equiparação dos refugiados aos cidadãos do Estado acolhedor e o princípio da unidade familiar (o qual, por sua vez, prevê que se mantenham as famílias de refugiados juntas). Todavia, se por um lado a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados procura promover o refúgio, por outro, a opinião pública tem criticado fortemente a iniciativa. Neste sentido, um estudo de Florianne Charrière (2010, p. 7, tradução do autor103), aponta que: Levando-se em consideração os diversos anos de debates políticos sobre o assunto, pode-se concluir que o asilo está em crise. A temática continua divulgada pela imprensa sem que, de fato, estabeleça-se uma solução para o problema por meio de uma ação política efetiva. “Solicitantes de asilo”, “falhas” ou “expulsos” são as manchetes mais continuamente divulgadas. 103Texto original em francês: “L’asile est en crise pouvons-nous entendre depuis plusieurs années dans les débats politiques. Et effectivement, la thématique est continuellement étalée dans la presse sans qu’aucune action politique concrète ne soit présentée au lectorat. Requérants d’asile, déboutés et expulsés font les gros titres des médias” (CHARRIÈRE, 2010, p. 7). 87 Sobre a citação de Charrière, cumpre apontar que, ao longo de seu texto, o termo “asilo” é tratado como sinônimo de “refúgio”. Além disso, cumpre apontar também o quanto a questão da migração tem promovido debates e posições divergentes na esfera política, sem, todavia, atentar-se a respostas que já estão na própria Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados e se atentar também ao fato de que algumas dessas posições podem configurar “discurso de ódio”. Sobre o conceito de “discurso do ódio”, Thiago Anastácio Carcará (2012, p. 7) ensina que: A proposta do discurso do ódio é a exclusão dos grupos vulneráveis da sociedade. A convivência pacífica não mais é possível. A manifestação do ódio busca evidenciar a razão de tal sentimento e ao mesmo tempo provocar a degradação moral da vítima que se sente inferiorizada e se retira do debate plural [ou ainda se cobra de um governo que seja retirada]. Esse efeito provocado pelo discurso do ódio na vítima pode gerar, ainda, a desconfiguração de sua própria personalidade. Neste sentido, Estados e políticos ao redor do mundo parecem terem o dever não somente de promover políticas de refúgio, mas também combater o discurso de ódio contra os grupos refugiados e este dever não se trata somente de dever moral ou filosófico a ser elucubrado no universo acadêmico, “mas uma imposição legal” do próprio Estatuto dos Refugiados em seu art. 3º, quando estabelece que os Estados signatários do Estatuto aplicarão suas disposições aos refugiados sem discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem, bem como conforme estabelece em seu art. 4º, o qual impõe aos Estados o dever de proporcionar aos refugiados em seu território um tratamento ao menos tão favorável quanto o que é proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar a sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos. Tais disposições parecem se preocupar em observar identidades plurais dos referidos refugiados, o que, por sua vez, corrobora o entendimento da inserção do texto em um sistema de proteção da diversidade. Importante salientar também que com o passar do tempo e o aparecimento de novas situações de refúgio, houve uma necessidade cada vez maior de ampliar as disposições da Convenção de 1951 a estes novos casos. Portanto, foi elaborado um Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados e após a apreciação da Assembleia Geral das Nações Unidas, este Protocolo foi aberto para adesão em 31 de janeiro de 1967 e entrou em vigor no dia 4 de outubro de 1967, sendo que o Brasil aderiu ao referido Protocolo por meio do Decreto n. 70.946 de 7 de agosto de 1972 (ACNUR, 2017, p. 14). Os Estados que aderiram ao Protocolo de 1967 comprometeram-se a aplicar as disposições fundamentais da Convenção de 1951 aos refugiados que se enquadrassem na 88 definição estabelecida na Convenção sem considerar a data limite de 1º de janeiro de 1951. Assim, ainda que relacionado com a Convenção, o Protocolo é um instrumento independente, ao qual os Estados podem aderir mesmo que não sejam partes na Convenção (ACNUR, 2017, p. 14). Vale demonstrar por meio do mapa abaixo quais são os países aderentes da Convenção de Genebra e/ou do Protocolo 67 (WIKIPEDIA, 2017): Mapa n. 2: Trata-se de mapa cujos países em amarelo representam aqueles que assinaram somente o Protocolo 67; os países pintados em verde claro referem-se àqueles que somente aderiram à Convenção de Genebra; os países em verde escuro representam aqueles que aderiram aos dois tratados; e os países em cinza representam o rol de países que não aderiram a qualquer um dos tratados. Dessa forma, devido à grande quantidade de países aderentes, percebe-se o quanto a proteção dos refugiados trata-se de um comprometimento global, podendo ser incluída enquanto requisito para o desenvolvimento sustentável dos povos do planeta (BERTONCELLO, 2016). Um documento importante também para se reforçar a dimensão migratória da proteção da diversidade no âmbito internacional é Declaração de Cartagena de 1984, que, por sua vez: (...) foi resultado dos encontros de representantes governamentais e especialistas de dez países latino-americanos em Cartagena de Índias, Colômbia, para considerar a situação dos refugiados na América Latina. Ela estabeleceu os conceitos básicos dessa questão no campo dos direitos humanos e lançou o termo “violação maciça de direitos humanos” como elemento da definição mais ampla de refugiado (BARRETO; LEÃO, 2010, p. 45, tradução do autor104). 104Texto original em inglês: “(…) was the outcome of meetings between government representatives and specialists from ten Latin American countries who met in Cartagena de Indias, Colombia, to consider the situation of refugees in Central America. It established the basic concepts of the issue in the human rights field and launched the term ‘massive violation of human rights’ as an element in the broader definition of refugees” (BARRETO; LEÃO, 2010, p. 45). 89 Neste sentido, entende-se que de acordo com a interpretação do ACNUR sobre a Declaração de Cartagena de 1984, o propósito de contemplar proteção às pessoas que fogem de violações evidentes de Direitos Humanos de caráter não civil-político como pobreza extrema, violência, doenças, desnutrição e insegurança alimentar, fortalecem o instituto de refúgio consagrado na Convenção de 1951. Isso porque, a orientação humanitária e de proteção do instrumento requer uma interpretação inclusiva, evolutiva e flexível (WALDELY; VIRGENS; ALMEIDA, 2014, p. 127). Com o objetivo de complementar a Declaração de Cartagena, a Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas forneceu mais uma compreensão inovadora acerca da proteção específica de deslocados internos ao afirmar que o deslocamento é causado principalmente pela violação de Direitos Humanos, reconhecendo claramente convergências entre os sistemas internacionais de proteção da pessoa humana e enfatizando sua natureza complementar (BARRETO; LEÃO, 2010, p. 45). Outro documento também importante no que diz respeito à promoção do refúgio é a Resolução n. 428 (V), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1950, a qual, por sua vez, tem como anexo o Estatuto que constitui o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Nos termos deste Estatuto, o ACNUR tem a função de garantir a proteção internacional dos refugiados que se enquadram no âmbito da sua competência. Além disso, o Estatuto Constitutivo do ACNUR estabelece que: O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, atuando sob a autoridade da Assembleia Geral, assumirá a função de proporcionar proteção internacional, sob os auspícios das Nações Unidas, aos refugiados que reúnam as condições previstas no presente Estatuto, e de encontrar soluções permanentes para o problema dos refugiados, ajudando os Governos e, sujeito a aprovação dos Governos interessados, as organizações privadas, a fim de facilitar o repatriamento voluntário de tais refugiados ou a sua integração no seio de novas comunidades nacionais. No exercício das suas funções, especialmente se surgir alguma dificuldade a esse respeito, por exemplo, qualquer controvérsia relativa ao estatuto internacional dessas pessoas, o Alto Comissariado solicitará a opinião de um comitê consultivo105 em assuntos de refugiados, se tal comitê for criado (grifos do autor). O ACNUR, portanto, no exercício de sua função administrativa, procura garantir o direito deste grupo e viabilizar a concretização da dimensão migratória da sistemática protetiva da diversidade no âmbito internacional. 105No Brasil, de acordo com o Estatuto constitutivo do ACNUR, criou-se o CONARE (Comitê Nacional para Refugiados) posteriormente abordado neste capítulo. 90 No que se refere ao Direito Internacional dos Refugiados, vale apontar ainda que em 19 de setembro de 2016, Chefes de Estado e de Governo reuniram-se para discutir, a nível global, na Assembléia Geral da ONU, questões relacionadas à migração e aos refugiados, adotando-se a Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes, e reconhecendo a necessidade de uma abordagem abrangente da mobilidade humana e uma cooperação global reforçada sobre o assunto (IOM, 2017). A Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes contém compromissos para abordar as questões que se enfrentam agora em termos de refúgio, bem como para preparar o mundo para desafios futuros; servindo como um instrumento importante para inserir o refúgio dentro de uma sistemática protetiva da diversidade. Sendo assim, o texto internacional entende que seja dever dos Estados: proteger os Direitos Humanos de todos os refugiados e migrantes, independentemente do status; incluir uma perspectiva de gênero ao conceito de refúgio; certificar-se de que todas as crianças refugiadas e migrantes estejam recebendo educação dentro de alguns meses da chegada; prevenir e responder à violência sexual e de gênero; apoiar os países que resgatam, recebem e hospedam um grande número de refugiados e migrantes; trabalhar para acabar com a prática de detenção de crianças para fins de determinação do status de migração; condenar fortemente a xenofobia contra refugiados e migrantes e apoiar uma campanha global para combater isso; fortalecer as contribuições positivas feitas pelos migrantes para o desenvolvimento econômico e social em seus países de acolhimento; melhorar a prestação de assistência humanitária e de desenvolvimento aos países mais afetados, inclusive através de soluções financeiras multilaterais inovadoras, com o objetivo de fechar todas as lacunas de financiamento; implementar uma resposta abrangente para os refugiados, com base em um novo quadro que estabeleça a responsabilidade dos Estados Membros, dos parceiros da sociedade civil e do sistema das Nações Unidas, sempre que houver um grande movimento de refugiados ou uma situação prolongada de refugiados; encontrar novas casas para todos os refugiados identificados pelo ACNUR como necessitando de reassentamento; expandir as oportunidades para que os refugiados se mudem para outros países através, por exemplo, de mobilidade laboral ou de esquemas de educação; e fortalecer a governança global da migração106 (IOM, 2017). 106O conceito de “governança global de migração” refere-se à descentralização do poder para se promover migrações humanitárias. Este conceito conversa fortemente com o princípio da proteção da diversidade humana, porque entende que para proteger esta diversidade é necessária a participação de diversos atores. Sendo assim, convoca-se não somente Estados, as Nações Unidas ou Organizações Internacionais para a construção de conceitos migratórios humanitários e para articulação de políticas pública, mas também toda a sociedade civil, inclusive organizações não-governamentais (DIREITO INTERNACIONALq, 2017). 91 A Declaração de Nova Iorque também contém planos concretos sobre como desenvolver esses compromissos e, portanto, faz os seguintes apontamentos para o futuro: realizar negociações levando a uma conferência internacional e a adoção de um Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, em 2018; desenvolver um conjunto de princípios e abordagens comuns aos Estados; desenvolver diretrizes sobre o tratamento dos migrantes em situações vulneráveis; e alcançar uma partilha mais equitativa do ônus e da responsabilidade de hospedar e apoiar os refugiados do mundo, adotando um pacto global sobre refugiados em 2018 (IOM, 2017). Sobre a edição do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, aponta-se: (...) iniciou-se a elaboração de um novo Pacto Global para os Refugiados, intitulado de Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular. Esse novo Pacto, a ser adotado no ano de 2018, visa que os Estados membros da ONU e da Organização Internacional para Migrações (OIM) se centrem mais na solução do que no problema, como vem ocorrendo atualmente. Para tanto, entre outras medidas, objetiva-se criar uma nova agenda com o escopo de disponibilizar recursos materiais, financeiros e de pessoal para o auxílio dos refugiados (...) (BERTONCELLO; SANTOS, 2017, p. 340). Sendo assim, o Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular foi editado com o objetivo de colaborar com uma construção de proteção da diversidade humana107, levando em consideração diferentes identidades que ainda são invisíveis aos textos internacionais. Ele foi o primeiro acordo global sobre uma abordagem comum para a migração internacional em todas as suas dimensões. Embora não seja juridicamente vinculativo, baseia-se em valores de soberania do Estado, compartilhamento de responsabilidade, não discriminação e Direitos Humanos. Além disso, estabelece objetivos para melhor gerenciar a migração nos níveis local, nacional, regional e global108. Neste mesmo sentido, ainda no que se refere ao Direito Internacional dos Refugiados, pelo menos em termos de soft law109, vale apontar que as migrações são colocadas como 107Esta inserção em uma sistemática protetiva da diversidade é, contudo, limitada, uma vez que embora se autodeclare um pacto com perspectiva de gênero aborda o termo “gênero” como sinônimo de mulheres (heterossexuais/heteroafetivas). Essa perspectiva queer da definição de gênero será mais aprofundada no capítulo 3 desta tese, bem como a resistência dos instrumentos jurídicos adotarem esta perspectiva. 108Dessa forma, lamenta-se a decisão do governo brasileiro de não aderir ao Pacto; o que coloca em situação de maior vulnerabilidade não somente os refugiados e migrantes que vêm ao Brasil, mas os milhões de migrantes brasileiros que estão pelo mundo. 109Sobre soft law (ou direito flexível), trata-se de termo que consiste no conjunto de normas que não ostentam caráter jurídico vinculante, mas orientam condutas no plano de Direito Internacional. Trata-se, portanto, de intenção de compromisso que, se descumprido, não pode ser exigido da parte declarante. Essa espécie de norma funciona como um programa de ação e orienta a elaboração de normas de Direito Internacional (GONÇALVES, 2016, p. 31). 92 objetivos do Desenvolvimento Sustentável, sendo, portanto, inseridas na Agenda 2030, conforme já verificado no primeiro capítulo desta tese. 2.2 DISCUTINDO O DIREITO NACIONAL DOS REFUGIADOS No Brasil, a Lei n. 4.474, de 22 de julho de 1997, conhecida como Lei do Refúgio, bem como a Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017, conhecida como Lei de Migração, constituem os principais diplomas jurídicos que tutelam a questão. Sobre a integração do sistema internacional de proteção dos refugiados e do sistema nacional de proteção, Casagrande (2017, pp. 136-137) ensina que: A premissa do estudo transistêmico do Direito desafia a tendência de concepção do Direito unicamente como o Direito Positivo estatal, que regula relações sociais dentro do Estado e congrega a implementação interna de direitos universais e regras padronizadoras estabelecidas pela comunidade internacional. O estudo transistêmico do Direito encoraja as análises dos sistemas jurídicos com foco na solução de problemas com uma miríade de soluções complementares guarnecidas por tradições jurídicas e formas de expressão do Direito, nesse caso do Direito Internacional e do Direito Interno dos Estados de acolhimento. Propõe-se aqui uma ponderação de que a efetiva proteção dos refugiados apenas se materializa com a combinação da aplicação adequada e complementar do Direito Interno dos Estados de acolhimento e do Direito Internacional em toda sua diversidade estruturante Ou seja, articular sistemas de proteção complementares é alternativa para que se garanta a proteção mais eficiente dos referidos grupos. A Lei de Migração, funcionando como mecanismo fundamental para essa articulação, em seu art. 3º, institui a Política Nacional de Migração e estabelece que é regida pelos seguintes princípios: universalidade, indivisibilidade e interdependência dos Direitos Humanos; repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; não criminalização da migração; não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional; promoção de entrada regular e de regularização documental; acolhida humanitária; desenvolvimento econômico, turístico, social, cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil; garantia do direito à reunião familiar; igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares; inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas; acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social; promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante; diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante; fortalecimento da integração 93 econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas; cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos Direitos Humanos do migrante; integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço; proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante; observância ao disposto em tratado; proteção ao brasileiro no exterior; migração e desenvolvimento humano no local de origem, como direitos inalienáveis de todas as pessoas; promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil, e repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas. Trata-se, portanto, de lei programática que ao mesmo tempo que declara direitos muito importantes, tem fortes desafios na sua implementação tendo em vista sobretudo a precariedade de alguns serviços públicos no país para a efetivação dos referidos direitos. Além dos referidos princípios concernentes à Política Nacional de Migração, a Lei de Migração declara em seu art. 4º os seguintes direitos dos migrantes: à condição de igualdade com os nacionais; à inviolabilidade do direito à vida; o direito à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos; direito à liberdade de circulação em território nacional; direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes (em respeito ao princípio da unidade familiar); medidas de proteção a vítimas e testemunhas de crimes e de violações de direitos; direito de transferir recursos decorrentes de sua renda e economias pessoais a outro país; direito de reunião para fins pacíficos; direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos; direito ao acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; isenção das taxas110, mediante declaração de hipossuficiência econômica; direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados 110Vale ressaltar que em palestra na Procuradoria Regional da República em 20 de junho de 2017, a defensora pública da união, Fabiana Calero Severo, titular do terceiro ofício de migrações pelo Estado de São Paulo, apontou que a isenção de taxas embora possa parecer disposição de natureza secundária, trata-se de conquista importante, uma vez que por falta de disposição legal específica (bem como pelo fato de não se entender que migrantes devem ter o mesmo direito dos cidadãos nacionais) a defensoria pública teve o pedido negado em diversas que fez a referida solicitação (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2017). 94 pessoais do migrante; direito à abertura de conta bancária; direito de sair, de permanecer e de reingressar em território nacional, mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autorização de residência; e o direito do imigrante de ser informado sobre as garantias que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória. Pautando-se, portanto, nos referidos princípios e direitos declarados, a Lei de Migração estabelece uma série de medidas a serem adotadas para que tais direitos possam ser concretizados, sendo elas: a edição de vistos temporários para acolhida humanitária que poderão ser concedidos ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de Direitos Humanos ou de Direito Internacional Humanitário (art. 14); a hipótese de concessão de visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar em respeito ao princípio da unidade familiar (art. 34); bem como a garantia de amplo acesso aos serviços públicos brasileiros. Sendo assim, percebe-se o quanto a referida lei é importante no avanço da promoção dos Direitos Humanos e na inserção do país em uma sistemática própria de proteção da diversidade, muito embora ela tenha sofrido alguns vetos significativos por parte da presidência da república da época. Sobre os vetos em questão, vale ressaltar: a previsão de anistia para quem entrou no Brasil até julho de 2016; a possibilidade do migrante exercer cargo, emprego e função pública, excetuados aqueles reservados para brasileiro nato, nos termos da Constituição111; a concessão automática de residência no país a aprovados em concursos públicos; a dispensa de prova documental impossível ou descabida que dificultasse ou impedisse o exercício de direitos; a livre circulação de povos indígenas e populações tradicionais em terras ocupadas por seus ancestrais (tendo a Casa Civil utilizado argumento de segurança nacional para tanto); a concessão de visto ou autorização de residência para fins de reunião familiar, que poderia ser estendida para outras hipóteses de parentesco, dependência afetiva e fatores de sociabilidade (alegando-se que seria maneira de facilitar o tráfico internacional de crianças); e a dispensa do serviço militar aos naturalizados que já tenham cumprido suas obrigações militares no país de origem (MIGALHAS, 2017). Todavia, vale ressaltar também que a essência da legislação, mesmo com os vetos, foi mantida e ainda assim constitui uma 111De acordo com o art. 12, § 3º da Constituição brasileira, são privativos de brasileiro nato (não podendo ser exercidos nem mesmo por brasileiros naturalizados) os cargos: de Presidente e Vice-Presidente da República; de Presidente da Câmara dos Deputados; de Presidente do Senado Federal; de Ministro do Supremo Tribunal Federal; da carreira diplomática; de oficial das Forças Armadas; e de Ministro de Estado da Defesa. 95 legislação pró-migração e que coloca o migrante como sujeito de direitos assim como qualquer outro nacional brasileiro em respeito a princípio constitucional da igualdade. A Lei do Refúgio, por sua vez, que trata especificamente deste grupo objeto de análise da presente tese, reafirma os direitos proferidos na Convenção de Genebra e no Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados. Importante salientar que, conforme Casagrande (2017, p. 143): A Lei do Refúgio completou vinte anos em 2017, e a busca por proteção e acolhimento no Brasil tem aumentado exponencialmente desde a sua promulgação. O Brasil representa futuro viável para muitos solicitantes de refúgio e deve, portanto, fazer frente aos desafios que essa escolha de acolhimento fiduciário representa. Nesse contexto, a proposta teórica e as práticas descritas buscam demonstrar a relevância do diálogo constante e da necessária implementação transistêmica complementar de normas e diretrizes internacionais e internas como fundamento para a proteção dos refugiados e sua efetiva cidadania. Corroborando esse entendimento, a Lei do Refúgio, em seu art. 11, institui o Comitê Nacional para os Refugiados - CONARE, órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da Justiça do Brasil. Além disso, a Lei do Refúgio em seu art. 12 estabelece que compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de Direito Internacional dos Refugiados: analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado; decidir a cessação, em primeira instância, de ofício ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado; determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado; orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados; aprovar instruções normativas esclarecedoras. Sendo assim, percebe-se a existência do CONARE enquanto órgão executivo, regulamentador e consultivo vinculado ao Ministério da Justiça. Importante salientar também, a título exemplificativo, que, a partir de 2009, foram criados órgãos estaduais em alguns estados – Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro – responsáveis pela formulação de planos estaduais de políticas públicas de acolhimento em harmonia com a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, e o Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, com a Lei do Refúgio brasileira de 1997 e com os Programas Nacionais de Direitos Humanos a fim de se promover a integração local a médio e longo prazos (CASAGRANDE, 2017, pp. 142-143). As organizações da sociedade civil também têm desenvolvido importante papel no que se refere ao acolhimento e integração desses grupos no país. A Cáritas (2017), por exemplo, 96 criou centros de acolhidas de refugiados e procura inseri-los em cursos de idiomas, encontrar empregos, além de os auxiliar no acesso aos serviços públicos do país. Portanto, o sistema de proteção aos refugiados brasileiro parece dialogar bem com o sistema internacional e de proteção aos refugiados e caminhar no sentido de proteger identidades plurais colaborando com a proteção da diversidade. Todavia, questiona-se se o arcabouço jurídico já elaborado, de fato, consegue ser efetivo para não esquecer de todas as identidades vulneráveis. Sendo assim, verifica-se por meio de recorte metodológico se esses sistemas de proteção são eficazes no que diz respeito à proteção sob a perspectiva dos gêneros. 2.3 LEVANTAMENTO DE DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS DOS GÊNEROS PELO MUNDO Se o refúgio já, por si só, suscita debates, há ainda mais polêmica em uma questão a ser discutida: olhar o refúgio sob a perspectiva das Teorias de Gênero. Refletindo sobre a questão de gênero, Suzete Carvalho (2015, p. 805) entende que: A História e a Filosofia, substantivos femininos, são, na realidade, questões masculinas. Escritas por homens, para homens, a respeito de homens e de suas próprias realizações e questionamentos “superiores”. Consequentemente, assim é a História da Filosofia, construída pelos homens, em que a mulher é vista como essencial – mera circunstância – ou “fator secundário da sua espécie” em um mundo androcentrado. Neste mesmo sentido, Catharinne MacKinnon (1989, p. 16, tradução do autor112) exemplifica a citação de Suzete de Carvalho quando tece considerações sobre a Teoria Marxista e seu ponto de vista no que diz respeito às questões do trabalhador em diversas passagens da sua obra, como, por exemplo, a transcrita a seguir: “O homem trabalhador que previamente vendeu sua própria força de trabalho agora vende sua esposa e filha, além de tudo. Eles não se vendem, eles as vendem”. Ou seja, a Teoria Marxista tradicional, ao discutir a exploração dos trabalhos pelo capital (o que é uma discussão muito importante), não parece ter pressuposto seres humanos sendo explorados (considerando as suas individualidades de gênero), mas homens heterossexuais/heteroafetivos sendo explorados. Sendo assim, percebe-se que o mesmo parece acontecer quando se discute sobre fluxos migratórios: imagina-se somente homens (heterossexuais/heteroafetivos) migrando. Todavia, as peculiaridades daqueles que migram 112Texto original em inglês: “(…) the working man who had previously sold his own labor power "now sells his wife and child "in addition. They do not even sell themselves; he sells them” (MACKINNON, 1989, p. 16). 97 (sendo a causa da saída do local de emigração um motivo relacionado a gênero ou não) precisam levar em consideração as nuances de cada identidade. Trata-se, portanto, de colorir113 o conceito de “refúgio”, porque somente um conceito de refúgio pautado sob a perspectiva dos gêneros parece dar conta de realmente proteger identidades. Do mesmo modo, parece que tanto o Direito Internacional dos Refugiados quanto o Direito Nacional dos Refugiados embora, conforme demonstrado, procurarem proteger diversas identidades por meio da migração pouco se atentaram às nuances do ato de migrar em matéria de gênero. Todavia, há diversas migrações que acontecem justamente por conta de questões envolvendo esta temática e por falta de disposições jurídicas a comunidade internacional desdobra-se para lidar com a situação. Para se demonstrar migrações que acontecem justamente por conta de motivos envolvendo questões de gênero, extraiu-se do site Vidas Refugiadas114 (2017) alguns depoimentos de mulheres, hoje refugiadas no Brasil, que contam um pouco desta realidade e sobre as razões identitárias que as levaram a tomar essa atitude perante a vida. Sylvie é a primeira refugiada a compartilhar suas experiências. Ela casou-se, ainda jovem, com um militante político que lutava contra o violento regime ditatorial, instalado na República Democrática do Congo (RDC) e, com ele, teve seus filhos. Nas palavras de Sylvie: “[na República Democrática do Congo] o medo de morrer é consequência direta de uma política de Estado conturbada, violenta e opressora” (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Quando recebeu, pelo telefone, a notícia da prisão arbitrária do marido, soube que precisava fugir do país, porque toda sua família havia sido colocada em real perigo de vida. Dessa forma, Sylvie embarcou no porão de um navio e, por não ver a luz do sol, nunca soube dizer quantos dias durou sua viagem. Ela e os filhos foram alimentados com biscoitos e beberam a água que os tripulantes traziam até chegar no porto de Santos, litoral paulista (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Alice também compartilhou sua história no referido projeto. Ela nasceu em uma família poligâmica e vivia sob a proteção do seu pai e a primeira esposa dele, já que as outras esposas não tinham direito de guarda sob seus filhos. Estava na Costa do Marfim quando a guerra civil eclodiu no país em setembro de 2002 e, por isso, foi obrigada a regressar ao seu país de origem, 113Entre janeiro e março de 2017 estive na Univeristy of Miami, Estados Unidos, onde tive a oportunidade de cursar uma cadeira cujo nome era Queering the American Dream: LGBT migration from Latin America to South Florida, na qual tive contato com a Teoria Queer. Como não há uma tradução para queer tenho usado o verbo colorir para demonstrar o quão necessário é trazer a perspectiva de gênero para conceitos que aparentemente são neutros, mas contém valores e pressupostos masculinos e heteronormativos. Importante salientar também que sobre Teoria Queer e Teorias de Gênero haverá uma abordagem mais aprofundada no terceiro capítulo desta tese. 114O site Vidas Refugiadas torna público o projeto Vidas Refugiadas que tem como objetivo compartilhar a história de mulheres que migraram para o Brasil por conta de questões relacionadas ao seu gênero (VIDAS REFUGIADAS, 2017). 98 Burkina Faso, para concluir os estudos em secretariado, profissão permitida para mulheres. Ela, todavia, começou a ter aulas de teatro, escondida da sua família e depois reconheceu-se enquanto jovem feminista, começando a questionar o papel reservado às mulheres nas sociedades africanas (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Quando seu pai descobriu o segredo que Alice escondia, obrigou-a a se casar com um homem de 60 anos, na esperança de que esse matrimônio fosse salvar seu futuro. Filhas mulheres não podem desobedecer às ordens dadas por seus pais sem serem banidas do núcleo familiar que, em muitos países, é sua única proteção diante de um Estado ausente (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Sendo assim, com medo das consequências, teve que migrar. No que se refere à sua história, Alice aponta que Na África, os pais ainda não entenderam que os filhos precisam exercer sua liberdade de escolha e, por isso, homens mais velhos se casam com meninas mais novas (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Vilma, estudante, nacional de Angola, solicitante de refúgio no Brasil, também deu depoimento ao projeto Vidas Refugiadas e, do qual se destaca os seguintes trechos: Viver em Angola é frustrante, a corrupção é muito forte e a liberdade de expressão não existe. A intenção do governo de Angola não é matar você, ele quer te torturar para mostrar quem manda no país (VIDAS REFUGIADAS, 2017). No caso de Vilma, ela começou a ser perseguida pelo governo, assim como muitos outros estudantes da sua escola que acabaram sendo presos ou desaparecendo no mesmo período. Um dos motivos dessas perseguições e desaparecimentos estava no fato de se oporem às políticas do governo naquele país sobretudo no que diz respeito às diferenças de gênero (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Dessa forma, ela também precisou migrar e vir para o Brasil reconstruir a sua vida. Jeanete, por sua vez, casada e mãe de 4 filhos, solicitante de refúgio no Brasil, deu também depoimento ao projeto Vidas Refugiadas e, deste depoimento, destacou-se a seguinte passagem: “Eu precisei fugir, porque quando meu dia chegasse, meu pai iria ter que fazer a lei mulçumana valer e me matar. Eu já não dormia” (VIDAS REFUGIADAS, 2017, não paginado). Jeannete é uma das filhas de um grande Imã (líder islâmico), tendo sido dada em casamento aos 14 anos, como quarta esposa de um homem muçulmano, com quem teve quatro filhos. Depois da morte do seu primeiro marido, Jeannete retornou ao lar do seu pai, levando seus filhos, e começou a trabalhar com compra e venda de tecidos para manter sua família (VIDAS REFUGIADAS, 2017). 99 Alguns anos depois, durante uma das suas viagens de negócios pelo país, Jeannete conheceu um homem cristão e se apaixonou por ele. Sabendo que aquela relação entre religiões distintas jamais seria aceita pela sua família, eles decidiram se casar secretamente e mantiveram a relação em silêncio. Essa união foi, contudo, descoberta e certa noite, quando Jeannete disse que iria a uma viagem de trabalho e foi se encontrar com o marido, durante a noite, enquanto estavam dormindo, seus familiares, liderados pelo seu pai, invadiram sua residência e arrancaram os dois da casa aos tapas e pontapés (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Ambos foram espancados em praça pública, gerando um grande constrangimento, além das cicatrizes que carrega até hoje, conforme relato. Além da tortura física, a casa do casal foi completamente queimada e Jeannete testemunhou, em pé, seu marido ser enterrado vivo. Na sequência, ela foi arrastada de volta para a casa dos pais de onde fugiu por medo de ser assassinada conforme as leis religiosas seguidas por sua família (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Mayada, professora de francês, ex-diretora de departamento da Universidade de Damasco, Síria115, casada e mãe de duas adolescentes, também deu depoimento ao projeto Vidas Refugiadas e, deste depoimento destacou-se o seguinte trecho: Não quero que minhas filhas cresçam em uma cultura de guerra, onde podemos morrer a qualquer momento e em qualquer lugar. Ajudem as mulheres refugiadas a ficarem com seus filhos (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Mayada relata que em tempos de guerra atitudes machistas como estupros, por exemplo, tornam-se mais constantes. Pensando sobretudo em suas filhas, decidiu migrar (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Jonathan, por sua vez, é professora de inglês e lecionava como missionária em uma escola mista (para meninos e meninas), localizada no norte da Nigéria. Todavia, com a invasão do grupo terrorista Boko Haram na região, a educação de meninas passou a ser proibida e mais de 200 crianças do gênero feminino foram sequestradas pelo grupo, forçando, assim, o fechamento das escolas locais (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Jonathan educava meninas em segredo, sendo depois de algum tempo descoberta e perseguida por aqueles que queriam implementar o Estado Islâmico no país. Das 15 professoras 115Importante apontar que a República Árabe Síria, com uma posição estratégica no Oriente Médio, enfrenta, desde março de 2011, uma guerra civil que já deixou pelo menos 500 mil mortos, destruiu a infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária regional (O GLOBO, 2018). O início da guerra deu-se quando os protestos, conhecidos como Primavera Árabe, serviram de inspiração e exemplo para ativistas e civis desafiarem a ditadura no comando do país. O presidente Assad recusou-se a renunciar, embora tenha concedido em algumas questões, como, por exemplo, o encerramento do estado de emergência, a promulgação de uma nova Constituição e, além disso, realizou eleições multipartidárias, mas a oposição continuou combatendo e exigindo sua queda (FURTADO; RODER; AGUILAR, 2014, p. 1). 100 que trabalhavam na mesma escola que Jonathan, apenas 5 sobreviveram para relatar as atrocidades praticadas contra as mulheres e meninas nigerianas. Para sobreviver, ela relata que precisou fugir por uma floresta fechada por 4 dias e 4 noites (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Sobre a situação que passou ela lembra que: Bombas eram colocadas dentro de ônibus aleatórios, qualquer som forte me apavorava e era difícil me concentrar no trabalho, em razão do medo constante que sentia (VIDAS REFUGIADAS, 2017). Além de depoimentos que versam sobre o assunto, há dados estatísticos que demonstram o quanto o simples fato de ser mulher é muito perigoso em alguns países. O mapa a seguir (MAPLECROFT, 2017), por exemplo, foi elaborado para demonstrar onde é mais perigoso ser mulher ou menina: Mapa n. 3: Trata-se de mapa divulgado pela empresa de cartografia Maplecroft, empresa especializada em cartografar questões humanitárias e políticas pelo mundo. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde é mais perigoso ser mulher ou menina, posteriormente, os países coloridos em laranja, amarelo e verde indicam os níveis de perigo em ordem decrescente. Importante salientar também que este estudo cartográfico foi realizado em 2011. Neste mesmo sentido, foi elaboro um mapa específico sobre índices de violência sexual contra mulheres pelo mundo (MAPLECROFTb, 2017). Este mapa também demonstra o quanto 101 a identidade feminina compromete a existência digna de um ser humano. Sendo assim, compartilha-se o referido mapa para fins de análise: Mapa n. 4: Trata-se de mapa divulgado pela empresa de cartografia Maplecroft, empresa especializada em cartografar questões humanitárias e políticas pelo mundo. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde há mais índices de violência sexual contra mulheres ou meninas, posteriormente, os países coloridos em laranja, amarelo e verde indicam os graus de perigo em ordem decrescente. Importante salientar também que este estudo cartográfico foi realizado em 2013. Além desses mapas também vale citar o relatório Women, Business and Law 2016, emitido pelo World Bank (2017), que, por sua vez, demonstra que países no mundo possuem legislações que de alguma forma impossibilitam as mulheres de prosperarem economicamente. As legislações em questão geralmente impedem que as mulheres sejam alfabetizadas, frequentem uma universidade, exerçam determinadas profissões, divorciem-se ou fiquem com a guarda de seus filhos em um divórcio. Além disso, algumas dessas legislações também institucionalizam a violência doméstica enquanto direito dos homens, possibilitando que seus maridos e pais reprendam suas parceiras e filhas com castigos físicos, torturas e até mesmo quebrando seus ossos. 102 Um exemplo de país que adota algumas legislações nesse sentido é a Arábia Saudita, no Oriente Médio. Sobre o referido país, a biblioteca de Washington, nos Estados Unidos, editou o livro Saudi Arabia a Country Study, no qual se faz uma análise de diversos dispositivos legais da Arábia Saudita e se demonstra que mulheres adúlteras são punidas com pena de morte por apedrejamento. Todavia, o relatório Women, Business and Law 2016 demonstra que ao total são 155 países no mundo que possuem legislações nesse sentido. Diante destes fatos e de omissão jurídica116 no que se refere a este assunto, o ACNUR (2017, p. 80, grifo do autor) tem-se manifestado no sentido de que: Não existe um significado jurídico próprio do termo “perseguição baseada no gênero”. Ele costuma ser utilizado para se referir a uma série de diferentes solicitações nas quais o gênero é um fator importante para a análise da condição de refugiado. Essas Diretrizes focam especificamente na interpretação da definição de refugiado contida no Artigo 1A(2) da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados (a seguir denominada “Convenção de 1951”) a partir de uma perspectiva de gênero, bem como propõem algumas práticas procedimentais para assegurar que as solicitações de mulheres serão analisadas de maneira adequada nos procedimentos de determinação da condição de refugiado e que as variadas solicitações relacionadas ao gênero serão reconhecidas como tal. Ou seja, o ACNUR (2017, p. 80) reconhece a falha do texto internacional em não afirmar estas identidades e, dessa forma, em suas Conclusões de Outubro de 1999, n. 87 (n), o seu Comitê Executivo entendeu a necessidade de apreciação de perspectivas de gênero nas políticas de refúgio, regulações e práticas. A Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes, conforme já verificado, procurando se inserir mais fortemente dentro de uma sistemática protetiva da diversidade, procura corrigir a omissão da Covenção de Genebra e incorporar a referida perspectiva conforme verificado em seu parágrafo 31: 31. Vamos assegurar que nossas respostas aos grandes movimentos de refugiados e migrantes incorporarão uma perspectiva de gênero, promoverão a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, bem como respeitarão e protegerão plenamente os direitos humanos das mulheres e meninas. Combateremos a violência sexual e de gênero. Daremos acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva. Abordaremos formas múltiplas e intersesccionais de discriminação contra refugiadas e mulheres e meninas migrantes. Ao mesmo tempo, reconhecendo a contribuição significativa e liderança de mulheres em comunidades de refugiados e migrantes, trabalharemos para assegure sua participação plena, igual e significativa no desenvolvimento de soluções e oportunidades. Levaremos em consideração as 116A omissão jurídica apontada refere-se ao fato de que não existe texto legal, tratado ou legislação brasileira, que reconheça esta espécie de perseguição. As únicas posições sobre o assunto estão em manuais procedimentais editados pelo ACNUR. Esta discussão será mais aprofundada no capítulo 3 desta tese. 103 diferentes necessidades, vulnerabilidades e capacidades de mulheres, meninas, meninos e homens (grifos do autor, tradução do autor117). Ainda sob a perspectiva dos gêneros, vale ressaltar que questões envolvendo orientações sexuais também impedem que identidades divergentes das hegemônicas sobrevivam em determinados países. Neste sentido, faz-se interessante também analisar o mapa a seguir, divulgado pelo World Economic Forum118 (2007): 117Texto original em inglês: “We will ensure that our responses to large movements of refugees and migrants mainstream a gender perspective, promote gender equality and the empowerment of all women and girls and fully respect and protect the human rights of women and girls. We will combat sexual and gender-based violence to the greatest extent possible. We will provide access to sexual and reproductive health-care services. We will tackle the multiple and intersecting forms of discrimination against refugee and migrant women and girls. At the same time, recognizing the significant contribution and leadership of women in refugee and migrant communities, we will work to ensure their full, equal and meaningful participation in the development of local solutions and opportunities. We will take into consideration the different needs, vulnerabilities and capacities of women, girls, boys and men” (DIREITO INTERNACIONALq, 2017). 118Fórum Econômico Mundial (ou FEM) é uma organização internacional baseada em Genebra e ligada às Nações Unidas. O Fórum Econômico Mundial é mais conhecido por suas reuniões anuais em Davos, Suíça, nas quais reúne os principais líderes empresariais e políticos, assim como intelectuais e jornalistas selecionados para discutir as questões mais urgentes enfrentadas mundialmente, incluindo saúde e meio-ambiente. Além disso, conforme já apontado no capítulo anterior, o Fórum Econômico Mundial também realiza uma série de estudos ao redor do mundo (WORLD ECONOMIC FORUM, 2017). 104 Mapa n. 5: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial (em inglês: World Economic Forum), uma organização internacional ligada às Nações Unidas baseada em Genebra, sendo que uma das suas principais funções é elaborar pesquisas sobre questões econômicas e humanitárias por todo o planeta. De acordo com esse mapa, os países pintados em verde são aqueles onde orientações sexuais/afetivas diversas são legais, enquanto que a cor azul escuro refere-se a países onde a homossexualidade/homoafetividade masculina é ilegal e a feminina é igualmente ilegal; já a cor azul mais clara refere-se a países onde a homossexualidade/homoafetividade masculina é também ilegal e há falta de clareza sobre a criminalização da homossexualidade/homoafetividade feminina. No que tange as outras cores, roxo, lilás, marrom escuro e marrom claro, referem-se respectivamente a países onde orientações sexuais/afetivas não-hegemônicas são ilegais e punidas com penas pontuais (em caráter residual, como multa, por exemplo), prisão, prisão perpétua (ou prisões que duram toda uma vida) e pena de morte. Importante salientar também que este estudo cartográfico foi realizado em 2016. Ou seja, dentre os 194 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas, 71 deles criminalizam orientações sexuais/afetivas não-hegemônicas, punindo-as com multas, prisões (inclusive perpétuas) e penas de morte (ILGA, 2017, pp. 37-40). O mapa acima também pode ser mais detalhado pelo quadro elaborado pela Organização Ilga (2017, pp. 37-40) a seguir: 105 PAÍSES QUE CRIMINALIZAM AS ORIENTAÇÕES SEXUAIS/AFETIVAS NÃO-HEGEMÔNICAS África Gênero objeto da Ano de edição do País Dispositivo legal legislação dispositivo Código Penal: arts. Argélia ambos 1996 333, 333bis e 338. Código Penal: arts. Angola ambos 1886 70,071 (4). Código Penal: arts. Botswana ambos 1864 164, 165 e 167. Código Penal: art. Burundi ambos 2009 567. Código Penal: art. Camarões ambos 1965 347-1. Código Penal: art. Cômoros ambos 1981 318. Código Penal: art. Eritreia ambos 1957 600. Código Penal: arts. Etiópia ambos 1957 629, 630. Código Criminal: Gambia ambos 1965/2014 arts. 144, 144A, 147(2). Código Criminal: Gana ambos 1960 arts. 99, 104. Código Penal: art. Guinea ambos 1988 325. Código Penal: Kenya ambos 1948 Seção 162. Lei Penal: art. Libéria ambos 1978 14.74. Lei n. 70 de 1976 emendando os arts. Líbia ambos 1976 407 e 408 do Código Penal de 1953. Código Penal: Malauí ambos 1930 seções 153, 137A. Código Penal: arts. Mauritânia ambos 1983 333, 333bis e 338. Código Penal: Mauritius masculino 1838 seção 250. Código Penal: art. Marrocos ambos 1962 489. Decisões Namíbia masculino jurisprudenciais 106 Código Criminal: Nigéria ambos 1990 seções 214, 215 e 217. Código Penal: art. Senegal ambos 1965 319(3). Ato de ofensas às Serra Leoa masculino 1861 pessoas: seção 61. Código Penal: art. Somália ambos 1962 409. Ásia Gênero objeto da Ano de edição do País Dispositivo legal legislação dispositivo Código Penal: art. Afeganistão ambos 1976 427. Código Penal: Bangladesh masculino 1860 seção 377. Código Penal: Butão masculino 1959 seção 213. Código Penal: Brunei Darussalam masculino 1951 seção 377. Código Criminal Gaza masculino 1936 Ordinário 74: seção 152. Código Penal: Índia masculino 1860 seção 377. Somente em duas Indonésia ambos províncias. Código Penal Irã ambos 2013 Islâmico: arts. 233- 241. Código Penal: art. Iraque ambos 1969 404. Código Penal: art. Kuait masculino 1960 193. Código Penal: arts. Líbano masculino 1943 209, 532, 534. Código Penal: Malásia ambos 1976 Seção 377A. Código Penal: arts. Maldivas ambos 1976 410, 411 e 412. Código Penal: Myanmar masculino 1860 Seção 377. Código Penal: arts. Oman masculino 1974 33, 223. Código Penal: Paquistão masculino 1860 Seção 377. Não consta na Arábia Saudita ambos Sura: 7:80/81 planilha 107 Código Penal: Singapura masculino 1872 Seção 377A. Código Penal: arts. Siri Lanka ambos 1885 365, 365A. Código Penal: art. Síria ambos 1949 50. Código Penal: art. Senegal ambos 1965 319(3). Código Criminal: Turquemestão masculino 1997 art. 135. Código Penal: art. Somália ambos 1962 409. Código Penal: art. UAE ambos 1987 356. Código Criminal: Uzerbaijão masculino 1994 art. 120. Código Penal: arts. Iêmen ambos 1984 264, 268. Américas Gênero objeto da Ano de edição do País Dispositivo legal legislação dispositivo Ato de Ofensas Antigua e Barbuda ambos 1995 Sexuais (Ato n. 9): seções 12 e 15. Ato de Ofensas Barbados ambos 1992 Sexuais: capítulo 154, seções 9 e 12. Ato de Ofensas Dominica ambos 1998 Sexuais : seções 14 e 16. Código Criminal: Grenada masculino 1993 seção 431. Ato de Ofensas Contra a Pessoa: Jamaica masculino 1864 seções 76, 77, 78 e 79. Ato de Ofensas São Kitts e Navis masculino 1873 Contra a Pessoa: seções 56 e 57. Código Criminal: Santa Lucia ambos 2005 seções 56 e 57. São Vicente e Código Criminal: ambos 1990 Grenadines seções 146, 148. Ato Contra Ofensas Trindade e Tobago ambos 1986 Sexuais 1986: seções 13 e 16. 108 Oceania Gênero objeto da Ano de edição do País Dispositivo legal legislação dispositivo Ato dos Crimes de Ilhas Cook masculino 1969 1969: seções 154 e 155. Código Pebal: Kiribati ambos 1977 seções 153 e 154. Código Criminal: Papua Nova Guiné masculino 1974 seções 210 e 212. Ato dos Crimes: Samoa masculino 2013 seções 67, 68, 71. Código Penal: Ilhas de Solomão ambos 1996 seções 160, 161 e 162. Ato de ofensas criminais: seções Tonga ambos 1988 136, 139, 140 e 142. Código Penal: Tuvalu masculino 1978 seções 1453, 154,155. Quadro n. 1: Trata-se de quadro traduzido e adaptado pelo autor desta tese sobre os países onde se criminaliza orientações sexuais/afetivas não-hegemônicas demonstrando os dispositivos legais de cada legislação de cada país. Esse quadro foi originalmente elaborado pela organização não-governamental Ilga, uma organização internacional de proteção dos Direitos Humanos em matéria de gênero fundada em 1978. Este quadro foi publicado em maio de 2017. Sobre estas penas de morte em questão, a organização Ilga (2017, pp. 37-40) realizou estudo resumido na seguinte planilha divulgada abaixo: 109 PAÍSES QUE PUNEM ORIENTAÇÕES SEXUAIS/AFETIVAS DIVERSAS COM PENAS DE MORTE FORMAS DE CODIFICAÇÃO ASIA AFRICA Iran Codificação pela lei da Sharia e implementação Arábia Saudita Sudão pelo resto do país. Iêmen Codificação pela lei da Sharia e implementação Somália (partes do sul) por províncias. Nigéria (12 estados) Iraque Implementação por cortes locais e atores não estatais. Territórios dominados pelo Estado Islâmico no norte da Síria e do Iraque Afeganistão Codificado pela legislação, mas não Paquistão necessariamente implementado para situações Mauritânia de fato. Qatar UAE Quadro n. 2: Trata-se de quadro traduzido e adaptado pelo autor desta tese sobre os países onde se se pune orientações sexuais não-hegemônicas com penas de morte. Esse quadro foi originalmente elaborado pela organização não-governamental Ilga, uma organização internacional de proteção dos Direitos Humanos em matéria de gênero fundada em 1978, conforme já apontado. Este quadro foi publicado em maio de 2017. Importante salientar que no que se refere a questões de identidade de gênero, há geralmente igual criminalização assim como por orientação sexual/afetiva, não se fazendo adequada diferenciação entre os termos “identidade de gênero” e “orientação sexual”. Sobre o assunto, o ACNUR (2017, p 181, grifo do autor) também reconhece a falha do texto internacional em não afirmar estas identidades e, dessa forma, entende que: Em várias partes do mundo, indivíduos vivenciam graves abusos contra os direitos humanos e outras formas de perseguição devido à sua orientação sexual e/ou identidade de gênero real ou percebida por terceiros. Apesar da perseguição a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (a seguir denominados “LGBTI”) não ser um fenômeno recente, vários países de refúgio estão conscientes de que pessoas que fogem de uma perseguição em razão da sua orientação sexual e/ou identidade de gênero podem se enquadrar no conceito de refugiado consolidado no Artigo 1A(2) da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e/ou seu Protocolo de 1967 (a seguir denominados “Convenção de 1951”). No entanto, a aplicação da definição de refugiados ainda é inconsistente nessa seara. Ou seja, além de reconhecer a falha jurídica no que se refere ao tema e reconhecer também a necessidade da proteção dos referidos grupos, percebe-se inconsistência na aplicação do refúgio nesta seara. A referida falha, inclusive, expressa-se em números em uma pesquisa realizada na qual se revela que em 2015 havia 175 milhões de pessoas LGBTTIQ+ cujas vidas estavam ameaçadas por países que criminalizam suas identidades e apenas 2.500 delas conseguiram o status de refugiados (ORAM, 2016, p. 3). Neste sentido, observar-se o seguinte gráfico: 110 Gráfico n. 1: O gráfico em questão foi elaborado pela organização não-governamental ORAM, instituição sediada em Berlim e especializada em refugiados por questões de gênero. Ele é dividido em 7 faixas: a vermelha indica que na data da pesquisa havia 175 milhões de pessoas LGBTI119 no mundo que vivem em ambientes de perseguição; a faixa laranja indica que dessas 175 milhões de pessoas, 3,5 milhões tem seu gênero ou orientação sexual identificável; a faixa amarela indica 350 mil pessoas estão sofrendo sérios riscos (como riscos de vida); a faixa verde indica que somente 30 mil pessoas tem condições de fugir para outros países e se protegerem; a faixa azul indica que somente 15 mil pessoas tem acesso aos sistemas de proteção jurídica; a faixa lilás indica que somente 7,5 mil pessoas solicitam refúgio; e a faixa roxa indica que somente 2,5 mil conseguem o status de refugiado. Importante apontar também que esta estimativa é anual. Outra fonte que demonstra o quanto milhões de seres humanos estão carentes de proteção a seguinte planilha: 119Importante apontar também que o número aumentaria consideravelmente se fossem incorporadas na pesquisa todas as identidades inseridas no termo LGBTTIQ+, além das mulheres e algumas outras masculinidades em perseguição, conforme apontado no terceiro capítulo desta tese. 111 Situação dos refugiados por questões de gênero na União Europeia Estado membro da Número estimado de solicitantes de refúgio por Fonte120 União Europeia questões de gênero Austria nenhuma solicitação encontrada Bulgaria de 50 a 100 LGBT Youth Association Dinamarca 70 LGBT Asylum Finlândia 500 HeSeta França nenhuma solicitação encontrada Alemanha 56 Fliederlich 32 (7 transgêneros e 23 Grécia Transgender Support Association homossexuais/homoafetivos) Hungria nenhuma solicitação encontrada Itália 80 MigraBo LGBTI project Países Baixos aproximandamente 1000 COC Polônia 3 Campaing against homophobia Marginal, Human Rights League, Eslováquia 0 Iniciativa Inakost Espanha nenhuma solicitação encontrada Suécia nenhuma solicitação encontrada Quadro n. 3: Trata-se de quadro traduzido e adaptado pelo autor desta tese sobre os países na Europa que receberam refugiados por questões de gênero e os enquadraram enquanto tais. Esse quadro foi originalmente elaborado pela European Union of Fundamental Rights, uma organização internacional de proteção dos Direitos Humanos, que mapeia as questões de humanitárias por toda a Europa. Este quadro foi publicado em maio de 2017. Ou seja, o quadro demonstra que de centenas de milhões de possíveis refugiados por questões de gênero, os países objeto de estudo da pesquisa receberam cerca de mil deles. Já no Brasil também se percebe omissão legislativa sobre o assunto e de acordo com a Cartilha Informativa sobre a Proteção de Pessoas Refugiadas e Solicitantes de Refúgio LGBTI (2017, p. 6), aponta-se a existência de cerca de 250 refugiados reconhecidos no Brasil por conta de sua orientação sexual/afetiva e/ou identidade de gênero. Sendo assim, percebe-se que embora o Direito dos Refugiados tenha se globalizado e tenha se construído dispositivos jurídicos que pretendem incluir e proteger identidades diversas; no que se refere aos gêneros ainda há muito que se construir, o que demonstra que o Direito dos Refugiados ainda precisa se inserir mais na noção de proteção da diversidade. Para tanto, conforme apontado anteriormente, acredita-se necessário colorir o conceito de refúgio à luz das Teorias de Gênero. 120As fontes são todas organizações não-governamentais que atuam especificamente com este público alvo. 112 3. UM REFÚGIO PARA TODOS OS GÊNEROS: COLORINDO CONCEITOS Percebendo-se a questão do refúgio sob o prisma dos gêneros, observa-se o quanto ainda falta para se estruturar uma sistemática protetiva da diversidade no âmbito das migrações e, além disso, percebe-se a necessidade de se construir essa sistemática de uma forma que não seja heteronormativa ou estritamente masculinista, porque caso assim se construa, não será um sistema que proteja a diversidade por meio de instrumentos jurídicos que declarem direitos e formalizem políticas públicas, mas um sistema que garanta direitos de seres diversos desde que sejam homens e heterossexuais/heteroafetivos – uma pseudo proteção da diversidade. Nisso, parece que o Direito dos Refugiados tem falhado, porque os seus textos parecem heteronormativos e masculinistas, uma vez que tornam invisíveis os grupos que precisam migrar por conta de seus gêneros, sendo que os textos internacionais e nacionais tangenciam várias identidades humanas, mas em momento algum reafirmam gêneros para os proteger ou ao menos para inferir que esses seres humanos existem. Sobre o conceito de heteronormatividade Moris (2008, p. 27, grifos do autor) aponta que: O conceito de heteronormatividade emergiu mais recentemente, a partir da última década. Sue Kentlyn (2007) assinala que o termo foi cunhado por Michael Warner em 1991 e descreve um modelo vigente pervasivo, embora invisível, que determina o estabelecimento das relações segundo o modelo sexual homem e mulher, a partir do qual o gênero fica também determinado como masculino e feminino apenas. Para a mesma autora, a instituição heteronormativa padrão é a família nuclear. É no âmbito do privado, da vida familiar, que se forjam os principais organizadores da vida humana e, em conseqüência, da masculinidade, daquilo que um homem aprende que deve ser. A vida diária familiar é um espaço de troca de cuidados, de passagem de valores morais e sociais, de relações e afetos. É esse também o espaço que engendra a heteronormatividade. Numa sociedade heteronormativa apenas um gênero é atribuído ao indivíduo, conforme sua genitália externa: se homem, é gênero masculino; se mulher, é gênero feminino. A partir desse estabelecimento há toda uma gama de comportamentos, regras, que são atribuídas a esse indivíduo: o/a parceiro/a afetivo sexual é o complementar do sexo oposto ao seu. Indivíduos que não seguem essas prescrições são estigmatizados e estão submetidos a diferentes graus de pressão para “corrigir seu desvio”. No mesmo sentido, é importante observar também que talvez nem mesmo quem se enquadre na definição “homem heterossexual/heteroafetivo” esteja devidamente protegido por algumas legislações desenvolvidas até então, porque dentro da masculinidade heterossexual/heteroafetiva também há diversidades invisíveis. A construção de um gênero “homem heterossexual/heteroafetivo” também parece transformar valores e comportamentos naturalmente opcionais e plurais em comportamentos socialmente compulsórios e 113 padronizados, a fim de que se garantir um projeto de poder em determinada sociedade, o que, não garantirá necessariamente um projeto de felicidade para esses indivíduos (MORIS, 2008). Ou seja, o discurso hegemônico de como se “melhor” performar121 socialmente (homem, heterossexual, branco, cristão, de país desenvolvido, bem remunerado, jovem, casado, com filhos, dentre outros atributos performativos) ocupa um lugar que, de fato, ninguém ocupa ou, ao menos, ocupa-se por um determinado período específico em toda uma vida. Essa situação, portanto, de tentar performar o que não pode, de fato, performar-se, parece explicar o porquê diversos gêneros dentro do gênero “homem heterossexual/heteroafetivo” fazem questão de ocupar a esfera pública, os espaços de participação democrática (como os congressos ao redor do mundo, por exemplo), as diretorias de empresas e as altas hierarquias religiosas; uma vez que ocupando tais lugares, parece ser menos impossível performar o imperformável. Vale apontar, todavia, que nem sempre a desigualdade entre gêneros foi regra das estruturas sociais. Flávio Leão de Bastos Pereira e Elisa Martins Juviniano (2018, pp. 159-182) apontam que as raízes de uma sociedade patriarcal estão profundamente ligadas com a construção das sociedades a partir da passagem do semi-nomadismo da pré-história para o sedentarismo, o qual, por sua vez, ensejou uma divisão sexual do trabalho, bem como uma série de tarefas e afazeres performáticos para que os gêneros pudessem sustentar esta estrutura. A gravidez das mulheres às restringiu ao espaço privado; o acesso às armas e à caça, por sua vez, trouxe os homens à esfera pública e à construção de uma realidade que os beneficiassem. Em outras palavras, o preconceito contra os gêneros não-hegemônicos não aconteceu por mera coincidência. Ele sustentou estruturas de poder e todo o funcionamento social em muitos povos, sendo que os hábitos, a tradição, a religião, os sistemas jurídicos e as ciências biomédicas corroboraram para tanto (ANTUNES, 2016, p. 71). Trata-se de uma articulação estrutural do preconceito para fins de dominação e garantias de privilégios. Neste sentido, Foucault122 (2006, p. 12) aponta que o poder não pertence a indivíduos, porque ele transita em lugares onde estão pessoas, as quais se beneficiam dele, mas não o detém 121Sobre o termo “performar”, cumpre esclarecer que foi desenvolvido por autores na seara dos gêneros, sobretudo Butler e Foucault. Enquanto Butler (2003) entende que o gênero é um ato intencional, um ato que depende da interação do “eu” (self) com a sociedade; Foucault (2006) entende que a performance dos seres humanos também é um ato intencional, mas nada voluntário, porque se forma a partir de discursos com mais poder. Ou seja, escolhe-se performar um gênero, não necessariamente a partir de uma escolha livre e mais plena para uma identidade humana, mas a partir de uma escolha individual que interage com a sociedade por meio de relações de opressão. Em outras palavras, aqueles que ocupam espaços de poder ditam àqueles que não ocupam sobre como se deve existir individualmente em determinada sociedade sobretudo no que diz respeito a suas experiências afetivas, patrimoniais, corporais e sexuais. 122Nascido em Poitiers, na França, Michel Foucault entrou para a École Normale Supérieure de Paris, França, onde ele desenvolveu seu interesse por Filosofia e teve influência de seus tutores, Jean Hyppolite e Louis Althusser. Após formado, Foucault lecionou na Université de Tunis, na Tunísia, antes de retornar para a França, onde se tornou chefe do departamento de Filosofia de uma nova universidade experimental, a Paris VIII. Em 1970, ele foi admitido como professor no Collège de France, onde permaneceu até sua morte. Suas teorias abordam a relação entre poder e conhecimento, e como eles são usados sobretudo no que diz respeito à opressão para com os gêneros (COLLEGE DE FRANCE, 2017). 114 ou ao menos o controlam. Pelo contrário, cedo ou tarde, essas (poucas) pessoas são obrigadas a sair deste lugar onde está o poder e em vez de se beneficiarem dele, passam a se subordinarem a ele como a grande maioria restante da população. Dessa forma, fazem de tudo para permanecerem lá até quando podem e o Direito transforma-se em um instrumento que ainda viabiliza as precárias performances de quem se deve ser e não de quem se realmente é. Sobre essa constatação observada, MacKinnon (1989, p. 102) já apontava que o Direito, que é fruto da política, trata-se de uma forma masculina de determinar como uma sociedade deve ser. O ponto de vista masculino (e heteronormativo) passa a ser a regra e não somente um ponto de vista. Portanto, o legalismo legitima os homens a dominarem as mulheres (e outros gêneros), porque um Direito sobretudo masculino (e heteronormativo) valoriza, portanto, valores masculinos (e heteronormativos). Ademais, para a autora (1989, p. 111), a visão masculina da legislação não trabalha seriamente com as questões das mulheres: violência sexual, pornografia, desigualdade. MacKinnon (1989, p. 121) aponta ainda que dentro de um Estado masculino, construído sobretudo com a ajuda do Direito, a prostituição pode ser legal ou ilegal, mas as mulheres, com ou sem legislação aplicável, são compradas e vendidas como prostitutas. A falta de dinheiro nas mãos dessas mulheres não lhes permite que sejam independentes. Elas estão disponíveis aos homens e à reprodução. Carol Smart123 (1999, p. 71) defende, por sua vez, que o feminismo deve explorar as formas pelas quais diferentes discursos e práticas discursivas e, em especial, o Direito, produzem e reproduzem os indivíduos enquanto sujeitos sexuais e genderizados. Ou seja, para Smart, o Direito não só reafirma valores masculinos e invisibilidades em relação aos gêneros, mas colabora, inclusive, na sua construção; o que significa dizer que colabora na construção de quem se é, na formação humana. Neste sentido, Fineman (2008, p. 18-20) encontra na forma do Direito regulamentar as questões familiares uma opressão sobre os gêneros. De acordo com Fineman (2008), por meio de suas pesquisas, a lei e a jurisprudência estadunidense demonstram a família como um conjunto de seres apartados da sociedade, autônomo, distante da esfera pública, um ambiente de afeto sem grandes intervenções estatais. Todavia, esquece-se o papel subjugado que a mulher 123Carol Smart estudou sociologia na Portsmouth Polytechnic, hoje University of Portsmouth, Inglaterra. Cursou o seu mestrado em criminologia pela University of Sheffield, Inglaterra, na qual também concluiu seu doutorado em estudos Sócio-Legais, em 1983. Sua carreira de professora começou na University of Warwick, Inglaterra, e mais tarde ela se tornou professora na University of Leeds, Inglaterra. Em 2005, mudou-se para o Morgan Centre for the Study of Relationships and Personal Life, na University of Manchester, Inglaterra, no qual era codiretora, até se aposentar em 2014. Sua produção acadêmica sempre esteve voltada para as áreas de Criminologia, Sociologia da Família e Política Social. Ficou mundialmente reconhecida por desenvolver estudos de criminologia sob um olhar feminista (MANCHESTER, 2017). 115 e gêneros não-hegemônicos desempenham no seio familiar. Ou seja, em alguns momentos, parece que o Direito ou corrobora para manter o status quo dos gêneros ou simplesmente se ausenta, causando o mesmo efeito. Neste mesmo sentido, aponta-se que: a legislação que se pressupõe apta a tornar concreto o ideal de justiça é, de fato, construída por alguns “porta-vozes” do(s) grupo(s) dominantes da sociedade que, inadvertidamente (ou não), perpetuam o status quo (BERTOLIN; CARVALHO, 2010, p. 185). Se não é admissível que o Direito tenha esse papel em uma sociedade, mais inadmissível ainda é que os Direitos Humanos desempenhem papel semelhante, relembrando que a Declaração Universal de Direitos Humanos, um dos documentos mais importantes na história dos Direitos Humanos, foi promulgada primeiramente com o nome de Declaração Universal de Direito dos Homens, conforme já apontado no primeiro capítulo desta tese, excluindo-se, assim, todo e qualquer outro gênero senão o masculino-heteronormativo. Diante do exposto, questiona-se: deve-se, então, desistir do Direito? Patrícia Tuma Martins Bertolin em palestra realizada em 15 de março de 2017 em homenagem ao Dia Internacional da Mulher na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil, convidou aqueles que muitas vezes reconhecem no Direito um instrumento de dominação não esquecerem que o Direito também é um instrumento de transformação social e promoção da cidadania. Neste mesmo sentido, Adilson Moreira124 (2016, p. 14) aponta que: (...) nem todos os operadores do direito e demais atores sociais concordam com a ideia de que o sistema jurídico existe para referendar a moralidade dos grupos majoritários. As recentes decisões judiciais que instituíram igualdade jurídica entre casais homossexuais e heterossexuais podem ser vistas como um momento importante na afirmação de uma nova concepção de cidadania na nossa sociedade. Além de reconhecer a igual dignidade desses membros da comunidade política, ela também está relacionada com as condições materiais e institucionais necessárias para uma existência digna e com a possibilidade de ação autônoma no espaço público e no espaço privado. Moreira (2008, p. 15) ainda aponta que o Direito pode ser tanto: “(...) um mecanismo de emancipação social ou um instrumento de preservação de desigualdades”. Sendo assim, cabe 124Adilson José Moreira é doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Harvard University, Estados Unidos, doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais com estágio doutoral sanduíche na Faculdade de Direito da Yale University, Estados Unidos; mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Harvard University e também mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisa e desenvolve projetos nas seguintes áreas: Direitos Fundamentais, Sociologia do Direito, Direito de Minorias, Direito Constitucional, Direito Constitucional Comparado, Teorias de Discriminação, História do Direito e Direito de Família (CNPQ, 2018). 116 reinventar as arestas ainda controversas dos sistemas jurídicos a fim de promover os Direitos Humanos sob uma perspectiva de gênero, mas não desistir do Direito. Para tanto, dentro dos sistemas de Direitos Humanos, o Direito dos Refugiados precisa incorporar uma perspectiva de gênero a fim de efetivamente se aproximar de proteger a diversidade humana. Em outras palavras, trata-se de colorir o Direito dos Refugiados não somente no âmbito internacional, mas também no que diz respeito à legislação do próprio país. Todavia, é necessário começar essa discussão aprofundando-se no que, de fato, pode significar a metáfora colorir. Mais do que isso, é necessário entender com quais valores a referida ação de colorir (ou, simplesmente, conferir uma perspectiva de gênero) conversa. 3.1 O QUE SIGNIFICA COLORIR O DIREITO DOS REFUGIADOS? Em fevereiro de 2017 estive na University of Miami e tive125 o privilégio de cursar um crédito intitulado: Queering the American Dream, LGBT Latin America in South Florida. Referido crédito tratava-se sobre o fato de como os gêneros não-hegemônicos foram excluídos do intitulado “sonho americano” como se este ideal não fosse para todos os gêneros (e nacionalidades) dentro de um mesmo país. Tratava-se, portanto, de dar uma perspectiva de gênero ao “sonho americano”. A partir deste exercício, estudando o Direito dos Refugiados, entendi que também era necessário dar uma perspectiva às referidas legislações sobre o assunto. Sobre o que, de fato, signifique o “sonho americano”, Farena (2017, grifo do autor) faz a seguinte definição: Diz-se que a expressão “sonho americano” (The American Dream) foi cunhada no começo do século passado, referindo-se ao espírito de iniciativa e ousadia da América, onde migrantes chegavam da Europa sem nada e criavam impérios industriais e financeiros. Após a Segunda Guerra Mundial, a expressão democratizou-se, passando a significar os bens que estão ao alcance de qualquer um que se disponha a trabalhar duro nos EUA, independentemente de ser um doutor ou milionário: casa confortável no subúrbio, um ou mais carros, e eletrodomésticos de primeira linha. Percebe-se, portanto, por meio da análise da definição do conceito de “sonho americano”, que esse ideal de vida materializa a construção de um ambiente de afeto, proteção, segurança, infraestrutura e condições financeiras que propiciem dignidade aos seres humanos. 125Importante salientar que durante quase todo este trabalho utilizou-se voz passiva e vocabulário neutro a fim de manter o rigor científico do que se discute. Todavia, em alguns momentos pareceu muito importante trazer a primeira pessoa do singular para explicar a origem de alguns raciocínios sob ameaça de prejuízo de entendimento. 117 Todavia, não considera que gêneros não-hegemônicos possam também compartilhar desse ambiente. Sendo assim, suscita-se que para o inconsciente coletivo126 a família heteronormativa é a única que parece ter o direito de sonhar com uma vida digna. Repensando a questão do “sonho americano”, em 2013 foi ao ar nos Estados Unidos o seriado The New Normal (em português: o Novo Normal), uma série que tinha o objetivo claro de inserir um casal gay no ambiente dos subúrbios da Califórnia. Diferentes de outros casais gays já retratados na televisão estadunidense, eles não viviam em guetos isolados, não possuíam vícios, não eram satirizados e nem possuíam complexas questões psicológicas. Pelo contrário, ostentavam uma vida privilegiada, estável, com bons vínculos afetivos e sucesso profissional, sendo que a trama girava em torno do desafio de gerar um filho no ventre de uma grande amiga, que se ofereceu, mediante remuneração, para ser a sua barriga de aluguel. Juntos, os três personagens principais, reinventavam o suporte e a proteção sugeridos pela imagem da família tradicional, discutiam a multiparentalidade e coloriam os heternormativos subúrbios estadunidenses. Após forte resistência de grupos conservadores, contudo, a produtora NBC cancelou o seriado já em seu primeiro ano de exibição (INDEPENDENT, 2017). Sendo assim, diante do exposto, percebe-se o quanto o trabalho de colorir conceitos pode ser desafiador, porque não pressupõe a criação de meros espaços de tolerância para identidades existirem e nem as coloca em um lugar marginalizado como se assim o merecessem ou se assim somente lá poderiam estar, mas, pelo contrário, reafirma identidades em patamar de igualdade com identidades hegemônicas. Talvez a maior iniciativa para se colorir o “sonho americano” tenha sido dada em 26 de janeiro de 2015 quando a Suprema Corte estadunidense reconheceu o casamento de pessoas dos mesmos gêneros e transformou a vida de casais gays que viviam de forma precária no país, como Jose Crespo-Cagnat: um cidadão mexicano que foi deportado diversas vezes e impedido de entrar nos Estados Unidos mesmo as autoridades tendo a consciência de que ele possuía um parceiro de nacionalidade estadunidense solitário e em estado terminal residente no distrito de Miami. Importante salientar que para ajudar seu parceiro, Jose Crespo-Cagnat tentou diversas vezes fazer a perigosa travessia do México para os Estados Unidos por meio dos desertos entre as fronteiras dos dois países (MIAMI HERALD, 2017). 126O referido termo foi criado pelo psicanalista Carl Gustav Jung (2000), que por sua vez, procurou, por meio desse termo, explicar que há uma parcela não consciente da mente humana, a qual não é formada por experiências individuais de um ser humano, mas sim por conceitos coletivos herdados de uma sociedade. Ou seja, há pressupostos sociais, sobre os quais não se discute conscientemente, de padrões, normas de condutas e reações que precisam ser tomadas. 118 Se o sonho americano precisa ser colorido, mais ainda o Direito e, inclusive, parece que só com dimensões coloridas é que, de fato, protege-se a diversidade humana. Todavia, cabe a participação dos próprios gêneros na construção dessa coloração do Direito. Sendo assim, percebe-se que a proposta de colorir é uma proposta de emancipação, porque permite que gêneros distintos tracem seus próprios destinos nas esferas privadas e sobretudo públicas das sociedades, não mais ficando reféns de terceiros que eivados de moralidade masculina e heternormativa desenham o que consideram compulsoriamente melhor para alguém de identidade distinta da sua. Amy Allen127 (2004), neste sentido, aponta que é necessária uma análise das relações de poder em toda a sua profundidade e complexidade, pois são as relações de dominação e opressão que escravizam os seres humanos e bloqueiam a emancipação, gerando crises sociais e patologias. Dessa forma, um Direito colorido rompe com diversas ferramentas de dominação, sobretudo com um Direito heteronormativo e masculinista, colocando-o como uma ferramenta de promoção da cidadania para com os gêneros. Ainda sobre a utilização da terminologia colorir, vale ressaltar que se trata de verbo inspirado por dois institutos muito importantes: primeiramente o verbo to queer (ou queering), que em português significa tornar queer; além disso, é inspirado na bandeira do arco-íris128, símbolo da luta da população LGBTTIQ+ para a promoção da diversidade de gêneros e sexualidades. Sobre tornar queer, importante salientar que o referido vocábulo é uma palavra proveniente do inglês usada para designar pessoas que não seguem o padrão da heterossexualidade ou do binarismo de gênero – ou seja, não se enquadram em sociedades sobretudo ocidentais autoafirmando-se enquanto “homem” ou “mulher” (BUTLER, 2003). No que se refere à Teoria Queer, Bunchaft (2016, pp. 215-216) aponta que: Ainda na década de 1980, com o surgimento da Teoria Queer, havia uma problematização acerca da Teoria do Binarismo, o que refletiu a multiplicidade de identidades, de vivências e de expressões sexuais possíveis e existentes, 127Amy Allen é professora e pesquisadora nas áreas de filosofia e gênero na Pennsylvania State University, Estados Unidos, onde atua como chefe de departamento. Anteriormente, ela era professora e pesquisadora nas áreas de Ciências Sociais, Filosofia, Gênero e Estudos Feministas na Darthmouth College, Estados Unidos, onde foi presidente do Departamento de Filosofia entre 2000 e 2012. A autora possui bacharelado pela Miami University, mestrado e doutorado em filosofia pela Northwestern University (PENN STATE COLLEGE OF LIBERAL ARTS, 2017). 128Desenhada pelo artista plástico Gilbert Baker, em 1977, a bandeira LGBTTIQ+ é composta por listas horizontais de seis cores diferentes (roxo azul, verde, amarelo, laranja e vermelho). Os significados das cores são os seguintes: Roxo – espírito, vontade e a força; Azul – artes e o amor pelo artístico; Verde – natureza e o amor pela mesma; Amarelo – sol, a luz e a claridade da vida; Laranja – cura e poder; Vermelho – fogo e vivacidade (LGBT, 2017). 119 questionando-se a ideia de sexualidade desviante. A Teoria Queer presume a interpretação antiessencialista de sexualidade, avaliando criticamente as políticas de identidade. A ideia é distanciar-se dos estudos de lésbicas e gays, direcionando seu foco para as minorias sexuais não-hegemônicas, voltadas para a transformação social e a ruptura com as normas assimétricas socialmente estabelecidas de comportamento sexual, como o travestismo e a transexualidade. Diante destas novas ideias articuladas, os estudos pós-modernos, partindo de pressupostos teóricos semelhantes aos apontados pela Teoria Queer, ponderam, também, que as identidades não são perfeitas, fixas, estáveis, coerentes, unificadas, definitivas (BUNCHAFT, 2016, p. 216). Sendo assim, conferir um olhar Queer também pode significar conferir determinada fluidez ao se observar quem se é e quem se almeja ser. Entendendo-se o que significa a metáfora colorir, portanto, há ainda um questionamento que precisa ser feito: como colorir o Direito dos Refugiados? Dessa forma, procura-se responder esse questionamento a seguir elucubrando quais seriam as alternativas que trariam uma perspectiva de gênero participativa para um Direito dos Refugiados Colorido. 3.2 RECONHECENDO IDENTIDADES: O PRIMEIRO PASSO PARA SE COLORIR O DIREITO DOS REFUGIADOS Entende-se que o primeiro passo a ser dado no sentido de colorir o Direito dos Refugiados está em, de fato, reconhecer posições científicas sobre as referidas identidades em questão. O reconhecimento dessas identidades invisíveis parece ser essencial para permitir que o Direito dos Refugiados fundamente-se a partir de então em verdadeira promoção da igualdade. Sobre promover igualdade, vale ressaltar o seguinte entendimento de Martha Fineman (2010, p. 23, grifos do autor, tradução do autor129): A igualdade deve escapar dos limites que lhe foram impostos por uma jurisprudência de identidade e discriminação, e as políticas que cresceram em torno desta jurisprudência. A promessa de igualdade não deve ser condicionada ao pertencer a qualquer categoria de identidade, nem deve ser confinada apenas a certos espaços e instituições, sejam considerados públicos ou privados. Igualdade deve ser um recurso universal, uma garantia radical que é um benefício para todos. Para esta discussão, 129Texto original em inglês: “Equality must escape the boundaries that have been imposed upon it by a jurisprudence of identity and discrimination, and the politics that has grown up around this jurisprudence. The promise of equality must not be conditioned upon belonging to any identity category, nor should it be confined to only certain spaces and institutions, be they deemed public or private. Equality must be a universal resource, a radical guarantee that is a benefit for all. We must begin to think of the state's commitment to equality as one rooted in an understanding of vulnerability and dependency, recognizing that autonomy is not a naturally occurring characteristic of the human condition, but a product of social policy” (FINEMAN, 2010, p. 23). 120 deve-se pensar no compromisso do Estado com a igualdade como atrelado a uma compreensão da vulnerabilidade e da dependência, reconhecendo que a autonomia não é uma característica natural da condição humana, mas um produto de política social. Ou seja, deve ser objetivo do Direito dos Refugiados não somente proteger identidades, mas também as emancipar, tirando-as de uma condição de vulnerabilidade e dependência. Esta emancipação no caso de alguns gêneros começa pelo fato de simplesmente se reconhecer sua existência. Todavia, no que se refere a reconhecer a existências de gêneros não-hegemônicos, ao Direito dos Refugiados não cabe discutir a validade de sua construção, da mesma maneira que não se discute (ou pensa em se discutir) a validade da construção da masculinidade heterossexual/heteroafetiva. Neste sentido, é importante apontar ainda que já há um consenso, compartilhado por estudiosos das áreas da sociologia, biologia, psicologia e antropologia, de que a construção dos gêneros (hegemônicos ou não) é uma condição humana que se desenvolve, como a maioria dos fenômenos comportamentais complexos, por meio de uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais (FOUCAULT, 1983; VEYNE, 1983; COSTA, 1995; TREVISAN, 2002). Neste sentido, vale apontar que Organização Mundial da Saúde130 tem se manifestado sobre o conceito de gênero da seguinte forma: O gênero refere-se às características socialmente construídas de mulheres e homens - tais como normas, papéis e relacionamentos de e entre grupos de mulheres e homens. Ela varia de sociedade para sociedade e pode ser alterada. Enquanto a maioria das pessoas nasce masculino ou feminino, são ensinados normas e comportamentos adequados - incluindo como eles devem interagir com outros do mesmo sexo ou oposto dentro das famílias, comunidades e locais de trabalho. Quando indivíduos ou grupos não se "ajustam" às normas de gênero estabelecidas, muitas vezes enfrentam estigma, práticas discriminatórias ou exclusão social - o que afeta negativamente a sua saúde. É importante ser sensível a identidades diferentes que não se encaixam necessariamente em categorias sexuais masculinas ou femininas. As normas, os papéis e as relações de gênero influenciam a susceptibilidade das pessoas as diferentes condições e doenças de saúde e afetam o gozo de uma boa saúde mental, física e bem- estar. Eles também influenciam o acesso e o aproveitamento das pessoas dos serviços de saúde e sobre os resultados de saúde que eles experimentam durante todo o curso da vida (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018, tradução do autor131). 130A Organização Mundial da Saúde é organização internacional fundada em 7 de abril de 1948 ligada à Organização das Nações Unidas, especializada em discutir questões de saúde pública a nível global (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). 131Texto original em inglês: “Gender refers to the socially constructed characteristics of women and men – such as norms, roles and relationships of and between groups of women and men. It varies from society to society and can be changed. While most people are born either male or female, they are taught appropriate norms and behaviours – including how they should interact with others of the same or opposite sex within households, communities and work places. When individuals or groups do not “fit” established gender norms they often face stigma, discriminatory practices or social exclusion – all of which adversely affect health. It is important to be sensitive to different identities that do not necessarily fit into binary male or female sex categories. Gender norms, roles and relations influence people’s susceptibility to different health conditions and diseases and affect their enjoyment of good mental, physical health and wellbeing. They also have a bearing on people’s access to and 121 Em outras palavras, para a Organização Mundial da Saúde não há patologização na construção de gêneros não-hegemônicos. Todavia, o que pode prejudicar a saúde de outrem é o preconceito, a exclusão social e familiar, bem como a violência. Da mesma forma, sobre a maneira como os gêneros constroem-se, a Organização Mundial da Saúde posiciona-se no seguinte sentido: O gênero, tipicamente descrito em termos de masculinidade e feminilidade, é uma construção social que varia em diferentes culturas e ao longo do tempo. Há uma série de culturas, por exemplo, em que existe maior diversidade de gênero, o sexo e o gênero nem sempre estão perfeitamente divididos em linhas binárias, como homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais. O Berdache na América do Norte, o fa'afafine (Samoan para "o caminho de uma mulher") no Pacífico e o kathoey na Tailândia são exemplos de diferentes categorias de gênero que diferem da tradicional divisão ocidental de pessoas em machos e fêmeas. Além disso, entre certas comunidades nativas norte-americanas, o gênero é visto mais em termos de um contínuo do que em categorias, com reconhecimento especial de pessoas "de dois espíritos" que abrangem qualidades e características masculinas e femininas. É evidente, então, que diferentes culturas tomaram abordagens diferentes para criar distinções de gênero, com mais ou menos reconhecimento de fluidez e complexidade de gênero (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018, tradução do autor132). Cabe, portanto, ao Direito dos Refugiados proteger todo e qualquer gênero independente de como ele tenha sido construído, sem discutir sua formação, uma vez que é complexa e não é objeto do Direito dos Refugiados. Além disso, o Direito dos Refugiados precisa abordar uma definição de gêneros ampla e inclusiva diferente do que se observa pelas definições mais recentemente dadas pelo Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR133 uptake of health services and on the health outcomes they experience throughout the life-course” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). 132Texto original em inglês: “Gender, typically described in terms of masculinity and femininity, is a social construction that varies across different cultures and over time. There are a number of cultures, for example, in which greater gender diversity exists and sex and gender are not always neatly divided along binary lines such as male and female or homosexual and heterosexual. The Berdache in North America, the fa’afafine (Samoan for “the way of a woman”) in the Pacific, and the kathoey in Thailand are all examples of different gender categories that differ from the traditional Western division of people into males and females. Further, among certain North American native communities, gender is seen more in terms of a continuum than categories, with special acknowledgement of “two-spirited” people who encompass both masculine and feminine qualities and characteristics. It is apparent, then, that different cultures have taken different approaches to creating gender distinctions, with more or less recognition of fluidity and complexity of gender” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). 133O Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação de Refugiados do ACNUR (2011, pp. 1-2) foi lançado pela primeira vez em setembro de 1979 a pedido dos Estados Membros do Comitê Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Uma segunda edição foi lançada em janeiro de 1992, a qual atualizou as informações sobre a adesão aos instrumentos internacionais sobre refúgio. Para além do Manual, e em resposta às diversas interpretações do Artigo 1º da Convenção de 1951 nas jurisdições nacionais, o ACNUR continua a emitir posições legais a respeito de questões específicas do Direito Internacional dos Refugiados. Nesse contexto, o ACNUR desenvolveu as Diretrizes sobre Proteção Internacional, conforme previsto no âmbito da Agenda para a Proteção, na sequência das comemorações do 50º Aniversário 2 em 2001- 2002.1 Essas Diretrizes complementam e atualizam o Manual e devem ser lidas em conjunto. O Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação de Refugiados do ACNUR (2011) é o documento no Direito Internacional dos Refugiados que mais abrange o refúgio por questões de gênero, muito embora também apresente umas série de equívocos em relação ao assunto, os quais serão demonstrados ao longo desta tese. 122 (2011) que divide as perseguições baseadas em gênero das perseguições baseadas em orientação sexual e/ou identidade de gênero em dois capítulos distintos. A referida divisão separa claramente as lutas das mulheres (e heterossexuais/heteroafetivas) das lutas de outros gêneros não-hegemônicos resultantes de orientação sexual e/ou identidade de gênero como se fosse, de fato, possível fazer a referida divisão. A Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes, conforme já apontado, sendo um documento mais atual, é um instrumento muito importante para a construção de uma sistemática protetiva da diversidade, trazendo uma perspectiva de gênero às migrações, mas fez a mesma divisão ao trazer essa perspectiva: salientou a questão das mulheres refugiadas (e heterossexuais/heteroafetivas), mas não levou em consideração qualquer outro gênero nem mesmo orientações sexuais já apontadas no Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011). Neste sentido, a fim de exemplificar este entendimento, aponta-se alguns parágrafos da Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes: 31. Vamos assegurar que nossas respostas aos grandes movimentos de refugiados e migrantes incorporarão uma perspectiva de gênero, promoverão a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas [não de qualquer outro gênero não-hegemônico], bem como respeitarão e protegerão plenamente os direitos humanos das mulheres e meninas. Combateremos a violência sexual e de gênero. Daremos acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva. Abordaremos formas múltiplas e intersesccionais de discriminação contra refugiados e mulheres e meninas migrantes [não de qualquer outro gênero não-hegemônico]. Ao mesmo tempo, reconhecendo a contribuição significativa e liderança de mulheres [não de qualquer outro gênero não-hegemônico] em comunidades de refugiados e migrantes, trabalharemos para que se assegure sua participação plena, igual e significativa no desenvolvimento de soluções e oportunidades. Levaremos em consideração as diferentes necessidades, vulnerabilidades e capacidades de mulheres, meninas, meninos e homens [não de qualquer outro gênero não-hegemônico] (grifos do autor, tradução do autor)134. 60. Reconhecemos a necessidade de abordar a situação especial e a vulnerabilidade de mulheres e meninas migrantes [não de qualquer outro gênero não-hegemônico], entre outras coisas, incorporando uma perspectiva de gênero às políticas de migração e fortalecendo leis, instituições e programas nacionais para combater a violência de gênero, incluindo o tráfico de pessoas e a discriminação contra mulheres e meninas [não de qualquer outro gênero não-hegemônico] (grifos do autor, tradução do autor)135. 134Texto original em inglês: “We will ensure that our responses to large movements of refugees and migrants mainstream a gender perspective, promote gender equality and the empowerment of all women and girls and fully respect and protect the human rights of women and girls. We will combat sexual and gender-based violence to the greatest extent possible. We will provide access to sexual and reproductive health-care services. We will tackle the multiple and intersecting forms of discrimination against refugee and migrant women and girls. At the same time, recognizing the significant contribution and leadership of women in refugee and migrant communities, we will work to ensure their full, equal and meaningful participation in the development of local solutions and opportunities. We will take into consideration the different needs, vulnerabilities and capacities of women, girls, boys and men” (DIREITO INTERNACIONALq, 2017). 135Texto original em inglês: “We recognize the need to address the special situation and vulnerability of migrant women and girls by, inter alia, incorporating a gender perspective into migration policies and strengthening national laws, institutions 123 Dessa forma, é importante lembrar que as opressões contra mulheres, bem como contra outros gêneros, caminham juntas em conquistas e retrocessos, tanto assim, que conforme apontado no capítulo anterior136, os países que mais perseguem LGBTTIQ+ são os países que menos direitos conferem às mulheres. Tal separação somente enfraquece gêneros oprimidos e os laços de sororidade que podem se construir entre eles, uma vez que os realoca em grupos menores, com menos representação e condições de se defenderem. Esta divisão fornecida pelo Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011) está em desacordo com o que se estuda em matéria de gênero por anos. Proteger gêneros não significa há muito tempo sinônimo de proteger somente as mulheres. Inclusive, a filósofa feminista Simone de Beauvoir137 (2008, p. 9) quando aplicou o existencialismo138 para a experiência de vida da mulher iniciou um processo de desconstrução do que significa ser uma mulher quando proferiu a famosa reflexão: “ninguém nasce mulher, torna-se”. Tal questionamento posteriormente aprofundado entendeu que ser mulher é algo inserido no contexto social, algo aprendido, socialmente e culturalmente. Neste sentido, inclusive, Judith Butler, por sua vez, critica a política identitária das "mulheres do feminismo", entendendo que "a unidade da categoria 'mulheres' não é nem pressuposta nem desejada, uma vez que fixa e restringe os próprios sujeitos que liberta e espera representar (BUTLER, 2003, p. 213)”. Além disso, se o Direito dos Refugiados reproduzir o termo “gênero” como sinônimo de “mulher” protegerá somente uma performance ocidentalizada e heterossexual/heteroafetiva do que essa palavra possa significar. Vale apontar ainda que há pouco aprofundamento no texto do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011) no que se refere aos gêneros e à orientação sexual. É bem verdade que o referido manual não trata “gênero” como sinônimo de “orientação sexual”, o que significa parcial sintonia com a temática a qual pretende abordar. Todavia, não se aprofunda no fato de que os Estados ao perseguirem and programmes to combat gender-based violence, including trafficking in persons and discrimination against women and girls” (DIREITO INTERNACIONALq, 2017). 136Essa reflexão foi articulada no capítulo anterior, uma vez observados os mapas n. 3 e 4, bem como os quadros n. 1 e 2; os quais permitem comparar a situação das mulheres e de outros gêneros não-hegemônicos ao redor do mundo. 137Simone de Beauvoir depois de ser admitida para as faculdades de Matemática e Filosofia, escolheu estudar Matemática no Institut Catholique de Paris, França; e literatura e línguas no colégio Sainte-Marie de Neuilly, França, e em seguida, filosofia na Universidade de Paris (Sorbonne), França. É autora do revolucionário livro “O Segundo Sexo”. Sua obra trata-se de marco da Filosofia Feminista (BEAUVOIR, 2008). 138Existencialismo é um termo aplicado a uma escola de filósofos dos séculos XIX e XX que, partilhavam a crença de que o pensamento filosófico começa com o sujeito humano, não meramente o sujeito pensante, mas as suas ações, sentimentos e a vivência de um ser humano individual (MACQUARRIE,1972, p. 18–21). No existencialismo, o ponto de partida do indivíduo é caracterizado pelo que se tem designado por “atitude existencial” (SOLOMON, 1974, p. 1–2). 124 identidades não-hegemônicas não tem clareza sobre essa diferenciação e perseguem orientações sexuais como se perseguissem gêneros. Além disso, não trata do fato de que a orientação sexual em regra é elemento indenitário básico para a definição da maioria dos seres humanos. Inclusive, vale apontar que gêneros segundo Locher e Prügl (2001, p. 117), constituem códigos poderosos porque eles geralmente são constituídos com os sexo, seus correlatos supostamente “naturais”. Nestes processos de construções, as dicotomias ou binários e as ordens simbólicas estabelecem uma relação estrutural entre gêneros e sexos e, consequentemente, unem culturas e biologias e fazem emergir realidades de gêneros aparentemente abrangentes e naturais. Como um código para poder, gêneros e sexos contribuem para sustentar as identidades modernas (SILVA; LINHARES; MELO, 2017, p. 14). Sendo assim, observa-se a seguinte passagem em relação ao manual: Solicitações de refúgio baseadas na orientação sexual contêm um elemento de gênero. A sexualidade ou práticas sexuais do solicitante pode ser relevante para o caso quando ele ou ela tiver sido submetido a uma ação persecutória (inclusive discriminatória) em razão da sua sexualidade ou práticas sexuais. Em muitos desses casos, o solicitante recusou-se a aderir aos padrões ou expectativas de comportamento cultural ou socialmente definidos e atribuídos a cada um dos sexos. As solicitações mais comuns envolvem homossexuais, transexuais ou travestis que enfrentaram a hostilidade pública, violência, abuso ou discriminação grave ou cumulativa (ACNUR, 2017, p. 82, grifos do autor). Percebe-se, portanto, que o próprio texto do manual admite que não é possível separar a “sexualidade” do “gênero” em alguns momentos, mas erra ao misturar a sexualidade com a discriminação enfrentada pela população “trans”139, porque a questão “trans” é uma questão de identidade de gênero, não de sexualidade. Há pessoas dentro na população “trans” que não tem orientação homoafetiva140 ou homossexual. Essa confusão apontada pelo Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011) dá-se pelo fato dele não ter um parágrafo explicativo, fundamentado em Teorias de Gênero, que explicam as relações entre a construção dos gêneros e dos sexos; o que não significa tratar as lutas por direitos daqueles que tem identidades de gêneros e daqueles que lutam por dignidade em relação às suas orientações sexuais não-hegemônicas como se não fossem passíveis de peculiaridades a serem observadas. 139Importante apontar que se evita utilizar a terminologia “transexual” nesta tese. As questões dos gêneros não se referem somente ao sexo ou sexualidade. São questões complexas e multifacetárias e, portanto, evita-se nesta tese, sempre que possível, a utilização dos sufixos “sexuais” ao final das palavras. Sendo assim, no caso, prefere-se os termos “trans” ou “transgêneros”. 140Não se utiliza nesta tese o termo “homoafetivo” como sinônimo de “homossexual”. Entende-se “homoafetividade” como a necessidade humana de se construir uma relação de afeto com alguém do mesmo gênero. Essa relação de afeto compreende: cuidado, proteção e comunhão de vida. Uma orientação “homossexual” refere-se somente à atração física por pessoas do mesmo gênero. Por isso, conforme já apontado ao longo desta tese, utiliza-se geralmente o termo gay, porque compreende tanto a homossexualidade quanto a homoafetividade. 125 De acordo com o texto do manual, portanto, há dois grupos: as mulheres heterossexuais/heteroafetivas, a quem ele atribui o nome de “refugiados de gênero” e todos os outros gêneros a quem ele atribui o nome de “refugiados por orientação sexual e/ou identidade de gênero”. Essa divisão não parece suficiente: ou o Direito dos Refugiados divide todos os gêneros (inclusive os não-ocidentais141), com todas as suas especificações, o que na prática parece pouco viável, ou os une em torno de uma só causa. Sendo assim, a presente tese aborda todo e qualquer indivíduo que se sinta perseguido por conta de questões corporais, sexuais ou afetivas como refugiados por questões de gênero. Importante salientar aqui que para fins de estudos psicológicos, antropológicos ou mesmo para se pensar políticas públicas específicas, uma divisão desses gêneros em grupos é mais do que bem-vinda, porque são peculiares e precisam ser tratados em sua peculiaridade. Todavia, no que se refere ao Direito dos Refugiados, se forem assim divididos alguns (ou muitos) correm o risco de não se enquadrarem no status de refugiados e ficarem desprotegidos. Importante salientar também que o referido conceito, refugiados por questões de gênero, é mais ampliativo e pode incluir inclusive possíveis masculinidades que em determinados momentos não estão necessariamente protegidas em situação de perseguição. Sobre a questão das diversas masculinidades, Raewyn Connel142 (2000, p. 9) aponta que falar de masculinidades é falar sobre relações de gênero. De acordo com a autora as masculinidades não são equivalentes aos homens, uma vez que dizem respeito à posição dos homens em uma ordem de gênero. Elas podem ser definidas como os padrões de prática pelos quais pessoas (homens e mulheres, embora predominantemente homens) ocupam essa posição. Neste mesmo sentido, a autora evidencia que: Há evidências abundantes de que as masculinidades são múltiplas, com complexidades internas e até mesmo contradições. Também se acredita que as masculinidades mudam na história e que as mulheres têm um papel considerável na construção destas masculinidades em interação com meninos e homens (CONNELL, 2000, p. 9, grifo do autor, tradução do autor143). Connel (2000, p. 9) tem observado, portanto, ao longo de sua produção intelectual, as masculinidades. Suas pesquisas tiveram início ao final da década de 1970; época em que, de 141Ainda neste capítulo será abordado o conceito de “gênero não-ocidental”. 142Raewyn Connell nasceu em Sydney, Austrália, formou-se no bacharelado em História na University of Melbourne, Austrália, e logo após voltou à Sydney para concluir o seu doutorado, em Ciências Sociais, pela University of Sydney, Austrália. Atualmente é professora da Faculdade de Educação e Serviço Social da University of Sydney e professora visitante da Academy of Social Sciences in Australia. Ficou internacionalmente conhecida sobretudo por conta de seu trabalho nos Estudos da Masculinidade (CONNELL, 2000). 143Texto original em inglês: “There is abundant evidence that masculinities are multiple, with internal complexities and even contradictions; also that masculinities change in history, and that women have a considerable role in making them, in interaction with boys and men” (CONNELL, 2000, p. 9). 126 acordo com Connel (2000, p. 9), qualquer pessoa interessada em estruturas de poder poderia ver que o desafio feminista ao patriarcado deve significar mudanças nas vidas dos homens. Dessa forma, a autora (2000, p. 9, grifo do autor, tradução do autor144) desenvolveu pesquisa sobre escolas secundárias no seguinte sentido: Entrevistando meninos, professores e pais, pudemos ver hierarquias ativas de masculinidade nas configurações escolares. O termo "masculinidade hegemônica" foi usado pela primeira vez em um relatório de 1982 deste projeto, e meu primeiro ensaio sobre homens e masculinidades foi publicado no mesmo ano. Exemplo, portanto, de masculinidade não-hegemônica que também pode ser vítima de perseguições está em homens que rompem com sua masculinidade em determinada sociedade. Uma hipótese seria o pai que se nega a matar a própria filha em desrespeito às leis islâmicas. Voltado ao texto do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011) também se percebe, dentro da confusão apresentada, bem como dentro do conceito de “refugiados sexuais” uma descrição taxativa de quem seriam estes indivíduos145. 144Texto original em inglês: “A research project on secondary schools, described in the Education section, crystallized this idea. Interviewing boys, teachers and parents, we could see active hierarchies of masculinity in school settings.The term ‘hegemonic masculinity’ was first used in a 1982 report from this project, and my first essay on men and masculinities was published in the same year” (CONNELL, 2000, p. 9). 145“Uma mulher lésbica é aquela cuja atração física, romântica e/ou emocional é direcionada de modo permanente a outras mulheres. Com frequência, lésbicas sofrem múltiplas discriminações em razão do seu gênero, do seu status social e/ou econômico inferior e da sua orientação sexual. Lésbicas estão mais propensas a sofrer violência por parte de atores não-estatais, incluindo agressões como “estupro corretivo”, retaliação violenta por parte de seus antigos companheiros ou maridos, casamento forçado e diversos crimes cometidos em nome da “honra” dos seus familiares. Algumas lésbicas refugiadas não tiveram qualquer experiência de perseguição pretérita quando, por exemplo, tiveram poucos ou nenhum relacionamento lésbico. Lésbicas podem ter tido relacionamentos heterossexuais, geralmente (ainda que nem sempre), devido a pressões sociais para se casar e ter filhos. É possível que somente depois de mais velhas elas iniciem um relacionamento lésbico ou passem a se identificar como lésbicas. Assim como em qualquer outra solicitação de refúgio, é importante assegurar que a avaliação do seu fundado temor de perseguição tem um olhar para o futuro, e que as decisões não são tomadas com base em noções estereotipadas sobre lésbicas (ACNUR, 2017, pp. 185, grifo do autor). Em geral, o termo gay é utilizado para descrever um homem que possui uma atração física, romântica e/ou emocional permanente por outros homens, ainda que o termo gay possa ser utilizado para descrever tanto homens quanto mulheres gays (lésbicas). Os homens gays preponderam numericamente dentre as solicitações de refúgio baseadas na orientação sexual e identidade de gênero. Geralmente, homens gays são mais visíveis que outros grupos LGBTI na vida pública de diversas sociedades e podem se tornar o alvo de campanhas políticas negativas. No entanto, é importante evitar pressuposições de que todos os homens gays expõem publicamente a sua sexualidade ou que todos os homens gays são afeminados. Ao adotar papéis e características vistas como “femininas”, homens gays desafiam papéis masculinos e podem ser considerados como “traidores”, independentemente de serem ou não afeminados. Eles sofrem o risco de serem agredidos nas prisões, no exército e em outros ambientes ou postos de trabalho tradicionalmente dominados por homens. Alguns homens gays podem manter também relacionamentos heterossexuais em razão de pressões da sociedade, podendo, inclusive, ser casados e/ou ter filhos (ACNUR, 2017, pp. 185-186, grifo do autor). Bissexual diz respeito ao indivíduo que é fisicamente, romanticamente e/ou emocionalmente atraído tanto por homens quanto por mulheres. O termo bissexualidade costuma ser interpretado e aplicado de maneira inconsistente, e geralmente é compreendido de maneira muito superficial. A bissexualidade não tem a ver com atração por ambos os sexos ao mesmo tempo, tampouco tem a ver com ter o mesmo número de relações com ambos os sexos. A bissexualidade é uma identidade única que requer um exame em seus próprios termos. Em alguns países a perseguição pode ser dirigida expressamente contra condutas gays ou lésbicas, mas abranger ao mesmo tempo atos de indivíduos que se identificam como bissexuais. Os bissexuais costumam descrever a sua orientação sexual como “fluida” ou “flexível” (ACNUR, 2017, p. 186, grifo do autor). Transgênero diz respeito às pessoas cuja identidade de gênero e/ou expressão de gênero é diferente do sexo biológico que ele adquiriu ao nascer. O transgênero é uma identidade de gênero, e não uma orientação sexual, de modo que o indivíduo transgênero pode ser heterossexual, gay, lésbico ou bissexual. Indivíduos transgênero se vestem ou agem de formas que 127 A colocação dessas definições é bastante importante, porque reafirma identidades em situação de perseguição e as coloca em posição de proteção. Todavia, também não está de acordo com o que se estuda atualmente sobre o assunto. Ela não trata de todos os gêneros que existem e não confere espaço para que todas as distintas identidades existentes sejam devidamente protegidas pelo status de refugiados. Há outros gêneros não contemplados aqui, sobretudo gêneros que não se constroem a partir de experiências ocidentais. Neste sentido, vale apontar que o Feminismo está envolvido na busca de estilos alternativos de existência. Entretanto, tais alternativas foram fundadas na teoria dominante do sujeito e, consequentemente, contribuíram à normatização do poder, em lugar de explorar formas de resistência interiores a ele. Dessa forma, parece que eliminar os binarismos não é somente parar de dividir os seres humanos entre “homens” e “mulheres”, o que já é bastante polêmico, e passar a dividir, conforme propõe o manual apontado em: homens, mulheres, transgêneros, gays, intersexos, lésbicas e bissexuais (um “septualismo”); mas, respeitar as experiências de quem se é, entendendo a experiência humana como única, plural e não catalogável (BUTLER, 2003). Neste sentido, aponta-se: Definindo gênero, (...) como uma categoria relacional, as feministas problematizam o sistema sexo-gênero a partir da desconstrução do sexo como categoria natural binária e hierárquica. Tal desconstrução coloca em debate a política de identidade e a categoria das mulheres, estruturas fundantes do feminismo, revelando a geralmente são diferentes daquelas que a sociedade esperaria de uma pessoa com o sexo que ela recebeu ao nascer. Além disso, eles podem não agir ou parecer dessa forma a todo momento. Por exemplo, alguns indivíduos podem preferir expressar o gênero que escolheram apenas em algumas ocasiões, em ambientes nos quais eles se sentem seguros. Como não se enquadram na percepção binária de ser um homem ou uma mulher, eles podem ser percebidos como uma ameaça para as normas e valores sociais. Essa não-conformidade os expõe ao risco de sofrerem violência. Em geral, os indivíduos transgênero são marginalizados e suas narrativas podem revelar experiências de violências físicas, psicológicas e/ou sexuais graves. Quando a sua autoidentificação e aparência física não combinam com o sexo especificado nos seus documentos de identidade oficiais, as pessoas transgênero correm ainda mais riscos. A transição para alterar o sexo de nascimento de um indivíduo não é um processo simples e pode envolver uma série de ajustes pessoais, legais e médicos. Nem todos os indivíduos transgênero buscam tratamentos médicos ou outros procedimentos para fazer com que sua aparência física esteja de acordo com sua identidade interna. Diante disso, é importante que os tomadores de decisão evitem dar muita ênfase na cirurgia para mudança de sexo (ACNUR, 2017, pp. 186-187, grifo do autor). O termo intersexo ou “transtornos do desenvolvimento sexual” (TDS) diz respeito a uma condição na qual o indivíduo nasce com uma anatomia reprodutiva ou sexual e/ou com padrões cromossômicos que não se enquadram nas noções biológicas típicas de um homem ou uma mulher. Essas condições podem ser aparentes no momento do nascimento, podem aparecer na puberdade, ou podem ser descobertas apenas durante um exame médico. Antigamente, indivíduos com essas condições eram conhecidos como “hermafroditas”. No entanto, esse termo é considerado ultrapassado e não deve ser utilizado, a menos que o solicitante escolha mencioná-lo. Uma pessoa intersexo pode se identificar tanto como homem quanto como mulher, podendo, ainda, ter diferentes orientações sexuais, como gay, lésbica, bissexual ou heterossexual. Pessoas intersexo podem ser submetidas à perseguição em razão da sua anatomia atípica. Eles podem enfrentar discriminação e sofrer abusos em razão de uma deficiência física ou condição de saúde, ou em razão de não se enquadrarem na aparência que se espera de um homem ou de uma mulher. Algumas crianças intersexo não são registradas pelas autoridades ao nascerem, o que pode resultar em uma série de riscos associados e privações de direitos humanos. Em alguns países, um intersexo pode ser visto como algo maligno ou parte de uma feitiçaria, o que pode levar toda a família a se tornar alvo da violência. À semelhança dos indivíduos transgênero, os intersexo correm o risco de sofrerem violência durante o período de transição para o gênero escolhido, porque é possível que, por exemplo, os seus documentos de identificação não indiquem o gênero escolhido. As pessoas que se autoidentificam como intersexo podem ser considerados por terceiros como transgênero, uma vez que pode não haver qualquer noção sobre o que é a condição intersexo em uma determinada cultura (ACNUR, 2017, pp. 187, grifo do autor)”. 128 instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. Entretanto, tal instabilidade significou a abertura para possibilidades excluídas pelas teorias essencialistas ou totalizantes das categorias fixas e estáveis do gênero, que passa a ser entendido como ato performático, como efeito, produzido ou gerado. Tal qual a análise foucaultiana do sujeito, a crítica feminista também se propõe a desconstruir as suposições ilusórias acerca de um sujeito autônomo e universal. Entretanto, para o feminismo, o problema vai além, uma vez que a definição deste sujeito particular dá-se a partir de uma perspectiva androcêntrica e eurocêntrica. A limitada e parcial consideração da experiência e das atividades do sujeito masculino da elite branca privilegiada e a correspondente desvalorização das experiências e atividades das mulheres e de outros grupos minoritários/dominados não privilegiados são centrais no humanismo Ocidental e, além disso, servem para manter sua subordinação. As realizações do humanismo Ocidental foram construídas muitas delas às custas das mulheres e das etnias não brancas, mas foram, no entanto, desconsideradas e mesmo negadas, ao que as historiadoras feministas têm tentado resgatar. O feminismo problematiza não só a teoria do sujeito, como o faz Foucault, mas denuncia a noção universalizante do sujeito a partir do sujeito masculino, que desconsidera a multiplicidade da experiência feminina, quer em sua forma particular de eroticidade, de racionalidade ou de suas práticas de resistência (NARVAZ; NARDI, 2007, p. 2007, grifos do autor). Da mesma maneira apontada, tem-se universalizado experiências homoafetivas e homossexuais, por exemplo, dentro dos gêneros gay, lésbica ou bissexual/biafetivos. Como se qualquer experiência nesse sentido pudesse ser reduzida a um gênero. A caracterização dos gêneros gay, lésbica ou bissexual/biafetivo foi uma alternativa ocidental para que sexualidades não-hegemônicas pudessem construir relações de afeto e suporte com os principais elementos (inclusive, patrimoniais) de relações heterossexuais/heteroafetivas que também se construíram a partir de necessidades afetivas, patrimoniais e sexuais. O Direito dos Refugiados não pode compactuar com essa criação ocidentalizada do que significam os gêneros e deixar de fora outros gêneros que se constroem a partir de diferentes experiências vividas. Neste sentido, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)146 em cartilha publicada pela campanha Livres e Iguais aponta que: no Nepal, o Supremo Tribunal decidiu, em 2007, que o governo deveria reconhecer um terceiro gênero de categorias baseadas em auto-identificação por indivíduos e, desde então, o governo incluiu uma terceira opção de gênero em seu formulário de recenseamento a partir de 2011, 146O ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) é organização internacional ligada às Nações Unidas. Os principais objetivos do ACNUDH são: observar a situação regional de Direitos Humanos; promover instrumentos universais de Direitos Humanos; realizar seminários e pesquisas sobre vários temas; organizar formações no uso de mecanismos de proteção e defesa dos seres humanos das Nações Unidas e acompanhamento dos seus pareceres e recomendações; promover o conhecimento sobre a Revisão Periódica Universal e seguir suas recomendações; prestar assistência técnica em matéria de harmonização e implementação de compromissos internacionais relativos aos Direitos Humanos; dar pareceres sobre os Planos e Programas de Ação em Direitos Humanos; proporcionar fóruns de diálogo com a participação da sociedade civil, a comunidade e a cooperação internacional, dando prioridade às boas práticas; apoiar visitas dos Relatores Especiais e Grupos de Trabalho para os países e a divulgação de suas recomendações; cooperar com outras organizações internacionais ou regionais e intergovernamentais ou não-governamentais; cooperar com os Coordenadores Residentes das Nações Unidas sobre Direitos Humanos; organizar formações sobre a abordagem dos Direitos Humanos; informar e promover esses objetivos através de comunicados à imprensa, além de artigos, entrevistas, vídeos, boletins informativos e outras publicações (ACNUDH, 2017). 129 certificados de cidadania e passaportes. No Paquistão, o Supremo Tribunal emitiu ordens às autoridades para reconhecer a identidade de um gênero conhecido como “eunuchs” em formulários de inscrição, tomando também medidas para os proteger do assédio policial, garantir o acesso à educação e ao emprego, proteger o direito à herança e se certificar de que sejam inscritas em listas de votação eleitoral. Em 2013, o gabinete do governo de Bangladesh emitiu uma decisão para reconhecer formalmente identidades de gênero híbridas e garantir seu acesso à educação e outros direitos básicos (OHCHR, 2017, p. 98). Percebe-se, portanto, que o reconhecimento de gêneros não binários pelos Estados começa a se tornar uma realidade fora do mundo ocidental. Todavia, é importante apontar que embora a identidade e os direitos das pessoas com identidades de gênero não binárias começam a ser reconhecidos e protegidos em alguns Estados, na maioria dos países, as pessoas com identidades não binárias não têm essa possibilidade e são negadas o direito ao reconhecimento legal de sua identidade ou expressão de gênero. Sobre essa questão, vale apontar também que vários Estados reconhecem legalmente a identidade de gênero de mulheres e homens transgêneros, mas não reconhecem legalmente identidades não binárias bem como suas devidas proteções (OHCHR, 2017, pp. 98-99). Dessa forma, percebe-se como por trás da questão dos gêneros há uma discussão sobre “poder”, porque a identidade transgênera por mais que esteja em muitos casos marginalizada perante a sociedade ocidental ainda é uma figura ocidental, o que a confere mais privilégio e, por consequência, mais Direitos Humanos, tanto que está devidamente representada no Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011). Neste mesmo sentido, aponta-se o seguinte: Mesmo nos Estados que tomaram as medidas iniciais para reconhecer as identidades não binárias, existem lacunas na adoção de políticas para apoiar isso, e a implementação de decisões judiciais e governamentais relacionadas permaneceu lenta ou só foi parcialmente realizada. Em suma, a maioria das pessoas não binárias não tem acesso efetivo ao reconhecimento de sua identidade de gênero e continua enfrentando discriminação e assédio generalizados (OHCHR, 2017, p. 98, tradução do autor147). Ou seja, mesmo os Estados que reafirmam os referidos gêneros ainda não necessariamente o fazem em patamar de igualdade com os gêneros hegemônicos. Todavia, não há como se negar que foi trazida verdadeira visibilidade a essas identidades. 147Texto original: “Even in States that have taken initial steps to recognize non-binary identities, shortcomings exist in adopting policies to support this, and implementation of related court and Government decisions have remained slow or have only been partially carried out. All in all, the majority of non-binary people do not have effective access to recognition of their gender identity and continue to face widespread discrimination and harassment” (OHCHR, 2017, p. 98). 130 No mesmo intuito de combater os binarismos e efetivamente proteger a diversidade, a Comissão de Direitos Humanos da cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, reconheceu 31 gêneros distintos e passíveis de proteção estatal nos seguintes termos: Bi-gendered; Cross-Dresser; Drag Queen; Drag King; Femme Queen; Female-to- Male; FTM; Gender Bender; Pangender; Transexual/Transsexual; Trans Person; Woman; Man; Butch; Two-Spirit; Trans; Agender; Third Sex; Gender Fluid; Non- Binary Transgender; Androgyne; Gender Gifted; Gender Blender; Femme; Person of Transgender Experience; Androgynous (NYC, 2017). O reconhecimento de 31 gêneros é importante no sentido de colocar existências minoritárias enquanto sujeitos de direitos. Todavia, ainda se pauta em matriz conservadora que ensejou os binarismos e na tentativa de catalogação da existência e da experiência humana. Trata-se de posicionamento progressista, mas ainda não alcança o verdadeiro respeito e reconhecimento a uma existência não catalogável e impossível de se transcrever em regulações. Pressupor que há 31 gêneros ainda pode significar que para as vidas humanas há somente 31 destinos. Sobre posicionamentos estatais tratados pela população como progressista, mas ainda enraizados em matrizes conservadoras, Bunchaft (2016, p. 222) afirma que no que se refere ao o voto do Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do Recurso Extraordinário n. 84.5779: (...) a despeito da preocupação do eminente Ministro Relator com a efetivação dos direitos de transexuais e do conteúdo progressista de seu voto, sua argumentatividade não revela alcance teórico para desestabilizar a estrutura binária inerente às práticas normalizadoras que estabelecem padrões heteronormativos, posto que pressupõe, implicitamente, o paradigma da autorrealização delineado por Honneth. Sendo assim, a fim de reafirmar e proteger a existência de todo e qualquer gênero, entende-se que o Direito dos Refugiados deve abraçar para si o que Butterman (2012) chama de “grito queer”: “você não me define!”. Em outras palavras, abraçar o conceito “grito queer” significa dizer que o Direito dos Refugiados precisa adotar uma perspectiva de que seres humanos não podem ter suas experiências afetivas, sexuais e corporais reguladas, catalogadas ou fixadas pelo Direito. A partir dessa perspectiva, todavia, percebe-se que não só quem são os refugiados por questões de gênero precisa ser discutido, mas também o que, de fato, signifique perseguição. 131 3.3 AMPLIANDO O CONCEITO DE PERSEGUIÇÃO Até o momento discutiu-se sobre a necessidade de colorir o Direito dos Refugiados, uma vez que os textos nacionais e internacionais não viabilizam o conceito de refúgio por questões de gênero. Além disso, criticou-se fortemente o Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011), uma vez que: separa a luta das mulheres das lutas de todos os outros gêneros; confunde os termos “gênero”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”; define e procura proteger somente alguns gêneros de matriz ocidental. Todavia, parece que há omissão maior ainda no que se refere à interpretação do termo perseguição, porque os textos do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011) são bastante claros ao inferir que os gêneros perseguidos são geralmente aqueles que vivem nos 71 países que criminalizam as performances não-hegemônicas dos gêneros, conforme apontado no capítulo 2 desta tese. Dessa forma, a comunidade internacional, as organizações não-governamentais e o universo acadêmico mobilizam-se no sentido de viabilizar esses refúgios como já demonstrado. Todavia, aponta-se: estar jurado de morte ou condenado à prisão não são as únicas perseguições às quais gêneros não-hegemônicos estão submetidos. Há outras violências a serem consideradas. Johan Galtung (1969, pp. 167-191) aponta que no que se refere à violência, o referido termo subdivide-se em três espécies: a violência direta; a violência estrutural; e a violência cultural. A violência direta, para Galtung (1969, pp. 167-191), refere-se a ataques a determinado indivíduo. Sendo assim, os países que atacam os gêneros em seus textos constitucionais e legais, imputando-os penas de prisão, multa ou morte, praticam violência direta contra seus cidadãos. Todavia, há outros países que podem perpetuar violências estruturais e culturais, por ação ou por omissão. A violência estrutural, para Galtung (1969, pp. 167-191), refere-se a ataques indiretos a indivíduos, privando-os de alguns direitos e liberdades. Um exemplo de violência estrutural está em leis que não permitem que mulheres realizem algum tipo de trabalho. Este tipo de violência não entra no conceito de perseguição do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011). Para Galtung (1969, pp. 167-191), a violência cultural, por sua vez, refere-se a determinadas privações que alguns grupos sofrem por questões religiosas e de tradição. Neste sentido, o Estado falha ao não propiciar uma alternativa a estes indivíduos desprovidos. Este 132 tipo de violência também não entra no conceito de perseguição do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011). Em outras palavras, há países que perseguem gêneros não porque criminalizam existências, mas porque não as reconhecem, ou ainda, impedem que se tenha acesso a Direitos Humanos básicos: como por exemplo, constituir uma família ou exercer determinadas profissões. Discutir a ampliação do conceito de perseguição significa também, portanto, ampliar o conceito de refúgio por questões de gênero. Tal ampliação, todavia, precisa ser discutida e articulada para não se considerar que qualquer violação sofrida pelos gêneros enquadre-se na hipótese de perseguição e consequentemente descaracterize o conceito de refúgio por questões de gênero. Sendo assim, percebe-se que tal rearticulação do conceito de perseguição deve incidir também sobre quais os limites da ampliação deste conceito. A ampliação e ao mesmo tempo delimitação do conceito de perseguição constitui uma maneira pragmática de proteger os Direitos Humanos de quem tem urgência. Porém, nada impede que outras formas de migrações humanitárias sejam articuladas, levando em consideração desrespeitos a identidades (BENHABIB148; RESNIK, 2009, pp. 1-44). Um exemplo de alternativa seria a expedição de vistos humanitários para situações que não se enquadrem no conceito expandido de perseguição, conforme já sugerido pela nova Lei de Migração brasileira. Além disso, não cabe somente ao Direito Migratório cuidar da tutela da dimensão migratória da proteção da diversidade, mas o próprio Direito da Aquisição de Cidadania (Citizenship Law) também parece responsável para proteger aqueles que saem de seus países a fim de protegerem suas identidades (DAUVERGNE, 2009, pp. 333-355). Voltando-se à questão do refúgio, percebe-se o quanto um Direito dos Refugiados colorido precisa rearticular o conceito de perseguição, porque gêneros estão em risco e não parecem se enquadrar no status de “refugiados de gênero/sexuais” precariamente desenhado até então. Para que se possa elucubrar uma proposta de rearticulação possível, portanto, aponta-se no ANEXO A desta tese alguns mapas que demonstram como estão alguns direitos garantidos ao redor do mundo no que se refere à proteção dos gêneros. Importante salientar que os referidos 148Seyla Benhabib é professora de Ciência Política e Filosofia da Yale University, Estados Unidos, e foi diretora do Programa de Ética, Política e Economia da mesma universidade. A professora Benhabib foi também presidente da Divisão Oriental da Associação Americana de Filosofia. Ela graduou-se no Robert College em Instambul, Turquia, e, posteriormente na Brandeis University, Massachusets, Estados Unidos. Seu doutorado foi pela Yale University, onde leciona. Ela é conhecida por sua produção na área de Feminismos e Migrações (YALE UNIVERSITY, 2018). 133 mapas foram resultado de estudos realizados pelo WORLD ECONOMIC FORUM (2017), conhecido em português como Fórum Econômico Mundial. Sobre o Mapa n. 6 retratado no ANEXO A desta tese, é importante considerar que a “proibição de se constituir um casamento”, ou pelo menos uma união civil com direitos ao menos semelhantes aos conferidos a gêneros hegemônicos, precisa ser entendida igualmente como perseguição aos gêneros minoritários. O direito de estabelecer um relacionamento de afeto e suporte com quem se escolhe deve ser entendido como Direito Humano básico e como dimensão inerente ao desenvolvimento de qualquer ser humano. Neste mesmo sentido, importante apontar a recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujo relatório proveniente da Opinión consultiva sobre identidad de género, y no discriminación a parejas del mismo sexo (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2018, grifos do autor, tradução do autor149) reiterou que: [...] a Convenção Americana não protege um certo modelo de família. Como a definição de família não é exclusiva daquela composta de casais heterossexuais, o Tribunal considerou que o vínculo familiar derivado da relação de um casal do mesmo sexo é protegido pela Convenção Americana. Portanto, considerou que todos os direitos patrimoniais que derivam do vínculo familiar de casais do mesmo sexo devem ser protegidos, sem qualquer discriminação em relação aos casais heterossexuais. O Tribunal considerou que esta obrigação internacional dos Estados transcende apenas a proteção das questões patrimoniais e é projetada para todos os direitos humanos, reconhecidos aos casais heterossexuais, tanto a nível internacional como no direito interno de cada Estado. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, para garantir os direitos dos casais do mesmo sexo, a criação de novos personagens jurídicos não é necessária e, por conseguinte, optou por alargar as instituições existentes aos casais do mesmo sexo, incluindo a casamento - de acordo com o princípio pro persona. O Tribunal considerou que esta seria a forma mais simples e eficaz de garantir os direitos derivados da ligação entre casais do mesmo sexo [...]. Tal decisão é muito importante, porque imputa aos Estados o dever de reconhecer as relações de homossexuais/homoafetivas da mesma forma que reconhece as heterossexuais/heteroafetivas e, dessa forma, reitera o entendimento que aquele Estado que não respeita esta determinação, persegue seus indivíduos não-hegemônicos. 149Texto original em espanhol: “La Corte Interamericana reiteró que la Convención Americana no protege un determinado modelo de familia. Debido a que la definición misma de familia no es exclusiva de aquella integrada por parejas heterosexuales, el Tribunal consideró que el vínculo familiar que puede derivar de la relación de una pareja del mismo sexo se encuentra protegido por la Convención Americana. Por tanto, estimó que todos los derechos patrimoniales que se derivan del vínculo familiar de parejas del mismo sexo deben ser protegidos, sin discriminación alguna con respecto a las parejas entre personas heterosexuales. La Corte consideró que esta obligación internacional de los Estados trasciende a la protección de las cuestiones únicamente patrimoniales y se proyecta a todos los derechos humanos, reconocidos a parejas heterosexuales, tanto internacionalmente como en el derecho interno de cada Estado. En este sentido, el Tribunal sostuvo que para garantizar los derechos de las parejas del mismo sexo no es necesaria la creación de nuevas figuras jurídicas, y por ende, optó por extender las instituciones existentes a las parejas compuestas por personas del mismo sexo –incluyendo el matrimonio–, de conformidad con el principio pro persona. La Corte consideró que este sería el medio más sencillo y eficaz para asegurar los derechos derivados del vínculo entre parejas del mismo sexo” (CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, 2018). 134 Sobre os dados apontados no Mapa n. 7 retratado no ANEXO A desta tese, vale ressaltar que o direito de se autodeterminar também constitui Direito Humano fundamental para existência digna de qualquer um. Aquele que não tem o direito de se autodeterminar precisa ser considerado perseguido pelo seu próprio Estado. O princípio da autodeterminação foi consagrado pela primeira vez no Direito Internacional na Carta das Nações Unidas de 1945. Posteriormente, os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966 – Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais– por sua vez, também consagraram o princípio da autodeterminação (BARBOSA, 2001, p. 314). Neste mesmo sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil, entende em seu art. 4º, III, que a autodeterminação é princípio fundamental que rege as relações internacionais do Brasil com outros povos. Embora o princípio da autodeterminação esteja mais voltado, tanto no Direito Internacional quanto no Direito Constitucional brasileiro, a uma proteção identitária coletiva150, uma sistemática protetiva da diversidade deve extender o conceito que visa proteger a uma identidade coletiva e abraçar a identidade/personalidade, uma vez que a autodeterminação de si mesmo não é menos importante que a autodeterminação de um povo. No que se refere ao Mapa n. 8, a discussão sobre a “adoção e a criação de filhos” também constitui direito muito importante nas lutas travadas pelos gêneros ao redor do mundo. Todavia, não se entende como direito intrínseco à existência humana e, portanto, não se pode considerar que os países que não permitem esta prática sejam considerados perseguidores a fim de conferir o status de refugiado àqueles que somente pela razão da adoção negada solicitam o referido status de refugiado por questões de gênero. Todavia, excetua-se situação em que o parceiro do mesmo gênero é pai/mãe biológico do filho e cria a criança num ambiente de afeto em parceria com o outro parceiro do mesmo gênero. Nesta situação, esse(a) pai/mãe socioafetivo parece ter o direito de se refugiar a fim de criar seu filho por afinidade quando assim é impedido de fazê-lo. No que se refere ao Mapa n. 9 retratado no ANEXO A desta tese, discutir sobre a proteção contra a discriminação é elemento que precisa ser levado em consideração e pode, conforme análise do caso concreto, fazer com que se estabeleça ampliação do conceito de perseguição, uma vez que a falta de devidas proteções pode colocar em risco identidades minoritárias. 150Conforme discutido no capítulo 1 desta tese, muitas vezes os Direitos Humanos já evoluíram mais na proteção das identidades coletivas do que das identidades/personalidades. 135 No que se refere ao Mapa n. 10 retratado no ANEXO A desta tese, a discussão sobre a “proteção contra discriminação sofrida no mercado de trabalho” não parece elemento que isoladamente pode ser levado em consideração para que se estabeleça ampliação do conceito de perseguição. Todavia, deve-se lembrar que não existirem proteções contra a discriminação no mercado de trabalho é algo bastante diferente de “proibir que determinadas identidades exerçam determinadas profissões”, o que, por sua vez, configura perseguição. No que se refere ao Mapa n. 11 retratado no ANEXO A desta tese, a discussão sobre a “proteção contra a discriminação sofrida especificamente no que diz respeito ao ambiente familiar”, entende-se que não é elemento que isoladamente pode ser levado em consideração para que se estabeleça ampliação do conceito de perseguição. Sendo assim, acredita-se importante fazer uma análise sobre as outras políticas públicas elaboradas no âmbito estatal para proteger as referidas identidades. Todavia, entende-se que uma vez comprovado que o Estado não está equiparado para suprir a ausência de amparo familiar, então, há que se falar em ampliação do conceito de perseguição. No que se refere ao Mapa n. 12 retratado no ANEXO A desta tese, entende-se que a falta de proteção contra a discriminação nas forças armadas dos países é elemento que isoladamente pode ser levado em consideração para que se estabeleça ampliação do conceito de perseguição; uma vez que é uma forma de trabalho a qual determinada identidade negada a exercer. No que se refere ao Mapa n. 13 retratado no ANEXO A desta tese, entende-se que a ausência de “proteção contra discriminação sofrida para a doação de sangue”, não é elemento que isoladamente pode ser levado em consideração para que se estabeleça ampliação do conceito de perseguição. No que se refere ao Mapa n. 14 retratado no ANEXO A desta tese e à discussão sobre a “proibição das terapias de conversão151”, entende-se que não é elemento que isoladamente pode ser considerado para que se estabeleça ampliação do conceito de perseguição, muito embora a luta da comunidade internacional obviamente tenha que ser no sentido de combater as referidas terapias. Além das questões apontadas pelos mapas em referência, que se destinam mais especificamente a direitos amplamente reivindicados pela população LGBTTIQ+, também é 151A terapia de conversão é a prática pseudocientífica de tentar mudar a orientação sexual de um indivíduo usando intervenções psicológicas ou espirituais, às vezes acompanhadas, inclusive de eletrochoques ou outras terapias já proibidas pelas associações de classe tanto da medicina quanto da psicologia. É importante apontar que não há praticamente nenhuma evidência confiável de que a sexualidade pode ser controlada ou alterada e os órgãos médicos alertam que as práticas de terapia de conversão são ineficazes e potencialmente prejudiciais (ANTUNES, 2016, p. 71). 136 importante apontar que as mulheres sofrem algumas violências específicas, as quais também podem ser configuradas como perseguições a serem expandidas. Inclusive, um dos grandes problemas do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011, p. 82, grifos do autor) é que ao separar as lutas das mulheres das lutas dos outros gêneros não-hegemônicos e definir o que leva uma mulher a ser considerada “refugiada de gênero”, o faz de uma maneira um pouco vaga, não abrangendo alguns problemas que as mulheres enfrentam ao redor do mundo, nos seguintes termos: Não há dúvidas de que estupro e outras formas de violência baseadas no gênero, como a violência relacionada ao dote, mutilação genital feminina, violência doméstica e tráfico, são atos que infligem dores e sofrimentos graves – tanto mentais quanto físicos – e que foram utilizados como formas de perseguição, seja por atores Estatais ou por atores privados. Sobre a passagem trazida do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011) vale ressaltar que é muito importante, uma vez que reconhece que as refugiadas por questões do gênero não necessariamente precisam sofrer abusos físicos para assim se enquadrarem; e, além disso, cataloga algumas práticas, como: violência relacionada ao dote, mutilação genital feminina, violência doméstica e tráfico humano. Há, todavia, outras práticas que também precisam ser catalogadas; tais práticas estariam dentro do conceito perseguição expandida. Sobre as práticas já catalogadas pelo Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011), vale esclarecê-las um pouco mais a fim de demonstrar como é essencial sua catalogação em um Direito dos Refugiados Colorido que procure ampliar o conceito de perseguição. A “violência relacionada ao dote”, conforme aponta o manual, também é conhecida como “prática de queima de noivas” (ou “bride burnning”). A “queima de noivas” é considerada uma forma de violência doméstica praticada em países localizados ao redor do subcontinente indiano. Ela ocorre quando uma jovem é assassinada por seu marido ou pela família do marido pela recusa da família da noiva em pagar dote adicional. A noiva é tipicamente coberta viva com querosene, gasolina, ou outro líquido inflamável e é levada à morte por fogo. A queima de noivas foi reconhecida como um importante problema de saúde pública na Índia, representando cerca 2.500 (duas mil e quinhentas) mortes por ano no país (STONE; JAMES, 1995, pp. 125-134). No que se refere à “mutilação genital”, também catalogada pelo manual, é importante apontar que a Organização Mundial da Saúde entende que as referidas práticas: são 137 procedimentos que intencionalmente alteram ou causam lesões aos órgãos genitais femininos por razões não médicas; não tem benefícios para a saúde das meninas e das mulheres; podem causar hemorragias severas e problemas para urinar, e posteriormente cistos, infecções, bem como complicações no parto e aumento do risco de óbitos nos bebês recém-nascidos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). Além disso, estima-se também que por conta da “mutilação genital” mais de 200 milhões de meninas e mulheres vivas hoje foram cortadas em 30 países na África, no Oriente Médio e na Ásia e que esta é uma realidade sobretudo de meninas entre a infância e a idade de 15 anos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). No que se refere à “violência doméstica”, vale ressaltar que dentro de um contexto de refúgio por questões de gênero, a referida violência precisa ser uma violência estrutural; na qual fique comprovada a incapacidade do Estado de origem garantir proteções àquele indivíduo. A organização não-governamental Nations without Domestic Violence Regulation152 (2018) publicou recentemente quais países que não possuem legislações específicas a fim de protegerem suas mulheres da violência doméstica ou que a incentivam como maneira de “homens ‘educarem’ ‘suas’ mulhreres”. São eles: Congo; Sudão; República do Congo; Iraque; Ivre; Myanmar; Chade; Swaziland; Burkina Faso; Camarões; Morrocos; Guinéia; Estonia; Russia153; Qatar; Gabon; Eritrea; Guinéaia Equatorial; Djibouti; Níger; Haiti; Egito; Omã; Síria; Sudão; Emirados Árabes; Bahrain; Afeganistão; Mauritania; Yemen; Palestina; Uzerbaijão; Armênia; Mali; Liberia; Lesotho; Líbia; Tunísia; Togo; Micronésia; Algéria; Tanzânia; Kênia; e Kuwait. Todavia, é importante que o país que acolha o refugiado por questões de gênero faça uma análise específica do caso concreto, uma vez que haver legislação protetiva não necessariamente signifique que as referidas identidades estão, de fato, protegidas. Por fim, o Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011, pp. 83-84) estabelece que indivíduos correndo o perigo de serem vítimas do tráfico de seres humanos podem ser qualificadas como refugiadas por questões de gêneros. Especificamente sobre tráfico de seres humanos, haverá um item específico sobre o 152A organização não-governamental Nations without Domestic Violence Regulation é uma instituição criada com o principal objetivo de mapear a situação dos países pelo mundo que ainda não criaram legislações e políticas públicas para protegerem suas mulheres da violência doméstica (NATIONS WITHOUT DOMESTIC VIOLENCE REGULATION, 2018). 153A Rússsia há algum tempo tem se esforçado no sentido de ampliar sua participação internacional. Alguns exemplos desta iniciativa dão-se por meio de sua atuação perante a guerra da Síria, sua participação nos BRICS (grupo de países considerados emergentes, mas que estão em desenvolvimento, composto por: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), suas posições contra majoritárias no Conselho de Segurança da ONU ou suas tentativas de influência ou dominação de países vizinhos. Todavia, é inadmissível que qualquer país que aprove leis, como a que aprovou recentemente permitindo homens “disciplinarem” suas esposas, assuma qualquer espécie de liderança na comunidade internacional. É por isso, que no capítulo 5º desta tese, desenha-se um modelo de Estado feminista, conforme proposto por MacKinnon (1989), a fim de lutar pelos gêneros perante a comunidade internacional. 138 assunto no capitulo 4 desta tese, uma vez que se acredita que o tráfico de seres humanos, além de uma hipótese de perseguição, também é situação na qual devem desenvolver-se uma série de políticas públicas, visto que é uma atividade ligada às migrações. Sobre estas hipóteses trazidas pelo Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011), vale ressaltar que são extremante positivas e por isso precisam continuar catalogadas e enfatizadas em um conceito de perseguição expandida. Todavia, há ainda outras catalogações que precisam ser trazidas por um Direito dos Refugiados colorido. A primeira catalagoção que deve ser adicionada ao conceito perseguição expandida é o a proibição de se pedir divórcio. Israel, por exemplo, país que se reconhece como uma democracia não possui casamento civil, sendo o casamento, então, um ato regulamentado pelas 4 religiões reconhecidas pelo Estado (islamismo, judaísmo, cristianismo e a religião do povo curdo que habita na região). Dessa forma, portanto, conforme elucida o Talmude (texto base para a prática da vida civil da comunidade ortodoxa), mulheres judias não têm o direito de pedir o divórcio e, quando decidem romper com seus maridos, são excluídas da comunidade, não conseguindo confraternizar em sinagogas, bem como conseguir trabalhos dentro da comunidade (TRIGER, 2012). Uma solução para os fatos apresentados parece ser a migração. Uma vida solitária, com subempregos e ainda juridicamente vinculadas a um homem que as possui parece ser motivo suficiente para serem enquadradas no conceito de refúgio por questões de gênero. Inclusive, as transgressões dessas mulheres podem ser bem menos do que um mero pedido de divórcio, conforme se observa em uma placa colocada em inglês e hebraico no coração de um bairro judeu ultra ortodoxo situado em Israel que pode ser verificada em seguida: 139 Figura n. 1: Trata-se de imagem capturada pelo autor no dia 31 de março de 2018 em visita a um bairro ultra ortodoxo judaico (Mea Shearim) situado em Jerusalém, Israel. A mensagem da placa em inglês e hebraico pode ser traduzida da seguinte forma: “Para as mulheres e meninas que passem pelo nosso bairro, nós imploramos de todo nosso coração que não passem pelo nosso bairro usando roupas imodestas. Roupas modestas incluem: blusas fechadas até o pescoço, com mangas compridas, saias compridas e roupas que não apertam no corpo. Por favor, não nos incomodem quebrando com a santidade do nosso bairro e com a nossa maneira de viver conforme os mandamentos de Deus e da Torá”. Ou seja, uma intolerância mais do que externada publicamente deixa bastante claro de que não há espaço para as mulheres que resistem a qualquer condição social hegemonicamente imposta nesses ambientes, quanto mais o desejo de se divorciar. No mesmo sentido, a restrição ao “direito de recusar ‘pedidos’ de casamentos” (os “casamentos forçados”) também deve ser enquadrada como perseguição nos termos da Convenção de Genebra. O “casamento forçado” é comumente definido como uma união em que uma ou ambas as partes são coagidas em um casamento contra a vontade e sob a coação. É importante apontar também que este elemento de coação pode incluir pressão física, psicológica, financeira, sexual e emocional; e, além disso também é necessário comprovar-se 140 uma falha Estatal no combate desta espécie de prática (SABBE; TEMMERMAN; BREMS; LEYE, 2014). Uma terceira catalagoção que deve ser adicionada ao conceito perseguição expandida é a questão da “violência sexual”. Sendo assim, vale apontar que se imputa como “violência sexual” qualquer ato sexual ou tentativa de obtenção de ato sexual por violência ou coerção, comentários ou investidas sexuais indesejados, bem como atividades como o tráfico humano ou diretamente contra a sexualidade de uma pessoa, independentemente da relação com a vítima (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). Todavia, vale apontar que dentro de um contexto de refúgio por questões de gênero, a referida violência precisa ser uma violência estrutural; na qual fique comprovada a incapacidade do Estado de origem garantir proteções àquele indivíduo, vítima de violação, da mesma forma que a “violência doméstica”. É importante apontar que no que diz respeito à “violência sexual” o termo, embora geralmente tido como uma questão das mulheres, sobretudo dentro dos seus próprios lares, também se dirige a outros gêneros não-hegemônicos (MACKINNON, 1989). Sendo assim, um conceito de perseguição expandida não deve trazer somente o problema da “violência sexual” relacionado às mulheres, mas como uma questão a qual diversos gêneros não-hegemônicos parecem estar expostos. Há ainda uma quarta realidade que precisa ser catalogada em um Direito dos Refugiados Colorido a fim de amparar determinadas identidades para que se enquadrem no conceito de perseguição extendida: os abortos e outras interferências nos corpos. Vale apontar que uma das grandes lutas dos movimentos feministas pelo mundo tem sido lutas “pró escolha”, sendo que as questões envolvendo o aborto são complexas e múltiplas. Há um debate continuando se o aborto deve ser legalizado ou não. Mulheres de cada classe social ou credo procuram interromper sua gravidez por vários motivos, como a instabilidade (financeira e emocional), a gravidez como resultado de estupro ou incesto, quando o feto tem anormalidade congênita e quando a continuação da gravidez tem problemas prejudiciais à mãe (JOURNAL OF CLINICAL RESEARCH AND BIOETHICS, 2018). Há efeitos devastadores da ilegalização do aborto, como por exemplo, os abortos clandestinos154, e por conta disso, as Nações Unidas fazem a seguinte recomendação: Os organismos internacionais de Direitos Humanos caracterizaram as leis geralmente criminalizando o aborto como discriminatórias e um obstáculo ao acesso das mulheres aos cuidados de saúde. Eles recomendaram que os Estados eliminem todas as disposições punitivas para as mulheres que sofreram aborto. Esses órgãos também 154Estima-se que no mundo acorram cerca de 22 milhões de abortos clandestinos ao ano, sendo que cerca de 47 mil deles pelo menos geram complicações à vida da mulher (OHCHRb, 2018). 141 solicitaram que os Estados permitam o aborto em certos casos. Indica-se que negar o acesso das mulheres ao aborto, quando há uma ameaça para a vida ou a saúde da mulher, ou quando a gravidez é o resultado de estupro ou incesto viola os direitos à saúde, a privacidade e, em certos casos, a ser livre de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes (OHCHRb, 2018, grifos do autor, tradução do autor)155. Conceder uma condição de refugiada por questões de gênero para que aquela mulher possa realizar seu aborto com segurança, por um período determinado, considerando-se o período de procedimento e também de recuperação, parece ser hipótese de perseguição extentidada a ser trazida por um Direito dos Refugiados Colorido. Há, todavia, uma discussão que muitas vezes passa despercebida quando se discute o aborto: o “aborto compulsório”. Países como a China156 obrigam suas mulheres a realizarem abortos independentemente de sua vontade (NIE, 2011). É importante apontar, dessa forma, que a luta feminista deve caminhar no sentido de se autodeterminar enquanto “pró escolha” da mulher e não “pró aborto”; o que já acontece (MACKINNON, 1989). Todavia, como as Teorias Feministas surgem geralmente no capitalismo central157, no âmbito das democracias ocidentais desenvolvidas158, a discussão anti aborto compulsório muitas vezes fica secundária, porque não é uma realidade nesses espaços. Um Direito dos Refugiados Colorido, contudo, jamais pode negligenciar as questões não- hegemônicas e/ou não-ocidentais. Neste sentido, a Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres159 lançou uma versão das Conclusões Aprovadas da sua 57ª Sessão, resultado de uma reunião em Nova Iorque entre 4 a 15 de março de 2013 sob o tema: Eliminar a Violência contra Mulheres e Meninas. Entre as conclusões, a Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres concordou em: 155Texto original em inglês: “International human rights bodies have characterized laws generally criminalizing abortion as discriminatory and a barrier to women’s access to health care. They have recommended that States remove all punitive provisions for women who have undergone abortion. These bodies have also requested that States permit abortion in certain cases. Treaty body jurisprudence has clearly indicated that denying women access to abortion where there is a threat to the woman’s life or health, or where the pregnancy is the result of rape or incest violates the rights to health, privacy and, in certain cases, to be free from cruel, inhumane and degrading treatment” (OHCHRb, 2018). 156Ainda neste capítulo será discutida a política de double standards que a China utiliza para abortar meninas em vez de meninos; o que é inadmissível sobretudo de um país que a cada dia assume a liderança na comunidade internacional. 157“Capitalismo central” é um termo que se refere aos países que mais se beneficiam e prosperam em uma ordem econômica internacional. De acordo com esse conceito, seriam países de capitalismo central basicamente aqueles considerados desenvolvidos, conforme verificado no capítulo 2 desta tese. São países de “capitalismo periférico” os países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (MASCARO, 2014). 158É inclusive como forma de crítica a tal produção intelectual que no final dos anos 1990, intelectuais latino-americanos de diferentes universidades das Américas organizam o Grupo Modernidade/Colonialidade de modo a compreender e agir num mundo em que a colonialidade global afeta diferentes níveis, tanto da vida pessoal quanto na coletiva (DIAS; ACÂNGELO, 2017, p. 133). O grupo revolucionou as Ciências Sociais na América Latina e inspirou a criação do Feminismo Decolonial, um feminismo que estuda as questões dos gêneros a partir do prisma da América Latina (BALLESTRIN, 2013). 159A Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres é uma reunião anual de lideranças mundiais, organizações não- governamentais, empresas, parceiras e parceiros das Nações Unidas e ativistas de todo o mundo, para discutir a situação dos direitos das mulheres e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todas as partes do mundo. A ONU Mulheres atua como secretariado da Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW), que se reúne, no mês de março, em Nova Iorque, há cerca de 60 anos. Essa é uma das principais instâncias de negociação e de monitoramento de compromissos internacionais sobre Direitos Humanos das Mulheres (COMISSÃO DA ONU SOBRE A SITUAÇÃO DAS MULHERES, 2018). 142 Condenar e tomar medidas para prevenir a violência contra mulheres e meninas em ambientes de cuidados de saúde, incluindo assédio sexual, humilhação e procedimentos médicos forçados, ou aqueles realizados sem consentimento informado e que podem ser irreversíveis, como a histerectomia forçada, cesariana forçada, esterilização forçada, o aborto forçado e o uso forçado de contraceptivos, especialmente para mulheres e meninas particularmente vulneráveis e desfavorecidas, como as que vivem com HIV, mulheres e meninas com deficiência, mulheres e meninas indígenas e afrodescendentes, adolescentes grávidas e mães jovens, mulheres mais velhas e mulheres e meninas de minorias nacionais ou étnicas (COMMISSION ON THE STATUS OF WOMEN, 2018, grifos do autor, tradução do autor160). Ou seja, não somente os abortos forçados precisam ser considerados hipóteses de perseguição extendida, mas também: histerectomias forçadas, cesarianas forçadas, esterilizações forçadas, uso forçado de contraceptivos ou qualquer outra posição estatal que exerça controles sobre os corpos. Vale apontar também que terapias invasivas em relação aos corpos não acontecem somente no que diz respeito aos corpos das mulheres. Najmabadi (2008, p. 23-42), em pesquisa financianda pela Harvard University, aponta que no Irã, onde, conforme já demonstrado, a homossexualidade/homoafetividade é condenada com pena de morte, mas a transsexualidade é legal, o Estado iraniano costuma forçar (direta e indiretamente) gays a realizarem a cirurgias de transgenitalização. Trata-se, portanto, de outra ingerência sobre o corpo passível de catalogação enquanto perseguição extendida para fins de enquadramento no status de refugiados por questões de gênero. Sendo assim, considera-se que ampliar o conceito de perseguição seja necessário; de mesmo modo, não é pragmático considerar qualquer violação aos Direitos Humanos dos gêneros como possível hipótese de ampliação. As hipóteses de ampliação devem, portanto, pautar-se na ofensiva aos seguintes direitos: o direito ao divórcio; o direito ao casamento entre os gêneros; o direito de escolher seu próprio gênero; o direito ao parentesco por afinidade; o direito a políticas antidiscriminação; o direito ao trabalho e a exercer qualquer profissão; o direito de não se submeter à prática de queima de noiva; o direito de recusar “pedidos” de casamentos; o direito de ser protegido de violência doméstica e sexual; e o direito ao aborto, ao 160 Texto original em inglês: “Condemn and take action to prevent violence against women and girls in health care settings, including sexual harassment, humiliation and forced medical procedures, or those conducted without informed consent, and which may be irreversible, such as forced hysterectomy, forced caesarean section, forced sterilization, forced abortion, and forced use of contraceptives, especially for particularly vulnerable and disadvantaged women and girls, such as those living with HIV, women and girls with disabilities, indigenous and afro-descendent women and girls, pregnant adolescents and young mothers, older women, and women and girls from national or ethnic minorities” (COMMISSION ON THE STATUS OF WOMEN, 2018). 143 não aborto e de não submeter seu corpo a qualquer procedimento forçoso, inclusive cirurgias de transgenitalização. Por fim, é importante também apontar que um Direito dos Refugiados Colorido, embora tenha que catalogar algumas práticas, também precisa trazer alguns conceitos indeterminados e abertos a fim de amparar outras identidades que, em análise de caso concreto, precisem de proteção. Sobre quais os princípios que devem reger esta análise haverá uma discussão sobre o assunto no capítulo 4 desta tese. Dessa forma, uma nova abordagem do termo perseguição tira do foco as identidades que em sua maioria só encontravam amparo se estivessem em país que expressamente condenasse em seus códigos penais e as referidas identidades; e algumas violências específicas as quais as mulheres estavam submetidas (em detrimento de outras violências não catalogadas). Um Direito dos Refugiados Colorido amplia o entendimento de perseguição e confere dignidade para que se possa viver uma vida, de fato, digna. 3.4 O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO DENTRO DE OUTROS REFÚGIOS Um dos desafios de trazer perspectiva de gênero ao Direito está no fato de superar invisibilidades. Sobre o tema, vale lembrar que a invisibilidade como experiência moral é sofrida, porque está relacionada ao sentimento de inexistência social (HONNETH, 2006, pp. 225-243). Para Honneth (2006, pp. 225-243), a invisibilidade é uma situação social particular na qual “os dominantes exprimem a sua superioridade ao não verem aqueles que eles dominam”. Sendo assim, o ato de “não ver” é determinado pela história individual e coletiva num movimento intersubjetivo e cultural entre aquele que não vê e aquele que não é visto (TOMÁS, 2017). Este movimento intersubjetivo determina as relações de reconhecimento recíproco, cabendo ao papel contra majoritário dos Direitos Humanos romper com este paradigma. O Direito dos Refugiados, por sua vez, enquanto subsistema dos Direitos Humanos e enquanto dimensão da proteção da diversidade humana tem como dever romper com invisibilidades e não colaborar com sua propagação. Neste sentido, percebeu-se ao longo deste capítulo invisibilidades que precisam ser superadas ao se diagnosticar quem sejam os refugiados por questões de gênero: não só mulheres heterossexuais/heteroafetivas, gays, lésbicas ou transgêneros, mas todo e qualquer gênero (inclusive não binário e não ocidental) que se encontra perseguido por conta de suas condições sexuais, corporais e afetivas; bem como invisibilidades que precisam ser superadas ao se 144 diagnosticar o que de fato signifique perseguição: uma vez que o termo perseguição não pode se apegar somente a uma matriz Estatal positiva que expressamente persiga os gêneros, mas a negações sutis de direitos básicos que impossibilitem uma vida digna. Todavia, ainda é necessário tornar visível um terceiro conceito: o refúgio de gênero dentro de outras espécies de refúgio. Ou seja, é preciso questionar o conceito de refugiado por questões de gênero não somente pela perspectiva de emigrações por questões intrínsecas a gênero, porque parece haver outros migrantes de gênero invisíveis. Uma mulher, por exemplo, que tenha emigrado de seu país por conta de uma guerra (e não por questões de ameaça aos seus Direitos Humanos pelo simples fato de possuir determinada condição de gênero) pode ser considerada uma refugiada por questões de gênero, porque, quando chega em seu país de destino, pode estar sob a vulnerabilidade com que aquele país trata o gênero “mulher”. Além disso, as vulnerabilidades dos gêneros acompanham-nos não somente nos países de partida e de destino, mas também durante todo seu processo de diáspora. Nas migrações pelo mar161, por exemplo, mulheres estão muito suscetíveis à violência sexual dentro de embarcações precárias geralmente dirigidas por traficantes de seres humanos. Há que se considerar, portanto, durante uma fuga pelo mar, que um refugiado de guerra pode também acumular a característica de refugiado por questões de gênero. Ou seja, os refugiados por questões de gênero não necessariamente se encaixam no conceito porque foram perseguidos em seu país de origem, mas porque são perseguidos em algum momento do seu processo de refúgio; seja de forma direta ou de forma indireta. Vale apontar também que a reconfiguração deste conceito é muito importante, porque pode influenciar na escolha do país ao qual determinada pessoa pode ser levada, bem como na espécie de acolhimento que este tipo de refugiado precisará receber, o que, por sua vez, influencia no desenho de políticas públicas, conforme melhor discutido no capítulo 4 desta tese. 3.5 O “PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA UNIDADE FAMILIAR” RESSIGNIFICADO PELO DIREITO DOS REFUGIADOS COLORIDO: O QUE É FAMÍLIA? Conforme já apontado neste capítulo, a Convenção de Genebra elucida o “princípio da unidade familiar” dos refugiados, o que significa dizer que a comunidade internacional, a sociedade civil e os Estados tem obrigação de reunir esforços para que os refugiados permaneçam juntos com suas respectivas famílias durante todo o processo de refúgio: desde 161Importante apontar que se estima que em 2017, 60 mil imigrantes chegaram à Europa pelo mar (O GLOBO, 2017). 145 sua solicitação, bem como pelo trajeto ao país de destino, até a estadia no país de destino; ou ainda em caso de uma possível volta ao país de origem. Este princípio parece plausível, mas também revela heteronormatividade, porque considera o conceito “família” a partir de um pressuposto heteronormativo do que seja esta palavra. Neste sentido, Moris (2008) aponta que o conceito de família nasce do pressuposto de um ambiente de afeto e proteção mútuos, não necessariamente de laços sanguíneos, que estão, por sua vez, relacionados à heterossexualidade/heteroafetividade e à reprodução. Moris (2008) aponta ainda que no que se refere à questão dos gêneros, torna-se mais comum que identidades rejeitadas por suas próprias famílias construam novas entidades familiares, chamadas de “redes de apoio”, as quais reinventam a proteção e amparo familiar pautados em afetividade. Neste sentido, Waaldijik162 (2014, p. 56, tradução do autor163) aponta que: (...) existe uma tendência clara de mais igualdade e mais diversidade, tanto no direito nacional [referindo-se aos Países Baixos] quanto no direito europeu. E isso é acompanhado em Estrasburgo por um vocabulário completo que valida a vida familiar do mesmo sexo e não familiar, incentivando os legisladores a ampliar a proteção e reconhecimento legal (...). Ou seja, defende-se a configuração de entidades de suporte dentro e fora das famílias. Sendo assim, em uma situação de perseguição é muito importante pensar articulações para que o “princípio da unidade familiar” seja estendido a redes de apoio. Trata-se de incluir o referido princípio dentro de uma sistemática protetiva da diversidade. Neste mesmo sentido, aponta-se que não somente a família heteronormativa não pode servir de paradigma para a aplicação do “princípio da unidade familiar”, como também a ocidental. Dessa forma, a organização não-governamental ORAM (2016, p. 5) aponta que em Israel os formulários para receber os refugiados, no que se refere aos dados de suas respectivas famílias, são elaborados no seguinte sentido: 162Kees Waaldijk é graduado e mestre em Direito pela University of Rotterdam, Países Baixos, bem como doutor em Direito pela University of Maastricht, Países Baixos. Kees Waaldijk é professor titular da única cadeira de Direito Internacional LGBTTIQ+ do mundo na Leiden Law School, Países Baixos. Suas áreas de interesse são: Direito Internacional Comparado; Direito das Famílias; Direitos Humanos; relações entre mesmos gêneros; e Direito da Orientação Sexual (LEIDEN LAW SCHOOL, 2018). 163Texto original em inglês: “(…) there is a clear trend of more equality and more diversity, in both national and European law. And this is accompanied in Strasbourg by a whole vocabulary that validates same-sex and nonmarital family life, thereby encouraging lawmakers to extend greater legal protection and recognition (…)” (WAALDIJK, 2014, p. 56). 146 Figura n. 2: Trata-se de imagem divulgada pela organização não governamental ORAM. Ela é uma parte de um formulário de cadastramento dos refugiados que são acolhidos por Israel, sendo que neste formulário atualmente se solicita o status marital do refugiado, bem como o nome do seu respectivo cônjuge. De acordo com a organização não-governamental ORAM (2016, p. 6) este modelo apresentado não abrange a realidade de muitos dos refugiados que chegam em Israel. Dessa forma, sugere que se adote o seguinte modelo: Figura n. 3: Trata-se de imagem divulgada pela organização não-governamental ORAM. Ela é uma parte de uma proposta de formulário de cadastramento dos refugiados que serão acolhidos por Israel, sendo que neste formulário atualmente solicita-se o status marital do refugiado, pautando-se em uma concepção diversa do que signifique este status. O formulário proposto entende que nem toda a cultura possui relações monogâmicas, sugerindo que se adicione os 147 nomes de diversos cônjuges. Além disso, o formulário prevê que relações não necessariamente conjugais podem ser inseridas. Esse segundo modelo apresentado contempla o princípio da proteção da diversidade, porque aplica o “princípio da unidade familiar” sob uma perspectiva não heternormativa e não- ocidentalizada, entendendo que o afeto não é necessariamente monogâmico (considerando também a hipótese de poliafeto) e também não necessariamente construído sobre bases maritais com fins procriativos ou biológicos, mas numa construção de vida pautada em amparo e proteção capaz de conferir dignidade a identidades plurais. Neste mesmo sentido, Waslum (2009, pp. 228-251) aponta o quanto é importante a extensão do “princípio da unidade familiar” para garantir a dignidade feminina, uma vez que a família embora seja um ambiente de apoio, proteção e amparo, também tornou-se um instituto de exclusão a quem não se adapta ao seu rígido formato, bem como de dominação da mulher. Para Waslum (2009, pp. 228-251) o “princípio da unidade familiar” garante que mulheres carreguem consigo as mesmas questões que encontravam no seu país de origem: maternidade, submissão ao homem e à família, gravidez, amamentação, violência doméstica. O próprio “princípio da unidade familiar”, inclusive, precisa contemplar estas questões mencionadas enquanto subdimensões, porque manter uma família unida não pode estar somente atrelado à ideia de manter a família fisicamente unida, mas sim dignamente unida e afetivamente unida. A dignidade da mulher, dessa forma, precisa ser comtemplada e suas questões precisam ser trabalhadas, porque o “princípio da unidade familiar” não pode se manter às custas do sofrimento da mulher. Neste mesmo sentido, vale apontar um exemplo dado por Waslum (2009, pp. 228-229, tradução do autor164): 164Texto original em inglês: “In the summer of 1997, Joyce, a young Colombian mother, traveled to the Netherlands, leaving her six-year-old daughter, Emily, behind with family. Joyce had never married Emily’s father, and their paths had separated soon after Emily’s birth. Joyce therefore had to support both herself and her daughter. Her purpose in coming to the Netherlands was to visit a sister who was already living there and to explore the possibilities that Europe might have to offer. Once she had established herself there, she hoped to have Emily come over to join her. Joyce’s tourist visa expired after three months, but she decided to stay in the Netherlands and try her luck a little longer. After a year or so of staying with her sister and friends, earning money with odd jobs, cleaning and babysitting, she met a Dutchman, fell in love, and decided to stay for good. Getting a residence permit, however, took longer than she had hoped. Her new boyfriend had his own business, and it took some time before he was able to convince the authorities that he would be able to support Joyce. As soon as she had acquired a residence permit, Joyce booked a flight to Colombia to visit Emily. By then, they had been separated for well over two years. Back in the Netherlands, Joyce applied for a residence permit and her daughter. By early 2000, she had collected all the necessary papers and set an application for a permit. When she received a summons from the immigration authorities, she went to her appointment expecting good news. But Emily’s request for residence permit had been rejected. At the time, Dutch law on family reunification required proof that there was ‘effective family bond’ between the petitioning parent and the child, that is, that the parent had been effectively involved in the financial support and upbringing of the child, despite the geographic separation. In the eyes of Dutch immigration authorities, the family bound between was no longer strong enough to justify the child’s admission on the legal grounds of family reunification. Joyce lost her appeal. By that time, she had become a Dutch citizen, she had given up her Colombian nationality, and she and her Dutch boyfriend of five years had had a child together (…)” (WASLUM, 2009, p. 228-229). 148 No verão de 1997, Joyce, uma jovem mãe colombiana, viajou para a Holanda, deixando sua filha de seis anos, Emily, para trás com a família. Joyce nunca se casou com o pai de Emily, e seus caminhos se separaram logo após o seu nascimento. Joyce, portanto, teve que apoiar tanto a si mesma quanto à filha. Seu propósito em chegar à Holanda era visitar uma irmã que já vivia lá e explorar as possibilidades que a Europa poderia ter para oferecer. Uma vez que ela se estabeleceu lá, ela esperava que Emily se aproximasse para se juntar a ela. O visto de turista de Joyce expirou depois de três meses, mas ela decidiu ficar na Holanda e tentar sua sorte um pouco mais. Depois de um ano ou mais de ficar com sua irmã e amigos, ganhando dinheiro com trabalhos pouco prestigiados, como de limpeza e de babá, conheceu um holandês, se apaixonou e decidiu ficar para sempre. Obter uma autorização de residência, no entanto, demorou mais do que esperava. Seu novo namorado tinha seus próprios negócios, e demorou algum tempo antes de poder convencer as autoridades de que ele poderia bancar Joyce, conforme requisitado na lei local no caso de migração. Assim que adquiriu uma autorização de residência, Joyce reservou um vôo para a Colômbia a fim visitar Emily. Até então, elas haviam sido separadas já fazia mais de dois anos. De volta à Holanda, Joyce solicitou uma autorização de residência à sua filha. No início de 2000, ela havia coletado todos os papéis necessários e estabeleceu um pedido de licença. Quando recebeu uma convocação das autoridades de imigração, ela foi a sua consulta esperando boas notícias. Todavia, o pedido de autorização de residência da Emily fora rejeitado. Na época, a lei holandesa sobre o reagrupamento familiar exigia a prova de que havia "vínculo familiar efetivo" entre a mãe requerente e a criança, ou seja, que a mãe tinha envolvido-se efetivamente no apoio financeiro e na educação da criança, apesar da situação geográfica de separação. Aos olhos das autoridades de imigração holandesas, a família vinculada não era mais forte o suficiente para justificar a admissão da criança nos fundamentos legais do reagrupamento familiar. Joyce perdeu a apelação. Naquela época, ela se tornou uma cidadã holandêsa, o que a obrigou a abandonar sua nacionalidade colombiana e estava com seu parceiro holandês de cinco anos juntos, bem como com um filho que haviam tido (...). Embora o exemplo dado não seja de uma situação de refúgio, poderia ser, porque os requisitos para outras espécies de imigrantes e refugiados adquirirem nacionalidade costumam ser bastante similares na maioria dos países. Inclusive, uma jurisprudência pode ser machista e heteronormativa o suficiente para não apontar o quanto o elemento gênero fez com que Joyce abondasse a Colômbia e escolhesse justamente um dos países com a menor desigualdade de gênero do mundo, a Holanda (GLOBAL GENDER GAP REPORT, 2017). Além disso, o caso apontado demonstra o quanto o “princípio da unidade familiar” apresentado pela Convenção de Genebra precisa partir de uma perspectiva de gênero e contemplar mães migrantes, sobretudo as solteiras e divorciadas (WASLUM, 2009, p. 235). Ou seja, esse princípio não pode se referir somente a uma família heternormativa migrante, gerida por um homem e sustentada por mães cuidadoras e dispostas e abrir mão de sua própria dignidade para a preservação da referida unidade. Dessa forma, o “princípio da unidade familiar” não pode servir como uma ferramenta de dominação e exclusão, que pune gêneros não-hegemônicos, bem como mulheres que não se 149 enquadram no conceito de “boas mães”165 ou identidades que criem laços de fato destoantes de uma matriz ocidental do que signifique “família”. Um conceito de refúgio por questões de gênero rearticula, assim, o “princípio da unidade familiar”. 3.6 O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO DENTRO DE UM MESMO PAÍS: NAÇÕES DIFERENTES, MESMAS NACIONALIDADES Conforme observado no capítulo 1 desta tese, um dos grandes desafios dos instrumentos jurídicos que procuram proteger a identidade cultural é exatamente uma articulação clara no sentido de não confundir os conceitos de “nação” e “país”. Isso porque, dentro de um único país podem existir diferentes nações. É por isso, inclusive, que o governo canadense, conforme será observado no capítulo 4 desta tese, ao se referir à sua população LGBTTIQ+ em alguns momentos utiliza-se do termo LGBTQ2, sendo que a referência ao número 2 é uma menção a um gênero conhecido como Dois-Espíritos (também "espíritos-duplos", ou "212"). Este gênero é encontrado entre os nativos americanos (ameríndios) que desempenham um dos muitos papéis de gênero mistos tradicionalmente encontrados entre muitas comunidades indígenas nativas estadunidenses e canadenses; sendo que os Dois-Espíritos costumam vestir roupas e executar o trabalho tanto do que se entende por gênero masculino, quanto pelo que se entende por gênero feminino em seu dia-a-dia (CAMERON, 2005). Fernandes (2015), por sua vez, aponta que já há grupos de jovens indígenas LGBTTIQ+ nas regiões norte e nordeste do Brasil, bem como o fato de identidades serem perseguidas não somente pelas próprias comunidades, mas quando transitam fora dela. Dessa forma, vale apontar que é necessário em alguns casos concretos conferir o status de refugiado por questões de gênero quando (e se) aquela determinada identidade perseguida precisa acessar determinada política pública específica. Por exemplo, uma política educacional que o possibilite aprender determinada língua ou alguma proteção específica que o país preste a seus refugiados por questões de gênero. 165Sobre o conceito de “boa mãe”, vale ressaltar que é trazido por Waslum (2009, p. 235-237) e faz referência a legislações ao redor do mundo que impedem que mães tragam seus filhos para perto de si em uma situação de diáspora, uma vez que se constatou que “falharam” na sua maternidade. A legislação destes países utiliza-se de critérios anti-feministas para dizer se uma mãe deve (ou não) ter seu filho abandonado para aquele país. Em outras palavras, julga a mulher que deixou seu filho no país de emigração. 150 3.7 HOMENS PERSEGUIDOS, MULHERES VIOLADAS Há ainda uma espécie de refugiados por questões de gênero que precisa ser levada em consideração: as mulheres que são perseguidas por vingança de atos, condições ou posições políticas de seus pais e maridos (CANDADAb, 2018). Elas não são perseguidas por suas próprias convicções ou condições existenciais, elas são perseguidas, porque são consideradas propriedades de seus maridos e para punir o proprietário, uma forma muito eficaz é danificando a propriedade deles (MACKINNON, 1983). Uma prática que demonstra que essa mentalidade é bastante comum é o “sati”, um ritual de tradição hinduísta, o qual consiste em sacrificar a viúva quando o marido morre primeiro. Práticas como essa partem do princípio que uma mulher está vitalmente ligada ao seu marido mesmo depois do falecimento dele. Sobre a relação existente entre o “sati” e o hinduísmo, Bushaw (2007, p. 7, grifo do autor, tradução do autor166) aponta que: No hinduísmo [para algumas de suas correntes], acredita-se que toda a vida de uma mulher gira em torno do marido. A fidelidade e o serviço a ele são o único dever e propósito principal da vida de uma mulher hindu. Quando um marido morre em tenra idade, sua esposa é [dentro dessas correntes] responsabilizada, e se acredita que ela não cumpriu seus deveres ao cuidar dele. Por essa razão, as viúvas são vistas como membros indesejáveis da sociedade. Na morte do marido, os símbolos do casamento da esposa, como suas pulseiras e a marca Kumum na testa, são removidos. Acredita- se que o casamento seja um símbolo de boa sorte, beleza, prazer e riqueza; por sua vez, a viuvez é vista como um estado feio, trágico, impuro e cheio de pobreza, desprovido de alegria. Portanto, o sati no funeral do marido [para essas correntes] é visto como uma purificação religiosa imediata da miséria que ela acumularia vivendo como viúva. Ou seja, há uma pressão social para que a mulher cometa o “sati” e, analisando alguns casos concretos é muito claro observar que elas são fisicamente forçadas a realizar a prática (BUSHAW, 2007). Outro exemplo que demonstra o quanto as mulheres são punidas pela situação ou pela posição de seus maridos é a “violência sexual em tempos de guerra”. 166Texto original em inglês: “In Hinduism, a woman’s whole life was thought to revolve around her husband. Fidelity and service to him was the only duty and main purpose of a Hindu woman’s life.When a husband died at a young age, his wife was held responsible, and it wasbelieved that she did not fulfill her duties in caring for him.For this reason, amongothers, widows were seen as unwanted members of society.At the death of herhusband, the wife’s symbols of marriage, such as her bangles and the Kumum mark onher forehead, were removed. Marriage is believed to be a symbol of good fortune,beauty, pleasure and wealth; in turn, widowhood is seen as an ugly, tragic, impure and poverty-stricken state devoid of joy.Therefore, the act of self-immolation on his funeral pyre was seen as an immediate religious purification of the wretchedness she would accrue living as a widow” (BUSHAW, 2007). 151 Sobre o conceito em questão, Maciejczak (2013, tradução do autor167) aponta que: Os conflitos contemporâneos, muitas vezes retratados como "novas guerras", são caracterizados por altos níveis de violência e crueldade inconcebível que visam predominantemente civis inocentes. Entre muitas formas de violência, a violência sexual tornou-se nos últimos anos um foco central tanto do estudo acadêmico quanto da redação jornalística. A prevalência de violência sexual em conflitos armados e seu uso sistemático e generalizado contra populações civis levaram muitos estudiosos a formular um novo conceito que ressalta o uso estratégico da violência sexual como uma "arma de guerra". Esta estrutura concentra-se em explorar como a violência sexual se torna uma parte viável da estratégia militar diretamente empregada por grupos armados para alcançar objetivos políticos e militares, como no caso da limpeza étnica na ex-Iugoslávia ou em Ruanda. Ou seja, violentar as mulheres tem sido uma alternativa, inclusive mais barata do que utilizar armas de fogo, para punir sociedades que geralmente são formadas e construídas por (e para) homens (MACIEJCZAK, 2013). Sendo assim, um Direito dos Refugiados Colorido precisa prever que mulheres cujos maridos estão em determinada situação de perseguição também precisam ser enquadradas enquando refugiadas por questões de gênero. Esse enquadramento precisa levar em consideração uma série de fatores e possibilitar que uma avaliação do caso concreto permita entender se é o caso enquadrar cada mulher em específico enquanto refugiada por questões de gênero ou não. 3.8 REFUGIADOS POR QUESTÕES DE GÊNERO E OUTRAS INTERSECCIONALIDADES No capítulo 2 desta tese discutiu-se o conceito de “interseccionalidade” enquanto acúmulo de condições existenciais que, por sua vez, potencializam vulnerabilidades. Se “refúgio” e “gênero”, por si só, já são condições existenciais que geram vulnerabilidades, há ainda outras que podem transformar a situação do refúgio em algo ainda mais delicado. Um Direito dos Refugiados Colorido, por sua vez, parece que precisa estar aberto a diferentes identidades interseccionais. Todavia, três interssecionalidades parecem mais latentes no que se refere ao refúgio por questões de gênero: as deficiências, o HIV e a infância. 167Texto original em inglês: “Contemporary conflicts, often portrayed as ‘new wars’, are characterised by high levels of violence and inconceivable cruelty predominantly targeting innocent civilians. Among many forms of violence, sexual violence has in recent years become a central focus of both academic study and journalistic writing. The prevalence of sexual violence in armed conflicts, and its systematic and widespread use against civilian populations, led many scholars to formulate a new concept that underscores the strategic use of sexual violence as a ‘weapon of war’. This framework focuses on exploring how sexual violence becomes a viable part of the military strategy directly employed by armed groups to achieve political and military objectives, as in the case of ethnic cleansing in former Yugoslavia or Rwanda” (MACIEJCZAK, 2013). 152 Conforme já discutido no capítulo 1 desta tese, aponta-se que é possível identificar alguns eixos importantes de articulação entre os campos dos Estudos Feministas e os Estudos sobre Deficiência: o pressuposto da desnaturalização do corpo; a dimensão identitária do corpo; e a ética feminista da deficiência e do cuidado (MELLO; NUERBENG, 2012, p. 640). A respeito do primeiro pressuposto teórico, pode-se dizer que os Estudos Feministas e de Gênero tem se tornado uma ferramenta conceitual importante para o argumento da construção social da deficiência, compreendida a partir desse campo como uma narrativa produzida socialmente sobre determinadas variações corporais. Em relação ao segundo pressuposto, considera-se que a deficiência também pode ser pensada na perspectiva da genealogia do sujeito, da centralidade do corpo deficiente como idioma simbólico e político, da identidade e seu impacto na subjetividade da pessoa. Sobre o terceiro e último pressuposto, a matriz epistemológica feminista dos Estudos sobre Deficiência se destaca, no que diz respeito ao tema do cuidado para além de uma questão de gênero, também um princípio ético e moral da própria condição humana, e pressuposto de uma sistemática protetiva da diversidade (MELLO; NUERBENG, 2012, p. 640). Neste sentido, Nujeen Mustafa narra no livro The girl from Aleppo: Nujeen’s escape from war to freedom (2016) como é ser refugiada com deficiência e do gênero feminino. Além disso, narra como há uma sensação de não caber tanto no que se refere à sua identidade feminina quanto no que se refere à identidade enquanto ser humano com deficiência física; sensações que se potencializam em um processo de refúgio. Essa narrativa, portanto, demonstra o quanto o Direito dos Refugiados Colorido precisa estar aberto para a questão do cuidado e, mais que isso, aprender por meio da perspectiva de gênero que tanto procura conferir como incluir identidades não-hegemônicas e intersseccionais em leis e políticas públicas coloridas. Há ainda que se observar que da mesma forma que países perseguem gêneros, também perseguem as deficiências (CROCK; MCCALUM; ERNST, 2011; PARENKH, 2009). Foi, inclusive, pautado nesse entendimento que a Corte de Apelações do 3º Circuito dos Estados Unidos, no caso Lavira versus Attorney General, conferiu o status de refugiado para o haitiano Maurice Lavira, que fora perseguido e preso em seu país de origem por ter dois membros de seu corpo amputados. Além de ser preso, durante o julgamento constatou-se também que Maurice Lavira sofrera tratamentos degradantes enquanto preso por conta das suas deficiências (UNITED STATES COURT OF APPEALS FOR THE THIRD CIRCUIT, 2007). Sendo assim, um Direito dos Refugiados Colorido precisa apontar à comunidade internacional e aos Estados que essas realidades interseccionais e servir de ponto de partida para a construção de um Direito Refugiados Colorido pelas diversidades das deficiências. 153 Assim como a questão da deficiência, identidades que se expõem ou convivem com o vírus HIV parecem conversar fortemente com as questões de gênero e um Direito dos Refugiados Colorido precisa estar aberto para este diálogo. Muitos países anfitriões de refugiados já estão sobrecarregados pelo efeito do HIV, e muitas vezes são incapazes ou não querem fornecer o custoso tratamento de combate ao vírus que os refugiados infectados precisam receber. Do lado dos refugiados, é importante apontar que eles geralmente não têm acesso a produtos e programas de prevenção do HIV. Apesar das melhorias na disponibilidade de terapia anti-retroviral em países de baixa e média renda, poucos refugiados têm acesso a esses medicamentos em uma situação de refúgio (UNIAIDS, 2018). Vale apontar também que as políticas que envolvem a prevenção e o combate à AIDS ainda são também uma questão de gênero, porque mulheres e a comunidade LGBTTIQ+ ainda estão mais suscetíveis à infeccção. Neste sentido, o deslocamento de pessoas do seu país de origem pode aumentar ainda mais o risco de infecção pelo HIV, bem como o acesso insuficiente à prevenção, tratamento, cuidados (UNIAIDS, 2018). Além disso, tem-se observado que os refugiados muitas vezes migraram de países com menor prevalência de HIV para países com maior prevalência de HIV, o que é um problema ainda maior para os gêneros (UNIAIDS, 2018). Estima-se também que seres humanos sejam perseguidos (direta e indiretamente) em seus países por serem portadores do vírus HIV (CANADA, 2018). Dessa forma, a realidade destes indivíduos mais uma vez dialoga com a realidade daqueles perseguidos (direta ou indiretamente) por conta de seus gêneros. Foi inclusive, partindo do pressuposto de que pessoas são perseguidas por conta de serem portadoras do vírus HIV assim como os gêneros, que a Corte de Apelações do 11º Circuito dos Estados Unidos, no caso Jean-Pierre vesus Attorney General, conferiu ao haitiano Jean-Pierre o status de refugiado, uma vez comprovado que ele fora preso e torturado por policiais na prisão pelo fato de possuir AIDS (IN THE UNITED STATES COURT OF APPEALS FOR THE ELEVENTH CIRCUIT, 2007). Uma terceira inteseccionalidade a ser observada é a relação que pode existir entre infância e gênero. Conforme já discutido, na China, por exemplo, existe uma política de aborto compulsório para quem tem mais de um filho. Todavia, Nie (2011) comprova que há um desequilíbrio em rápido crescimento no que se refere aos gêneros nascidos na China desde o final da década de 1980, o que, por sua vez, demonstra que, apesar de uma extensa proibição oficial, o aborto seletivo por gênero tem sido amplamente praticado nas últimas duas ou três 154 décadas. Importante apontar que por conta destas políticas cerca de 30 a 40 milhões de bebês do gênero feminino estão dadas como desaparecidas na China. A caracterização de alguém que está grávida especialmente de um bebê do gênero feminino em país onde se pratica o aborto compulsório enquanto refugiado por questões de gênero parece extremamente urgente. Uma análise feminista da situação permite observar que se trata de uma desigualdade de gênero que tem início antes do próprio nascimento. Lamentavelmente, esta não é a única questão que a interseccionalidade infância-gênero precisa trazer ao ser incorporada por um Direito dos Refugiados colorido. O casamento infantil também é uma realidade por todo o mundo e conversa fortemente com a referida interssecionalidade. Inclusive, a UNFPA168 (2011, p. 9) estima que cerca de 39 mil meninas, entre as idades de 5 a 18169 anos, casam diariamenta pelo mundo. Há uma série de problemas advindos do casamento infantil. Ele geralmente resulta em gravidez precoce, é relacionado a óbitos por complicações da gravidez e parto, e as meninas casadas são mais suscetíveis que as mulheres casadas de sofrerem violência e outras formas de abuso nas mãos de seus maridos; até porque os maridos geralmente são muito mais velhos e com melhores condições financeiras (UNFPA, 2011, p. 9). A questão da melhoria da condição financeira está atrelada a ideia de que casamento para muitas mulheres significa ascensão social. Por meio deles, elas conseguem não somente dar melhores condições financeiras a si próprias, mas à suas próprias famílias (MACKINNON, 1989). É por isso que o casamento infantil muitas vezes é legitimado pelas próprias culturas, tradições e religiões. Inclusive, há correlações entre altas proporções de jovens do gênero em populações e obstáculos ao desenvolvimento alimentar, causando um círculo vicioso de possibilidades de vida precárias para estas jovens (UNFPA, 2011, p. 9). Na área crítica da saúde reprodutiva, por exemplo, meninas e mulheres jovens tendem a ter maior probabilidade de terem uma necessidade não atendida no que se refere ao planejamento familiar. Elas também são mais vulneráveis ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (UNFPA, 2011, p. 9). A interseccionalidade apresentada precisa ser abordada enquanto uma hipótese de refúgio por questões de gênero, porque essas meninas e jovens geralmente não tem condições 168O UNFPA (United Nations Population Fund) é a agência das Nações Unidas em matéria de saúde reprodutiva e direitos reprodutivos. A sua missão é entregar um mundo onde todas as gestações são desejadas, cada parto é seguro e o potencial de cada jovem é considerado (UNFPA, 2018). 169É importante apontar que países como o Brasil positivam ainda em seus códigos civis possibilidades de casamentos antes dos 18 anos de idade. Sobre esta prática, a advogada do Banco Mundial, Paula Tavares (2017), aponta que: “onde a lei permite a prática, ela é incentivada e tende a ser mais generalizada. Estipular em pelo menos 18 anos a idade para o matrimônio e fechar essas brechas é crucial para proteger as meninas. Mas o problema não se resolve apenas com a lei”. 155 de dizer não. Mais que isso, meninas e jovens esposas que se refugiam por conta de outros motivos e ainda continuam vinculadas aos seus maridos por meio do “princípio da unidade familiar” estabelecido pela Convenção de Genebra, precisam ter garantidas consigo ferramentas de emancipação. Sobre emancipação, é importante apontar que as questões de gênero, no que diz respeito à “interseccionalidade infância”, também impedem que meninas e mulheres jovens tenham acesso a uma ferramenta emancipatória170: a educação. A educação das meninas vai além de fazê-las entrarem na escola. Tem-se também que garantir que as meninas aprendam e se sintam seguras na escola; completar todos os níveis de educação com as habilidades para competir efetivamente no mercado de trabalho; aprender as habilidades socio-emocionais e de vida necessárias para navegar e se adaptar a um mundo em mudança; tomar decisões sobre suas próprias vidas; e contribuirem para suas comunidades e para o mundo (WORLD BANKb, 2018). A educação das meninas precisa ser uma prioridade de desenvolvimento estratégico. As mulheres mais bem educadas tendem a ser mais saudáveis, a participar mais no mercado de trabalho formal, a obter rendimentos mais elevados, a ter menos filhos, se casar em uma idade posterior e a permitir melhores cuidados de saúde e educação para seus filhos, se preferirem se tornar mães. Todos esses fatores combinados podem ajudar a levantar famílias, comunidades e nações da pobreza (WORLD BANKb, 2018). Estima-se que 130 milhões de meninas entre 6 e 17 anos de idade não frequentam a escola e 15 milhões de meninas de idade da escola primária - metade delas na África subsaariana - nunca entrarão em uma sala de aula (WORLD BANKb, 2018). Um país que não permite, direta ou indiretamente, que suas meninas e jovens do gênero feminino estudem, persegue os vulneráveis imbuídos da “interssecionalidade gênero-infância” e o Direito dos Refugiados Colorido precisa adotar esta perspectiva e catalogar também essa hipótese ao estabelecer o refúgio por questões de gênero. 170No capítulo 4 desta tese, será discutido o papel da educação na promoção da igualdade de gênero e qual o papel dela na construção de um Direito dos Refugiados colorido. 156 3.9 UMA ESTILÍSTICA COLORIDA PARA REDIGIR UM DIREITO DOS REFUGIADOS COLORIDO Até agora se discutiu como deve ser a configuração de um conceito de refúgio por questões de gênero, levando-se em consideração que um Direito dos Refugiados Colorido deve abraçar as questões mais intrínsecas em relação aos gêneros; e se discutiu essas questões até então. Há nessas discussões um pressuposto claro de que esse Direito deve abraçar verdadeiramente as questões dos gêneros. Todavia, uma segunda lógica é também verdadeira: é impossível exaurir as questões dos gêneros, porque são sobretudo questões identitárias; e as identidades humanas são diretamente proporcionais a existência de cada ser humano no mundo. Sendo assim, se de um lado os temas discutidos precisam ser abordados, de outro, eles não acabam por si sós; e, dessa forma, uma linguagem que se aproprie de diversidades deve ser necessariamente abraçada pelo Direito dos Refugiados Colorido. Marcia Tiburi171 (2018) propõe um “feminismo dialógico” para solucionar a discussão feminista, uma vez que numa ciência que estude a diversidade, o dissenso é inevitável; o que pode parecer um grande desafio ao que se entende por direito positivo, o qual pressupõe norma imperativa. Tiburi (2018) entende que essa ideia de verdade imperativa (ou pensamento único) exalam a existência de valores patriarcais, os quais apagam pluralidades e tornam uma maneira de existir enquanto única. Sendo assim, chama-se a atenção para o desafio da redação que conceitua o refúgio por questões de gênero de trazer as experiências dos gêneros o máximo que pode fazer, mas nunca como verdades universalizantes que reduzam outras experiências e as desconsidere. Para tanto, os exemplos e as catalogações trazidas também precisam vir acompanhadas de conceitos abertos e indeterminados. Além disso, é importante apontar que os conceitos a serem desenvolvidos precisam ser construídos pautados no princípio da proteção da diversidade. Por fim, aponta-se para se falar com os gêneros de forma adequada, trouxe-se no APÊNDICE A desta tese uma tradução do Dicionário de Termos da Universidade de Berkeley, 171Graduada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com ênfase em Filosofia Contemporânea. Pós-doutorado em Artes pelo Instituto de Artes da UNICAMP. É atualmente professora do curso de filosofia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Tem pesquisado nas seguintes áreas: filosofia contemporânea, filosofia da linguagem, ética, estética, biopolítica e feminismo (CNPQc, 2018). 157 Califórnia, Estados Unidos, a fim de que, quando necessários abordem essas existências abertas e plurais com propriedade. 158 4. POLÍTICAS PÚBICAS PARA PROMOVER O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO Colorir o Direito dos Refugiados não se restringe a ampliar o conceito de refugiados por questões de gênero, de perseguição ou mesmo de “unidade familiar”, bem como incorporar interseccionalidades ou reconsiderar que indivíduos dentro de um mesmo país podem receber o referido status. Essas definições e rearticulações a fim de conceituar refúgio por questões de gênero constituem somente em um primeiro passo, porque a partir desses conceitos ressignificados, novas políticas públicas precisam ser editadas no que se refere aos mais diversos estágios do processo de refúgio. Cabe aos Estados, portanto, implementarem as referidas políticas e cabe à comunidade internacional traçar suas diretrizes. Nessas duas hipóteses o Direito transforma-se em instrumento formalizador das referidas políticas e diretrizes, o que também significa colorir o Direito dos Refugiados. Neste sentido, Maria Paula Dallari Bucci define política pública como: programa de ação-governamental que resulta de um conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados (2014, p. 17). Estes programas de ações governamentais são importantes instrumentos para a concretização dos Direitos Fundamentais e exercício da cidadania (SMANIO, 2014, p. 11). Sendo assim, pensar políticas públicas para as migrações de gêneros significa promover Direitos Fundamentais, porque não parece suficiente desenhar um conceito de refúgio por questões de gênero sem que por meio de políticas públicas o referido refúgio seja implementado. Traçando um panorama histórico das políticas públicas pelo mundo, aponta-se que o conceito surgiu nos Estados Unidos, na década de 1930 (SMANIO, 2014, p. 11). Laswell foi quem introduziu a expressão policy analysis (análise de política pública), ainda nos anos 30, como forma de conciliar conhecimento científico/acadêmico com a produção empírica dos governos e também como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governo (SOUZA, 2006, p. 23). É importante apontar também que nos Estados Unidos, o tema foi desenvolvido sempre ligado à Ciência Política, como forma de atuação do governo, não tendo relação com a Ciência 159 Jurídica. Os estudos foram realizados sobre o processo de escolha, ou seja, a tomada de decisões do governo sobre políticas públicas. Posteriormente, a preocupação surgiu com a efetivação das políticas públicas, quais os meios a serem utilizados, as suas relações com o poder, as eleições, os partidos e a mídia (SMANIO, 2014, p. 11). Na década de 1980, as políticas públicas são estudadas como ramo da política que trata das ações do governo que irão produzir efeitos específicos, influenciando a vida dos cidadãos. Entretanto, ainda nos Estados Unidos coube a Ronald Dworkin, no final da década de 1970, o entendimento de que o tema, políticas públicas, também deveria caber na Teoria Geral do Direito, ao lado dos princípios e regras, tendo em vista a solução de casos jurídicos difíceis (hard cases), na sua visão (SMANIO, 2014, p. 11). A doutrina jurídica de Dworkin representa, na verdade, uma visão do liberalismo estadunidense clássico, defendendo o referido autor que o Estado atue de forma mais concreta em busca da diminuição das desigualdades, mediante políticas públicas (SMANIO, 2014, p. 12). Esta noção é aplicada até hoje tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Maria Paula Dallari Bucci (2014), por sua vez, entende que as políticas públicas hoje devem se desenvolver dentro dos princípios do Direito Administrativo, sobretudo no que diz respeito a obedecer ao contraditório e a ampla defesa; princípios que, por sua vez, trazem uma participação democrática para a construção das referidas políticas. Além disso, também se aponta a necessidade da estruturação delas a partir dos princípios da “transparência” e “impessoalidade” inerentes à estrutura do Direito Administrativo. Sobre o “princípio da impessoalidade”, Bandeira de Mello (2004, p. 104) aponta que o referido princípio exige da Administração Pública que ela seja impessoal tanto na maneira como se manifesta perante a sociedade quanto em relação ao modo pelo qual deve tratar os peculiares. Todavia, questiona-se: o “princípio da impessoalidade administrativa” é, de fato, impessoal? Ou ainda: será que o “princípio da impessoalidade” que ordena as políticas públicas não se pauta em visão masculinista e heteronormativa do que signifique ser impessoal? Sendo assim, inicia-se neste capítulo a construção de políticas públicas coloridas a partir da desconstrução do “princípio da impessoalidade” dessas políticas públicas. 4.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS TÊM GÊNERO? Foucault (2006) aponta que as políticas públicas interagem sobre os corpos dos indivíduos ditando quais são os caminhos que uma vida pode caminhar. Além disso, Foucault (2006) também aponta que políticas públicas, por serem construídas pelo Estado a fim de 160 atenderem seus cidadãos, partem de premissas majoritárias do que significa ser humano e não garantem vidas minoritárias. Sobre o entendimento de Foucault, cumpre apontar que embora pareça antagônico ao conceito contemporâneo que justamente entende que as políticas públicas precisam ser desenvolvidas a fim de promoverem Direitos Humanos, ele ainda pode ser aplicável, sobretudo quando se analisa a implementação dessas políticas sob uma perspectiva de gênero. Inclusive, discutiu-se já ao longo desta tese o quanto as legislações de Direitos Humanos por diversas vezes não consideraram (ou consideram) gêneros como detentores de Direitos Humanos. Ora, se a legislação desconsidera gêneros, não seria diferente com políticas públicas, o que torna necessário incluir o conceito “política pública” dentro de uma sistemática protetiva da diversidade. No capítulo 3 desta tese, verificou-se o quanto se parte de um paradigma masculino, heteronormativo, branco e ocidentalizado para se referir a ditas generalidades e pessoalidades encontradas no Direito e o mesmo paradigma parece se aplicar às políticas públicas. Ou seja, da mesma forma que Estados signatários da Convenção de Genebra, por exemplo, constroem leis que vislumbram receber homens heterossexuais/heteroafetivos e com comportamentos ocidentalizados migrantes, também constroem políticas públicas neste mesmo sentido. Para comprovar a hipótese mencionada, mapeou-se172 quais países já desenvolveram alguma política pública específica para amparar refugiados por questões de gênero, fazendo uma pesquisa junto aos 36 países mais seguros para os gêneros distribuídos pelo mundo; sendo que para selecionar os países mais seguros para os gêneros, adotou-se o ranking de países melhores colocados no que se refere à proteção dos gêneros apontado pelo índice Spartacus173. O índice em questão funciona da seguinte maneira: ele está disposto em categorias positivas e categorias negativas. Do lado esquerdo da planilha (que será logo apresentada) estão as categorias positivas (em verde) e à direita as categorias negativas (representadas em vermelho e laranja); para cada categoria atribui-se até 3 pontos (negativos ou positivos). Estes pontos variam de acordo com a nuance do tratamento do tema no país em questão. Por exemplo, há variação de pontos se o princípio da não discriminação por motivos de orientação sexual está elencado na Constituição do país ou somente em uma lei para uma área específica; algumas categorias não admitem pontuação máxima, porque são questões um pouco menos relevantes 172A partir deste parágrafo explica-se a metodologia utilizada para a escolha dos países citados neste capítulo. 173O site Spartacus, um dos maiores portais LGBTTIQ+ do mundo, desenvolve anualmente o Spartacus Gay Travel Index, um indície que analisa todas as legislações dos 194 países reconhecidos pelas Nações Unidas e suas eventuais proteções e ameaças aos gêneros. São 14 categorias que vão do casamento civil à pena de morte. Os países são codificados por cores: com verde escuro para países mais liberais aos gêneros a vermelho para os países mais perigosos para com os gêneros. Os 36 primeiros colocados, são aqueles que ainda apresentam alguma boa ou razoável proteção à questão dos gêneros (SPARTACUS, 2018). 161 para a organização. Por exemplo, uma questão de pena de morte vale até 3 pontos, mas uma questão referente a casamento ou formação de família vale até 2 pontos. Sendo assim, aponta-se também em seguida o ranking dos 36 países que mais protegem os gêneros pelo mundo: Ranking Spartacus I Legislação Casamento/União Casamento Idade de Ranking País total Adoção Antidiscriminação Civil LGBT consentimento 1 Suécia 9 3 2 2 1 1 2 Reino Unido 9 3 2 2 1 1 3 Bélgica 8 2 2 2 1 1 4 Holanda 8 2 2 2 1 1 5 França 8 2 2 2 1 1 6 Canada 8 3 2 2 1 1 7 Dinamarca 8 2 2 2 1 1 8 Reunião 8 2 2 2 1 1 9 Islandia 8 2 2 2 1 1 10 Finalandia 8 3 2 2 0 1 11 Irlanda 8 2 2 2 1 1 12 Noruega 7 2 2 2 0 1 13 Espanha 7 2 2 2 1 1 14 Luxemburgo 7 2 2 2 0 1 15 Uruguai 7 2 2 2 0 1 16 Andorra 7 3 1 2 0 1 17 Portugal 7 3 2 2 0 1 18 Austria 7 2 1 2 1 1 19 Nova Zelândia 7 2 2 2 0 1 20 Greenland 7 2 2 2 0 1 21 Gibraltar 7 2 2 2 0 1 22 Alemanha 6 1 1 1 1 1 Polinésia 23 6 2 2 2 0 1 Francesa Nova 24 6 2 2 2 0 1 Caledonia 25 Malta 6 2 1 2 1 1 26 Suíça 6 2 1 1 1 1 27 Brasil 6 1 2 2 1 1 28 Eslovênia 6 3 2 1 0 1 29 Guadalupe 5 2 2 2 0 1 30 Martinica 5 2 2 2 0 1 República 31 5 2 1 1 0 1 Checa 162 32 Estônia 5 2 1 1 0 1 33 Israel 5 2 1 2 1 1 34 Argentina 4 0 2 2 1 1 35 África do Sul 4 3 2 2 0 0 Estados 36 4 1 2 2 0 1 Unidos Quadro n. 4: Trata-se de quadro traduzido e adaptado pelo autor desta tese sobre o índice Spartacus. Ele analisa 14 legislações específicas sobre a questão dos gêneros em 194 países do mundo e seleciona os 36 países mais seguros para os gêneros. Este quadro ilustra a situação das 5 primeiras legislações mencionadas sobre o assunto. Este quadro foi publicado em 2017. Ranking Spartacus II Restrições Políticas Intolerância Gêneros Movimentos Locais Ranking País total quanto ao Anti Religiosa ilegais sociais banidos Hostis HIV Gêneros 1 Suécia 9 0 0 0 0 0 0 2 Reino Unido 9 0 0 0 0 0 0 3 Bélgica 8 0 0 0 0 0 0 4 Holanda 8 0 0 0 0 0 0 5 França 8 0 0 0 0 0 0 6 Canada 8 0 -1 0 0 0 0 7 Dinamarca 8 0 0 0 0 0 0 8 Reunião 8 0 0 0 0 0 0 9 Islandia 8 0 0 0 0 0 0 10 Finalandia 8 0 0 0 0 0 0 11 Irlanda 8 0 0 0 0 0 0 12 Noruega 7 0 0 0 0 0 0 13 Espanha 7 -1 0 0 0 0 0 14 Luxemburgo 7 0 0 0 0 0 0 15 Uruguai 7 0 0 0 0 0 0 16 Andorra 7 0 0 0 0 0 0 17 Portugal 7 0 0 0 0 0 0 18 Austria 7 -1 0 0 0 0 0 19 Nova Zelândia 7 0 0 0 0 0 0 20 Greenland 7 0 0 0 0 0 0 21 Gibraltar 7 0 0 0 0 0 0 22 Alemanha 6 0 0 0 0 0 0 23 Polinésia Francesa 6 0 0 0 0 0 0 24 Nova Caledonia 6 -1 0 0 0 0 0 25 Malta 6 0 0 0 0 0 0 26 Suíça 6 0 0 0 0 0 0 27 Brasil 6 -1 0 0 0 0 0 28 Eslovênia 6 -1 0 0 0 0 0 29 Guadalupe 5 -1 0 0 0 0 -1 30 Martinica 5 -1 0 0 0 0 -1 163 31 República Checa 5 0 0 0 0 0 0 32 Estônia 5 0 0 0 0 0 0 33 Israel 5 -1 0 0 0 0 -1 34 Argentina 4 -1 0 0 0 0 -1 35 África do Sul 4 0 0 0 0 0 -1 36 Estados Unidos 4 -1 0 0 0 0 -1 Quadro n. 5: Trata-se de quadro traduzido e adaptado pelo autor desta tese sobre o índice Spartacus. Ele analisa 14 legislações específicas sobre a questão dos gêneros em 194 países do mundo e seleciona os 36 melhores países para os gêneros. Este quadro ilustra como é a situação das outras 6 legislações mencionadas sobre o assunto em cada país; sendo que estas legislações são consideradas graves para os gêneros. Este quadro foi publicado em 2017. Ranking Spartacus III Penas de Ranking País Total Perseguição Assassinatos morte 1 Suíça 9 0 0 0 2 Reino Unido 9 0 0 0 3 Bélgica 8 0 0 0 4 Holanda 8 0 0 0 5 França 8 0 0 0 6 Canada 8 0 0 0 7 Dinamarca 8 0 0 0 8 Reunião 8 0 0 0 9 Islandia 8 0 0 0 10 Finalandia 8 0 0 0 11 Irlanda 8 0 0 0 12 Noruega 7 0 0 0 13 Espanha 7 0 0 0 14 Luxemburgo 7 0 0 0 15 Uruguai 7 0 0 0 16 Andorra 7 0 0 0 17 Portugal 7 0 0 0 18 Austria 7 0 0 0 19 Nova Zelândia 7 0 0 0 20 Greenland 7 0 0 0 21 Gibraltar 7 0 0 0 22 Alemanha 6 0 0 0 Polinésia 23 6 0 0 0 Francesa Nova 24 6 0 0 0 Caledonia 25 Malta 6 0 0 0 26 Suíça 6 0 0 0 27 Brasil 6 0 0 0 28 Eslovênia 6 0 0 0 29 Guadalupe 5 0 0 0 164 Martinica 5 0 0 0 30 República 31 5 0 0 0 Checa 32 Estônia 5 0 0 0 33 Israel 5 0 0 0 34 Argentina 4 0 0 0 35 África do Sul 4 0 0 0 36 Estados Unidos 4 0 0 0 Quadro n. 6: Trata-se de quadro traduzido e adaptado pelo autor desta tese sobre o índice Spartacus. Ele analisa 14 legislações específicas sobre a questão dos gêneros em 194 países do mundo e seleciona os 36 melhores países para os gêneros. Este quadro ilustra como é a situação das outras 3 legislações mencionadas sobre o assunto em cada país; sendo que estas legislações são consideradas muito graves para os gêneros Este quadro foi publicado em 2017. É importante também apontar que esse índice não inclui critérios objetivos para a proteção do gênero “mulher”. Todavia, conforme já demonstrado no capítulo 3 desta tese, as batalhas de outros gêneros não-hegemônicos e das mulheres costumam caminhar juntas de país para país em conquistas e retrocessos; o que também pode ser comprovado pelo Índice de Instituições Sociais e Gênero (IISG) publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que, por sua vez, apresenta uma visão composta da discriminação de gênero em cerca de 160 países do mundo (UNFPAb, 2018). O índice leva em consideração a discriminação contra as mulheres e meninas manifesta no código familiar, na restrição da integridade física, na preferência por filhos homens, na restrição de recursos e bens, além da restrição das liberdades civis. Os indicadores usados para calcular o índice em questão incluem variáveis como direitos sucessórios, incidência de casamento infantil e violência com base em gênero, além da desigualdade em direitos à terra e à propriedade (UNFPAb, 2018). Dessa forma, o mapa em seguida demonstra resultados colhidos para a composição do IISG 2014 (último índice divulgado até a data de depósito desta tese) pelo mundo e, conforme já apontado, tem resultados similares aos diagnosticados pelo Índice Spartacus nos seguintes termos (BROCHURESIGI2015, 2018, pp. 24-45): 165 Mapa n. 15: Trata-se de mapa divulgado pela OCDE em 2014. De acordo com esse mapa, os países variam do amarelo claro ao vermelho escuro. O quanto mais claro é pintado o país, menor a diferença entre homens e mulheres de acordo com o índice; e, o quanto mais escuro, maior a diferença. Os países sem cores (ou parcialmente apagados174 da representação cartográfica), por sua vez, referem-se a países que não foram pesquisados. A partir destes estudos percebe-se como a situação dos gêneros é complicada, conforme já relatado no capítulo 3 desta tese, porque dos 194 países do mundo reconhecidos pelas Nações Unidas, apenas 36175 deles parecem habitáveis para receber os gêneros com dignidade. Lembra- se também que não é porque estes países são mais protetivos às questões de gênero, que seus cidadãos não sejam vítimas de violência, redução de oportunidades, preconceito, exclusão social. Todavia, é importante apontar que a intenção de trazer a visibilidade destes países para a discussão sobre políticas públicas para refugiados por questões de gênero constitui de tentativa de encontrar políticas públicas específicas desenvolvidas nestes países onde mais se protegem os gêneros. Sendo assim, dos 36 países catalogados, entrou-se nas respectivas páginas176 dos 36 governos federais, onde se fez uma pesquisa, página por página, usando as 174Por uma questão gráfica, a Groelândia, Noruega, Suécia, Finlândia e uma pequena parte da Rússia e do Canadá precisaram ser apagados. Todavia, todos estavam coloridos em cinza no mapa original divulgado pela OCDE, representando, assim, os países que não foram objeto da pesquisa. 175Os demais países ou criminalizam os gêneros ou realizam perseguições indiretas (como, por exemplo, o não reconhecimento de casamentos civis ou uniões civis entre gêneros não-hegemônicos), conforme já explorado nos capítulos 2 e 3 desta tese. 176Sobre a pesquisa realizada nas páginas dos governos federais, vale apontar que: todas as páginas em questão possuíam versões em inglês, espanhol, português e/ou francês, o que permitiu a pesquisa; todas as páginas possuíam ferramentas de buscas; todas as páginas eram endereços oficias dos respectivos governos; todas as páginas pesquisadas estão devidamente referidas no item Referências Bibliográficas desta tese. 166 ferramentas de busca disponíveis por meio das seguintes palavras: “refúgio de gênero”, “refúgio lgbt177”, “refúgio”, “gênero”, “políticas públicas” e “migração”.178 Dos 36 países pesquisados, 3 deles apenas apresentaram políticas públicas neste sentido, sendo eles: Suécia, Canadá, e Estados Unidos. Ou seja, pode-se presumir que dos 194 países do mundo, apenas 3 deles tem alguma estruturação para receber refugiados por que questões de gênero, o que, por sua vez, parece comprovar que a construção das políticas em questão ainda se pauta em valores masculinos e heteronormativos; desconstruindo, assim, a ideia de impessoalidade para a construção das referidas políticas. Não poderia ser diferente, uma vez que Maria Paula Dallari Bucci (2002, p. 265) ensina que: A temática das políticas públicas, como processo de formação do interesse público, está ligada à questão da discricionariedade do administrador, na medida em que o momento essencial da discricionariedade é aquele em que se individualizam e se confrontam os vários interesses concorrentes. O juízo de discricionariedade do administrador em questão é obviamente masculino e heteronormativo simplesmente pelo fato da maioria dos administradores serem homens performando heterossexualidade/heteroafetividade. Dessa forma, dificilmente as políticas públicas a serem desenhadas serão direcionadas a outros gêneros, sobretudo gêneros de outras nacionalidades179. Neste sentido, o mapa em seguida, resultado de estudo elaborado pelo Forum Econômico Mundial, demonstra que a maioria dos líderes mundiais são homens heterossexuais/heteroafetivos e que 77 países no mundo jamais tiveram uma líder do gênero feminino (PEW RESEARCH CENTER, 2018): 177Embora esta tese adote o termo LGBTTIQ+, entendeu-se que o termo LGBT traria mais opções de busca. 178Vale apontar que talvez alguns países reconheçam o refúgio por questões de gênero e articulem políticas públicas para refugiados por questões de gênero e não tenham publicado em suas páginas oficiais. Essa hipótese, embora possível, parece pouco provável, porque por conta do princípio da publicidade da administração pública que é intrínseco às democracias mundiais. 179No capítulo 5 desta tese será discutido o conceito “homonacionalismo”, uma ideia criada recentemente para criticar a defesa dos Direitos dos Gêneros somente nos seus próprios países e fechando as portas para aqueles gêneros não-hegemônicos que não tiveram o privilégio de serem considerados nacionais de países que os reconhece ou fornece proteções básicas (PUAR, 2007). 167 Mapa n. 16: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em 2017. De acordo com esse mapa, os lugares em rosa são os países onde nunca mulheres heterossexuais/heteroafetivas foram líderes; os países pintados em verde claro mulheres heterossexuais/heteroafetivas foram líderes nos últimos 4 anos; os países pintados em tom mais escuro de verde são aqueles onde mulheres heterossexuais/heteroafetivas foram líderes nos últimos 9 anos; os países pintados em tom mais escuro ainda de verde são aqueles onde mulheres heterossexuais/heteroafetivas foram líderes nos últimos 14 anos; os países pintados em verde escuro são aqueles onde mulheres heterossexuais/heteroafetivas foram líderes há mais de 15. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. No que diz respeito a outros gêneros não-hegemônicos, somente Luxemburgo e a Irlanda tiveram primeiros ministro abertamente gays (US NEWS, 2018). Além disso, mesmo essas poucas mulheres heterossexuais/heteroafetivas e esses únicos líderes gays estando em posições de poder não significa que necessariamente não estejam imbuídos de valores masculinos e heteronormativos para escolherem as políticas públicas que implementarão em seus governos. Neste sentido, Connel (2000) tem defendido que a masculinidade não é necessariamente exercida por homens, mas também por algumas poucas mulheres, que inclusive colaboram na sua construção. Ou seja, ter gêneros não-hegemônicos na posição de administradores não é significado necessariamente de que valores feministas serão implantados na articulação de políticas públicas de determinado Estado. Sobre os 3 países que demonstram ter um mínimo de preocupação com tema, inicia-se uma descrição do que se constatou desenvolvido em cada país pesquisado no que se refere às suas políticas públicas para refugiados por questões de gênero. 168 4.1.1 O refúgio por questões de gênero na Suécia As políticas divulgadas180 pelo governo sueco são desenvolvidas dentro de um centro da agência migratória do país (a Swedish Migration Agency) e, além disso, não abraçam o conceito de refúgio por questões de gênero proposto no capítulo 3 desta tese. Desta forma, dirigem-se aos seguintes indivíduos: gays, lésbicas e transgêneros (SWEDEN, 2018). Na Suécia há um Conselho de Migração que classifica aquela situação como um caso de refúgio por questões de gênero ou não, sendo que as principais razões para se conferir o referido pedido são: ameaças ou violência de natureza séria da família do solicitante de refúgio; ameaças ou violência por parte do próprio Estado ou outras pessoas próximas ao refugiado; se a legislação, as regras gerais ou a opinião pública submeterem o solicitante de refúgio a ofensas graves; se forem comprovadas multas, assaltos severos, negação de educação, retenção ao direito de escolher uma profissão ou o direito à assistência médica (SWEDEN, 2018). Sobre a política sueca de categorização dos refugiados por questões de gênero, entende- se que ela abraça em partes a proposta realizada nesta tese, uma vez que extende a perseguição estatal para outras formas de perseguições. Todavia, é verdade também que a extensão não é tão ampla quanto a proposta aqui, conforme sugerido no capítulo 3. Além disso, o solicitante de refúgio na Suécia pode requerer confidencialdiade ao oficial que cuida de seu caso, uma vez que a revelação da solicitação pode acarretar intensificação da perseguição sofrida (SWEDEN, 2018). O dever de confidencialidade do Conselho de Migração sueco não se restringe somente aos conselheiros, mas também a todos aqueles que de certa forma participam do processo, como os intérpretes, por exemplo. Dessa forma, o governo sueco entende que, por questões de gênero, o refugiado tem o direito: de expressar sua preferência quanto ao gênero do seu intérprete, funcionário do caso e advogado; direito de conhecer seus advogados e oficial de caso sozinho, sem outros candidatos; direito a exames de saúde e cuidados de saúde que não podem esperar, gratuitamente (SWEDEN, 2018). O governo sueco também incentiva a particiapação de organizações não- governamentais específicas do setor para complementar suas políticas e auxílio aos refugiados por questões de gênero; o que pode ser uma importante ferramenta para combater os valores masculinos e heteronormativos que ainda permeiam a construção dos Estados (SWEDEN, 2018). 180A divulgação das políticas em questão acontece por meio de compacto manual específico para o assunto disponível na referida agência. 169 Em resumo, as políticas para refugiados por questões de gênero na Suécia focam principalmente no momento da solicitação do refúgio e também no momento do procedimento para se determinar a condição de refugiado por questões de gênero. É muito positivo o país trazer esta perspectiva de gênero às políticas governamentais. Todavia, ainda falta um olhar mais amplo sobretudo no que diz respeito à integração de todos os gêneros em um só conceito, o procedimento de viagem dos refugiados e também no que se refere às devidas proteções que o indivíduo receberá enquanro estiver no país sob esta condição, bem como uma catalogação mais abrangente de quem pode se enquadrar neste conceito. 4.1.2 O refúgio por questões de gênero no Canadá O Canadá não abarca todos os gêneros, nos termos desta tese, ao propor políticas públicas para refugiados por questões de gênero. O país ainda insiste em separar a luta de mulheres heterossexuais/heteroafetivas da luta da população LGBTTIQ+ e, além disso, não considera que nem todas as masculinidades não são hegemônicas. Todavia, traz muitas proteções em suas políticas e, inclusive, não usa o termo LGBT, como a maioria dos governos pelo mundo (conforme observado ao acessar a página de cada país), mas, sim os termos LGBTQ2181 e LGBTTIQ+, assim como proposto nesta tese (CANADA, 2018). O Canadá considera refugiados LGBTTIQ+ aqueles que são perseguidos por causa de sua orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou status de HIV, o que abarca o conceito extendido de perseguição e refúgio propostos por esta tese (CANADA, 2018). Uma das formas como o país apoia aqueles que são perseguidos por questões de gênero é fornecendo apoio financeiro à organização não-governamental Rainbow Refugee Society. A referida organização patrocina a vinda de refugiados por questões de gênero para o Canadá. Por exemplo, os sírios que possuíam alguma questão de gênero estavam entre aqueles que foram encaminhados e reassentados no Canadá como parte da iniciativa (CANADA, 2018). Ou seja, a organização conseguiu observar que existia refúgio por questões de gênero dentro do refúgio sírio, o que também conversa com o proposto nesta tese. Além disso, em 1º de maio de 2017 diretrizes foram anunciadas pela autoridade migratória canadense (a Immigration and Refugee Board of Canada182) a fim de ajudar a 181Conforme já discutido no capítulo 3, a inserção do número 2 na sigla faz referência a um gênero conhecido como Dois- Espíritos (também "espíritos-duplos", ou "212"). Este gênero é encontrado entre os nativos americanos (ameríndios) que desempenham um dos muitos papéis de gênero mistos tradicionalmente encontrados entre muitas culturas indígenas nativas estadunidenses e canadenses. Os Dois-Espíritos costumam vestir roupas e executar o trabalho dos gêneros masculino e feminino no seu dia-a-dia (CAMERON, 2005). 182A Immigration and Refugee Board of Canada é a autoridade migratória canadense, constituída pela legislação federal canadense Immigration and Refugee Protection Act, qual determina que o presidente (chairperson) da referida agência pode 170 compreender melhor os desafios que as pessoas com orientação sexual diversa e identidade e expressão de gênero podem enfrentar na apresentação de seus casos de asilo (CANADA, 2018). As referidas diretrizes compõem anexo do Immigration and Refugee Protection Act, são identificadas como Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act e tem como objetivo promover uma maior compreensão dos casos envolvendo orientação sexual, identidade e expressão de gênero, bem como os danos que os indivíduos podem enfrentar devido à sua não conformidade com as normas socialmente aceitas. Sendo assim, esta orientação aborda os desafios particulares que os indivíduos com gêneros diversificados podem enfrentar na apresentação dos seus casos perante o Conselho de Imigração e Refugiados do Canadá (IRB) e estabelece princípios orientadores para os decisores na adjudicação de casos. Sobre os princípios em questão, de acordo com o ítem 7 dos Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act, para avaliar a credibilidade e as provas relativas à questão de gênero, embora as experiências e os comportamentos de um indivíduo relacionados ao seu gênero possam ser expressos nas esferas pública e privada, o testemunho de um indivíduo pode, em alguns casos, ser a única evidência da sua situação. Além disso, o ítem 7 dos Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act também estabelece que as evidências corroborantes de familiares ou amigos podem não estar disponíveis nos casos envolvendo a realidade em questão; uma vez que um indivíduo pode esconder sua realidade por causa do estigma ou risco de dano percebido. De forma semelhante, ainda nos termos do item 7, a evidência médica que serve para corroborar a conta de um indivíduo pode não estar disponível em casos envolvendo os refugiados por questões de gênero; uma vez que nem sempre é razoável esperar que um indivíduo tenha procurado tratamento médico após uma agressão em que foram forçados a ocultar sua identidade. O ítem 7 dos Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act estabelece ainda que um indivíduo com identidade não-hegemônica pode não ter participado da cultura LGBTTIQ+, organizações ou eventos em seu país de referência, nem faz isso uma vez no Canadá. No entanto, a evidência de tal participação pode ser apresentada pelo indivíduo para que o decisor considere-o como refugiado. editar normativos (guidelines) que forneçam as principais diretrizes para que se estabeleçam políticas de refúgio (CANADAd, 2018). 171 Estabelece-se também que questionar alguém sobre sua identidade pode ser intrusivo e difícil para o indivíduo em questão. Portanto, o questionamento deve ser feito de forma sensível e não confrontativa. A política de tomada de decisão canadense para a categorização de refugiados por questões de gênero leva em consideração, portanto, as principais questões relacionadas à proteção e às nuances dos gêneros. Ela aproxima os refugiados de uma forma humana, colorida e respeitosa. Todavia, de maneira mais vanguardista ainda, as diretrizes estabelecidas nos Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act vão além do aspecto de tomada de decisões em relação ao status de refugiado por questões de gênero e levam em consideração nuances gêneros por gêneros. Neste sentido, vale ressaltar algumas dessas nuances proferidas pelos Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act, conforme exposto a seguir no que se refere ao conceito de “interseccionalidades”: [...] 8.5.2 Interseccionalidade 8.5.2.1 Alguns indivíduos com SOGIE183 diverso podem enfrentar riscos diferenciais devido a fatores adicionais como raça, etnia, religião, fé ou sistema de crenças, idade, deficiência, estado de saúde, aulas sociais e educação. Quando apropriado, estes fatores interseccionais devem ser considerados ao determinar se um indivíduo estabeleceu um receio de perseguição fundado. 8.5.2.2 Os indivíduos com SOGIE diverso podem enfrentar riscos adicionais devido ao seu gênero, incluindo violência doméstica, casamento forçado, tráfico de seres humanos, crimes de honra, bem como discriminação em relação à habitação, emprego, educação, saúde e serviços sociais. [...] (grifo do autor, tradução do autor184). Conforme já observado no capitulo 2 desta tese, o conceito de “interseccionalide” é muito importante para enteder as questões de gênero e, mais do que isso, é muito importante também para entender como a soma de vulnerabilidades potencializam-se e determinam o sucesso ou o fracasso da vida de um ser humano. Neste mesmo sentido, as diretrizes editadas pelo governo canadense vão mais além da mera conceituação e apontam alguns exemplos interseccionais práticos, estabelecendo, 183O termo SOIGE é utilizado aqui para se referir àquelas identidades que são perseguidas por questões relacionadas aos gêneros. Trata-se da abreviação dos termos sexual orientation and gender identity and expression, que em língua portuguesa significam respectivamente: orientação sexual e identidade de gênero e expressão. 184Texto original em inglês: “8.5.2 Intersectionality 8.5.2.1 Some individuals with diverse SOGIE may face differential risk due to additional factors such as race, ethnicity, religion, faith or belief system, age, disability, health status, social class and education. Where appropriate, these intersectional factors should be considered when determining whether an individual has established a well-founded fear of persecution. 8.5.2.2 Individuals with diverse SOGIE may face additional risks because of their gender, including domestic violence, forced marriage, sexual trafficking, honour crimes, as well as discrimination with respect to housing, employment, education, health and social services” (CANADAb, 2018). 172 portanto, que: a interseção das questões relacionadas aos gêneros com fatores de marginalização adicionais, como raça, etnia, religião, fé ou sistema de crenças, idade, deficiência, estado de saúde, classe social e educação podem criar tanto um risco aumentado de danos, como riscos distintos e específicos de danos; indivíduos com identidades não-hegemônicas podem enfrentar um risco aumentado no que se refere à saúde mental, muitas vezes decorrentes de uma história de isolamento social, maus tratos e falta de apoio social em seus países de referência. Ainda sobre as questões interseccionais, vale apontar que o governo canadense reconhece que indivíduos com identidades não-hegemônicas podem experimentar homofobia internalizada185, estigma sexual ou opressão. Dessa forma, eles também podem ter depressão, distúrbio de estresse pós-traumático relacionado à violência física ou sexual passada, ansiedade, tendências suicidas, dissociação, diminuição da capacidade de confiança e outros traumas jamais exaustivos ou catalogáveis. Além das questões interseccionais, os Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act reconhecem outras nuances no que se refere às questões de gênero, inclusive especificando cada identidade no seguinte sentido: 2.8 LGBTIQ+: um acrônimo que combina conceitos de orientação sexual, identidade e expressão de gênero, e isso se refere, mas não se limita a lésbicas; homens gays; e indivíduos bissexuais, trans, intersexos e estranhos: Lésbica: um indivíduo que se identifica como uma mulher e cuja atração física, romântica e/ou emocional é principalmente para outros indivíduos que se identificam como mulheres. Homem gay: um indivíduo que se identifica como um homem e cuja atração física, romântica e/ou emocional é principalmente para outros indivíduos que se identificam como homens. Algumas mulheres usam o termo gay para descrever sua atração pelo mesmo sexo. Bissexual: Um indivíduo que é fisicamente, romanticamente e/ou emocionalmente atraído por mais de um gênero. Alguns indivíduos bissexuais também podem se identificar como pansexuais. Estes são indivíduos que podem sentir atração física, romântica e/ou emocional para pessoas de qualquer gênero ou sexo. Trans: Um conceito de guarda-chuva que se refere a qualquer indivíduo cuja identidade de gênero ou expressão de gênero difere do sexo que foram atribuídos no nascimento. Este conceito inclui, mas não está limitado a: indivíduos que fizeram mudanças corporais usando meios cirúrgicos, médicos ou outros, ou que planejam fazer mudanças corporais para alinhar suas características sexuais com sua identidade de gênero; indivíduos cuja identidade de gênero não se alinha com seu sexo atribuído ao nascimento, mas que não desejam mudar sua fisiologia; pessoas que se identificam como tendo múltiplos gêneros ou como não tendo um gênero; indivíduos cuja identidade de gênero muda de tempos em tempos; ou pessoas com qualquer outra identidade de gênero que não está em consonância com normas socialmente aceitas 185Homofobia internalizada é um conceito desenvolvido no âmbito da psicologia que se refere a um preconceito que a população LGBTTIQ+ desenvolve contra si mesma. O preconceito contra os gêneros não-hegemônicos sustentou estruturas de poder e todo o funcionamento social em muitos povos, sendo que os hábitos, a tradição, a religião, os sistemas jurídicos e as ciências biomédicas corroboraram para tanto. Diante de uma articulação estrutural do preconceito, torna-se praticamente impossível que os referidos grupos não tenham se auto programados para se odiarem, rejeitarem ou se auto afirmarem enquanto indivíduos indignos (ANTUNES, 2016). 173 de comportamentos esperados com base no gênero. A identidade de gênero é diferente da orientação sexual, e um indivíduo trans pode ser heterossexual, gay, lésbica, bisexual ou assexual. Intersex: um conceito que se refere a indivíduos cujas características do sexo físico, como sua anatomia reprodutiva ou sexual ou padrões cromossômicos, não estão em conformidade com noções típicas de sexo feminino ou masculino. Esses padrões podem tornar-se aparentes no nascimento, podem se desenvolver mais tarde (ou seja, na puberdade ou na idade adulta), ou podem permanecer não reconhecidos. Queer: um conceito de guarda-chuva que se refere a uma pessoa cujo SOGIE não está em conformidade com normas SOGIE socialmente aceitas, e pode incluir pessoas que são lesbianas, gays, bissexuais, trans ou intersexual. 2.9 Cisgenero: um indivíduo cuja identidade de gênero alinha com o sexo que lhes foi atribuído no nascimento (tradução do autor)186. Em comparação às definições estabelecidas pelo Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011, pp. 184-188) e apontadas no capítulo 3 desta tese, percebe-se como as referidas definições são mais inclusivas e, de fato, inserem a proteção dos refugiados no Canadá dentro de um sistema protetivo da diversidade. Além disso, os Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act apontam para características e enfrentamentos a serem superados dentro de cada identidade no seguinte sentido: 8.5.3 indivíduos bissexuais 8.5.3.1 Os indivíduos bissexuais podem enfrentar riscos de maus tratos semelhantes aos enfrentados por homens gays ou lésbicas. No entanto, indivíduos bissexuais também podem enfrentar tipos específicos de discriminação ou maus tratos. 8.5.4 indivíduos trans e intersexuais 8.5.4.1 Os indivíduos trans e intersexuais podem ser particularmente vulneráveis à discriminação sistêmica e aos atos de violência devido à sua não conformidade com as normas socialmente aceitas de apresentação de gênero. Os indivíduos trans e 186Texto original em inglês: “2.8 LGBTIQ+: An acronym that combines concepts of sexual orientation, gender identity and expression, and intersex, and that refers to, but is not limited to, lesbians; gay men; and bisexual, trans, intersex and queer individuals: Lesbian: An individual who identifies as a woman and whose physical, romantic and/or emotional attraction is primarily to other individuals who identify as women. Gay man: An individual who identifies as a man and whose physical, romantic and/or emotional attraction is primarily to other individuals who identify as men. Some women use gay to describe their same-sex attraction. Bisexual: An individual who is physically, romantically and/or emotionally attracted to more than one gender. Some bisexual individuals may also identify as pansexual; these are individuals who may feel physical, romantic and/or emotional attraction to people of any gender or sex. Trans: An umbrella concept that refers to any individual whose gender identity or gender expression differs from the sex they were assigned at birth. This concept includes, but is not limited to: individuals who have made bodily changes using surgical, medical or other means, or who plan to make bodily changes to align their sex characteristics with their gender identity; individuals whose gender identity does not align with their sex assigned at birth but who have no wish to change their physiology; people who identify as having multiple genders or as not having a gender; individuals whose gender identity changes from time to time; or people with any other gender identity that is not in line with socially accepted norms of expected behaviours based on gender. Gender identity is different from sexual orientation, and a trans individual may be heterosexual, gay, lesbian, bisexual, or asexual. Intersex: A concept that refers to individuals whose physical sex characteristics, such as their reproductive or sexual anatomy or chromosome patterns, do not conform with typical notions of female or male sex. These patterns may become apparent at birth, may develop later (i.e. at puberty or in adulthood), or may remain unrecognized”. Queer: An umbrella concept that refers to a person whose SOGIE does not conform to socially accepted SOGIE norms, and may include individuals who are lesbian, gay, bisexual, trans or intersex. 2.9 Cisgender: An individual whose gender identity aligns with the sex they were assigned at birth”. 174 intersexuais podem enfrentar riscos adicionais por causa da falta de reconhecimento legal de sua identidade ou status de gênero em muitos países. 8.5.4.2 Os indivíduos trans e intersexuais podem enfrentar riscos elevados de violência física e sexual e podem sofrer discriminação no emprego, acesso a cuidados de saúde e tratamento médico e recebimento de serviços sociais. 8.5.4.3 Os indivíduos trans e intersexuais podem, em particular, estar em risco durante a detenção, por exemplo, devido à colocação desses indivíduos em prisão solitária ou em uma população de reclusos de sexo único que não corresponde ao gênero com o qual eles identificar. 8.5.4.4 As inconsistências relacionadas ao gênero podem ser encontradas nos documentos de identidade pessoal de indivíduos trans ou intersexos, e deve ter cuidado antes de extrair inferências negativas de discrepâncias em documentos de identificação de gênero envolvendo indivíduos trans ou intersexuais (tradução do autor)187. Há outra nuance que também é muito bem estruturada pelas diretrizes canadenses: a relação que os menores de idade tem com as questões de gênero, conforme já trabalhado no capítulo 3 desta tese. Sendo assim, os Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act estabelecem que: 8.5.5 Menores 8.5.5.1 Um menor que se identifica como um indivíduo com SOGIE diverso pode ser particularmente vulnerável a danos. Um menor intersexual pode enfrentar um risco elevado de danos. Exemplos de danos que podem ser perseguidos por um menor com SOGIE diverso incluem violência sexual e física; procedimentos médicos forçados, como cirurgia, terapia hormonal ou intervenções de conversão de orientação sexual; ou confinamento forçado. Exemplos de tratamento discriminatório experimentado por um menor com SOGIE diverso que podem ser acumulados em perseguição nas circunstâncias particulares de um caso incluem rejeição familiar sustentada, ostracismo social, negação de educação, expulsão da escola, assédio escolar e bullying (grifos do autor, tradução do autor188). 187Texto original em inglês: “8.5.3 Bisexual individuals 8.5.3.1 Bisexual individuals may face risks of mistreatment similar to those faced by gay men or lesbians.Note 44 However, bisexual individuals may also face specific types of discrimination or mistreatment. 8.5.4 Trans and intersex individuals 8.5.4.1 Trans and intersex individuals may be particularly vulnerable to systemic discrimination and acts of violence due to their non-conformity with socially accepted norms of gender presentation. Trans and intersex individuals may face additional risks because of the lack of legal recognition of their gender identity or status in many countries. 8.5.4.2 Trans and intersex individuals may face elevated risks of physical and sexual violence and may experience discrimination in employment, access to health care and medical treatment, and receipt of social services. 8.5.4.3 Trans and intersex individuals may, in particular, be at risk while in detention, for instance, due to the placement of such individuals in solitary confinement or in a single-sex inmate population that does not correspond to the gender with which they identify. 8.5.4.4 Gender-related inconsistencies may be found in the personal identity documents of trans or intersex individuals, and caution should be exercised before drawing negative inferences from discrepancies in gender identification documents involving trans or intersex individuals (CANADAb, 2018)”. 188Texto original: “8.5.5 Minors 8.5.5.1 A minor who identifies as an individual with diverse SOGIE may be particularly vulnerable to harm. An intersex minor may face an elevated risk of harm. Examples of harm that may amount to persecution for a minor with diverse SOGIE include sexual and physical violence; forced medical procedures such as surgery, hormonal therapy, or sexual orientation conversion interventions; or forced confinement. Examples of discriminatory treatment experienced by a minor with diverse SOGIE that may cumulatively amount to persecution in the particular circumstances of a case include sustained family rejection, social ostracism, denial of education, expulsion from school, harassment in school and bullying (CANADAb, 2018)”. 175 O fato de colorir a vulnerabilidade infância com uma perspectiva de gênero ajuda a incluir também a política canadense de acolhimento em um verdadeiro sistema protetivo da diversidade. Além disso, colabora para que os órgãos de educação do país desenhem políticas públicas inclusivas que possam amenizar todas essas questões apontadas. No que se refere à política externa, o Canadá tem se posicionado no sentido de que os Direitos Humanos de todas as pessoas são universais e indivisíveis, incluindo expressamente os Direitos Humanos dos gêneros; a fim de promover e proteger os direitos das pessoas: envolvendo-se construtivamente em fóruns multilaterais para promover os Direitos Humanos dos gêneros; compartilhando o próprio progresso na proteção dos direitos dos gêneros e os impactos positivos que isso teve para as comunidades; consultando e trabalhando em estreita colaboração com organizações da sociedade civil (CANADA, 2018). Importante apontar também que o país tem se proposto a utilizar canais bilaterais e multilaterais para: descriminalizar os gêneros ao redor do mundo; financiar organizações não- governamentais específicas ao redor do mundo; e denunciar violências e discriminações (CANADA, 2018). Sobre a utilização da política externa enquanto ferramenta de denúncia de violências e discriminações, vale apontar que em 15 de abril de 2017, o país, por meio de seu ministro das relações exteriores, condenou a construção de campos de concentração na Chechênia, planejados para torturar e prender gays e bissexuais (CANADA, 2018). Ainda sobre a política externa canadense, vale lembrar que o país é membro da Equal Rights Coalition (ERC), uma organização dedicada a proteger os direitos LGBTTIQ+ pelo mundo (CANADA, 2018). Embora o país ainda separe a luta das mulheres heterossexuais/heteroafetivas refugiadas ao editar duas diretrizes separadas, ele é bastante vanguardista só pelo fato de reconhecer que existem refugiadas mulheres e a fim de selar este reconhecimento o Canadá editou os Guidelines issued by the Chairpersonpursuant to Section 65(3)of the Immigration Act. Os Guidelines issued by the Chairperson pursuant to Section 65(3)of the Immigration Act entendem que as mulheres refugiadas podem categorizar-se entre os seguintes grupos: mulheres que temem a perseguição nos mesmos fundamentos da Convenção de Genebra, e em circunstâncias semelhantes, como homens. Ou seja, o fator de risco não é seu status de gênero, por si só, mas sim sua identidade particular (ou seja, racial, nacional ou social) ou o que elas acreditam, ou são percebidas para acreditar (ou seja, religião ou opinião política). Em tais alegações, a análise substantiva não varia em função do gênero da pessoa, embora a natureza do dano 176 temido e as questões processuais na audiência possam variar em função do gênero do requerente; mulheres que temem a perseguição apenas por razões relacionadas ao parentesco, ou seja, devido ao status, atividades ou pontos de vista de seus cônjuges, pais e irmãos, ou outros membros da família. Tais casos de "perseguição dos parentes" geralmente envolvem violência ou outras formas de assédio contra as mulheres, que não são acusadas de opiniões antagônicas ou convicções políticas, a fim de pressioná-las em revelar informações sobre o paradeiro ou as atividades políticas de membros sua família; mulheres que temem a perseguição resultante de certas circunstâncias de discriminação severa em razão de gênero ou atos de violência, seja pelas autoridades públicas ou por cidadãos particulares de cujas ações o Estado não está disposto a as proteger adequadamente. No contexto do Direito dos Refugiados, tal discriminação pode constituir uma perseguição se conduzir a consequências de natureza substancialmente prejudicial para a requerente e se forem impostas por qualquer motivo ou por uma combinação dos motivos legais de perseguição. Imputam-se nesta categoria também os atos de situações de violência doméstica; mulheres que temem a perseguição como conseqüência de não se conformarem ou transgredirem determinadas leis e práticas religiosas ou consuetudinárias discriminatórias de gênero em seu país de origem. Tais leis e práticas, ao destacar as mulheres e as colocar em uma posição mais vulnerável do que os homens, podem criar condições para a existência de um grupo social definido pelo gênero. Os preceitos religiosos, as tradições sociais ou as normas culturais que as mulheres podem ser acusadas de violar podem variar desde a escolha de seus próprios cônjuges em vez de aceitar um casamento arranjado, a assuntos como o uso da maquiagem, a visibilidade, o comprimento do cabelo ou a tipo de roupa que uma mulher escolhe usar; mulheres que sofrem as seguintes violências: multilação genital, casamentos forçados, abortos e esterilização compulsórios, queimamento de esposas e infanticídios de bebes meninas (CANADAc, 2018). Além disso, os Guidelines issued by the Chairpersonpursuant to Section 65(3)of the Immigration Act estabelecem que há peculiaridades especiais para que mulheres possam demonstrar suas alegações e se enquadrem como refugiadas por questões de gênero no seguinte sentido: 177 As mulheres refugiadas reclamam problemas especiais ao demonstrar que suas reivindicações são confiáveis. Algumas das dificuldades podem surgir devido a mal- entendidos interculturais. Por exemplo: 1. mulheres de sociedades onde a preservação da virgindade ou da dignidade conjugal é a norma cultural e a mulher em questão pode ser relutante em divulgar suas experiências de violência sexual, a fim de manter sua "vergonha" e não desonrar sua família ou comunidade. 2. as mulheres de certas culturas nas quais os homens não compartilham os detalhes de suas atividades políticas, militares ou mesmo sociais com suas cônjuges, filhas ou mães podem se encontrar em uma situação difícil quando questionadas sobre as experiências de seus parentes do sexo masculino. 3. as mulheres refugiadas que sofreram violência sexual podem exibir um padrão de sintomas denominado Síndrome do Traumatismo por Violação e podem exigir um tratamento extremamente sensível. Da mesma forma, as mulheres que foram submetidas à violência doméstica podem exibir um padrão de sintomas como Síndrome da Mulher Battered e também podem ser relutantes em testemunhar. Em alguns casos, será apropriado considerar se os requerentes devem ter a opção de fornecer seu testemunho fora da sala de audiência por meio de declarações judiciais ou por fita de vídeo, ou na frente de membros e oficiais de reclamações de refugiados treinados especificamente para lidar com a violência contra as mulheres. Os membros devem estar familiarizados com as Diretrizes do Comitê Executivo do ACNUR sobre a proteção das mulheres refugiadas (tradução do autor)189. Ou seja, a abordagem do governo canadense para receber suas refugiadas não é observada somente por meio de uma perspectiva de gênero, mas por uma “perspectiva de gênero intercultural”. Ela leva em consideração não somente o fato de que gêneros podem ser não-hegemônicos, mas de que as identidades humanas são não-hegemônicas e podem muito bem serem construídas a partir de experiências não ocidentais. 4.1.3 O refúgio por questões de gênero nos Estados Unidos Em sua página oficial, o governo estadunidense tem reconhecido que em muitas partes do mundo os gêneros enfrentam severas discriminações devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero e, em dezenas de países, relacionamentos consensuais são criminalizados. Além disso, reconhece expressamente o vínculo entre as leis de criminalização e crimes de ódio 189Texto original em inglês: “Women refugee claimants face special problems in demonstrating that their claims are credible and trustworthy. Some of the difficulties may arise because of cross-cultural misunderstandings. For example: 1. Women from societies where the preservation of one's virginity or marital dignity is the cultural norm may be reluctant to disclose their experiences of sexual violence in order to keep their "shame" to themselves and not dishonour their family or community. 2. Women from certain cultures where men do not share the details of their political, military or even social activities with their spouses, daughters or mothers may find themselves in a difficult situation when questioned about the experiences of their male relatives. 3. Women refugee claimants who have suffered sexual violence may exhibit a pattern of symptoms referred to as Rape Trauma Syndrome,and may require extremely sensitive handling. Similarly, women who have been subjected to domestic violence may exhibit a pattern of symptoms referred to as Battered Woman Syndrome and may also be reluctant to testify. In some cases it will be appropriate to consider whether claimants should be allowed to have the option of providing their testimony outside the hearing room by affidavit or by videotape, or in front of members and refugee claims officers specifically trained in dealing with violence against women. Members should be familiar with the UNHCR Executive Committee Guidelines on the Protection of Refugee Women” (CANADAc, 2018). 178 homofóbicos, abuso policial, tortura e violência familiar e comunitária; bem como a necessidade de leis específicas visando os gêneros (UNITED STATES OF AMERICA, 2018). O governo federal estadunidense também reconhece que os refugiados por questões de gênero podem fugir de seus países devido à perseguição com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero, ou pelas mesmas razões que qualquer outro refugiado - como conflitos étnicos, agitação política ou a falta de liberdade religiosa. No entanto, reconhece-se que também em países onde procuram segurança, os refugiados por questões de gênero muitas vezes arriscam ser assediados, machucados ou mesmo mortos. Além disso, reconhece-se que eles podem ser alvo de outros refugiados, comunidades de acolhimento ou funcionários do governo e policiais, que podem ameaçá-los, prendê-los e/ou os deter (UNITED STATES OF AMERICA, 2018). Esta afirmação insere o conceito de refúgio por questões de gênero estadunidense dentro de um sistema protetivo da diversidade, uma vez que abraça o conceito ampliado de refúgio por questões de gênero, conforme proposto no capítulo 3 desta tese, etendendo que: o refúgio não se restringe às violências diretas dos países, mas também às violências estruturais deles; e que pode haver refúgio por questões de gênero dentro de outros pedidos de refúgio. Além disso, o governo estadunidense tem reconhecido que os refugiados por questões de gênero muitas vezes estão relutantes em procurar ajuda por medo de revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero para pessoas que podem as sujeitar a perseguições adicionais; reconhecendo também que essa invisibilidade impediu que muitas organizações se aproximassem dos referidos refugiados e os ajudassem a acessar os serviços, incluindo cuidados médicos indispensáveis (UNITED STATES OF AMERICA, 2018). No exterior, o governo estadunidense alega trabalhar com organizações internacionais como o ACNUR e inúmeras organizações não-governamentais para aumentar a assistência e a proteção dos refugiados por questões de gênero. Além disso, defende que a inclusão do ACNUR de orientações específicas para os gêneros em políticas e manuais para funcionários (UNITED STATES OF AMERICA, 2018). Levando em consideração que entre os 194 países reconhecidos pelas Nações Unidas, os Estados Unidos está entre os 3 únicos países que decidem abordar o assunto não há como não se considerar louvável a posição do país. Além disso, deve-se recordar que no que diz respeito à sua política internacional, ele ainda serve de modelo para outros países do mundo e, mais do que isso, é o maior doador do ACNUR, sendo que em 2017, por exemplo, doou para a referida agência US$ 1.443.760.238,00 (um bilhão, quatrocentos e quarenta e quatro milhões, 179 setecentos e sessenta mil, duzentos e trinta e oito doláres), mais do que o triplo190 do que toda a União Européia, segunda maior doadora da agência (UNCHUR, 2018). Dito isso, vale apontar algumas críticas à política de refúgio por questões de gênero estadunidense: a referida política separa a luta de mulheres heterossexuais/heteroafetivas da luta dos outros gêneros; não há menção aos gêneros não binários ou não-ocidentais em suas políticas; as referidas políticas não se estruturam por meio de dispostivos jurídicos a fim de dar a elas alguma concretude prática; o país não cobra dos demais países que tomem atitudes concretas para resolveram a questão; os Estados Unidos votaram em outubro de 2017, na Assembleia Geral das Nações Unidas, contra uma resolução que propunha condenar aplicação da pena de morte aos gêneros nos países pelo mundo; destoando do voto de todas as democracias mundiais (exceto do Japão) e votando juntamente com ditaduras, como a Arábia Saudita e o Iraque (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2018). 4.2 DESENHANDO POLÍTICAS PÚBLICAS PARA REFUGIADOS POR QUESTÕES DE GÊNERO Recapitulando o que foi desenvolvido até agora nesta tese, tem-se o seguinte: conforme discutido neste capítulo, todos os 194 países no mundo falham pelo menos parcialmente em protegerem seus gêneros; 71 países do mundo criminalizam performances não-hegemônicas dos gêneros; 8 deles com penas de morte (sendo que estas mortes às vezes acontecem por apedrejamento, enforcamento ou esquartejamento) (INGLA, 2017); somente 36 países do mundo protegem razoavelmente os gêneros (SPARTACUS, 2018); 158 países do mundo não reconhecem os direitos básicos dos gêneros (como o casamento igualitário, o direito de se negar o casamento infantil, o direito de não ser queimada viva quando sua família não paga o dote ao marido, o direito de não se submeter à violência sexual sistêmica, o direito a se negar à mutilação genital, 190Neste sentido, vale lembrar o que o PIB dos Estados Unidos e da União Europeia não possuem esta discrepância. Em 2016, por exemplo, o Banco Mundial reportou que o PIB estadunidense foi de $ 18.624.500.000.000,00 (dezoito trilhões, seiscentos de vinte e quatro bilhões de 500 milhões de dólares), enquanto o PIB da União Europeia foi de $ 11.885.664.000.000 (onze trilhões, oitocentos de oitenta e cinco bilhões, seiscentos de sessenta e quatro milhões de dólares) (COUNTRYECONOMY, 2018). 180 igualdade civil191, dentre muitos outros mencionados no capítulo 3 desta tese) (SPARTACUS, 2018); conforme discutido neste capítulo, somente 3 países no mundo possuem alguma articulação específica para receber refugiados por questões de gênero; pelo menos 175 milhões de seres humanos correm risco de vida direto por conta de questões de gênero e esse número, considerando-se violências estruturais, bem como um conceito mais abrangente de gênero, pode expandir consideravelmente (ORAM, 2017); não foi encontrada uma legislação no Direito Internacional sobre o tema, levando-se em consideração todos os tratados celebrados no âmbito das Nações Unidas, do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, da União Africana, do Sistema Europeu de Direitos Humanos e do Mercosul; com exceção do Canadá, nem um outro país do mundo editou regulamentação específica sobre o tema (CANADAb, 2018). Ou seja, as proteções aos refugiados por questões de gênero ao redor do mundo são muito precárias. Os Estados e a comunidade internacional silenciam perante atrocidades praticadas diariamente contra centenas de milhões de seres humanos. De acordo com Judith Butler (2009, p. 25), a precariedade traduz uma condição politicamente construída através da qual determinadas populações são assimetricamente expostas a contextos de violência, perigo, enfermidade, migração forçada, pobreza e morte. Diante da precariedade, as diversas formas de violência são normalizadas e as populações são assimetricamente privadas dos recursos necessários para a minimização de suas vulnerabilidades (2009, p. 31). Esta referência à Judith Butler encaixa-se perfeitamente no que se refere aos direitos dos refugiados por questões de gênero: o silêncio dos Estados e da comunidade internacional permitiram que severas espécies de violências contra estas identidades fossem normalizadas. Essa normalização da precariedade para com os gêneros precisa acabar. Sendo assim, discute-se a partir de agora quais são as políticas públicas que precisam ser adotadas pelos Estados a fim justamente de minimizar as vulnerabilidades dos refugiados por questões de gênero e para romper com uma história milenar de violências estruturais a determinadas identidades. 191Alguns país não criminalizam gêneros, mas entendem que suas performances não-hegemônicas e/ou transgressoras são ilícitos civis (INGLA, 2017). 181 Os Estados e a comunidade internacional são igualmente responsáveis para o desenho destas políticas. Os Estados são responsáveis no âmbito interno e no que diz respeito à sua política externa, sobretudo a fim de cobrar posições estatais humanitárias para com os gêneros daqueles com quem mantêm relações diplomáticas ou a quem fornecem ajuda humanitária. Essa diplomacia humanitária é muito importante e será mais profundamente abordada ainda neste capítulo. A comunidade internacional, por sua vez, cobrando dos Estados e os orientado na construção das referidas políticas, de preferência, por meio do Direito Internacional (hard law192). 4.2.1 Políticas de categorização de refugiados por questões de gênero: uma abordagem sob a perspectiva dos gêneros Entende-se como política de categorização dos refugiados aquela que confere (ou não) o referido status de refugiado por questões de gênero ao indivíduo em questão. O princípio da proteção da diversidade é muito importante tanto para nortear os valores da referida catalogação, como também para a discussão de quem tem competência para tomar a referida decisão. Dessa forma, deve-se recomendar aos Estados que possibilitem que as referidas decisões sejam tomadas por comitês formados sobretudo por “diversidades”: étnicas, culturais, religiosas e de gênero; bem como pessoas com formação acadêmica nas áreas correlatas. Além dos membros formadores do comitê parece ser importante também que diversidades participem com suas vozes nos processos de refúgio. Sendo assim, faz-se importante a participação de diversos atores estatais e não estatais, tais como: Ministérios Públicos, organizações da sociedade civil especializadas no tema, representantes classistas, advogados, psicólogos. Além disso, os exemplos sueco e canadense já analisados, parecem trazer paradigmas positivos que versem e valorizem as seguintes questões: a importância de se respeitar e considerar a experiência do solicitante de refúgio; a necessidade de assumir que as questões de gênero podem se referir a temas extremamente íntimos, difíceis de serem discutidos com o solicitante e difíceis de serem comprovados; a necessidade de se entender que o isolamento 192No capítulo 5 desta tese aborda-se o conceito de hard law. 182 social causado por conta das questões de gênero muitas vezes trazem a voz do refugiado como principal prova daquilo que se procura comprovar. Ainda sobre a análise realizada por comitê multidisciplinar, vale apontar que há um grupo em específico dentre os outros que podem requisitar o referido status, o qual possui algumas dificuldades ainda mais latentes: os “bissexuais/biafetivos”193. Neste sentido, vale apontar que indivíduos “bissexuais/biafetivos” passam muitas vezes despercebidos. Há uma invisibilidade na representação e na significação dessas identidades, uma vez que habitam em um universo onde é proibido discordar da lógica binária e polarizada. Dessa forma, em uma cultura em que a representação majoritária da sexualidade (e da afetividade) organiza-se a partir de dois polos bem marcados, a heterossexualidade/heteroafetividade, bem como a própria homossexualidade/homoafetividade, e a cada polo correspondem identidades bem definidas, quais sejam, os heterossexuais/heteroafetivos e os homossexuais/homoafetivos, não há espaço para “bissexuais/biafetivos” (SEFFNER, 2004, p. 235). Da mesma forma, Butler (2003, p. 49) tem apontado que quando se ultrapassa de uma lógica binária de gênero, torna-se pessoa irreconhecível, inexistente, sem representação; o que tem repercutido em decisões sobre refúgio por questões de gênero pelo mundo. Um caso bastante emblemático foi o do jamaicano Orashia Edwards. Ele procurou se refugiar no Reino Unido por conta de suposta perseguição na Jamaica em razão de sua “bissexualidade/biafetividade”. Quando já estava no país, sua família foi informada de que ele poderia ser deportado a qualquer momento, uma vez que se considerou que ele havia sido desonesto quanto à sua sexualidade após uma análise de provas (THE GUARDIAN, 2016). Quando a questão foi judicializada, a justiça do Reino Unido, na sua primeira instância, entendeu que Orashia Edwards não era bissexual/biafetivo. O juiz do caso entendeu que ele estava apenas “experimentando a sexualidade”; termo rechassado pela segunda instância inglesa que analisou provas de que Orashia Edwards tinha inclusive mantido relacionamentos de afeto com outros homens (THE GUARDIAN, 2016). A organização não-governamental Immigration Equality afirma que essa prática é bastante comum por parte dos comitês que conferem o status de refugiados por questões de gênero no que se refere à abordagem da “bissexualidade/biafetividade”. Ou seja, a formação 193Da mesma maneira que se evita o termo “homossexual” e se prefere utilizar o termo “gay”, conforme já apontado neste trabalho, também se evita nesta tese o “termo bissexual”. A utilização do radical “sexual” parece reduzir seres humanos e suas experiências afetivas, corporais e sexuais somente à sua vida sexual. Todavia, a terminologia “bissexual” não possui hoje uma outra palavra que possa ser substituída, como o termo “gay”. Então, utilizou-se aqui o termo “bissexual/biafetivo”, espelhado na construção “homossexual/homoafetivo”, bem como se utilizou o termo “heterossexual/heteroafetivo”. 183 desse comitê de análise, além de se pautar no princípio da proteção da diversidade, fazer uma análise multidisciplinar do caso, respeitar a experiência do solicitante de refúgio, bem como suas questões de gênero, deve tomar ainda mais cuidado ao analisar bissexualidades/biafetividades. Por meio destas abordagens, portanto, o acolhimento para com os refugiados por questões de gênero transforma-se em um acolhimento mais humano, colorido e respeitoso. 4.1.2 Políticas de combate a análises de enquadramento de gênero para com solicitantes de refúgio por questões de gênero Se de um lado, parece necessário buscar uma abordagem afirmativa e respeitosa para categorizar os refugiados por questões de gênero como tais, por outro também é importante combater as políticas de enquadramento de gênero que existem até hoje. A falta de um Direito dos Refugiados Colorido, que, por sua vez, desenhe políticas públicas para a realização de uma avaliação de como se abordar os gêneros não causa somente mal entendidos em negativas sobre pedidos de refúgio, mas permite que verdadeiras técnicas de tortura exponham os indivíduos que fazem a referida solicitação. Na República Checa, a pletismografia peniana (também conhecida como "falometria" ou "PPG") é usada nos requerentes de refúgio por questões de gênero para confirmar a sua “homossexualidade”. No contexto do refúgio, a República Checa acredita que a pletismografia evite a necessidade de um entrevista pessoal com o indivíduo (ORAM, 2010, p. 1). Observa-se uma figura representando o referido instrumento: Figura n. 4: Trata-se de imagem divulgada pela organização não-governamental alemã ORAM (2010, p. 21). Na 184 pletismografia, um tubo é colocado em volta do pênis. Como o pênis do sujeito torna-se flácido ou ereto, o pletismógrafo mede a mudança em volume de ar dentro do tubo diante de estímulos visuais. Aponta-se que há outros dois instrumentos utilizados em homens para verificar sua orientação sexual tão ou mais invasivos. Observa-se as figuras ilustrativas em seguida: Figura n. 5: Trata-se de imagem divulgada pela organização não-governamental alemã ORAM (2010). O instrumento aí representado é usado no pênis de indivíduos para verificar se são “homossexuais”. Além de estímulos visuais o aparelho em questão estimula o pênis por meio de eletrochoques. Figura n. 6: Trata-se de imagem divulgada pela organização não-governamental alemã ORAM (2010). Colocado no pênis, quando o anel se expande, o mercúrio dentro dele melhora, criando uma mudança quantificável na resistência contra o atual. 185 A contraparte desse método também é usada para mulheres solicitantes de refúgio por questões de gênero, a fotopletismografia vaginal ("VPG"). Observa-se uma figura representando o referido instrumento: Figura n. 7: Trata-se de imagem divulgada pela organização não-governamental alemã ORAM (2010, p. 22). Na vagismografia, um tubo é colocado dentro da vagina da mulher solicitante de refúgio. Este aparelho produz uma luz que permite identificar se mediante estímulos a pessoa reage a estímulos visuais. Os métodos anteriormente descritos ferem gravemente a dignidade humana, o respeito aos corpos desses solicitantes de refúgio, legislações que protegem e garantem a diversidade humana ou a identidade humana. Além disso, reduzem os gêneros e suas experiências a desejos sexuais, que nem, de fato, são comprovados diante de experiências tão humilhantes e aparelhos tão precários e desincentivados por profissionais da área de saúde (ORAM, 2010, p. 1). Neste mesmo sentido, o Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu que destoa dos valores europeus os países fazerem verificações de orientação sexual para receberem refugiados, nos seguintes termos: Artigo 4.º da Diretiva 2011/95 / CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa a normas para a qualificação de nacionais de países terceiros ou apátridas como beneficiários de proteção internacional, para um estatuto uniforme para refugiados ou para pessoas elegíveis para proteção subsidiária e para o conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à autoridade responsável pela análise de pedidos de proteção internacional, ou, quando uma ação foi intentada contra uma decisão dessa autoridade, os tribunais ou tribunais consultados, ordenar que o relatório de um perito seja obtido no contexto da avaliação dos fatos e circunstâncias relativos à orientação sexual declarada de um requerente, desde que os procedimentos para tal relatório sejam consistentes com os direitos fundamentais garantidos pelo Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que essa autoridade e esses tribunais não baseiam a sua decisão exclusivamente nas conclusões do relatório do 186 perito e que não estão vinculadas por essas conclusões ao avaliar as declarações do requerente relativas à sua orientação sexual. O artigo 4º da Directiva 2011/95, lido à luz do artigo 7º da Carta dos Direitos Fundamentais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a verificações fisiológicas, a fim de avaliar a veracidade de um pedido apresentado por um requerente de protecção internacional relativamente à sua orientação sexual, do relatório de peritos de um psicólogo, como o que está em causa no processo principal, cujo objetivo é, com base em testes de personalidade projetiva, fornecer uma indicação da orientação sexual desse candidato (grifos do autor, tradução do autor194). Importante apontar ainda que a referida decisão de janeiro de 2018, inclusive, condena a República Checa por realizar tais procedimentos de análise de enquadramento de gênero para os solicitantes de refúgio. Sendo assim, um Direito dos Refugiados Colorido, precisa formalizar políticas públicas estatais não invasivas, respeitosas e que não comprometam a dignidade dos solicitantes de refúgio não somente no momento de se realizar a análise para se conferir o referido status, mas obviamente durante todo o processo de refúgio, sem qualquer exceção. 4.2.3 Travessias ilegais de refugiados: a urgência de uma perspectiva de gênero à situação A discussão sobre os refúgios passa por diversas esferas: sobre quem deve ser considerado refugiado ou não; sobre qual é o papel dos países que recebem os refugiados; sobre a perda do status de refugiado; dentre outras discussões. Todavia, precisa-se discutir também (seja pela imprensa, academia ou pelo Direito dos Refugiados) sobre a questão do deslocamento dos refugiados e o papel dos Estados e da comunidade internacional para os proporcionar um deslocamento digno e humanizado. No que se refere especialmente a esse deslocamento, deve-se, além de tudo, adotar uma perspectiva de gênero, porque vulnerabilidades encontram-se ainda mais vulneráveis durante todo esse processo de viagem e, dentre essas vulnerabilidades, estão os gêneros. 194Texto original em inglês: “On those grounds, the Court (Third Chamber) hereby rules: Article 4 of Directive 2011/95/EC of the European Parliament and of the Council of 13 December 2011 on standards for the qualification of third-country nationals or stateless persons as beneficiaries of international protection, for a uniform status for refugees or for persons eligible for subsidiary protection, and for the content of the protection granted, must be interpreted as meaning that it does not preclude the authority responsible for examining applications for international protection, or, where an action has been brought against a decision of that authority, the courts or tribunals seised, from ordering that an expert’s report be obtained in the context of the assessment of the facts and circumstances relating to the declared sexual orientation of an applicant, provided that the procedures for such a report are consistent with the fundamental rights guaranteed by the Charter of Fundamental Rights of the European Union, that that authority and those courts or tribunals do not base their decision solely on the conclusions of the expert’s report and that they are not bound by those conclusions when assessing the applicant’s statements relating to his sexual orientation. Article 4 of Directive 2011/95, read in the light of Article 7 of the Charter of Fundamental Rights, must be interpreted as precluding the preparation and use, in order to assess the veracity of a claim made by an applicant for international protection concerning his sexual orientation, of a psychologist’s expert report, such as that at issue in the main proceedings, the purpose of which is, on the basis of projective personality tests, to provide an indication of the sexual orientation of that applicant”. 187 Gadi BenEzer e Roger Zetter (2014) publicaram no Journal of Refugee Studies da Oxford University um artigo versando sobre a necessidade de se criar uma metodologia para que pesquisadores das ciências sociais analisem as jornadas traçadas pelos refugiados. Sobre a referida metodologia, BenZer e Zeter (2014) afirmam a necessidade das referidas pesquisas abordarem uma perspectiva de gênero, no seguinte sentido: Da mesma forma, as experiências de mulheres e homens em viagens, suas formas particulares de ver e expressar essas experiências, e assim por diante, seriam um foco frutífero de pesquisa. Por exemplo, a jornada como uma "zona liminar" e as exigências da jornada em si, são propensas a violar as normas sociais e os papéis dos viajantes e de outras pessoas que enfrentam no caminho. Assim, as mulheres, em particular, são mais vulneráveis nas viagens. Os soldados sudaneses procuravam entre os refugiados etíopes que chegavam à fronteira e selecionavam jovens atraentes para exploração sexual - uma experiência generalizada em muitas comunidades de refugiados, é claro. Este comportamento não-normativo é mais provável que ocorra em tais condições liminares. O estado de Limen-Betwixt e arredores, como Turner (1967, 1974) o definiu em relação às peregrinações - também pode afetar os próprios viajantes, mudando seu próprio comportamento para modos "fora da norma", novamente com as mulheres sendo as vítimas típicas em tais situações. As viagens podem ser, por outro lado, uma oportunidade para fugir dos papéis de gênero atribuídos às mulheres, portanto, uma oportunidade para o crescimento pessoal, bem como para a atualização das expectativas culturais de bravura e masculinidade para homens adolescentes e adultos jovens (tradução do autor)195 Neste mesmo sentido, Nujeen Mustafa narra no livro The girl from Aleppo: Nujeen’s escape from war to freedom (2016) como é delicada a situação das mulheres e meninas que dependem dos traficantes de seres humanos para fazerem as travessias; e o fato de muitas vezes terem que pagar com seus próprios corpos por essas travessias. Todavia, não são somente os traficantes de pessoas que perseguem os gêneros durante as travessias, mas também seus próprios colegas, que muitas vezes aproveitam a oportunidade para exercerem suas masculidades tóxicas para com gêneros mais vulneráveis. 195Texto original em inglês: “Similarly, the experiences of women and men on journeys, their particular ways of seeing and expressing these experiences, and so forth, would be a fruitful focus of research. For example, the journey as a ‘liminal zone’ and the exigencies of the journey itself, are prone to breach the social norms and roles of the wayfarers and others they encounter on their way. Thus, women in particular, are more vulnerable on journeys. The Sudanese soldiers used to search among the Ethiopian refugees arriving at the border, and select attractive young women for sexual exploitation—a widespread experience in many refugee communities of course. This non-normative behaviour is more likely to happen in such liminal conditions. The state of limen—betwixt and between, as Turner (1967, 1974) defined it in relation to pilgrimages—may also affect the wayfarers themselves, thus changing their own behaviour to ‘out of norm’ modes, again with women being the typical victims in such situations. Journeys could be, on the other hand, an opportunity for escaping from ascribed gender roles for women, thus an opportunity for personal growth, as well as for actualizing cultural expectations of bravery and manliness for adolescent and young-adult males” (BENEZER; ZETTER, 2014). 188 Pautadas nessa premissa, Ines Keygnaert, Nicole Vettenburg e Marleen Temmerman realizaram entrevistas com 223 refugiados encontrados na Holanda e na Bélgica e as publicaram no artigo intitulado Hidden violence is silent rape: sexual and gender-based violence in refugees, asylum seekers and undocumented migrants in Belgium and the Netherlands, apontando as seguintes conclusões: Embora as mulheres, os jovens e os refugiados sejam vulneráveis à violência sexual e de gênero (VSG) em todo o mundo, existem poucas evidências sobre a VSG contra os refugiados na Europa. Utilizando a pesquisa participativa baseada na comunidade, realizaram-se 223 entrevistas em profundidade com refugiados, requerentes de asilo e imigrantes indocumentados na Bélgica e na Holanda. As respostas foram analisadas utilizando análise de estrutura. A maioria dos entrevistados foi pessoalmente vitimada ou sabia que uma pessoa próxima era vítima desde a sua chegada à União Européia. Um total de 332 experiências de VSG foram relatadas, principalmente afligidas por (ex) parceiros ou profissionais de asilo. Mais de metade das experiências violentas relatadas constituíram violência sexual, incluindo violação e exploração sexual. Os resultados sugerem que refugiados, requerentes de asilo e imigrantes indocumentados na Bélgica e na Holanda são extremamente vulneráveis à violência e, especificamente, à violência sexual. As futuras medidas preventivas da VSG devem consistir em intervenções baseadas em direitos, desejáveis e participativas, com foco em vários níveis sócio-ecológicos simultaneamente (KEYGNAERT; VETTENBURG; TEMMERMAN, 2012, p. 505, grifos do autor, tradução do autor196. A pesquisa também aponta que essas violências variam de assédio sexual a estupros coletivos e que estão intimamente ligadas ao procedimento de fuga desses indivíduos (KEYGNAERT; VETTENBURG; TEMMERMAN, 2012, p. 505). Além disso, a pesquisa também aponta que muitas vezes essas violências acontecem no período em que o refugiado está passando por seu maior momento de vulnerabilidade, como fome, por exemplo (KEYGNAERT; VETTENBURG; TEMMERMAN, 2012, p. 505). Os Estados e a comunidade internacional, portanto, precisam desenvolver políticas públicas voltadas para os trajetos dos refugiados que fogem em busca de uma vida vivível. Além disso, essas políticas públicas precisam ser desenvolvidas sob uma perspectiva de gênero a fim de proteger as vulnerabilidades relativas a esses gêneros. 196Texto original em inglês: “Although women, young people and refugees are vulnerable to sexual and gender-based violence (SGBV) worldwide, little evidence exists concerning SGBV against refugees in Europe. Using community-based participatory research, 223 in-depth interviews were conducted with refugees, asylum seekers and undocumented migrants in Belgium and the Netherlands. Responses were analysed using framework analysis. The majority of the respondents were either personally victimised or knew of a close peer being victimised since their arrival in the European Union. A total of 332 experiences of SGBV were reported, mostly afflicted on them by (ex-)partners or asylum professionals. More than half of the reported violent experiences comprised sexual violence, including rape and sexual exploitation. Results suggest that refugees, asylum seekers and undocumented migrants in Belgium and the Netherlands are extremely vulnerable to violence and, specifically, to sexual violence. Future SGBV preventive measures should consist of rights-based, desirable and participatory interventions, focusing on several socio-ecological levels concurrently” (KEYGNAERT; VETTENBURG; TEMMERMAN, 2012, p. 505). 189 4.2.4 Acampamentos de refugiados e a necessidade de uma perspectiva de gênero ao analisar a situação Da mesma forma que as travessias de refugiados precisam de uma perspectiva de gênero, a gestão dos acampamentos de refugiados também precisa e se discute como é possível viabilizar essa perspectiva. Primeiramente, cumpre esclarecer que os acampamentos de refugiados são geralmente páteos de colégios, ginásios ou grandes lugares a céu aberto, os quais constumam abrigar uma grande leva de pessoas que chegam a determinado país para fazerem a solicitação de refúgio. Quando o governo do país que recebe os refugiados percebe que o montante de pessoas chegando é significativo, arquiteta-se moradias improvisadas (geralmente na forma de barracas) para receber aqueles seres humanos. Dessa forma, concentrando milhares de indivíduos em um mesmo lugar fica mais fácil cuidar de trâmites burocráticos para permitir que os referidos refugiados possam trabalhar, ter acesso à saúde, educação e cursos de língua, bem como para permitir a eles acesso à alimentação básica e à assistência médica básica. A gestão de tudo isso geralmente acontece com a atuação do governo daquele país e do ACNUR. Sobre o assunto, Montclos e Kagwanja (2000, p. 205, tradução do autor197) apontam o seguinte: Os campos de refugiados são muitas vezes percebidos como assentamentos transitórios, refletindo a natureza temporária do fenômeno dos refugiados. No entanto, alguns campos estiveram em existência por anos e podem ser comparados a cidades virtuais em vista da sua densidade populacional e demográfica. Ou seja, dependendo da vontade política do país, os campos de refugiados podem demorar mais do que o esperado e, mais do que isso, podem se transformar em verdadeiras cidades, quebrando com o “princípio da integração” previsto na Convenção de Genebra. Além disso, vale apontar também que a situação daqueles que estão nesses campos é bastante precária, conforme observado em algumas fotos a seguir: 197Texto original em inglês: “Refugee camps are often perceived as transient settlements, reflecting the temporary nature of the refugee phenomenon. Yet some camps have been in existence for years and can be likened to virtual cities in view of their population and demographic density” (MONTCLOS; KAGWANJA, 2000, p. 205). 190 Figura n. 8: Trata-se de imagem divulgada pelo site Fotospúblicas.com. Ela demonstra como estão organizados os refugiados venezuelanos em Roraima, Brasil. Eles ficam em barracas, em alguns campos enquanto esperam pela sua formalização enquanto refugiados. Percebe-se pela foto, que estão com o tempo ocioso, sem acesso à água potável (tendo que se utilizar de galões d’água), bem como sem qualquer espaço privado para si. Figura n. 9: Trata-se de imagem divulgada pelo site Agência Brasil. Ela é foto de campo de refugiados de Juba, Sudão do Sul, na África Subsaariana. Também se percebe pela foto, a utilização de barracas improvisadas para a moradia desses refugiados, uma grande aglomeração de pessoas, com tempo ocioso e falta de acesso a boas condições de higiene. As fotos apresentadas, portanto, demonstram como podem ser precárias as situação daqueles chegaram no país de acolhimento, após saírem de seus próprios países por conta de 191 uma guerra, uma catástrofe ambiental ou por conta de uma situação de perseguição, após fazerem travessias perigosas e longas, sendo geralmente ameaçados por traficantes, perdendo parentes e amigos queridos durante todo esse processo. A “precariedade”, por sua vez, é um termo que mantém relação intrínseca com os gêneros (BUTLER, 2004). Dessa forma, os gêneros não-hegemônicos podem conversar com a precariedade da situação de uma forma peculiar e algo precisa ser feito nesse sentido. Um Direito dos Refugiados Colorido precisa prever proteções específicas dentro dos campos de refugiados para com os gêneros. Há alguns relatos de estupros dentro dos campos de refugiados já divulgados pela imprensa no norte da França, bem como em Londres, Reino Unido (THE GUARDIANb, 2018). Essas violações geralmente acontecem provocadas: pelos próprios familiares das vítimas, pelos próprios refugiados, por traficantes de pessoas que ainda têm contato com o campo de refugiados, pelos próprios oficiais do governo que trabalham nos campos, bem como pelos próprios oficiais das Nações Unidas que auxiliam na sua gestão (USA TODAY, 2018). Da mesma forma, embora não encontrados reportes sobre outras formas de violência para com os gêneros dado à invisibilidade da temática já discutida em capítulos anteriores, parece claro que essas formas devem existir dentro deste desenho tão precário dos campos de refugiados. Sendo assim, propõe-se que um Direito dos Refugiados Colorido sugira políticas de gestão dos campos de refugiados sob uma perspectiva de gênero no seguinte sentido: é preciso criar dentro dos campos uma política de reporte de qualquer violência, abuso, bullying ou maus tratos envolvendo gêneros; o reporte de tais violências, abusos, bullying ou maus tratos por parte de quem os pratica devem ser levados ao órgão colegiado que avalie a solicitação de refúgio e essa política deve ser explicada aos solicitantes de refúgio desde o dia que entram no campo de refugiados; materiais de conscientização devem ser entregues junto com a alimentação dada aos refugiados; é preciso criar uma ouvidoria para que abusos das autoridades do país e de membros das Nações Unidas também sejam reportados; os campos de refugiados devem existir de maneira o mais provisória possível, uma vez que aumentam exponencialmente as vulnerabilidades dos migrantes, sobretudo no que se refere a gêneros não-hegemônicos. Dessa forma, um Direito dos Refugiados Colorido, por meio da imposição de tais políticas, parece atenuar as vulnerabilidades desses gêneros em iminente risco. 192 4.2.5 Políticas de combate aos trabalhos análogos aos de escravos Outro ponto que precisa de atenção a fim de se pensar políticas públicas que conversem com o conceito de refúgio por questões de gênero parece ser a situação dos trabalhos análogos aos de escravos. As experiências do refúgio e da migração, por si só, levam facilmente qualquer indivíduo ao trabalho análogo ao de escravo. Recentemente, no Líbano, por exemplo, constatou-se que mais de 180 mil refugiados sírios estavam trabalhando sob regime de escravidão (UNICEF, 2017, p. 6). Todavia, dar-se uma perspectiva de gênero ao trabalho forçado198 é bastante importante. Inclusive, cumpre apontar que tem acontecido um fenômeno chamado de “feminização do trabalho”, que nada mais é do que o aumento da presença feminina no mercado de trabalho (BERTOLIN; CARVALHO, 2010, p. 193). No que diz respeito à justificativa do referido fenômeno, aponta-se: Este aumento da presença feminina no mercado pode ser atribuído ao fato de que as mulheres costumam concordar em se submeter a trabalhos precários e/ou a tempo parcial, seja devido à imposição das empresas de experiência anterior, seja em razão dos períodos em que são forçadas a permanecer afastadas em virtude das exigências da maternidade, ou ainda devido à conciliação com as tarefas domésticas (“múltiplas jornadas”), já que os cuidados com a casa e os filhos, em geral, são por elas assumidos (BERTOLIN; FREITAS, 2017, p. 86). Ou seja, tanto gêneros quanto migrações trazem vulnerabilidades para atrair seres humanos para precárias espécies de trabalho. Neste sentido, foram realizadas entrevistas com 72 mulheres bolivianas que viviam no Brasil no ano de 2013 pelos cientistas Alexandre de Freitas Barbosa, João Paulo Veiga, Katiuscia Espósito, Ângela Araújo e Mark Anner. Suas conclusões foram inseridas no artigo Precarious work: the case of Bolivian women workers in the apparel sector in the city of São Paulo. Dentre tais conclusões, entende-se importante ressaltar a seguinte: A sensação de insegurança de se viver no Brasil também ocorre no ambiente de trabalho. Portanto, embora possa ser verdade que trabalhadoras mulheres imigrantes tenham teto e comida, este ambiente pode não ser muito amigável: reclamações de maus empregadores, dificuldades em serem formalmente reconhecidas como trabalhadoras, banhos frios para economizar energia, pagamentos baixos, baixas dos preços dos itens produzidos por conta da competitividade com os produtos coreanos (os produtos asiáticos tem baixado o valor dos produtos manufaturados), sensação de exploração e até mesmo de escravidão são algumas das reclamações encontradas durante as entrevistas, mesmo sem que uma pergunta direta às vezes tenha as 198Esta tese usa os termos “trabalho análogo aos de escravo” (termo encontrado em diplomas como o Código Penal Brasileiro) e “trabalho forçado” (termo encontrado mais tipicamente no Direito Internacional dos Direitos Humanos) como sinônimos. 193 provocado (BARBOSA; VEIGA; ESPÓSITO; ARAÚJO; ANNER, 2013, p.17, tradução do autor199). A relação entre migração e gênero está claramente representada na citação acima, uma vez que o acúmulo de vulnerabilidades faz com que mulheres não tenham como não se submeter a esses tipos de trabalho. Um Direito dos Refugiados Colorido deve incluir nas suas políticas públicas consolidadas uma perspectiva de gênero e migratória ao Direito ao Trabalho, portanto. Neste sentido, importante apontar que fora realizado um ciclo de debates pelo Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Migrante intitulado de “Migração, Refúgio e Trabalho Doméstico: os Desafios do Trabalho Decente” na Câmara dos Deputados Federais do Brasil em 28 de fevereiro de 2018, Brasília, Brasil. Durante o referido encontro, discutiu-se a precarização do trabalho doméstico no Brasil, emprego no qual praticamente toda a força de trabalho é feminina e também no qual a maioria das trabalhadoras brasileiras estão inseridas. Durante os referidos debates divulgou-se Relatório sobre Migração e Trabalho Doméstico, no qual, por sua vez aponta-se: o engajamento de mulheres refugiadas no trabalho doméstico no Brasil já é uma realidade. Todavia, a deterioração das condições do trabalho doméstico, que, por si só, já é precário, intensifica-se diante da dinâmica do refúgio; porque a necessidade alimentar e de subsistência ainda é mais iminente. Sendo assim, intensificam-se características como: a falta de formalidade do trabalho; os baixos salários; as fragmentações das cargas horárias; a falta de sindicalização e também de consciência para que possa haver esta hipótese; a não remuneração por horas extras; relatos de violências sofridas no ambiente de trabalho; proibição dos patrões das refugiadas fazerem cursos de língua portuguesa, bem como seus documentos de regularização migratória (SEMINÁRIO SOBRE TRABALHO DOMÉSTICO, 2018). Há necessidade, portanto, no que se refere ao trabalho, de orientação aos refugiados por questão de gênero sobre os riscos de trabalho escravo no país, bem como um mapeamento por meio de órgãos de fiscalização do trabalho, observando-se as interseccionalidades “gênero” e “refúgio”. Mais do que isso, os órgãos de fiscalização do trabalho, bem como a justiça do trabalho devem ser orientados por um Direito dos Refugiados Colorido de que as vulnerabilidades de trabalhadores migrantes se potencializam perante a intersseccionalidades “refúgio”, “trabalho” e “gênero”. 199Texto original em inglês: “The insecurity of living in Brazil also occurs in the working environment. Therefore, while it may be true that immigrant workwomen have roof and food, this environment does not seem to be friendly: complaints in relation to bad bosses, difficulties with formalization, low wages, cold baths to save energy, constant decrease of items’ prices due to imports from Koreans (the Asiatic competition that pull down the values per manufactured unit), feeling of exploitation and even feeling of slavery are some of the complaints in the interviews, even without directly questioning them on these issues” (BARBOSA; VEIGA; ESPÓSITO; ARAÚJO; ANNER, 2013, p.17). 194 4.2.6 Políticas públicas de combate à prostituição e ao engajamento na indústria pornográfica por parte dos refugiados por questões de gênero MacKinnon (1989) tem sido uma grande referência feminista na luta contra a prostituição e ao chamar à atenção para a questão de gênero e outras vulnerabilidades que existem por trás da prática. Ela tem, inclusive, criticado aqueles que defendem que a prostituição seja tratada como um outro trabalho regular, alegando que se alguém olha a prática da prostituição um pouco mais próximo, enxerga nela um “imã de vulnerabilidades”, as quais incluem: gênero e identidade de gênero, migração, orientação sexual, raça, classe, nacionalidades, baixas condições escolares e/ou psicológicas. Diante dessa relação nítida e pouco explorada entre prostituição e vulnerabilidades fica claro que refugiados por questões de gênero podem facilmente entrarem nessa prática, que, inclusive, de acordo com MacKinnon (1989), é quase impossível de sair. Sendo assim ela faz os seguintes apontamentos: A liberdade é um direito civil primário. Kathleen Barry relacionou a escravidão sexual feminina à prostituição. Não se pode sair. Um estudo recente sobre prostitutas de rua em Toronto descobriu que cerca de noventa por cento queria sair, mas não podiam. Se elas estão lá porque elas não podem sair, elas são escravas sexuais. Precisa ser dito: ser escravo significa ser privado de liberdade. Faltar a capacidade de estabelecer limites na condição de alguém ou o deixar e não ter consentimento para isso é escravidão. Ao mesmo tempo, a liberdade dos homens é muitas vezes interpretada em termos sexuais e inclui o acesso liberal às mulheres, inclusive às prostituídas. Então, para os homens, a liberdade implica que as mulheres sejam prostituídas, para as mulheres, a prostituição implica a perda de toda a liberdade (MACKINNON, 1993, p. 14, grifos do autor, tradução do autor200). Vale apontar também que os países decidem tratar a prostituição basicamente de quatro formas: criminalizando quem se prostitui, descriminalizando e não regulamentando o tema, regulamentando a prostituição enquanto trabalho formal ou criminalizando quem consome a prostituição e explora. Neste sentido, vale observar o mapa em seguida: 200Texto original em inglês: “Liberty is a primary civil right. Kathleen Barry has analyzed female sexual slavery as prostitution one cannot get out of. A recent study of street prostitutes in Toronto found that about ninety percent wanted to leave but could not. If they are there because they cannot leave, they are sexual slaves. Need it be said: to be a slave is to be deprived of liberty, not to exercise it. To lack the ability to set limits on one's condition or to leave it is to lack consent to it. At the same time, liberty for men is often construed in sexual terms and includes liberal access to women, including prostituted ones. So while, for men, liberty entails that women be prostituted, for women, prostitution entails loss of all that liberty means” (MACKINNON, 1993, p. 14). 195 Mapa n. 17: O mapa em questão foi extraído da organização não-governamental inglesa Sexuality, Poverty and Law Programe (2018). Ele aponta como os países tratam da prostituição. Os países em vermelho são aqueles que criminalizam a pessoa que se prostitui. Os países em azul são aqueles que já descriminalizaram a prática, mas ainda não possuem uma regulamentação sobre o assunto. Os países em verde, por sua vez, são aqueles que já regulamentaram a prática. Por fim, os países em laranja são aqueles que descriminalizam o ato de se prostituir, mas criminalizaram o consumo da prostituição. Sobre as abordagens acerca da prostituição percebe-se que por trás da criminalização da prática há uma postura moralista da questão. O moralismo é, na verdade, uma apresentação de valores masculinos (mesmo que proferidos e representados por outros gêneros). A prova da masculinidade do moralismo está na criminalização da prática da prostituição por parte de quem se prostituiu e total complacência com quem consome a prostituição (MACKINNON, 1989). Sobre a segunda abordagem, a descriminalização sem regulamentação, percebe-se que a invisibilidade, que é resultado da vulnerabilidade e do preconceito, conforme já discutido no capítulo 3 desta tese, permite que o Direito se omita e dessa omissão surja um total desinteresse estatal para com essas vidas (MACKINNON, 1989). A regulamentação, por sua vez, olha para essa realidade e procura dar certa dignidade à prática. Todavia, é possível, de fato, exercer dignamente a prostituição em um país onde ela é regulamenta? MacKinnon (1989; 1993; 2002; 2003) diz que não. Para ela, trata-se meramente de positivação de sistemas de opressão e legalização desses “imãs de vulnerabilidades”, que continuam atraindo gêneros, migrações, raças e classes sociais específicas, bem como outras vulnerabilidades. Neste sentido a autora (1993, pp. 27-28, grifo do autor, tradução do autor201) questiona: 201Texto original em inglês: “Suits for prostitution as involuntary servitude confront the notion that women-some women who are "just like that" or women in general-are in prostitution freely. No condition of freedom is prepared for by sexual abuse in childhood, permits and condones repeated rapes and beatings, and subjects its participants to a risk of premature death of 196 Posicionamentos para que a prostituição seja considerada como servidão involuntária enfrentam a noção de que algumas mulheres [e outros gêneros não-hegemônicos, incluindo masculinidades não-hegemônicas] são "exatamente assim" ou de que as mulheres [e outros gêneros não-hegemônicos, incluindo masculinidades não- hegemônicas] estão em prostituição livremente. Nenhuma condição de liberdade é preparada por abuso sexual na infância, permite e tolera violações e espancamentos repetidos e sujeita seus participantes a um risco de morte prematura de quarenta vezes maior a média nacional [dos Estados Unidos]. O fato de que a maioria das mulheres prostitutas foi abusada sexualmente quando criança, e a maioria prostituiu-se antes dos 18 anos de idade desconstrói a retórica da liberdade e o glamour da libertação que é a estratégia de marketing aparentemente necessária para que a maioria dos clientes aproveite e use da protituição. Tais processos também desafiarão a liberdade de escolha como um conceito significativo para as mulheres [e outros gêneros não- hegemônicos, incluindo masculinidades não-hegemônicas] em condições de desigualdade sexual. As opções proibidas das mulheres [e outros gêneros não- hegemônicos, incluindo masculinidades não-hegemônicas] em sociedades discriminatórias com base no sexo, inclusive no emprego, são fundamentais para o contexto da prostituição. Se a prostituição é uma escolha livre, por que as mulheres [e outros gêneros não-hegemônicos, incluindo masculinidades não-hegemônicas] com poucas escolhas são as mais freqüentemente encontradas fazendo isso? Diante dessa desconstrução apontada, portanto, sugere-se que a quarta abordagem seja adotada, pautada no modelo sueco de tratamento da prostituição e copiado pela Finlândia, Islândia e recentemente pelo Canadá: a descriminalização do trabalho da prostituição (seguida de alguns direitos trabalhistas) com a criminalização de quem explora o trabalho e de quem o consome (MACKINNON, 2002). Essa abordagem permite que os vulneráveis, não criminosos, e os consumidores, criminosos, sejam igualados em suas posições de poder. Dessa forma, a exploração tende a cessar. Mais ainda, sob o aspecto econômico, quando se quer combater uma prática, a maneira mais estratégica de fazer é por meio do corte do consumo (MACKINNON, 2002). Especificamente sobre essa quarta abordagem da prostituição, parece mais pertinente fazer uma crítica a ela no sentido de que hoje só fora implementada em países escandinavos e no Canadá; nos quais a dinâmica das relações de gênero nesses países é bastante diferente sobretudo no que diz respeito às economias emergentes e os países subdesenvolvidos. Além disso, parece não considerar que a prostituição tem várias formas de acontecer (das ruas e bordéis de beira de estrada às sofisticadas casas de massagem e agências de modelos internacionais), bem como diversas maneiras de acontecer (de uma mera dança íntima ou uma massagem até verdadeiras festas com poucos limites impostos a esses corpos). forty times the national average. The fact that most women inprostitution were sexually abused as children, and most entered prostitution itself before they were adults, undermines the patina of freedom and the glamour of liberation that is the marketing strategy apparently needed for most customers to enjoy using them. Such suits would also challenge freedom of choice as a meaningful concept for women under conditions of sex inequality. Women's precluded options in societies that discriminate on the basis of sex, including in employment, are fundamental to the prostitution context. If prostitution is a free choice, why are the women with the fewest choices the ones most often found doing it?” (MACKINNON, 1993, p. 27-28). 197 É por isso que se tem apontado uma quinta abordagem do tema: um modelo híbrido, que mescla a regulamentação e um forte ataque ao consumo (criminalizando, tributando e transformando em ilícito civil) diversas práticas por parte de quem explora e consome a prostituição, mas conferindo direitos a quem se prostitui; o que já, mesmo que não oficialmente, tem acontecido com regulamentações mais recentemente editadas em Israel e Alemanha (MATHIESON; BRANAN; NOBLE, 2015). Especificamente sobre os refugiados por questões de gênero, vale apontar que o engajamento desses seres humanos na prostituição não é meramente uma articulação teórica para o futuro, mas uma realidade presente. Na verdade, estima-se que cerca de 75% dos refugiados entre as idades de 18 a 24 anos e que hoje residem na Europa estão engajados em prostituição (DW, 2017). É óbvio que dentro desses números mais do que significativos o “ímã de vulnerabilidades” da prostituição seleciona os gêneros. As políticas públicas de combate à prostituição dos refugiados por questões de gênero, portanto, devem pautar-se nas seguintes premissas: o refugiado deve ser informado qual o modelo aquele país adota em relação à prostituição, criminalizando quem se prostitui, não regulamentando a prática, regulamentando-a como qualquer trabalho formal ou criminalizando o consumo da prostituição; quando o país criminaliza a prática de quem se prostitui, deve-se informar no momento do acolhimento do refugiado se o país entende que o referido crime é capaz de fazer com que se perca o status de refugiado, uma vez que há essa previsão para crimes considerados graves na Convenção de Genebra; quando o país regulamenta a prática, devem ser dadas as principais diretrizes da legislação assim como com qualquer outro trabalho; quando o país criminaliza o consumo, devem ser garantidos ao refugiado, por meio dessa atividade, o acesso à saúde e à previdência social; deve-se desencorajar por meio de informativos e campanhas o exercício da prostituição por parte dos refugiados; deve-se desenvolver mecanismos de reporte e denúncias anônimas focados naqueles que exploram e consomem os corpos daqueles que se prostituem; deve-se construir políticas públicas que conversem sobre prostituição não a partir de valores moralistas, mas sim a partir do conceito de “imã de vulnerabilidades”; aponta-se que durante algum período de tempo, para que o refugiado consiga se manter e se instalar no país, auxílios financeiros, dependendo da realidade econômica do país são bem vindos, o que indiretamente os previne da necessidade de se engajarem na prostituição. Todavia, MacKinnon (1989; 1993; 2002; 2003) tem apontado que muito mais complexa que a questão da prostituição, é a pornografia, sugerindo, inclusive, que seja considerada uma forma de trabalho sexual forçado, bem como uma forma de tráfico humano. 198 Neste sentido, MacKinnon escreveu na Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review (1993) que se assume que o consentimento leva gêneros à pornografia, mas é preciso olhar de perto os joelhos esfolados, as contusões, os vergões dos açoites, os riscos, os cortes. Muitos deles não são simulados. Andrea Dworkin202 (1988), por sua vez, reforça a ideia de que a pornografia é uma forma de dominação dos gêneros não-hegemônicos. Para ela, a pornografia parece tão interessante porque trata de colocar aqueles que são vulneráveis em um lugar de desigualdade. Dworkin (1988) aponta que o discurso que permite a pornografia como forma de liberdade sexual é machista. A questão da imaginação não é verdadeira, porque em algum lugar do mundo aqueles gêneros são violados. Todavia, a autora reporta que as cortes estadunidenses tem decidido em acordo com o discurso liberal e ignorando a Teoria Feminista. Para a autora, a desigualdade perante os gêneros tem definido os gêneros. Se a igualdade entre os gêneros existisse, ninguém seria economicamente dependente e não haveria quem quisesse se submeter à pornografia e à prostituição, que, por sua vez, não seriam amplamente aceitas (DWORKIN, 1988). Neste sentido também a Antiporn.org, uma organização não-governamental formada por atores pornográficos dos Estados Unidos, aponta algumas violações de Direitos Humanos que costumam acontecer na indústria pornográfica: os contratos de divulgação das imagens são geralmente vitalícios e, por mais que não sejam, geralmente não há como controlar a divulgação dos vídeos pela internet; o estigma social e ampla divulgação da prática dificulta as pessoas conseguirem outros empregos e saírem da prática; os ambientes de filmagem permitem usos de drogas lícitas e ilícitas a fim de permitir que os atores performem durante horas; os filmes que mais vendem são aqueles que mais desrespeitam os corpos, os seus limites e os seus desejos; os atores são incentivados e às vezes forçados a fazer diversas intervenções cirúrgicas em seus corpos por mais que contrariem recomendações médicas; a maioria das produtoras não permitem seus atores usarem preservativos e, embora geralmente testem o vírus HIV de seus atores, não testam outras doenças sexualmente transmissíveis como: gonorreia, clamídia, HPV, câncer de colo de útero, bem como outras infecções. Além disso, vale apontar que o HIV tem um período de 30 dias em que não é detectado no organismo; pornografia e prostituição geralmente caminham juntas, uma funcionando como propaganda da outra. 202Andrea Dworkin foi autora feminista estadunidense formada pelo Bennington College, Estados Unidos. Ela, falecida em 2005, publicou 10 livros sobre a temática feminista e se destacou junto com Catherinne MacKinnon por inaugurar um movimento antipornografia no país (DWORKIN, 1988). 199 Se a vulnerabilidade leva identidades à prostituição, não é diferente com a pornografia, e, dessa forma os refugiados por questões de gênero precisam ser alvo de políticas públicas nesse sentido. Além disso, é importante apontar também que da mesma forma que a prática da prostituição é criminalizada em grande parte dos países do mundo também existe esse tratamento no que se refere à pornografia, conforme apontado no mapa a seguir: Mapa n. 18: O mapa em questão foi extraído da organização não-governamental inglesa Sexuality, Poverty and Law Programe (2018). Ele aponta como os países tratam da pornografia. Os países em marrom são aqueles que criminalizam a pessoa que se engaja na indústria pornográfica. Os países em amarelo são aqueles onde não há uma regulamentação da prática. Os países em verde, por sua vez, são aqueles que já regulamentaram a prática. Por fim, os países em cinza referem-se a países onde não se encontrou informações a respeito do assunto. As políticas públicas de combate ao engajamento dos refugiados por questões de gênero na indústria pornográfica, portanto, devem se pautar nas seguintes premissas: o refugiado deve ser informado qual o modelo aquele país adota em relação ao engajamento na indústria pornográfica; quando o país criminaliza a prática de quem se engaja na indústria pornográfica, deve-se informar no momento do acolhimento do refugiado se o país entende que o referido crime é capaz de fazer com que se perca o status de refugiado, uma vez que há essa previsão para crimes considerados graves na Convenção de Genebra; quando o país regulamenta a prática, devem ser dadas as principais diretrizes da legislação assim como com qualquer outro trabalho; deve-se desencorajar por meio de informativos e campanhas o engajamento na indústria pornográfica; deve-se desenvolver mecanismos de reporte e denúncias anônimas focados naqueles que exploram a pornografia e quebram regras do país; deve-se construir políticas públicas que conversem sobre pornografia não a partir de valores moralistas, mas sim a partir do conceito de “imã de vulnerabilidades”; aponta-se que durante algum período de 200 tempo, para que o refugiado consiga se manter e se instalar no país, auxílios financeiros, dependendo da realidade econômica do país são bem vindos, o que indiretamente os previne da necessidade de se engajarem na indústria pornográfica. 4.2.7 Tráfico de refugiados Sobre o conceito de “tráfico de seres humanos”203, Siqueira (2013, p. 24) aponta que: (...) é o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração, que incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, à servidão ou à remoção de órgãos. Neste mesmo sentido, a referida definição está contida no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, (também conhecido como Protocolo de Palermo). Segundo ele, é irrelevante o consentimento da vítima em toda e qualquer situação na qual estiver configurado o delito. A Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, divulga alguns dados em relação à proporção do Tráfico de Seres Humanos no seguinte sentido: em 2016, cerca de 40 milhões de pessoas experimentaram a escravidão moderna, incluindo 25 milhões no trabalho forçado e 15 milhões no casamento forçado; isso significa que há 5 vítimas da escravidão moderna para cada 1.000 pessoas no mundo; essa indústria movimenta cerca de 32 bilhões de dólares anuais; devido a condições degradantes em que estão submetidos, a expectativa de vida de um escravo moderno é de 4 anos de vida (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2018). Além disso, com base na definição do Protocolo de Palermo, é evidente que o tráfico de pessoas tem três elementos constituintes: o ato (o que é feito): recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas; os meios (como é feito): ameaça ou uso de força, coerção, rapto, fraude, fraude, abuso de poder ou vulnerabilidade, ou pagamentos ou benefícios a uma pessoa no controle da vítima; e o propósito (porque é feito): para fins de exploração, que inclui a exploração da prostituição de terceiros, a exploração sexual, o trabalho forçado, a escravidão ou práticas similares e a remoção de órgãos (UNODEC, 2018). 203Vale indicar que algumas redações optam pelos termos “tráfico de pessoas” ou “tráfico humano”. Todavia, qualquer desses termos refere-se exatamente à mesma prática. 201 A questão da exploração sexual parece o principal tema que pode ensejar políticas públicas para refugiados questões de gênero. Neste sentido, aponta a Organização das Nações Unidas, por meio do World Population Monitoring Report (2001, p. 111, tradução do autor204), que: O tráfico de mulheres (e crianças) para a indústria do sexo, muitas vezes associado com o crime organizado é uma preocupação global. Apesar de toda a causa do problema não ter sido reconhecida, acredita-se que se deve ao número de migrantes que recorrem ao traficante para organizar sua migração, o que tem aumentado significativamente nos últimos anos. Um dos fluxos de tráfico relacionadas com a prostituição que se expandiu nos anos 1990 foi a que envolve pessoas da Europa Central e países do Leste Europeu. Sobre a menção a mulheres e crianças na citação anterior, vale apontar que ela decorre de estatísticas divulgadas no Relatório sobre Tráfico de Pessoas emitido pelas Nações Unidas no sentido de que esses grupos são os preteridos para o tráfico humano, conforme observados nas figura a seguir (UNODCb, 2018): Figura n. 10: Trata-se de imagem divulgada em Ralatório sobre Tráfico de Pessoas elaborado pelas Nações Unidas. Ela demonstra o quanto mulheres e 204Texto original em inglês: “Trafficking of women (and children) for the sex industry, often associated with organized crime is a global concern. Although the full extent of the problem is not known, it is generally believed that the number of migrants who resort to trafficker to organize their migration has increased significantly in the recent past. One of the prostitution-related trafficking flows that expanded in the 1990s was that involving persons from Central and Eastern European countries O tráfico de mulheres (e crianças) para a indústria do sexo, muitas vezes associado com o crime organizado é uma preocupação global. Apesar de toda a causa do problema não ter sido reconhecida, acredita-se que se deve ao número de migrantes que recorrem ao traficante para organizar sua migração, o que tem aumentado significativamente nos últimos anos. Um dos fluxos de tráfico relacionadas com a prostituição que se expandiu nos anos 1990 foi a que envolve pessoas de Central e países do Leste Europeu” (WORLD POPULATION REPORT, 2001, p. 11). 202 meninas dominam o rol de vítimas do tráfico internacional de seres humanos (UNODCb, 2018). Figura n. 11: Trata-se de imagem divulgada em Ralatório sobre Tráfico de Pessoas elaborado pelas Nações Unidas. Ela também demonstra o quanto tem crescido o número de homens e meninos conduzidos para o tráfico de seres humanos (UNODCb, 2018). As pesquisas realizadas pela organização das Nações Unidas, contudo, não parecem ser coloridas o suficiente para observar outros recortes por trás da exploração sexual, tais como: orientação sexual e identidade de gênero. Para os transgêneros, por exemplo, a circulação entre a Europa e o Brasil faz parte da preservação de imagem em busca de distinção num mundo móvel, construído a partir do questionamento das divisões e desigualdades sexuais tradicionais (PATRÍCIO, 2002, p. 59). Dessa forma, muitos são iludidos com promessas de viverem uma vida com mais dignidade por meio de altos valores pagos no exterior para a prática da prostituição ou também com a promessa de realizarem as cirurgias de transgenitalização. Outro recorte interssecional também parece interessante para análise: no Brasil, a pesquisa nacional sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial/PESTRAF constatou que os grupos mais afetados são de mulheres e garotas negras, com idades de 15 a 27 anos (CECRIA, 2002, p. 48). Ainda sob o prisma da intersceccionalidade, o Relatório sobre Tráfico de Pessoas emitido pelas Nações Unidas aponta intrínseca relação entre fluxos migratórios e tráfico de seres humanos, conforme observado na figura a seguir (UNODCb, 2018): 203 Figura n. 12: Trata-se de imagem divulgada em Ralatório sobre Tráfico de Pessoas elaborado pelas Nações Unidas. Ela demonstra a relação que existe entre tráfico internacional de seres humanos e migrações (UNODCb, 2018). Dessa forma, parece que os refugiados por questões de gênero podem, sobretudo por conta de suas vulnerabilidades e interseccionalidades, tornar-se presas fáceis do tráfico de seres humanos. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados também reconhece a relação existente entre “refúgio” e “tráfico de seres humanos” por meio do documento intitulado Human Trafficking and Refugee Protection: Unhcr’s Perspective, no qual estabelece medidas concretas que devem ser adotadas para combater o tráfico de refugiados no seguinte sentido: as estruturas legais e institucionais para combater o tráfico de seres humanos e para proteger e assistir as vítimas deste crime devem ser fortalecidas, o que inclui a integração interdepartamental de alto nível da questão, a implementação de Planos de Ação Nacionais e grupos de trabalho com ampla representação de agências governamentais relevantes e organizações internacionais e nacionais; os programas de treinamento devem ser fortalecidos para as autoridades nacionais de refúgio e organizações que trabalham com vítimas de tráfico, inclusive no que diz respeito à interpretação da definição de refugiado de uma maneira sensível à idade e ao gênero e aos critérios que dão origem ao reconhecimento de refugiado ou outra proteção; todas as medidas necessárias devem ser adotadas para garantir a participação de instituições governamentais, incluindo autoridades nacionais de refúgio, organizações internacionais e organizações da sociedade civil, quando apropriado, na avaliação geral das 204 necessidades de proteção das vítimas de tráfico, o que pode ajudar a determinar, a partir de uma perspectiva técnica e humanitária, qual medida de proteção é mais adequada para cada caso individual e garantir a existência de mecanismos de encaminhamento apropriados onde existam regimes paralelos de proteção; módulos sobre Lei Internacional para Refugiados devem ser incluídos em programas nacionais de treinamento profissional sobre tráfico de pessoas para autoridades nacionais relevantes (migração, polícia, promotores, juízes, etc.) para assegurar que as necessidades de proteção internacional sejam identificadas e abordadas adequadamente, incluindo o princípio de não-refoulement e não-penalização de refugiados; devem ser estabelecidas salvaguardas específicas para a proteção de meninos e meninas vítimas de tráfico, incluindo uma determinação formal do melhor interesse da criança, a adoção de medidas de proteção específicas para crianças, como a nomeação de responsáveis, a coleta de informações sobre o papel que os pais podem ter desempenhado na situação de tráfico de seus filhos, questões de localização e reagrupamento familiar e a observância de salvaguardas específicas em caso de repatriação de crianças desacompanhadas ou separadas; questões sobre padrões de deslocamento pré-tráfico devem ser incluídas nas iniciativas de coleta de dados e pesquisa, a fim de identificar intervenções prioritárias em países de deslocamento, uma vez que tais intervenções podem incluir campanhas de informação, aconselhamento sobre migração legal e assistência de retorno; a proteção deve estar disponível para as pessoas deslocadas, inclusive nos países de origem e de trânsito, por meio de projetos para desenvolver capacidades de proteção e o uso estratégico do reassentamento, considerando que as pessoas já deslocadas podem estar em maior risco de se tornarem vítimas de tráfico quando, por exemplo, os meios de subsistência são interrompidos, ou se as necessidades básicas e os direitos humanos não são atendidos; o número de locais de reassentamento de refugiados disponíveis para vítimas de tráfico deve ser aumentado, e os critérios de seleção consideram as necessidades específicas de proteção de vítimas ou indivíduos que estiveram ou estão em risco de serem traficados (UNHCR, 2018). Sobre diretrizes para nortear políticas públicas para combater o tráfico internacional de refugiados por questões de gênero, Anne Wilson (2011, pp. 11-13), por sua vez, aponta em seu artigo intitulado Trafficking Risks for Refugees, que a melhoria da proteção dos refugiados contra os riscos do tráfico de seres humanos pode ser conseguida por meio de melhores abordagens no seguinte sentido: a adoção de uma filosofia que permita construir a política pública centrada nos refugiados, bem como um intercâmbio de informações entre os que trabalham com tráfico de seres humanos e aqueles que trabalham em questões de refugiados; ela aponta também que no centro de qualquer solução para o problema dos riscos de tráfico de 205 refugiados está a necessidade de reconhecer e apoiar talentos, forças e agências dos refugiados; em cada ponto da passagem de migração, é imperativo que sistemas aperfeiçoados sejam implementados para identificar e oferecer proteção legal aos refugiados e vítimas do tráfico de pessoas; a assistência aos refugiados deve incluir medidas específicas para impedir que os indivíduos caiam nas mãos de traficantes de seres humanos; e, por fim, ela aponta que os responsáveis pelo fornecimento de proteção e assistência devem realizar um mapeamento de pessoas em risco entre populações refugiadas mais amplas, sobretudo observando-se uma perspectiva de gênero ao referido mapeamento. Um Direito dos Refugiados Colorido, portanto, precisa trazer a perspectiva de que os refugiados por questões de gênero podem ser vítimas do tráfico de seres humanos e, além disso, propor diretrizes como as sugeridas anteriormente no sentido de inserir uma perspectiva de prevenção, combate e acolhimento de vítimas quando essa situação acontece em um contexto de refúgio. 4.2.8 Políticas públicas de promoção e cuidado da saúde dos refugiados por questões de gênero O Direito à Saúde é um importante Direito Humano e as populações mais marginalizadas são aquelas que menos acesso tem a ele. Um termo das ciências sociais, “disparidade de saúde”, ajuda a entender esse fenômeno no seguinte sentido: [Disparidade de saúde] é um tipo particular de desigualdade em matéria de saúde que está intimamente ligada à desvantagem econômica, social ou ambiental. As disparidades de saúde afetam adversamente grupos de pessoas que têm sistematicamente experimentado maiores obstáculos sociais ou econômicos à saúde com base em seu grupo racial ou étnico, religião, status socioeconômico, gênero, idade ou saúde mental; deficiência cognitiva, sensorial ou física; orientação sexual ou identidade de gênero; localização geográfica; ou outras características historicamente ligadas à discriminação ou exclusão (BRAVEMAN, 2018, tradução do autor205). Ou seja, o acesso a políticas públicas em matéria de saúde também não é da mesma qualidade quando se fala em seres humanos não-hegemônicos, entre eles, os refugiados por questões de gênero. 205Texto original em inglês: “Health disparity is a particular type of health difference that is closely linked with economic, social, or environmental disadvantage. Health disparities adversely affect groups of people who have systematically experienced greater social or economic obstacles to health based on their racial or ethnic group, religion, socioeconomic - status, gender, age, or mental health; cognitive, sensory, or physical disability; sexual orientation or gender identity; geographic location; or other characteristics historically linked to discrimination or exclusion” (BRAVEMAN, 2018). 206 Sendo assim, a construção de políticas públicas coloridas deve buscar “equidade de saúde”. Sobre o referido conceito, vale apontar que: A equidade em saúde é o princípio subjacente ao compromisso de reduzir - e, finalmente, eliminar - as disparidades em saúde e em seus determinantes, incluindo os determinantes sociais. Perseguir a equidade na saúde significa lutar pelo mais alto padrão possível de saúde para todas as pessoas e dar atenção especial às necessidades das pessoas com maior risco de saúde precária, com base nas condições sociais (BRAVEMAN, 2018, tradução do autor206). Sendo assim, a busca por equidade em termos de saúde passa por uma análise do que os refugiados têm de desafios a serem superados. Além disso, observar a questão da saúde dos refugiados é um exercício bastante parecido com conferir uma perspectiva de gênero, porque o processo de refúgio pode partir do pressuposto de que somente seres humanos saudáveis migram, o que não é verdade. No capítulo 3 desta tese discutiu-se, por exemplo, sobre os refugiados portadores do vírus HIV e se detectou que um grande problema é o acesso aos medicamentos apropriados sobretudo durante o processo de viagem desses refugiados. As políticas públicas para promover a saúde dos refugiados, portanto, precisam apoiar- se 3 pilares: um pilar preventivo, que se pauta em conferir ao refugiado um meio ambiente digno em qualquer etapa do processo de refúgio, como direitos básicos garantidos, como por exemplo, a alimentação e a higiene; um segundo pilar voltado à saúde física do refugiado e aos problemas de saúde que ele já possui ou possa adquirir durante o processo de refúgio; um tereiro pilar voltado à saúde mental do refugiado (MARTIN, pp. 83-93). A esses 3 pilares mencionados é necessário conferir uma perspectiva de gênero para que se desenhe políticas públicas coloridas de promoção da saúde dos refugiados. No que se refere ao pilar preventivo, vale mencionar que mulheres grávidas também migram, bem como as que estão em processo de amamentação, e, por isso, talvez precisem de medicamentos e alimentação especial durante seu processo de refúgio (MARTIN, pp. 83-93). Para as mulheres grávidas refugiadas, o Centro Técnico de Assistência da Saúde do Refugiado de Massachusetts, Estados Unidos, aponta que a desnutrição pode representar um desafio no período inicial do reassentamento, devido ao acesso insuficiente a alimentos em ambientes dilacerados pela guerra e nas condições dos campos de refugiados. O apoio nutricional contínuo, o aconselhamento e a intervenção precoce são fundamentais para promover escolhas alimentares saudáveis e atividade física, o que limitará o início da obesidade 206Texto original em inglês: “Health equity is the principle underlying a commitment to reduce—and, ultimately, eliminate— disparities in health and in its determinants, including social determinants. Pursuing health equity means striving for the highest possible standard of health for all people and giving special attention to the needs of those at greatest risk of poor health, based on social conditions” (BRAVEMAN, 2018). 207 e evitará o diabetes, bem como a macrossomia (ganho excessivo de peso fetal) durante a gravidez (REFUGEE HEALTH, 2018). Sobre a amamentação, também o Centro Técnico de Assistência da Saúde do Refugiado de Massachusetts, aponta que padrões tradicionais de amamentação podem ser interrompidos durante o processo de refúgio, diante do qual as mulheres podem se sentir inclinadas a adotar práticas não tradicionais que considerem mais eficientes ao alimentar seus bebês. Todavia, o mesmo centro também aponta que a amamentação deve ser incentivada sempre que possível, a menos que exista uma contraindicação (como por exemplo, infecção por HIV), porque, a amamentação no primeiro ano de vida é muito importante para o bebê, uma vez que: diminui diarreia e doenças digestivas crônicas; reduz infecções respiratórias, auditivas e urinárias, bem como infecções no cérebro e no sangue; diminui o risco de botulismo; protege contra a Síndrome da Morte Súbita Infantil; protege contra o diabetes; protege contra doenças alérgicas e linfoma; e melhora o desenvolvimento cognitivo (REFUGEE HEALTH, 2018). Vale apontar também que a amamentação para a mãe é igualmente muito importante, uma vez que: reduz o sangramento pós-parto; diminui o sangramento menstrual total nos meses seguintes após o parto; promove o retorno rápido do útero ao tamanho normal; promove retorno precoce ao peso pré-gestacional; reduz fraturas de quadril no período pós-menopausa; e reduz o risco de câncer de ovário e câncer de mama na pré-menopausa (REFUGEE HEALTH, 2018). Para além da questão da amamentação, o corpo da mulher passa por desafios próprios como a menstruação, por exemplo. Dessa forma, as políticas públicas preventivas, que visam garantir a saúde desses seres humanos precisam adotar também a perspectiva desses corpos e abordar essas peculiaridades (REFUGEE HEALTH, 2018). Os transgêneros, por sua vez, passam pelo desafio do tratamento hormonal, o que também precisa ser viabilizado durante o processo de refúgio. Vale apontar que o fornecimento desses medicamentos para a existência da identidade transgênera é quase tão importante quanto a própria alimentação (IPPF, 2015). Neste sentido, a World Professional Association for Transgender Health enfatiza que mesmo em áreas com recursos limitados, os prestadores de cuidados de saúde podem aplicar muitos dos princípios fundamentais que sustentam os padrões de cuidados da saúde da população transgêneros, quais são: demonstrar respeito pelos pacientes com diferentes identidades de gênero e não patologizar diferenças na identidade ou expressão de gênero; providenciar cuidados que afirmem a identidade de gênero do paciente e reduzam o seu sofrimento, quando presente; tornar-se conhecedor da saúde, necessidades de cuidado de transgêneros e pessoas não conformes com seus próprios gêneros; combinar a abordagem de 208 tratamento em específico com as necessidades dos pacientes, particularmente suas metas de expressão de gênero; facilitar o acesso a cuidados apropriados; obter o consentimento informado dos clientes antes de proporcionar tratamento; oferecer continuidade de cuidados; estar preparado para apoiar e defender os pacientes dentro de suas famílias e comunidades (escolas, locais de trabalho e outras configurações) (WPATHA, 2016, pp. 1-3). No que se refere ao segundo pilar, voltado à saúde física, vale apontar que os Estados que recebem os refugiados precisam articular o acesso a tratamentos essenciais e, no caso dos gêneros, isso inclui: gravidez (pré-natal, parto e pós natal), tratamento de DSTs e HIV, bem como fornecimento de tratamentos básicos para o combate das referidas doenças. Além disso, é necessário abordar a questão da mutilação genital das mulheres refugiadas por questões de gênero e da violência doméstica também como questões de saúde pública. Sobre a gravidez das mulheres refugiadas, o Centro Técnico de Assistência da Saúde do Refugiado de Massachusetts aponta que os objetivos do pré-natal para todas as mulheres grávidas refugiadas são: fornecer cuidados obstétricos de qualidade que respeitem as crenças tradicionais de saúde da mulher e de sua família; apoiar a saúde e o bem-estar físico, mental e emocional da mulher; e contribuir para um parto seguro e resultados favoráveis para a mãe e a criança (REFUGEE HEALTH, 2018). Além disso, é necessário que se propicie as vacinas básicas as quais toda mulher grávida precisa se submeter. As refugiadas por questões de gênero também precisam de um exame pélvico, particularmente as mulheres que sofreram corte genital feminino, resultado de multilação genital já abordada no capítulo 3 desta tese. Em tais circunstâncias, o Centro Técnico de Assistência da Saúde do Refugiado de Massachusetts recomenda a obtenção de testes de gonorreia e clamídia urinária (REFUGEE HEALTH, 2018). Além disso, durante esses contatos dos profissionais de saúde com as refugiadas mulheres é muito importante que tais profissionais tenham uma formação voltada para as questões de gênero a fim de identificar violência doméstica, violência por parceiro íntimo ou outras formas de violência baseada em gênero (REFUGEE HEALTH, 2018). No tocante ao HIV e outras DSTs, vale apontar os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos de 2014, os quais mostraram que homens gays e bissexuais/biafetivos representaram 83% dos novos diagnósticos de HIV entre homens com 13 anos ou mais. De acordo com a pesquisa, os homens gays também têm um risco aumentado de vários tipos de câncer, incluindo próstata, testículo e anal, o que pode estar relacionado a serviços de triagem limitados culturalmente sensíveis. Há também um aumento do risco de doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis, infecções por papilomavírus humano (HPV) 209 e hepatite. Esta literatura também sugeriu um aumento do risco de câncer de mama, ovário e endométrio em mulheres lésbicas e bissexuais/biafetivas devido a menos gestações a termo, menos mamografias e obesidade (HAFEEZ; ZESHAN; TAHIR; JAHAN; NAVEED, 2017). Além disso, um fato que ainda deixa a situação mais complexa é o difícil diálogo aberto que esses indivíduos têm para com os profissionais da área saúde, conforme apontado a seguir: Os indivíduos LGBT têm dificuldade em relatar sua identidade sexual aos seus médicos. Alguns médicos não são bem treinados para lidar com as preocupações dos membros dessa comunidade. Um estudo conduzido em Washington DC mostrou que 68% dos jovens de minorias sexuais relataram não discutir sua orientação sexual, e 90% relataram reservas sobre os reportar aos seus médicos. Outro estudo usou amostragem intencional para recrutar nove mulheres entre as idades de 18 e 24 anos que se identificaram como pertencentes a um grupo de estudantes de minorias sexuais em uma universidade no sudoeste dos Estados Unidos. Suas entrevistas em áudio mostraram que a divulgação da orientação sexual e a atitude do provedor foram fatores influentes importantes que afetaram negativamente suas experiências sobre a prestação de cuidados de saúde. A falta de treinamento pode prejudicar a relação terapêutica entre os provedores e os pacientes. Por isso, pode influenciar a qualidade do atendimento e a entrega adequada dos cuidados de saúde (HAFEEZ; ZESHAN; TAHIR; JAHAN; NAVEED, 2017, grifo do autor, tradução do autor)207. Sendo assim, uma abordagem por parte dos profissionais sob a perspectiva de gênero pode ser muito importante no trato com os refugiados que estão enfrentando essas infecções em questão. Sobre o terceiro pilar da proteção da saúde dos refugiados, a questão da saúde mental, o Centro Técnico de Assistência da Saúde do Refugiado de Massachusetts aponta que as razões frequentemente traumáticas para deixar o país anfitrião, bem como a jornada potencialmente perigosa e o processo de reassentamento aumentam o risco dos refugiados sofrerem uma variedade de problemas de saúde mental (REFUGEE HEALTH, 2018). Neste sentido, os diagnósticos de saúde mental mais comuns associados às populações de refugiados incluem transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade generalizada, ataques de pânico, transtorno de adaptação e somatização (REFUGEE HEALTH, 2018). Dentro deste contexto, as questões de gênero potencializam os desafios da saúde mental equilibrada. 207Texto original em inglês: “LGBT individuals find it difficult to report their sexual identity to their clinicians. Some clinicians are not well trained in addressing the concerns of members of this community. A study conducted in Washington DC showed that 68% of sexual minority youth reported about not discussing their sexual orientation, and 90% reported reservations about reporting them to their clinicians. Another study used purposive sampling to recruit nine women between the ages of 18 and 24 years who identified themselves as belonging to a sexual minority student group at a university in the Southwestern United States. Their audio interviews showed that the disclosure of sexual orientation and provider’s attitude were important influencing factors that negatively affected their experiences about health care delivery. The lack of training can strain the therapeutic relationship between the providers and patients. Hence, it can influence the quality of care and appropriate delivery of health care” (HAFEEZ; ZESHAN; TAHIR; JAHAN; NAVEED, 2017). 210 Dessa forma, a National Alliance on Mental Ilness aponta que: indivíduos LGBTTIQ+ são quase 3 vezes mais propensos do que outros a experimentar uma condição de saúde mental, como depressão maior ou transtorno de ansiedade generalizada. Esse medo de sair e ser discriminado por orientação sexual e identidades de gênero pode levar à depressão, transtorno de estresse pós-traumático, pensamentos de suicídio e abuso de substâncias. Além disso, as pessoas LGBTTIQ+ precisam enfrentar o estigma e o preconceito com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero, ao mesmo tempo em que lidam com o preconceito social contra as condições de saúde mental (e no caso de um refugiado, com o adicional de todas as questões já discutidas acerca da saúde mental dos refugiados) (NAMI, 2018). Diante do estigma social, algumas pessoas relatam ter que esconder sua orientação sexual das pessoas do sistema de saúde mental por medo de serem ridicularizadas ou rejeitadas; e, como comunidade, os indivíduos LGBTTIQ+ não costumam falar sobre saúde mental e podem não ter consciência sobre as condições de saúde mental. Isso às vezes impede que as pessoas busquem o tratamento e o apoio que precisam para melhorar (NAMI, 2018). Da mesma forma, uma série de fatores aglutinam-se e põe em risco igualmente a saúde mental da mulher. Sobre o assunto, a Organização Mundial da Saúde posiciona-se no seguinte sentido: Depressão, ansiedade, sofrimento psicológico, violência sexual, violência doméstica e taxas crescentes de uso de substâncias afetam mais as mulheres do que homens em diferentes países e diferentes contextos. As pressões criadas por seus múltiplos papéis, discriminação de gênero e fatores associados de pobreza, fome, desnutrição, excesso de trabalho, violência doméstica e abuso sexual, combinam-se para explicar a saúde mental das mulheres. Existe uma relação positiva entre a frequência e a gravidade de tais fatores sociais e a frequência e gravidade dos problemas de saúde mental nas mulheres. Eventos de vida graves que causam sensação de perda, inferioridade, humilhação ou aprisionamento podem prever depressão (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018, tradução do autor208). Verifica-se, portanto, o quanto os refugiados por questões de gênero trazem consigo suas questões de saúde seja no âmbito preventivo, físico ou psicológico. Um Direito dos Refugiados colorido precisa abordar essas perspectivas discutidas para eliminar as disparidades de saúde que esses indivíduos possam enfrentar durante seu processo de refúgio. Para tanto, é necessário traçar diretrizes de políticas públicas coloridas para abordar os temas discutidos. 208Texto original em inglês: “Depression, anxiety, psychological distress, sexual violence, domestic violence and escalating rates of substance use affect women to a greater extent than men across different countries and different settings. Pressures created by their multiple roles, gender discrimination and associated factors of poverty, hunger, malnutrition, overwork, domestic violence and sexual abuse, combine to account for women's poor mental health. There is a positive relationship between the frequency and severity of such social factors and the frequency and severity of mental health problems in women. Severe life events that cause a sense of loss, inferiority, humiliation or entrapment can predict depression” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018). 211 4.2.9 O combate aos binarismos No terceiro capítulo desta tese apresentou-se a Teoria Queer e sua contribuição sobretudo a partir da década de 80 para quebrar a ética do “binário” na construção das identidades. Essa discussão foi necessária para construir um conceito de refúgio por questões de gênero a partir da descatalogação da identidade humana, que no Direito dos Refugiados ainda aparece em muitos momentos construídos sobre matrizes “binárias” e ocidentalizadas. O combate aos binarismos, contudo, não se extingue somente na definição para fins de enquadramento enquanto refugiado por questões de gênero. Política públicas coloridas também precisam abordar questão. Um Direito dos Refugiados Colorido, portanto, precisa abordar o não binarismo como uma realidade. Todavia, ao mesmo tempo também precisa cuidar de questões intrínsecas de cada gênero não-hegemônico. Uma concretização do que se propõe aqui estaria nos documentos emitidos, bem como os formulários a serem completados pelos refugiados. Tais documentos e formulários, precisarem ter uma linguagem aberta e ampla, mas ao mesmo tempo que contemple as especificidades de cada indivíduo, sem, contudo, confundir-se “especificidade” com “catalogação”. Neste sentido, a organização não-governamental ORAM aponta que geralmente os formulários de cadastro dos refugiados são editados sob uma matriz binária no seguinte sentido: Figura n. 13: Trata-se de imagem divulgada pela organização não-governamental ORAM. Ela é uma parte de uma proposta de formulário de cadastramento dos refugiados que serão acolhidos por Israel, sendo que neste formulário atualmente se solicita o “sexo” do refugiado, pautando-se em uma concepção binária de que alguém é homem ou mulher; sem levar em consideração as complexas questões de gênero. A mesma organização a fim de combater a questão a ética do “binário” na política de cadastramento dos refugiados por questões de gênero: 212 Figura n. 14: Trata-se de imagem divulgada pela organização não-governamental ORAM. Ela é uma parte de uma proposta de formulário de cadastramento dos refugiados que serão acolhidos por Israel, sugerindo que além dos gêneros masculino ou feminino sejam cadastrados, uma terceira opção, a qual requer uma discussão mais profunda, seja inclusa no formulário. Essa proposta funciona, portanto, como exemplo no sentido de demonstrar como as políticas públicas para refugiados por questões de gênero precisam desafiarem-se a quebrar com binarismos tão engendrados na cultura sobretudo de países ocidentais. Todavia, a questão dos binarismos vai muito além das políticas de cadastramento desses refugiados e se tornam um desafio até mesmo para políticas públicas já desenhadas para o público LGBTTIQ+, conforme demonstra Hannah Mogul-Adlin (2015, pp. 35-36) em pesquisa realizada na Yale School of Public Health, na qual chegou às seguintes conclusões em relação a políticas públicas para a promoção da saúde LGBTTIQ+ no seguinte sentido: Diversos participantes da pesquisa “Experiências não Binárias de Gênero de Saúde” observados, […] descreveram relações complexas e muitas vezes ambivalentes com o sistema de saúde, expressando sentimentos de invisibilidade, alienação, trepidação e, muito raramente, conforto e segurança [...]. As descobertas aqui descritas sobre identidade de gênero, acesso à saúde, revelação, conforto e melhoria dos cuidados devem ser exploradas com uma variedade de amostras e metodologias. Em particular, aqueles que constroem pesquisa, teoria, políticas e programas em torno de populações trans e não-binárias devem se concentrar nas experiências de subpopulações cujas vidas raramente são refletidas na literatura clínica: pessoas não-binárias de cor, não- binárias que foram designadas como masculinas ao nascer, e pessoas não-binárias que vivem em áreas rurais. Além disso, estudos comparativos que procuram descrever cuidadosamente as áreas de sobreposição e divergência de experiências entre populações que são frequentemente confundidas: LGB, transgêneros binários e populações não binárias, ajudaram a iluminar as formas específicas pelas quais o heterossexismo e o cissexismo funcionam dentro dos serviços de saúde aparelhados para marginalizar as necessidades de gênero e de minorias sexuais. Finalmente, pesquisas futuras não devem negligenciar os maiores obstáculos econômicos e jurídicos que impedem a saúde, o bem-estar e o acesso à saúde das pessoas trans e não binárias, com o entendimento de que qualidade, inclusão, e acessibilidade não são atributos separáveis dos cuidados de saúde para aqueles marginalizados pela sociedade. (tradução do autor)209 209Texto original em inglês: “As several participants of the “Gender Nonbinary Experiences of Healthcare” survey noted, […]. The respondents to this survey described complex and often ambivalent relationships to the health care system, expressing feelings of invisibility, alienation, trepidation, and, too rarely, comfort and safety […]. The findings described here on gender identity, health access, disclosure, comfort, and improvement of care should all be explored further with a variety of samples and methodologies. In particular, those who build research, theory, policy and programs around trans and nonbinary populations should focus on the experiences of subpopulations whose lives are rarely reflected in the literature: nonbinary people of color, nonbinary people who were assigned male at birth, older nonbinary people, and nonbinary people who live in rural areas. Additionally, comparative 36 studies that seek to carefully describe the areas of overlap and divergence in experience between populations that are often conflated: LGB, binary transgender, and nonbinary populations, will help to 213 Ou seja, a pesquisa acima demonstra como muitas vezes as identidades não binárias das próprias políticas públicas para promover a saúde LGBTTIQ+, sobretudo diante das interseccionalidades “raça” ou “ruralidade”. Todavia, cumpre apontar que a própria pesquisa desconsidera os não-binarismos não-ocidentais e os capitalismos periféricos ao redor do mundo, o que demonstra quanto desafiador é redigir um Direito dos Refugiados Colorido, o qual visa justamente contemplar todo e qualquer tipo de diversidade não-hegemônica. Dessa forma, no que diz respeito a desenhar políticas públicas coloridas de combate aos binarismos depare-se diante do princípio da transversalidade (referindo-se a diversas outras políticas já implementadas) ao incorporar o combate a binarismos dentro de políticas públicas para refugiados por questões de gênero que versem sobre outros assuntos. 4.2.10 Políticas públicas e a promoção do conceito de orgulho O conceito de “orgulho LGBTTIQ+” é a postura positiva contra a discriminação e a violência contra essas identidades humanas para promover sua autoafirmação, dignidade, direitos de igualdade, aumentar sua visibilidade como grupo social, construir comunidade e celebrar a diversidade. O orgulho, em oposição à vergonha e ao estigma social, é a perspectiva predominante que sustenta a maioria dos movimentos de direitos LGBTTIQ+ em todo o mundo (ALWOOD, 1996). Os movimentos em prol das pessoas com deficiência adotaram o conceito para suas lutas em prol de direitos e contra o preconceito a partir da década de 1990, inclusive organizando paradas “do orgulho das pessoas com deficiência” (BROWN, 1994). Percebe-se, dessa forma, como as lutas antidiscriminação precisam não somente negar as atitudes discriminatórias, mas afirmar identidades, até então discriminadas. As políticas públicas para refugiados por questões de gênero, pautadas princípio da transversalidade anteriormente discutido, precisam ser formuladas no sentido de reconhecer essas identidades sob a perspectiva do “orgulho”: tanto no que diz respeito ao orgulho do gênero em questão ser quem realmente é (e se sentir seguro para existir); como também no que diz illuminate the specific ways in which heterosexism and cissexism function within the healthcare apparatus to marginalize the needs of gender and sexual minorities. Finally, future research should not neglect the larger economic and legal hurdles that impede trans people’s health, wellbeing, and healthcare access, with the understanding that quality, inclusivity, affordability and accessibility are not separable attributes of healthcare for those marginalized by society” (MOGUL-ADLIN, 2015, pp. 35-36). 214 respeito a sentir orgulho de ser refugiado - um indivíduo, herói da própria história, que escolheu a vida diante de uma situação de perseguição. 4.2.11 Políticas públicas e relações internacionais Ingram e Fiederlein (1988, p. 726) afirmam que não estão claros os motivos de acadêmicos e políticos terem ignorado por tanto tempo a política externa como também sendo política pública, uma vez que grande parte da política externa tem uma dimensão doméstica forte da qual eruditos da área da política pública também poderiam trabalhar. Política externa é política pública e os atores institucionais, sociais e econômicos a tratam nessa perspectiva (MILANI e PINHEIRO, 2013, p. 28), cuja especificidade consiste no fato de ela ser implementada fora das fronteiras estatais, e estudá-la consiste em considerar seu processo de elaboração, no qual incidem, como em qualquer outra política pública, as demandas e conflitos de variados grupos domésticos (PINHEIRO e SALOMÓN, 2013, p. 41). Associando o processo político doméstico de realização da política externa, incluindo os atores domésticos envolvidos, Ingram e Fiederlein (1988, p. 742), ao explicarem a influência doméstica na política externa, trazem para a análise dessa última, duas noções utilizadas pelo estudo da política pública: a de que o processo de formulação da política varia com a natureza do problema e dos impactos apreendidos, e que a influência de participantes nesse processo de formulação varia de acordo com os diferentes estágios do ciclo político. Ambas as noções são aplicáveis à política externa, a qual mesmo carecendo de uma autorização do Estado, possibilita espaço para que outros atores participem da sua formulação, o que varia de acordo com o tema da política (saúde, economia, defesa, etc.) e os estágios da política (formulação, avaliação, implementação), nos quais as demandas, interesses e conflitos aparecem e são gerenciados (SILVA, 2015, p. 16). No que diz respeito ao refúgio por questões de gênero, um Direito dos Refugiados Colorido deve traçar diretrizes para que os Estados desenhem uma política externa colorida e evite as perseguições aos gêneros de forma preventiva. Neste sentido, o Ministério das Relações Exteriores da Suécia foi o primeiro órgão do mundo ao editar uma política externa feminista, pautando-se na seguinte metodologia divulgada em sua página oficial: A política externa feminista [sueca] será parte integrante das atividades em todo o Serviço Sueco do Exterior. Nossa metodologia pode ser resumida em quatro diretrizes: 215 I) O controle da realidade, que se pauta em como obter os fatos desde o início sobre o que acontece naquele país de relação. Para realizar o referido controle, questiona-se: qual é a situação dos cidadãos no país se quisermos incluir 100% da nossa população [não somente cidadãos hegemônicos]; II) Direitos: o simples fato de que os direitos humanos também são direitos das mulheres. Aqui, duas pistas fundamentais devem ser seguidas ao prosseguir uma política exterior feminista. Em primeiro lugar, existem áreas onde devemos procurar a proibição, como discriminação baseada em gênero, casamentos forçados e mutilações genitais femininas. Em segundo lugar, existem áreas em que o objetivo é o progresso, por exemplo, direitos iguais à herança e acesso à educação e à saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva e outros direitos. Essas áreas são fundamentais para o empoderamento das mulheres; III) A distribuição de recursos refere-se ao ambicioso trabalho internacional da Suécia em desenvolvimento. O ponto de partida mais básico aqui é a necessidade de aplicar uma perspectiva de gênero ao distribuir ajuda e recursos [a países necessitados]; IV) Representatividade: conceito que inclui influência sobre a definição da agenda, o que, por sua vez, começa por fazer uma pergunta simples: quem conduz a política externa em todos os níveis? Começa no mais alto nível no Ministério das Relações Exteriores da Suécia, onde todas as quatro posições principais - duas ministras e duas secretárias estaduais - são mulheres (SWEDENb, 2018, grifos do autor, tradução do autor210). Ou seja, o mapeamento dos países com quem a Suécia se relaciona leva em consideração a maneira como estes Estados tratam os seus gêneros. Além disso, a política externa sueca tem condenado condutas antifeministas e de perseguições aos gêneros. No mesmo sentido, conforme já apontado neste capítulo, sobre a utilização da política externa enquanto ferramenta de denúncia de violências e discriminações, vale apontar que em 15 de abril de 2017, o Canadá, por meio de seu ministro das relações exteriores, condenou a construção de campos de concentração na Chechênia, planejados para torturar e prender gays e bissexuais/biafetivos (CANADA, 2018). A primeira ministra britânica, Theresa May, da mesma forma, em discurso perante a Comunidade das Nações211 em 17 de abril de 2018 poscionou-se no seguinte sentido: 210Texto original em inglês: “Feminist foreign policy will be an integral part of activities throughout the Swedish Foreign Service. Our methodology can be summarised in four words, all beginning with the letter “R”. Reality check is about getting the facts right from the outset. What is the situation on the ground, if we want to include a 100 per cent of the population? Rights – the simple fact is that human rights are also women’s rights. Here, two fundamental tracks must be followed when pursuing a feminist foreign policy. Firstly, there are areas where we must aim for prohibition, such as gender-based discrimination, forced marriages and female genital mutilation. Secondly, there are areas where the aim is progress, for example equal rights to inheritance and access to education and health, including sexual and reproductive health and rights. These areas are key to women’s empowerment. Resources refers to Sweden’s ambitious international work, for example in development. The most basic starting-point here is the need to apply a gender perspective when distributing aid and resources. Representation, which includes influence over agenda-setting, starts by asking a simple question: Who conducts foreign policy – at all levels? It starts at the highest level at the Swedish Ministry for Foreign Affairs, where all the four top positions – two ministers and two state secretaries – are held by women” (SWEDENb, 2018). 211A Commonwealth of Nations (em português: “Comunidade das Nações”), normalmente referida como Commonwealth e anteriormente conhecida como a Commonwealth britânica, é uma organização intergovernamental composta por 53 países membros independentes. Os Estados-membros cooperam num quadro de valores e objetivos comuns, conforme descrito na Carta da Comunidade das Nações. Estes incluem a promoção da democracia, direitos humanos, boa governança, Estado de Direito, liberdade individual, igualitarismo, livre comércio, multilateralismo e a paz (THE COMMONWEATLH, 2018). 216 (...) Em todo o mundo, as leis discriminatórias feitas há muitos anos continuam a afetar a vida de muitas pessoas, criminalizando as relações do mesmo sexo e deixando de proteger as mulheres e meninas. Tenho plena consciência de que essas leis foram frequentemente postas em prática pelo meu próprio país. Eles estavam errada naquela época e estão erradas agora. Como primeira-ministra do Reino Unido, lamento profundamente tanto o fato de tais leis terem sido introduzidas, quanto o legado de discriminação, violência e até mesmo a morte que persiste hoje. Como uma família de nações, devemos respeitar as culturas e tradições uns dos outros. Mas devemos fazê-lo de uma maneira consistente com nosso valor comum de igualdade, um valor que é claramente declarado no estatuto da Comunidade das Nações (...) (grifos do autor, tradução do autor212). Essas denúncias e apelos por mudanças legislativas, inspiradas na inciativa sueca de relações internacionais feministas, parecem ganhar força e podem ser incentivadas e sugeridas por um Direito dos Refugiados Colorido, porque se trata de combate às situações de refúgio por questões de gênero de forma preventiva, conforme já apontado no primeiro capítulo desta tese, e uma maneira de proteger a dimensão da identidade/personalidade no que se refere à proteção da diversidade; o que pode fazer, inclusive, que um refúgio por questões de gênero seja evitado. Além disso, no que diz respeito à “representatividade” e também à “política de distribuição de recursos”, a política externa sueca também pode inspirar países e um Direito dos Refugiados Colorido a proporem iniciativas dos Estados neste sentido. Sobre “representatividade”, é necessária a participação dos gêneros na condução política de um país213, bem como na condução e na construção214 do Direito dos Refugiados Colorido. No que diz respeito à “política de distribuição de recursos”, vale apontar que pode ser de grande valia à promoção da igualdade entre gêneros e ao combate preventivo às perseguições por questões de gênero. Sobre a referida política vale defini-la como: 212Texto original em inglês: “(…) Across the world, discriminatory laws made many years ago continue to affect the lives of many people, criminalising same-sex relations and failing to protect women and girls. I am all too aware that these laws were often put in place by my own country. They were wrong then, and they are wrong now. As the UK’s Prime Minister, I deeply regret both the fact that such laws were introduced, and the legacy of discrimination, violence and even death that persists today. As a family of nations we must respect one another’s cultures and traditions. But we must do so in a manner consistent with our common value of equality, a value that is clearly stated in the Commonwealth charter (…)”. 213Esse assunto já foi aprofundado ainda neste capítulo quando se discutiu a decisão discricionária dos administradores para a condução das políticas públicas, fazendo-se mapeamento de como os gêneros não-hegemônicos são excluídos da participação política. 214Sobre a participação dos gêneros na construção e condução do Direito Internacional, haverá aprofundamento teórico sobre o assunto ao longo do capítulo 5 desta tese. 217 [...] dinheiro, equipamento ou serviços que são fornecidos para pessoas, países ou organizações que precisam deles, mas não podem fornecê-los por si mesmos. Como o mundo varia muito, cada dia em cada lugar nos deparamos com diferentes realidades. Da mesma forma que há nações ricas, há também países pobres e em desenvolvimento que coabitam sob o planeta [...] (HYSA; HOXHA, 2014, tradução do autor215). Ainda sobre “política de distribuição de recursos”, vale apontar que os países gastam bilhões de dólares com a referida política, conforme possível observar em por meio de gráfico divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nos seguintes termos: Gráfico n. 2: O gráfico em questão foi elaborado pela organização OCDE. Ele é resultado de um estudo que demonstra o quanto cada país no ano de 2015 gastou com políticas de distribuição de recursos pelo mundo. Os 10 países que mais doaram estão listados no gráfico. Os valores estão em dólares. Dessa forma, quantias tão vultuosas podem se transformar em um importante instrumento de barganha, conforme já proposto pelo governo sueco, no sentido promover igualdade de gênero entre as nações. Além disso, conceder as referidas quantias as países que não protegem seus gêneros não-hegemônicos pode, inclusive, perpetuar no poder os gêneros que constroem esses sistemas de opressão. Portanto, um Direito dos Refugiados Colorido precisa: propor que as relações internacionais sejam uma ferramenta eficaz no sentido de mitigar casos de refúgio por questões de gênero, uma vez que evita as perseguições internamente nos países; incentivar que os países que recebem os refugiados por questões de gênero usem a categoria “gênero” para manter suas 215Texto original em inglês: “Financial aid is money, equipment, or services that are provided for people, countries or organizations that need them but cannot provide them for themselves (Cobuild). Since the world varies so much, each day in each place we face up with different realities. As long as there are wealthy nations, there are also poor and developing countries which cohabitate under the planet (…)” (HYSA; HOXHA, 2014). 218 relações internacionais e cobrar de seus aliados igualdade de gênero; incentivar que no âmbito das políticas de distribuição de recursos a categoria “gênero” sirva como um parâmetro para a referida concessão; incentivar que no âmbito das políticas de distribuição de recursos a categoria “gênero” sirva como um parâmetro para que se verifique o destino final dos recursos. 4.2.12 Refúgio, tecnologia e políticas públicas Em palestra realizada na University of Miami, Estados Unidos, em 10 de fevereiro de 2018, em painel intitulado Legal Technology and Access to Justice, a advogada de imigração Liz Rieser- Murphy, que advoga há uma década com imigração na cidade de Nova Iorque, reportou como foi importante a atuação das empresas de tecnologia no dia em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, editou decreto proibindo que cidadãos de 7 países (Iraque, Iêmen, Irã, Síria, Líbia, Somália e Sudão) entrassem nos Estados Unidos, mesmo com seus respectivos vistos de turista. Quando cidadãos desses países chegaram aos aeroportos no dia 27 de janeiro de 2017, ficaram detidos e impedidos de entrar. O decreto do presidente foi derrubado semanas depois pela justiça estadunidense por violar valores constitucionais, mas naquele momento aqueles indivíduos precisavam urgentemente de ajuda. Liz Rieser-Murphy reportou que as empresas de tecnologia do país em poucas horas desenvolveram juntas um aplicativo de celular que permitiu que aqueles cidadãos encontrassem advogados de imigração voluntários e, dessa forma, puderam ser assistidos no mesmo dia. Trata-se de exemplo de como a tecnologia pode ser utilizada para a promoção de Direitos Humanos. No mesmo painel, a professora responsável pela clínica de Direitos Humanos da University of Miami, Caroline Bettinger-López, contou sua experiência como Conselheira da Casa Branca sobre violência de gênero e membro do Conselho da Casa Branca sobre Mulheres e Meninas ao desenvolver um aplicativo específico para reportar casos de violência de gênero, outro exemplo de tecnologia desenvolvida junto com o poder público para monitorar a situação dos Direitos Humanos em um país. Neste mesmo sentido, movidos pela situação dos refugiados na Europa, vários profissionais da indústria de tecnologia formaram uma equipe voluntária para criar uma série de conferências, iniciativa chamada de Techfugees. Os referidos eventos da Techfugees são sem fins lucrativos, destinados a reunir engenheiros de tecnologia, designers, empreendedores e startups em conjunto com organizações não-governamentais e outras agências para enfrentar o 219 desafio da migração de refugiados de maneira que o mundo da tecnologia pode trazer seu poder de fogo para contribuir (TECHFUGEES, 2018). O governo alemão, por sua vez, lançou um novo aplicativo de smartphone para ajudar os requerentes de refúgio a se integrarem em seu novo país. Esse aplicativo foi chamado de Ankommen (em alemão, "Chegar"), conforme aponta seu website (ANKOMMEN, 2018). O Ankommen foi desenvolvido em conjunto pelo Escritório Federal para Migração e Refugiados alemão, a Agência Federal de Emprego alemã, o Instituto Goethe (que visa difundir a cultura e a língua alemã pelo mundo) e a Bayerischer Rundfunk, emissora pública de rádio e TV da Alemanha. O aplicativo está disponível em árabe, inglês, farsi, francês e alemão, e não requer uma conexão com a Internet. Inclui um curso básico de alemão, bem como informações sobre o processo de pedido de refúgio e como encontrar emprego ou formação profissional. O aplicativo também fornece informações sobre valores alemães e costumes sociais, com dicas de outros não alemães que vivem no país (ANKOMMEN, 2018). O aplicativo Ankommen ao fornecer informações sobre a Alemanha, incluiu uma perspectiva de gênero na tela em que se propõe dar informações sobre o sistema de saúde público alemão, conforme se observa no item 4 da tela do aplicativo replicada abaixo: Figura n. 15: Trata-se de imagem da tela do aplicativo, a qual se dedica a apresentar temas de saúde pública na Alemanha. 220 Ela traz uma perspectiva de gênero para as mulheres refugiadas grávidas. Além disso, O aplicativo Ankommen ao fornecer informações sobre a Alemanha, incluiu uma perspectiva de gênero também na tela em que se propõe explicar como funcionam as relações interpessoais do povo alemão, conforme se observa no item 9 da tela do aplicativo replicada em seguida: Figura n. 16: Trata-se de imagem da tela do aplicativo, a qual se dedica a discutir relações interpessoais do povo alemão. Ela traz uma perspectiva de gênero a essa discussão, uma vez que se aprofunda em temas como: igualdade entre os gêneros, as relações sociais e de assédio entre homens e mulheres, o casamento e a violência doméstica. A criação deste aplicativo pelo governo alemão é resultado de uma política pública colorida que pode contribuir para as vidas dos refugiados por questões de gênero. Um Direito dos Refugiados Colorido, por sua vez, precisa incentivar a promoção de Direitos Humanos por meio de tecnologias e, além disso, que essas tecnologias incluam uma perspectiva de gênero. 221 4.2.13 Políticas públicas interseccionais Ao longo desta tese, sobretudo no capítulo 2, discutiu-se o conceito de “interseccionalidade” e sua importância para entender a “alocação social” de um determinado indivíduo (COLLINS, 2013). As experiências interseccionais foram resgatadas no capítulo 3 desta tese para expandir o conceito de refúgio por questões de gênero a fim de poder conferir o status para determinadas identidades humanas. Discute-se agora o fato de políticas públicas para refugiados por questões de gênero também precisarem ser desenvolvidas sob as Teorias Interseccionais Feministas, uma vez que as vivências dos refugiados por questões de gênero são, por si só, interseccionais. Um Direito dos Refugiados Colorido, portanto, necessita prever que as políticas públicas desenvolvidas precisam estar atentas às diferentes experiências e vulnerabilidades humanas, vividas, sobretudo por experiências interseccionais. Todavia, não somente as políticas públicas desenvolvidas especificamente para os refugiados por questões de gênero precisam de uma abordagem nesse sentido, mas toda e qualquer política pública destinada a refugiados precisa de um recorte de gênero, nas mais diversas áreas: como saúde, alimentação, educação, por exemplo. 4.2.14 O refugiado construindo sua própria política pública A partir do conceito de “lugar de fala”, Djamila Ribeiro216 (2017) aponta que todos falam a partir de um lugar, do lugar de onde se experimenta a vida. Aquele que passa por uma experiência de refúgio por questões de gênero, por meio de seu local de fala, pode contribuir na construção da política pública a partir da perspectiva de quem vivenciou aquela situação. Sendo assim, a ampla participação no processo de elaboração das políticas públicas, bem como o apoio ao desenvolvimento de organizações formadas por refugiados por questões de gênero são formas de criação de espaços para os próprios migrantes discutirem e exercerem sua cidadania. 216Djamila Taís Ribeiro dos Santos é graduada em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo e mestre em Filosofia pela mesma instituição. Tem experiência na área de Filosofia Política, com ênfase em Teoria Feminista, atuando principalmente nos seguintes temas: relações raciais e de gênero e feminismo (CNPQb, 2018). 222 Políticas públicas incentivem essa participação protagonistas em sua própria construção são importantes neste sentido, porque colocam os refugiados não somente como objeto da construção das políticas, mas também como seus próprios sujeitos formadores. Portanto, um Direito dos Refugiados Colorido precisa enfatizar que a necessidade da construção dessas políticas a partir também das experiências de quem as vivencia: ou pelo olhar individual do próprio refugiado, ou pelo olhar das organizações não-governamentais construídas a partir de algum segmento dessas identidades. 4.2.15 Educação e emancipação feminista As Teorias Feministas têm se apresentado de forma plural e, em algumas vezes, contraditórias. As Teorias Feministas Liberais (também conhecidas como libertárias ou igualitárias), por exemplo, estão entre as primeiras Teorias Feministas desenvolvidas e reivindicaram basicamente uma igualdade legislativa para com os gêneros. As Teorias Feministas Marxistas, por sua vez, buscaram aliar a luta anti-economicista capitalista às questões de gênero. Posteriormente, as Teorias Feministas abraçaram uma visão multidimensional do que significa justiça e de como a alcançar (MATOS, 2010). Sob o aspecto multidimensional da igualdade de gêneros, ganham força outras Teorias Feministas, como por exemplo: o Feminismo Radical (que exige um reordenamento radical da sociedade para que seja possível a eliminação da supremacia masculina e heternormativa); o Feminismo Interseccional (que, conforme já amplamente discutido nesta tese, procura trazer juntas em assembleia todas as vulnerabilidades e privilégios de um indivíduo, a fim de efetuar análise sistematizada daquela situação de vulnerabilidade); o Feminismo Decolonial (o qual busca justamente sair de pautas e agendas programadas por teóricos do norte global e forcar sobretudo em países da América Latina que trazem até hoje marcas de seus exploratórios processos de colonização); a Teoria Queer (que, conforme já discutido nesta tese parte de um pressuposto não binário do sujeito); o Feminismo Islâmico (que basicamente reivindica que os gêneros dentro das religiões e da religião islâmica sejam sujeitos e objetos de direito); dentre outras teorias que se constroem, reconstroem, dialogam, complementam-se e se colidem a cada dia (MATOS, 2010). Marcia Tiburi (2018) aponta, todavia, um ponto de intersecção fundamental em todas essas teorias por mais divergentes que elas possam ser: a luta pela educação. A educação é um instrumento de emancipação dos gêneros. Por meio da educação não somente alguém se profissionaliza (nos mais diversos graus de profissionalização existentes) 223 para o mercado de trabalho, o que, por sua vez, contribui para diminuir as desigualdades em relação ao poder que se tem em determinada sociedade. Por meio da educação, sobretudo da educação para os Direitos Humanos e para a promoção da saúde mental, um ser humano tem consciência da dignidade que pode assumir perante o mundo. Por meio da educação, um ser humano entende sua “alocação social” e, identificando-a, pode escolher não ficar naquele lugar de opressão. Neste sentido, Jean Piaget (1945/1988, p. 154) aponta que: É preciso ensinar os alunos a pensar, e é impossível aprender a pensar sob um regime autoritário. Pensar é procurar por si mesmo, é criticar livremente e é demonstrar de maneira autônoma. O pensamento supõe, portanto, o livre jogo das funções intelectuais. [...] Não é livre o indivíduo que está submetido à coerção da tradição ou da opinião dominante, que se submete de antemão a qualquer decreto da autoridade social e permanece incapaz de pensar por si mesmo. [...] Ou seja, educação é sinônimo de emancipação, de autonomia e da construção possível de uma história de vida repleta de dignidade. Trata-se de um privilégio essencial na luta dos gêneros para com a opressão. Sobre a dinâmica dos privilégios, Fineman (2008, pp. 15-16, grifos do autor, tradução do autor217) também aponta que a educação é um importante instrumento da luta feminista no seguinte sentido: Dentro dos vários sistemas de atribuição de privilégios, os indivíduos são frequentemente posicionados de forma diferente um do outro, de modo que alguns são mais privilegiados, enquanto outros são relativamente desfavorecidos. Importante para a consideração de privilégio é o fato de que esses sistemas interagem de forma a afetar ainda mais essas desigualdades. Privilégios e desvantagens acumulam-se em todos os sistemas e podem se combinar para criar efeitos mais devastadores ou mais benéficos que o peso de cada parte separada. Às vezes, os privilégios conferidos em certos sistemas podem remediar ou mesmo cancelar as desvantagens conferidas a outros. Uma boa educação precoce pode triunfar na pobreza, particularmente quando associada a uma família e a uma rede social progressiva. Da mesma forma, o Banco Mundial posiciona-se no seguinte sentido: A educação é um poderoso impulsionador do desenvolvimento e um dos instrumentos mais fortes para reduzir a pobreza e melhorar a saúde, a igualdade de gênero, a paz e a estabilidade. Os países em desenvolvimento fizeram um tremendo progresso em colocar as crianças na sala de aula e a maioria das crianças em todo o mundo está 217Texto original em inglês: “Within the various systems for conferring assets, individuals are often positioned differently from one another, so that some are more privileged, while others are relatively disadvantaged. Important to the consideration of privilege is the fact that these systems interact in ways that further affect these inequalities. Privileges and disadvantages accumulate across systems and can combine to create effects that are more devastating or more beneficial than the weight of each separate part. Sometimes privileges conferred within certain systems can mediate or even cancel out disadvantages conferred in others. A good early education may triumph poverty, particularly when coupled with a supportive family and progressive social network” (FINEMAN, 2008, pp. 15-16). 224 agora na escola primária [...]. A educação tem retornos grandes e consistentes em termos de renda e reduz a desigualdade. Para os indivíduos, promove empregos, ganhos, saúde e redução da pobreza. Para as sociedades, impulsiona o crescimento econômico de longo prazo, estimula a inovação, fortalece as instituições e promove a coesão social. De fato, fazer investimentos inteligentes e eficazes nas pessoas é fundamental para desenvolver o capital humano que acabará com a pobreza extrema (WORLD BANKb, 2018, tradução do autor218). Além disso, a UNESCO posiciona-se no seguinte sentido acerca da educação e a sua relação com as questões de gênero: Pobreza, isolamento geográfico, status de minoria, incapacidade, casamento precoce e gravidez, violência baseada em gênero e atitudes tradicionais sobre o status e o papel das mulheres, estão entre os muitos obstáculos que impedem que mulheres e meninas exerçam plenamente seu direito a participar, completar e se beneficiar da educação (UNESCOb, 2018, tradução do autor219). Sendo assim, observa-se o quanto as diversas lutas a serem triunfadas pelos gêneros pelo mundo caminham junto com a luta pela educação dessas identidades. Além disso, observa-se que todas essas passagens trazidas corroboram o entendimento do poder da educação para promover a igualdade para com os gêneros e, dessa forma, parece que, partindo do ponto de vista daqueles que recebem estes migrantes é necessário articular políticas públicas educacionais pautadas na proteção da diversidade, as quais sirvam para empoderar essas identidades migrantes e as coloque em um papel de protagonismo perante a sociedade. Dessa forma, deve-se estruturar políticas públicas que ajudem a romper barreiras as quais os refugiados por questões de gênero podem enfrentar no que diz respeito ao acesso à educação. Inclusive, no capítulo 3 desta tese, discutiu-se que a falta de acesso à educação é uma barreira enfrentada que pode ensejar o enquadramento de alguém na qualidade de refugiado por questões de gênero. Sendo assim, não há lógica que o país que acolha esses seres humanos em situação de perseguição compartilhe da mesma dinâmica. Além disso, essas políticas educacionais precisam permitir que todos interajam com respeito e visando proteger as diversas identidades humanas. Tais políticas educacionais não precisam se restringir somente à educação formal, mas se expandirem às mais diversas maneiras 218Texto original: “Education is a powerful driver of development and one of the strongest instruments for reducing poverty and improving health, gender equality, peace, and stability. Developing countries have made tremendous progress in getting children into the classroom and the majority of children worldwide are now in primary school […].Education has large, consistent returns in terms of income and reduces inequality. For individuals, it promotes employment, earnings, health, and poverty reduction. For societies, it drives long-term economic growth, spurs innovation, strengthens institutions, and fosters social cohesion. Indeed, making smart and effective investments in people is critical to develop the human capital that will end extreme poverty” (WORLD BANKb, 2018). 219Texto original: “Poverty, geographical isolation, minority status, disability, early marriage and pregnancy, gender-based violence, and traditional attitudes about the status and role of women, are among the many obstacles that stand in the way of women and girls fully exercising their right to participate in, complete and benefit from education” (UNESCOb, 2018). 225 de promover a educação e a cultura para uma determinada população, sem que em qualquer dessas políticas se deixe de conferir uma perspectiva de gênero, procurando firmar e reafirmar essas identidades interseccionais. Tal abordagem precisa se pautar em transversalidade e conversar com toda a sociedade e, sobretudo no âmbito da educação formal, com as mais variadas faixas etárias. Dentre as políticas mencionadas em âmbito amplo, vale destacar a necessidade de articulação de políticas públicas de combate ao bullying e ao cyberbullying, as quais precisam ganhar uma perspectiva tanto no que diz respeito ao gênero quanto no que diz respeito à diversidade cultural e a identidade dos migrantes. Neste sentido, o relatório editado pela Unesco, intitulado School Violence and Bullying: Global Status Report, aponta que: O bullying pode ser definido como um comportamento intencional e agressivo que ocorre repetidamente contra uma vítima onde existe um desequilíbrio de poder real ou percebido, e onde a vítima se sente vulnerável e impotente para se defender. O comportamento indesejado é prejudicial: pode ser físico, incluindo bater, chutar e destruir a propriedade; verbal, como provocando, insultando e ameaçando; ou relacional, através da disseminação de rumores e exclusão de um grupo. O bullying geralmente ocorre sem provocação e constitui uma forma de violência entre pares. Crianças que intimidam frequentemente agem por frustração, humilhação e raiva, ou para alcançar status social, e suas ações podem causar danos físicos, psicológicos e sociais. As crianças vítimas de bullying provavelmente experimentam dificuldades interpessoais, ficam deprimidas, solitárias ou ansiosas, têm baixa autoestima e sofrem academicamente, mas todos os atores, incluindo espectadores, e o clima escolar como um todo são afetados de forma prejudicial. O cyberbullying envolve a postagem ou o envio de mensagens eletrônicas, incluindo fotos ou vídeos, com o objetivo de assediar, ameaçar ou atingir outra pessoa. Toda uma gama de plataformas sociais, incluindo salas de bate-papo, blogs e mensagens instantâneas, são usadas no cyberbullying. (tradução do autor)220 O mesmo relatório aponta ainda que custos sociais do bullying também são altos: as crianças vítimas desta prática enfrentam um risco maior de problemas de saúde, estresse internalizado e pensamentos suicidas (UNESCOb, 2018). 220Texto original em inglês: “Bullying can be defined as intentional and aggressive behaviour occurring repeatedly against a victim where there is a real or perceived power imbalance, and where the victim feels vulnerable and powerless to defend himself or herself. The unwanted behaviour is hurtful: it can be physical, including hitting, kicking and the destruction of property; verbal, such as teasing, insulting and threatening; or relational, through the spreading of rumours and exclusion from a group. Bullying usually occurs without provocation, and it constitutes a form of peer violence. Children who bully often act out of frustration, humiliation and anger, or to achieve social status, and their actions can inflict physical, psychological and social harm. Children who are bullied are likely to experience interpersonal difficulties, to be depressed, lonely or anxious, to have low self-esteem and to suffer academically, but all actors, including bystanders, and the school climate as a whole are affected detrimentally. Cyberbullying involves the posting or sending of electronic messages, including pictures or videos, aimed at harassing, threatening or targeting another person. A whole gamut of social platforms, including chat rooms, blogs and instant messaging, are used in cyberbullying.” (UNESCOb, 2018). 226 Neste sentido, a Stonewall, uma organização não-governamental do Reino Unido revelou que muitos alunos LGBTTIQ+ correm o risco de serem vítimas de bullying em escolas galesas. Em parceria com o Center for Family Research da Cambridge University, realizou-se uma pesquisa com jovens LGBTTIQ+ sobre suas experiências em escolas secundárias e faculdades em toda a Grã-Bretanha. Entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017, 3.713 jovens LGBTTIQ+ com idades entre 11 e 19 anos, incluindo 267 residentes no País de Gales, completaram um questionário on-line e, por meio dessa pesquisa, constatou-se que o bullying faz parte do cotidiano de muitos alunos LGBT (UNESCOc, 2018). De acordo com a pesquisa, mais que a metade dos alunos LGB são vítimas de bullying na escola do País de Gales, e a porcentagem sobe para 73% para os alunos transgêneros e não binários. Três em cada cinco alunos LGBT frequentemente ouvem a linguagem homofóbica na escola, e metade frequentemente ouve a linguagem transfóbica (UNESCOc, 2018). Aponta-se também que 77% dos jovens transgêneros e 61% dos alunos LGB deliberadamente se prejudicaram e 41% dos alunos transgêneros e 21% dos alunos LGB tentaram tirar a própria vida por conta de situações de bullying (UNESCOc, 2018). Além disso, apenas um quarto dos alunos LGBTTIQ+ intimidados nas escolas galesas diz que os professores intervêm quando ocorre o bullying. Apenas três em cada dez alunos LGBTTIQ+ relatam que os professores ou a equipe da escola constantemente desafiam a linguagem homofóbica, bifóbica e transfóbica (UNESCOc, 2018). Do ponto de vista das crianças refugiadas, a UNICEF aponta que o bullying de crianças migrantes e refugiadas, semelhante à vitimização de crianças de um determinado grupo étnico, é uma forma de bullying baseado no preconceito. A partir desse contexto, realizou-se uma pesquisa com 771 crianças que freqüentam escolas primárias e secundárias italianas. A amostra da pesquisa foi composta por 598 crianças, incluindo 173 de origem migrante ou refugiada e se chegou à conclusão de que as crianças de origem migrante ou refugiada sofrem mais bullying nesse grupo (estimando-se uma quantidade de 17,9 % dos alunos refugiados e migrantes pesquisados) enquanto que os demais alunos são menos expostos ao bullying (estimando-se uma quantidade de 11,4 % dos alunos pesquisados) (UNICEFd, 2018). Diante dessas situações, além de desenhar as políticas educacionais para com os refugiados por questões de gênero, também parece importante que os órgãos que fiscalizam atividades educacionais, insiram na sua fiscalização uma perspectiva migratória e de gênero. 227 4.3 DISCUTINDO O PAPEL DO DIREITO ENQUANTO INSTRUMENTO FORMALIZADOR E PROPOSITOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OS REFUGIADOS POR QUESTÕES DE GÊNERO Sobre qual é o papel do Direito na articulação de políticas públicas para determinado país Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 1) aponta que: Ao direito cabe conferir expressão formal e vinculada a esse propósito, transformando-o em leis, normas de execução, dispositivos fiscais, enfim, conformando o conjunto institucional por meio do qual opera a política e se realiza o seu plano de ação. Até porque, nos termos do clássico princípio da legalidade e da constitucionalidade, o que implica que passem a ser reconhecidos pelo direito – e gerar efeitos jurídicos – os atos e também as omissões que constituem cada política pública. O problema passa a ser, então, o de desenvolver a análise jurídica, de modo a tornar operacional o conceito de política pública, na tarefa de interpretação do direito vigente e de construção do direito futuro. Ou seja, o Direito passa a ser um elemento muito importante para a formação da terminada política em questão, porque a formaliza textualmente; e, além disso, ajuda na sua construção, uma vez que a adapta aos valores legais e constitucionais do país no qual a determinada política está sendo construída. Neste sentido, Bucci (2006; 2002) tem defendido que os princípios que norteiam o Direito Administrativo e o Direito Constitucional dos Estados devem ajudar na construção das políticas públicas. Além disso, parece que o Direito Internacional também precisa colaborar com essa construção, sobretudo o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Sendo assim, no próximo capítulo será discutido como um Direito Internacional dos Refugiados Colorido pode servir de norte para que se construam as políticas mencionadas neste capítulo; bem como um Direito Nacional dos Refugiados Colorido também pode ter a mesma função. Vale apontar também que Maria Paula Dallari Bucci (2015, p. 9) salienta a necessidade de um quadro de referência que sintetize numa perspectiva de racionalidade ideal, o caráter sistemático que articula os elementos que integram a referida política, os quais são: um nome oficial do programa de ação, que confere identidade à política; apontamento da gestão governamental que criou ou implementou o programa; base normativa que institui e disposições mais importantes específicas para o seu funcionamento; desenho jurídico institucional, que se trata da discrição de como o programa funciona de uma maneira macro; agentes governamentais envolvidos; agentes não-governamentais envolvidos; mecanismos jurídicos de articulação; público alvo da política em questão; dimensão econômico-financeira do programa; estratégia 228 de implementação a partir de um entendimento pretendido ou esperado do gestor público em questão; e um desenho ideal do programa. Neste sentido, é importante apontar que não se espera de um Direito dos Refugiados colorido que ele desenhe políticas públicas para refugiados por questões de gênero contendo todos seu elementos formadores, mas que ele trace diretrizes para que inspirar políticas públicas posteriormente desenhadas, levando em consideração as nuances dos refúgios por questões de gênero. 229 5. CONVOCANDO-SE ATORES PARA CONSTRUIR UM DIREITO DOS REFUGIADOS COLORIDO Ao longo desta tese apontou-se a existência de um princípio em formação no âmbito dos Direitos Humanos: o princípio da proteção da diversidade. Este princípio, por sua vez, tem uma dimensão migratória, que representa o direito de se retirar quando sua identidade está em perseguição (KYMLICKA, 1992). Uma análise sobre o quanto o Direito dos Refugiados está inserido em uma sistemática protetiva da diversidade permitiu observar que no que se refere às questões de gênero e às diversas formas de perseguição sofridas pelos gêneros nada fora elaborado no âmbito do Direito e somente o Canadá dentre os 194 países reconhecidos pelas Nações Unidas concebe por meio de legislação específica um refúgio por questões de gênero. Uma análise sobre o conceito de gênero e também sobre as principais adversidades enfrentadas pelos gêneros pelo mundo, permitiu entender a sofisticação do conceito refúgio por questões de gênero, bem como a necessidade de sua uniformização no Direito. A partir do conceito de refúgio por questões de gênero entendeu-se que só ele não seria suficiente para proteger essas identidades perseguidas e, dessa forma, vislumbrou-se a necessidade da implementação de políticas públicas para reverter quadros de precarização nos quais essas identidades estão inseridas. Além disso, entendeu-se que essas políticas públicas deveriam ser apresentadas e formalizadas por meio do Direito dos Refugiados que deve traçar as principais diretrizes para que se propicie a referida articulação. Sendo assim, criou-se o conceito de Direito dos Refugiados Colorido. Com uma proposta de estrutura para um Direito dos Refugiados Colorido desenvolvida ao longo dos quatro capítulos anteriores resta uma pergunta: como construir um Direito dos Refugiados Colorido? Essa construção pode ser articulada em diferentes ambientes de produção do Direito e, além disso, por diferentes atores envolvidos nesta produção. Dessa forma, este capítulo convoca diferentes espaços e atores para a construção deste Direito dos Refugiados Colorido. 5.1 POR UMA COMUNIDADE INTERNACIONAL COLORIDA E DIVERSA A construção de um Direito dos Refugiados Colorido inicia com a construção de um Direito Internacional dos Refugiados Colorido. Todavia, se for observada a construção do 230 Direito Internacional, verifica-se o quanto se fundamentou em bases masculinas e heteronormativas. Duas gravuras em seguida, ambas conhecidas como marcos iniciais do Direito Internacional, permitem observar quem iniciou a construção desse Direito (homens, performando heterossexualidade/heteroafetividade, brancos, de meia idade e de países ocidentais): Figura n. 14: Trata-se de imagem de domínio público retirada do banco de imagem Wikimedia Commons. Essa imagem é uma pintura de Gerard ter Boch, que representa a ratificação da Paz de Münster, parte da Paz da Vestfália, entre Espanha e a República Holandesa, em 15 de maio de 1648. Esse momento histórico é conhecido como marco do surgimento do Direito Internacional moderno e globalizado (CASELLA, 2014, p. 597). 231 Figura n. 15: Trata-se de imagem de domínio público retirada do banco de imagem Wikimedia Commons. Essa imagem é uma pintura de Willian Orpen, que representa a Ratificação do Tratado de Vesalhes, celebrado em 28 de junho de 1919, o qual é conhecido como documento constitutivo da Liga das Nações221; outro momento histórico para o Direito Internacional e, considerado por alguns autores, como marco do Direito Internacional pós moderno (CASELLA, 2008, p. 159). De acordo com Casella (2008, p. 159) esses dois eventos representados nas pinturas são momentos de rupturas do Direito Internacional no seguinte sentido: As sempre lembradas rupturas, seguidas de tentativa de reinstauração e renovação: uma delas, após a guerra dos trinta anos, levando ao sistema de Vestfália, vige durante quase trezentos anos, seguem-se duas outras decorrentes de guerras ditas mundiais, do século XX, com as daí decorrentes tentativas de reinstauração do sistema internacional, de curta duração, no contexto da Liga das Nações. Esta instaura novo patamar de implementação e muda a lógica do direito internacional. Todavia, a observação das duas gravuras, passados quase 300 anos uma da outra, deixa claro que mesmo depois de tanto tempo uma ruptura não aconteceu: quem esteve à frente da construção do Direito Internacional foram os mesmos atores (as mesmas performances hegemônicas anteriormente citadas). Em uma contradição clara, o objetivo central de todas as iniciativas de construção e reconstrução de um Direito Internacional foi a promoção da paz entre as nações (BROWNLIE, 2003). Todavia, não é possível alcançar a paz quando nem se percebe que as diversidades estão em situação de opressão, precarização e muitas vezes de genocídio. A paz mundial buscada pelo Direito Internacional não era para todo o mundo, uma vez que nem se percebia as diversidades que habitavam o planeta. Neste sentido, reitera-se o objetivo desta tese: apontar que há milhões de seres humanos esquecidos, em situação de perseguição. Todavia, a marginalização para com os gêneros 221Conforme apontado no capítulo 1 desta tese, a Liga das Nações foi organização internacional, substituída posteriormente pela Organização das Nações Unidas. A Liga das Nações tinha o objetivo de promover a paz entre as nações do mundo em um ambiente de diálogo e produção de Direito Internacional (GONÇALVES, 2016). 232 construiu a identidade individual das sociedades e das instituições por milênios, inclusive da comunidade internacional. Somente em 1979 foi editada a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, primeiro documento que se dirigia especificamente a esses bilhões de seres humanos; e somente em 1995 o termo “igualdade de gênero” foi adotado pela instituição. Além disso, somente em 1996 a Declaração Universal de Direitos do Homem teve seu nome alterado por Declaração Universal de Direitos Humanos (UN WOMEN, 2018). Pautando-se nessa concepção, em 2010 foi inaugurada a ONU Mulheres, uma organização internacional, com personalidade jurídica própria, ligada às Nações Unidas, tendo como objetivos primordiais, de acordo com seu estatuto constitutivo: liderança e participação política das mulheres; empoderamento econômico; fim da violência contra mulheres e meninas; paz, segurança e emergências humanitárias; governança; planejamento; e normas globais e regionais para esse segmento da população mundial (UN WOMEN, 2018). O termo LGBT, por sua vez, somente foi referido no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas pela primeira vez em 2011 justamente para se referir aos países que perseguiam diretamente essas identidades; ano em que aconteceu uma reunião em Genebra para se discutir se os Direitos Humanos e Direitos LGBTTIQ+ eram sinônimos (FREE AND EQUAL, 2018). Em outras palavras, se a população LGBTTIQ+ deveria ser tratada como ser humano. A partir dessa constatação, as Nações Unidas lançaram a primeira campanha, intitulada Livres e Iguais, a fim de promover ações contra a homofobia e também a transfobia (FREE AND EQUAL, 2018). Lamentavelmente, a Livres e Iguais ainda é somente uma campanha das Nações Unidas, sem status de organização internacional e também sem autonomia financeira. O silêncio da comunidade internacional no principal ambiente de produção do Direito Internacional acompanhou sua própria formação e somente se rompeu com ele na última década, encontrando-se uma série de desafios ainda a serem superados. Colorir o Direito Internacional dos Refugiados, portanto, inicia pela construção dele por autores não-hegemônicos sendo capazes de construir os próprios destinos e os destinos da comunidade internacional. A comunidade internacional precisa de uma perspectiva de gênero urgente. Os sistemas regionais de Direitos Humanos também precisam adotar essa perspectiva, não somente no plano conceitual, mas com a participação efetiva dessas identidades na construção dessas instituições. 233 Além desse primeiro passo, o Direito Internacional dos Refugiados precisa ser reescrito, incluindo-se urgentemente uma perspectiva de gênero. Essas iniciativas poderiam dar-se por meio das seguintes formas apontadas a seguir. 5.1.1 O papel do hard law: proposta de protocolo facultativo ao estatuto dos refugiados sobre o refúgio por questões de gênero Hard law é um termo típico do Direito Internacional que se refere basicamente a tratados solenemente celebrados por sujeitos dotados de capacidade para tanto (AMARAL JÚNIOR, 2018, p. 49). Além disso, uma vez ratificado o tratado, sua exigência torna-se imperativa. Neste sentido, aponta-se que: Grande parte das normas internacionais teve origem na conclusão de tratados e convenções entre Estados. Desde a mais remota antiguidade, os tratados tem servido aos mais diferentes fins, entre os quais se destacam a constituição de alianças militares de caráter defensivo, a celebração da paz, o estabelecimento de linhas fronteiriças entre países e a intensificação do intercâmbio econômico e cultural (AMARAL JÚNIOR, 2018, p. 47). Ou seja, as principais discussões do Direito Internacional são feitas por hard law e, dessa forma, como o refúgio por questões de gênero trata-se de grande discussão devido a quantidade de vidas envolvidas, nada mais justo que abordar a questão por meio de tratado. No decorrer do capítulo 2 desta tese, demonstrou-se sobretudo no âmbito do hard law que existe um sistema próprio para a proteção dos refugiados, o qual envolve o sistema internacional global dos Direitos Humanos, os sistemas regionais de Direitos Humanos e iniciativas dos próprios Estados. Esse amplo arcabouço jurídico, com exceção do Canadá, não considerou os refugiados por questões de gênero. Vale apontar que, também conforme verificado no capítulo 2, todos os tratados e leis celebrados partem da Convenção de Genebra e, portanto, um Direito dos Refugiados Colorido, por meio de hard law, deve partir dela. Sendo assim, propõe-se no APÊNDICE B desta tese o Protocolo Facultativo ao Estatuto dos Refugiados sobre o Refúgio por Questões de Gênero. O referido tratado está estruturado em três pilares amplamente discutidos nesta tese: a apresentação do princípio da proteção da diversidade e necessidade de se estruturar uma sistemática de proteção da diversidade; a apresentação do conceito de refúgio por questões de gênero, em suas possíveis dimensões e nuances; e a apresentação de diretrizes básicas para a formulação de políticas públicas a fim de garantir dignidade a essas identidades. 234 Importante apontar ainda que se escolheu o termo “protocolo”, porque em Direito Internacional um “protocolo adicional”, “protocolo opcional”, “protocolo facultativo” ou simplesmente “protocolo”, é geralmente usado como um adendo a um tratado, mantendo a validade do corpo principal, mas o modificando, estendendo-o ou o complementando em alguns aspectos (CANÇADO TRINDADE, 2002). Sendo assim, ficaria mantida a Convenção de Genebra, mas se acrescentaria as questões discutidas nesta tese sobre o os refugiados por questões de gênero. 5.1.2 Vantagens e limitações do soft law Sobre soft law, aponta-se que: Atribuir uma definição para soft law tem sido uma tarefa complexa entre os doutrinadores, porque a própria expressão soft law enseja um paradoxo. Tal paradoxo advém do simples fato de que direito representa em grandes linhas algo obrigatório, capaz de impor sanção, preciso, hard e assim oposto a algo não obrigatório, genérico, flexível, soft. Logo, pergunta-se se o adjetivo soft utilizado para qualificar o direito suscita de início que este novo instrumento se difere do direito em sua acepção usual (hard law) constituindo-se assim num direito diferenciado ou se o uso do termo soft indica tratar-se de algo que não seja direito. Se admitido o soft law como direito, este deve ser identificado como diferente, pois não será obrigatório, será um direito com normas relativizadas. Se considerado como um não direito, constata-se que as regulamentações se ampliam no âmbito não jurídico. Nesse contexto, algumas escolhas são indispensáveis. Nossa primeira escolha está em considerar que o direito vai além do obrigatório, logo os instrumentos de soft law são para nós um direito não obrigatório (OLIVEIRA; BERTOLDI, 2012, pp. 6268-6269, grifos do autor). Neste sentido, é importante apontar que o soft law foi o âmbito onde o refúgio por questões de gênero mais foi desenvolvido nos termos do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011). Todavia, ao longo do capítulo 2 desta tese, teceu-se uma série de críticas a esse manual, no seguinte sentido: o referido manual separa a luta das mulheres (as quais chama de “refugiados de gênero”) e os membros da comunidade LGBTTIQ+ (os quais chama de “refugiados por orientação sexual e/ou identidade de gênero”); o referido manual não aborda a desregulamentação da identidade e se refere somente à população LGBT; não se utiliza o conceito expandido de perseguição e restringe seu entendimento sobre a perseguição aos gêneros a somente uma perseguição direta pelos Estados a essas identidades. Sendo assim, seria interessante o Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR (2011) renovar esses conceitos e ainda propor diretrizes para os Estados desenharem políticas públicas para refugiados por questões 235 de gênero. Ou seja, o referido manual poderia abordar, em todo ou em parte, a redação sugerida para o Protocolo Facultativo ao Estatuto dos Refugiados sobre o Refúgio por Questões de Gênero no APÊNDICE B desta tese. 5.1.3 O Conselho de Segurança das Nações Unidas Maria Beatriz Ribeiro Gonçalves (2016, p. 68) aponta que o Conselho de Segurança das Nações Unidas: [...] é o órgão mais importante nas Nações Unidas, pois é o único com poderes decisórios dentro da estrutura da organização. Composto por 15 membros, dos quais 5 permanentes222 e 10 rotativos223. Os membros permanentes possuem o poder de veto em relação às “questões especiais”, chamadas de “não procedimentais”. O mandato dos membros rotativos é de dois anos, sendo vedada a reeleição para período imediatamente subsequente. O conselho em questão edita resoluções de relevante interesse nacional e uma análise entre todas as resoluções editadas no âmbito do Conselho de Segurança foi possível verificar que as seguintes tratam da temática dos gêneros: Resolução n. 1325 (2000), Resolução n. 1820 (2008), Resolução n. 1888 (2009), Resolução n. 1889 (2009), Resolução n. 1960 (2010), Resolução n. 2106 (2013), Resolução n. 2122 (2013); e Resolução n. 2242 (2015). As referidas resoluções tratam basicamente da violência sistêmica sofrida pelas mulheres nos Estados Membros das Nações Unidas, conforme amplamente debatido no decorrer desta tese. Além disso, cobra para que os países tomem medidas concretas para promover a igualdade entre gêneros. Sugere-se ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que ao editar as referidas resoluções adote o conceito expandido de gênero defendido ao longo desta tese. Além disso, condene países que obriguem seus gêneros por meio de perseguição (direta ou indireta) a se transformarem em refugiados por questões de gênero. 222Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU são: China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2018). 223Os membros rotativos do Conselho de Segurança da ONU em 2018 são: Bolívia, Côte d’Ivoire, Guinea Equatorial, Etiópia, Cazaquistão, Quait, Países Baixos, Perú, Polônia e Suécia (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2018). 236 5.1.4 Sobre o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e seu papel na construção de um Direito dos Refugiados Colorido André de Carvalho Ramos (2015, pp. 112-114) aponta que o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas foi criado em 2006 em substituição à Comissão de Direitos Humanos, uma vez que esta sofreu diversas críticas por funcionar como uma espécie de mecanismo para se privilegiar amigos e condenar inimigos; em vez de efetivamente discutir Direitos Humanos. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, sobretudo após 2011, conforme apontado neste capítulo, começou a discutir mais seriamente as questões de gênero. No âmbito do conselho já foram aprovadas as seguintes resoluções: a Resolução n. 32/2, de 30 de junho de 2016, a qual versa sobre a proteção contra a violência e discriminação dos gêneros; bem com a Resolução n. 17/19, de 17 de junho de 2011, e a Resolução n. 27/32, de 26 de setembro de 2014 , as quais versam sobre os Direitos Humanos dos Gêneros. Sobre as referidas resoluções, vale apontar que são muito importantes para a promoção dos Direitos Humanos dos Gêneros, porém passam longe de uma articulação global para viabilizar o refúgio por questões de gênero, bem como condenar as perseguições as quais esses seres humanos são submetidos. A condenação às referidas perseguições somente foi trazida pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas pelo consultor independente contratado, Victor Madrigal-Boloz, a fim de analisar as questões dos gêneros pelo mundo; o qual, em 11 de maio de 2018, publicou o primeiro relatório no âmbito do conselho sobre o assunto, intitulado Report of the Independent Expert on protection against violence and discrimination based on sexual orientation and gender identity (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2018). Uma análise do referido relatório permite concluir que é um documento muito importante, porque aponta temas centrais, como: “violência”, “discriminação”, “interseccionalidade”; bem como condena os países que sistematicamente perseguem diretamente os seus gêneros. Todavia, ainda peca em não articular um refúgio por questões de gênero, condenar perseguições indiretas aos gêneros e propor políticas públicas para refugiados por questões de gênero. 237 5.1.4.1 Algumas considerações sobre a Revisão Periódica Universal realizada no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas A ONU desenvolveu, a partir do final da década de 1960, alguns procedimentos para a análise da situação de Direitos Humanos no mundo, com base na Carta de São Francisco, a qual estabelece o dever dos Estados promoverem Direitos Humanos (CARVALHO RAMOS, 2014, p. 137). Com a criação do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2006 foi criado também o Mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU), o qual é fundado no peer review - um monitoramento que pelo qual um Estado tem sua situação de Direitos Humanos analisada pelos membros do Conselho de Direitos Humanos (CARVALHO RAMOS, 2014, pp. 139-140). Os relatórios frutos da Revisão Periódica Universal costumam trazer uma perspectiva de gênero e também migratória, o que é bastante positivo. Todavia, há que se fazer a análise por meio da perspectiva refúgio por questões de gênero tratada nesta tese a fim de analisar a situação dos países no que diz respeito aos Direitos Humanos dos Gêneros. Dessa forma alguns critérios de avaliação podem ser dados para que se faça a referida análise no seguinte sentido: deve-se apontar se o país criminaliza (ou penaliza civilmente) performances não-hegemônicas dos gêneros e condenar esta prática; deve-se analisar se o país persegue seus gêneros indiretamente assim como apontado no capítulo 3 desta tese; deve-se fazer uma análise sobre os refugiados por questões de gênero recebidos no país, bem como avaliar se há políticas públicas diretamente voltadas para esta população. Tais critérios constituem sugestão de metodologia para os países integrantes do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas auxiliarem na construção de um Direito dos Refugiados Colorido no âmbito da Revisão Periódica Universal. 5.1.5 Organizações internacionais A Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas, nos termos de seu documento por ela expedido, intitulado de Report of the International Law Commission on the work of its sixty-third session, define “organização internacional” como uma organização estabelecida por um tratado ou outro instrumento governado por Direito Internacional e que possua sua própria personalidade jurídica internacional; geralmente tendo Estados como membros, mas também com outras entidades podendo se candidatar a membros (INTERNATIONAL LAW COMISSION, 2018). 238 Dessa forma, a construção de um Direito dos Refugiados colorido poderia se dar por meio da transformação da campanha Livres e Iguais em organização internacional a fim de dar autonomia jurídica e financeira para a adoção de iniciativas tão necessárias para promover e proteger os Direitos Humanos dos Gêneros pelo mundo. Além disso, a ONU Mulheres também pode adotar uma perspectiva de gênero mais plural e propor iniciativas nesse sentido. Ademais, outras organizações internacionais ligadas à promoção dos Direitos Humanos pelo mundo (tais como, por exemplo: UNICEF, UNESCO, UNIAIDS, etc.) podem inserir uma perspectiva sob a óptica do refúgio por questões de gênero em suas pautas. Dessa forma, podem contribuir com a construção de um soft law colorido, sobretudo no que diz respeito a desenhar diretrizes para nortear políticas para refugiados por questões de gênero, contribuindo com sua área de expertise. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que também se constitui como organização internacional ligada à Organização das Nações Unidas, por sua vez, poderia inserir no seu Estatuto Constitutivo (Resolução 428 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de Dezembro de 1950) uma a necessidade de se administrar as políticas migratórias sob um prisma interseccional, bem como inserir em seus documentos normativos editados apontando a necessidade expressa de se garantir o refúgio por questões de gênero. 5.1.6 Discutindo o papel das cortes internacionais e seu papel contra-hegemônico na promoção do refúgio por questões de gênero André de Carvalho Ramos (2014, pp. 144-145) aponta que as Cortes Internacionais estão entre os principais intérpretes dos Direitos Humanos e constituem núcleo de uma Teoria Geral de Direitos Humanos. Além disso, afirma que podem ser instrumentos importantes na construção da contra hegemonia, uma vez que são instituições contra majoritárias. Dessa forma, podem contribuir para a construção de um Direito dos Refugiados Colorido. Gramsci (1999, pp. 314-315), por sua vez, situa as ações contra-hegemônicas como “instrumentos para criar uma nova forma ético-política”, cujo alicerce programático é o de denunciar e tentar reverter as condições de marginalização e exclusão impostas a amplos estratos sociais por maiorias hegemônicas, conforme já discutido no primeiro capítulo desta tese. Um exemplo do papel contra-hegemônico que as cortes internacionais podem ter para com a construção de um Direito dos Refugiados Colorido está na decisão da Corte de Justiça da União Européia no Case C-673/16 Relu Adrian Coman and Others v Inspectoratul General 239 pentru Imigrӑri and Others, julgado em 5 de junho de 2018, no qual se decidiu no seguinte sentido: Embora os Estados Membros [da União Europeia] tenham a liberdade de autorizar ou não o casamento entre pessoas do mesmo gênero, não podem impedir a liberdade de residência de um cidadão da UE recusando em conceder ao seu cônjuge do mesmo gênero, nacional de um país que não é um Estado-Membro da UE, direito derivado de residência no seu território (CURIA EUROPA, 2018, tradução do autor224). Essa decisão trata-se de caso em que Relu Adrian Coman, um cidadão romeno, e Robert Clabourn Hamilton, um cidadão estadunidense, os quais moraram juntos nos Estados Unidos por quatro anos, antes de se casarem em Bruxelas em 2010, contactaram as autoridades romenas em dezembro de 2012 para solicitar informações sobre o procedimento e as condições em que Hamilton, na sua qualidade de membro da família de Coman, poderia obter o direito de residir legalmente na Romênia por mais de três meses. Esse pedido baseava-se na Diretiva Relativa ao Exercício da Liberdade de Circulação Européia, que permite ao cônjuge de um cidadão da União Européia se juntar ao marido/esposa em Estado Membro em que o marido/esposa vive (CURIA EUROPA, 2018). Em resposta a esse pedido, as autoridades romenas informaram Coman e Hamilton de que este último tinha apenas o direito de residir durante somente três meses e que podia não ser classificado na Romênia como cônjuge de um cidadão europeu, uma vez que esse Estado Membro não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo gênero (CURIA EUROPA, 2018). Coman e Hamilton propuseram, então, uma ação perante os tribunais romenos e posteriormente à Corte de Justiça da União Européia que decidiu a seu favor, conferindo o direito de residir na Romênia a Hamilton (CURIA EUROPA, 2018). Dessa forma, é importante cobrar das Cortes Internacionais uma jurisprudência feminista e a construção jurisprudencial de um Direito dos Refugiados Colorido. Por sua vez, um Direito Internacional dos Refugiados Colorido pode cobrar das cortes internacionais uma jurisprudência feminista e pró refúgio por questões de gênero. 224Texto original em inglês: “Although the Member States have the freedom whether or not to authorise marriage between persons of the same sex, they may not obstruct the freedom of residence of an EU citizen by refusing to grant his same-sex spouse, a national of a country that is not an EU Member State, a derived right of residence in their territory” (CURIA EUROPA, 2018). 240 Uma Corte Internacional que parece essencial no que diz respeito a promover o refúgio por questões de gênero e o evitar preventivamente parece ser o Tribunal Penal Internacional225, o qual é constituído pelo Estatuto de Roma para condenar os crimes contra a humanidade. Sobre os referidos crimes contra a humanidade vale apontar que: São vários os atos de violação grave de direitos humanos que foram mencionados como exemplos de crime contra a humanidade no Estatuto de Roma, a saber: i) atos de violação do direito à vida, por meio do homicídio e do extermínio; ii) a escravidão, deportação ou transferência forçada de população, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; iii) tortura; iv) crimes sexuais e agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; v) perseguição de um grupo ou coletividade por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional (é o caso da perseguição aos homossexuais); vi) desaparecimento forçado de pessoas e crime de apartheid; vii) uma cláusula aberta que permite que sejam um “crime contra a humanidade” quaisquer atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental (CARVALHO RAMOS, 2013, pp. 332-333, grifos do autor). Ou seja, uma maior atuação do Tribunal Penal Internacional no que se refere aos Direitos dos Gêneros amplamente discutidos nesta tese, condenando, sobretudo os Estados que encarceram, matam e torturam os seus gêneros não-hegemônicos, parece mais do que urgente, uma vez que devem ser interpretados como crimes contra a humanidade. 5.1.7 Comitês de monitoramento coloridos André de Carvalho Ramos (2014) aponta que os Comitês de Monitoramento estão, assim como as Cortes Internacionais, entre os principais intérpretes dos Direitos Humanos e constituem núcleo de uma Teoria Geral de Direitos Humanos. Define-se Comitês de Monitoramento no seguinte sentido: [...] são colegiados compostos por especialistas independes, que têm, em princípio, a competência de examinar relatórios dos Estados e da sociedade civil, organizada sobre a situação dos direitos protegidos em cada tratado, podendo, após análise, exarar recomendações (CARVALHO RAMOS, 2014, p. 133). 225A jurisdição do TPI de acordo com a matéria (ratione materiae) restringe-se aos crimes de jus cogens, que consistem em crimes que ofendem valores da comunidade internacional. Os crimes que compete ao TPI julgar são: o genocídio; os crimes contra a humanidade; os crimes de guerra; e o crime de agressão, cujo tipo penal só foi acordado em 2010, na Conferência de Kampala, Uganda (PIOVESAN, 2012, p. 404). 241 Hoje, os Comitês de Monitoramento no âmbito do sistema internacional global e dos sistemas internacionais regionais de Direitos Humanos são os seguintes: o Comitê de Direitos Humanos (órgão do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos – art. 28); o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (órgão criado por resolução do Conselho Econômico e Social da ONU, em face da omissão do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e hoje previsto no Protocolo 2009); o Comitê contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes (órgão da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes – art. 22); o Comitê sobre os Direitos da Criança (órgão da Convenção sobre os Direitos da Criança – art. 43); o Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (órgão da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – art. 21); o Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (órgão da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial – art. 14); o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (órgão da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – art. 34); o Comitê sobre Desaparecimentos Forçados (órgão da Convenção Internacional para a Proteção de todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados - art. 26); e o Comitê sobre os Trabalhadores Migrantes (órgão da Convenção Internacional para a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias – art. 72) (CARVALHO RAMOS, 2014, pp. 132-133). Uma análise sobre os comitês apontados, permite perceber que tanto a questão dos refugiados quanto as questões de gênero estão sem o devido acompanhamento pela comunidade internacional. Dessa forma, sugere-se o seguinte: é necessária a criação de um Comitê de Acompanhamento da Situação de Perseguição dos Gêneros pelo Mundo e um Direito Internacional dos Refugiados Colorido pode fazer a referida previsão; é necessária a criação de um Comitê de Acompanhamento da Situação dos Refugiados pelo Mundo e esse comitê precisa adotar uma perspectiva de gênero, emitindo relatórios especificamente dirigidos aos refugiados por questões de gênero; o Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher precisa abordar uma categoria mais ampla do termo “mulher” a fim de realizar seus monitoramentos; o Comitê sobre os Trabalhadores Migrantes precisa adotar uma perspectiva abordando o refúgio por questões de gênero ao monitorar as questões envolvendo Direitos Humanos e trabalho dos migrantes, conforme discutido no capítulo 4 desta tese. 242 5.1.8 O sistema africano de Direitos Humanos Sobre o sistema africano de Direitos Humanos que, conforme apontado no capítulo 1 desta tese, foi instituído pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de 1981, Flávia Piovesan (2015, p. 231) aponta que: A recente história do sistema regional africano revela, sobretudo, a singularidade e a complexidade do continente africano, a luta pelo processo de descolonização, pelo direito de autodeterminação dos povos e pelo respeito às diversidades culturais. Revela, ainda, o desafio de enfrentar graves e sistemáticas violações de direitos humanos. Dentre essas violações de Direitos Humanos estão as mais graves violações aos gêneros, os quais, conforme o Quadro n. 1, disposto no capítulo 2 tese, tem suas existências criminalizadas e punidas, inclusive, com penas de morte e torturas. Enquanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, dentro do sistema interamericano de Direitos Humanos (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2018); e a Comissão Europeia de Direitos Humanos, dentro do sistema europeu de Direitos Humanos; desenvolveram grupos de trabalho e comitês específicos para denunciar situações as perseguições para com os gêneros (INTERNATIONAL COOPERATION AND DEVELOPMENT, 2018); a Comissão Africana de Direitos Humanos não editou qualquer resolução condenando a criminalização das performances não-hegemônicas dos gêneros pelo continente ou ainda apurando situações de violências as quais esses seres humanos estão submetidos (AFRICAN COMISSION ON HUMAN AND PEOPLE’S RIGHTS, 2018). A Agenda 2063, editada em janeiro de 2015, pela União Africana, também não faz as referidas condenações, não articula o refúgio por questões de gênero e tão pouco prevê políticas públicas para refugiados por questões de gênero. O referido documento aspira “igualdade de gênero” em uma África democrática, mas não apresenta qualquer plano concreto para a construção desta igualdade. O Protocolo à Carta Africana de Direitos Humanos sobre os Direitos das Mulheres da África (ou Protocolo de Maputo) ataca pontos cruciais para a proteção da mulher (como por exemplo: a direito à não discriminação; o direito das mulheres idosas e com deficiências; bem como o direito de não serem expostas à violência; dentre muitos outros direitos). Todavia, falha ao articular um refúgio por questões de gênero em termos semelhantes aos demonstrados nesta pesquisa. O Sistema Africano de Direitos Humanos precisa colaborar para a construção de um Direito dos Refugiados Colorido condenando e também apurando devidamente as perseguições 243 diretas e indiretas que os gêneros sofrem em seu continente e, além disso, difundir o conceito de refúgio por questões de gênero para que os gêneros nesses países perseguidores possam salvar suas vidas. 5.2 OS ESTADOS E SUAS POLÍTICAS DE REFÚGIO Não cabe somente ao Direito Internacional construir um Direito dos Refugiados Colorido. Há muito que os países possam fazer em seu âmbito interno para proteger a diversidade por meio da dimensão migratória da proteção da diversidade. No capítulo 4 desta tese apontou-se os 36 países melhores para os gêneros viverem e, além disso, pautado nesse rol, foi feito levantamento de quais desses países desenharam alguma política pública para refugiados por questões de gênero. Somente Suécia, Canadá e Estados Unidos posicionaram-se em suas páginas oficiais sobre o assunto. Destes 3 países, constatou- se que somente o Canadá tratou do refúgio por questões de gênero por meio de legislação específica. Iniciativas nesse sentido, podem ser introduzidas pelos países, independentemente de iniciativas dos Direito Internacional global ou regional. Os países podem também construir dentro de seus territórios suberanos um Direito dos Refugiados Colorido. Além disso, eles podem pressionar para que a comunidade internacional tome uma atitude também no sentido de promover o refúgio por questões de gênero. O primeiro passo para tanto é estes Estados se autodeterminarem enquanto Estados Feministas e promotores de Direitos Humanos. 5.2.1 Construindo Estados Feministas: o desafio de se equilibrar poderes MacKinnon (1989) tem apontado que uma das maneiras mais eficientes para enfrentar as questões de gênero tem sido por meio da construção de uma Teoria de Estado Feminista. Parece que somente Estados Feministas são capazes de construir uma comunidade internacional feminista e um Direito dos Refugiados Colorido. Ao longo desta tese analisou-se a questão dos gêneros pelos diversos continentes do mundo e, por meio dessa análise, talvez seja possível apontar diretrizes para a construção de Teorias de Estados Feministas. Algumas autoras já se posicionaram sobre o assunto e as soluções são as mais diversas: inicia-se pelo Feminismo Comunista de Ângela Davis, passa-se pela Teoria Queer Socialista 244 de Judith Butler, pela Social Democracia Feminista Redistributiva de Nancy Fraser, pelo Progressismo Liberal Feminista de Martha Fineman e se chega até o Conservadorismo Liberal Radical de Catherinne MacKinnon (TONG, 1998, pp. 73-103; 11-37). Lugares de fala de diversas filósofas feministas levam a diversas Teorias de Estado, apontando-se inclusive modelos antagônicos de Estados. Todavia, entre eles, um ponto de interseccção parece inevitável: a realocação do poder dos gêneros sobre seus próprios destinos. Ou seja, não existe Teoria de Estado Feminista sem que as diversidades que o compõem tenham poder. É por isso que os 36 melhores países apontados no capítulo 4 desta tese226 possuem as seguintes características comuns: todos são democracias nos moldes do que Habermas (1997, p. 71) entende por democracia, conforme apontado também no capítulo 1 desta tese; todos possuem níveis de desenvolvimento humano considerados muito altos ou altos, conforme apontado também no capítulo 2 desta tese; todos são integrantes de sistemas internacionais regionais de Direitos Humanos no âmbito do sistema interamericano de Direitos Humanos ou no âmbito do sistema europeu de Direitos Humanos. Ou seja, falar de uma Teoria de Estado Feminista é falar de democracia (liberdades, tripartição de poderes, respeito à lei e aos Direitos Humanos); desenvolvimento humano sustentável (com incentivo ao desenvolvimento econômico sustentável de um país, oportunidades de bons empregos à população; com acesso também à saúde e à educação de qualidade para todos); bem como integração internacional que relativiza e controla o poder soberano destes Estados. Tudo isso por meio da participação igualitária de todas as identidades que compõe estes Estados no que diz respeito ao exercício de seus direitos políticos (ativos e passivos), na construção de políticas públicas, no engajamento em movimentos sociais, na construção do conhecimento e na construção dos hábitos, culturas e tradições (inclusive religiosas) desses países. Também foi verificado no capítulo 4 desta tese que mesmo estes 36 Estados falham na promoção da equidade de gênero, bem como na sua construção enquanto Estados Feministas e se percebe que essas falhas acontecem exatamente porque falham nesses itens elencados, sobretudo no que diz respeito ao último: na participação das diversidades. 226No início do capítulo 4 desta tese apresenta-se pesquisa sobre os 36 países que garantem razoavelmente os Direitos dos Gêneros (ainda com muitas melhorias a serem feitas, conforme apontado). 245 5.2.2 Discutindo o papel do Brasil Conforme apontado no capítulo 4 desta tese, o Brasil está entre os 36 melhores países para os gêneros no mundo. Todavia, também se sabe que ainda falta muito para a construção do país enquanto um Estado Feminista dado ao conservadorismo machista e heteronormativo que permeia as instituições que formam o Estado brasileiro. Sobre o conservadorismo das instituições jurídicas brasileiras, Flavia Piovesan (2012, p. 518) aponta que: Há pesquisas científicas que demonstram o perfil altamente conservador dos agentes jurídicos227 que, em sua maioria, concebem o Direito como instrumento de conservação e contenção social e não como instrumento de transformação social. Esse perfil conservador dos agentes jurídicos tem fomentado a reprodução de estruturas e categorias jurídicas tradicionais, construídas há quase um século, o que tem inviabilizado a tarefa de reconstrução do pensamento jurídico à luz de novos paradigmas e novas interpretações. Dessa forma, há embates importantes a serem enfrentados no âmbito dos gêneros no Brasil, tais como: a criminalização da homofobia e transfobia no país por meio de legislações específicas; o direito ao aborto; a construção de políticas públicas de enfretamento aos altos índices de violência doméstica, feminicídios e violência contra a população LGBTTIQ+. Ademais, o próprio Código Civil brasileiro vai em desacordo com as diretrizes do Banco Mundial e a posição da maioria das democracias mundiais, permitindo casamentos de menores de 18 anos; e, além disso, o próprio Código Penal brasileiro entende que as relações sexuais “consensuais” entre maiores de 14 anos e menores de 18 anos com adultos formados não constitui estupro; o que chancela abusos, casamento infantil e turismo sexual no país (TAVARES, 2017). No que diz respeito à prostituição, o país embora não criminalize quem se prostitui não regulamenta a prática ou proíbe o consumo, conforme apontado no capítulo 4 desta tese. Igualmente, no que diz respeito à indústria pornográfica brasileira, a regulamentação da atividade não protege aqueles que se engajam nessa atividade. E, se Feminismo e democracia caminham juntos, conforme apontado neste capítulo, a democracia brasileira desde seu surgimento também está em risco. Inaugurada pela Constituição de 1988, após período de ditadura militar (entre 1964 e 1985), a democracia brasileira contou com 4 presidentes da república eleitos democraticamente: Fernando Collor de 227Ate a data de deposito desta tese (20 de junho de 2019), por exemplo, o Congresso Nacional brasileiro possuía somente 15% de mulheres eleitas (FOLHA, 2019). 246 Melo, Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Fernando Collor de Melo renunciou antes de um processo de impeachment, Dilma Rousseff sofreu impeachment e Luís Inácio Lula da Silva se encontra preso, após julgamento pelas cortes federais brasileiras (G1, 2018). Mark Tushnet (2014) inaugurou na Harvard University uma linha de pesquisa voltada para o que chama de “democracias disfuncionais”, dentre as quais insere o Brasil. Mark Tushnet (2014.) aponta que as democracias disfuncionais são países que formalmente se autoproclamam como democráticos, mas ainda não tiveram uma experiência democrática razoavelmente plena. Essa experiência democrática parcial acontece geralmente por pressão internacional, pela vontade do país em se engajar em blocos internacionais e efetuar comércio internacional, bem como para o país conseguir mais prestígio e respeito perante outros. De acordo com Tushnet (2014) tais países ora experimentam a democracia, ora não (imperando somente um conceito formal dela). Além disso, enfrentam problemas que democracias centenárias enfrentaram para se autoafirmar (como o combate à corrupção endêmica, por exemplo) e, ao mesmo tempo, enfrentam os problemas modernos que esses países enfrentam hoje (como a ascensão de grupos populistas de extrema direita, por exemplo; os quais se definem muitas vezes como antiglobalização, anti-imigração e anti-igualdade de gênero). O Brasil, claramente enquadrado como uma democracia disfuncional, em menos de dois anos presenciou o impeachment de sua presidente e a prisão de outro. Além do mais, tem se deparado com movimentos sociais populistas conservadores, inspirados em movimentos semelhantes como os que elegeram políticos de extrema direita pelo mundo. Diante desses movimentos, Richard Miskolci228 (2018) fez o seguinte apontamento: Alguns grupos passaram a se organizar contra as diferenças que têm modificado hierarquias de gênero e trazido maior visibilidade e reconhecimento da diversidade sexual. Assim, não foi mero acaso que as palestras de Butler229 sobre temas envolvendo a democracia tenham sido eclipsadas por empreendedores morais que a perseguiram como a encarnação do espectro que combatem. 228Richard Miskolci é professor associado de Sociologia do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, fez estágio sanduíche na University of Chicago, Estados Unidos, e desenvolveu estágios pós-doutorais no Department of Women's Studies da University of Michigan, Estados Unidos, e no Departamento de Estudos Feministas da University of Califórnia, Estados Unidos. Tem duas linhas de pesquisa, uma envolvendo diferenças, Direitos Humanos e saúde e a outra voltada para a investigação dos usos das mídias digitais (CNPQe, 2018). 229Este apontamento refere-se a protestos (de caráter violentos) orquestrados por grupos conservadores brasileiros em 10 de novembro de 2017 contra a pesquisadora Judith Butler, referencial teórico desta tese já devidamente apresentada em nota de rodapé nesta tese como os demais autores feministas consagrados (CARTA CAPITAL, 2018). 247 Sendo assim, percebem-se iniciativas a fim de desconstruir políticas públicas e retirar direitos conquistados até agora, inclusive, com propostas totalitárias e pedidos de retorno de uma ditadura militar no Brasil; o que, conforme pesquisa, é apoiado por 43% dos brasileiros (EXAME, 2018). Todavia, há alguns otimismos em relação ao Brasil nas questões referentes aos gêneros e suas respectivas proteções, porque observando por outra perspectiva, o país compete com as democracias do ocidente em uma série de direitos conquistados: o Brasil garante desde de 2013, por conta de regulamentação do Conselho Nacional de Justiça, o casamento entre pessoas do mesmo gênero; e garante também a possibilidade de cirurgias de transgenitalização custeadas inclusive pelo sistema público de saúde; o país, por conta de decisão do Supremo Tribunal Federal também permite a possibilidade da alteração do nome social de pessoas transgêneras. Além disso, o país superou, conforme já apontado no capítulo 2 desta tese, quase que a totalidade dos países da África, do Oriente Médio, da Europa Oriental, da Ásia, e da América Latina-Caribe na conquista de diversos direitos no quesito gênero, tais como: o direito ao divórcio; a criminalização do estupro; a descriminalização dos gêneros; a criminalização da violência doméstica; os direitos políticos ativos e passivos dos gêneros; a proibição da realização de terapias de conversão dos gêneros; o direito à adoção por qualquer gênero; a proibição legal de gêneros não realizarem determinadas profissões; dentre outros. Bruno Bimbi (2017) chama a atenção para necessidade de se valorizar todo e qualquer direito dado por um Estado aos seus gêneros, porque eles são fruto de muita luta, não são secundários e precisam, dessa forma, serem mais do que celebrados. Sendo assim, o Brasil ainda tem muito que caminhar enquanto Estado Feminista, mas está muito mais perto que a maioria dos países do mundo; e muitas conquistas já foram alcançadas; o que precisar ser muito valorizado No que diz respeito às dificuldades que os refugiados encontram no Brasil, os desafios são inúmeros. Fabiana Galera Severo (2015, pp. 35-56) aponta os seguintes entraves burocráticos experienciados pelos refugiados no Brasil: dificuldade de acesso imediato ao protocolo de solicitação de refúgio e também à carteira de trabalho e previdência social por parte dos refugiados; impedimento de solicitação de refúgio por adolescentes desacompanhados ou separados; além de detenções arbitrárias e violações do princípio do non-refoulement na sala do conector do Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo. Além disso, o Brasil é um país de desigualdade social muito acentuada e faltam recursos públicos para que se coloque a população brasileira em um ambiente de dignidade (CARVALHO, 2018). 248 Sobre a falta de recursos para promoção de Direitos Humanos, Ricardo Hasson Sayeg (2009, p. 1366) posiciona-se no seguinte sentido: A escassez de recursos econômicos, diante de déficits sociais enormes, tendo em vista o quadro retromencionado, em especial quase um quinto da popução abaixo da linha da miséria e uma vergonhosa concentração de renda, impõe um indispensável juízo axiológico na alocação eficiente destes recursos e na, sempre necessária, regência jurídica à ordem econômica, com vistas à satisfatividade dos direitos humanos de segunda e terceira dimensão [...]. Diante deste ambiente de desigualdade apresentado, poucas oportunidades aparecem para os refugiados. Todavia, há também pontos bastante positivos na política de refúgio brasileira. A Nova Lei de Migração, discutida no capítulo 2 desta tese, inseriu o país em um sistema protetivo da diversidade, uma vez que é uma lei pró migração. Além disso, o país tem respeitado a Convenção de Genebra, da qual é signatário: tanto que tem mantido políticas de portas abertas para receber os refugiados venezuelanos e o governo federal se posicionou contra uma pressão feita pelo governo do estado de Roraima de fechamento da fronteira (FOLHA, 2018). Ou seja, o Brasil, mesmo com as superações necessárias que precisa enfrentar, tem condições de participar da articulação de refúgio por questões de gênero e também da construção políticas públicas para os refugiados por questões de gênero tanto no plano internacional quanto no plano interno. 5.2.2.1 Discutindo o papel do Brasil no cenário internacional Lamentavelmente, o Brasil não é hoje um dos países centrais na discussão e construção da comunidade internacional. O país, durante um período de prosperidade que não se sustentou, chegou a flertar com essa possibilidade e, inclusive, alçar uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas; bem como foi visto na qualidade de um país estratégico na composição da América Latina, o que também foi bastante relativizado por conta da crise econômica e política que tem passado. Apontadas essas dificuldades do país, é importante lembrar que o Brasil ainda compõe lugares estratégicos na comunidade internacional e pode, por meio dessas posições, articular o refúgio por questões de gênero internacionalmente. 249 Neste sentido, vale apontar também o Brasil tem defendido as questões de gênero no cenário internacional. No 30º Grupo de Trabalho da Revisão Periódica Universal da ONU, que aconteceu entre 7 de maio a 18 de maio de 2018, no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, do qual o Brasil é membro, foram feitas recomendações pelo Brasil a países no que diz respeito à proteção dos gêneros no seguinte sentido: recomendou-se que Bangladesh tomasse medidas para proteger os gêneros; parabenizou-se o Canadá pelas suas medidas para a promoção da igualdade de gênero no país; recomendou-se que Cuba tomasse medidas para proteger a comunidade LGBTTIQ+ e se recomendou também que mais diálogos sobre sexualidade e identidade de gênero fossem travados no país; por fim, elogiou-se a Alemanha pela pela introdução de legislação permitindo o casamento de pessoas dos mesmos gêneros (30th UPR WORKING GROUP SESSIONS SOGIESC RECOMMENDATIONS, 2018). Todavia, o Brasil no âmbito Conselho de Direitos Humanos da ONU precisa apontar para o conceito do refúgio por questões de gênero, a construção de políticas públicas para refugiados por questões de gênero, bem como a construção de um Direito dos Refugiados Colorido. Além disso, a atuação do país ainda pode ser mais forte no sentido de condenar as criminalizações das performances não-hegemônicas dos gêneros e ainda de condernar perseguições indiretas a esses seres humanos pelos seus próprios Estados. No que diz respeito à Assembleia Geral das Nações Unidas, o Brasil pode ser o país que porpõe o Protocolo Facultativo ao Estatuto dos Refugiados sobre o Refúgio por questões de Gênero, proposto no APÊNDICE B desta tese; assim como já propôs outros tratados, como, por exemplo, propôs o Tratado de Marraqueche, conforme apontado no capítulo 1 desta tese. No âmbito da OEA e do Mercosul, discussões neste sentido também podem ser trazidas e articuladas pelo Brasil. Tanto na OEA quanto no Mercosul o Brasil possui assentos e garatia de participação para trazer o que considera mais importante e relevante. Dessa forma, seria uma oportunidade para o país posicionar-se neste sendido (CARVALHO RAMOS, 2018). No que diz respeiro à OEA, vale apontar que o Brasil pode trazer a referida contribuição sobre a necessidade de construção de um Direito dos Refugiados Colorido perante a Assembleia Geral da OEA. Além disso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos possue 3 relatorias que podem contribuir com a apuração de violações a Direitos Humanos de refugiados por questões de gênero pelas Américas: a Relatoria de Mulheres, a Relatoria de Migrantes e a Relatoria de Pessoas LGBTTIQ+. A Relatoria de Pessoas LGBTTIQ+, entre 1 de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2021, está sob a coordenação da brasileira Flávia Piovesan, ocupando assento reservado ao país; fato que demonstra o quanto o Brasil pode constribuir diretamente 250 nas referidas apurações e promover o refúgio por questões de gênero perante as Américas (OEA, 2018). Sobre o Mercosul, bloco de integração econômica instituído pelo Tratado de Asunção, conforme já apontado no capítulo 1 desta tese, embora não seja considerado um sistema de Direitos Humanos, tem feito iniciativas neste sentido posteriormente à edição do Protocolo sobre o Compromisso Democrático no Mercosul (Protocolo de Ushuaia), substituído pelo Protocolo de Montevidéu), o qual prevê cláusula democrática para que se participe do bloco (OCAMPO, 2009, pp. 467-469). Neste fluxo, portanto, instituiu-se o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul, órgão criado com a participação de todos os Estados integrantes do bloco e subordinado ao Conselho de Representantes Governamentais (CRG), órgão criado pelo Tratado de Asunção. Neste ambiente, parece que o posicionamento do Brasil para articular um Direito dos Refugiados Colorido e discutir diretrizes que norteim políticas públicas para refugiados por questões de gênero parece essencial. 5.2.2.2 Discutindo o papel do Brasil no âmbito dos entes federativos Internamente, parece que o Brasil pode articular o refúgio por questões de gênero mais fortemente no CONARE, órgão já discutido no capítulo 2 desta tese. Documentos internos que abracem os principais temas discutidos neste trabalho são mais que bem-vindos para a construção de um Direito Nacional dos Refugiados Colorido. Além disso, vencidas as barreiras impostas pelo conservador Congresso Nacional brasileiro, iniciativa de Lei sobre Refugiados por Questões de Gênero inspirada no modelo de proposta de Protocolo Facultativo ao Estatuto dos Refugiados sobre o Refúgio por questões de Gênero, proposto no APÊNDICE B desta tese, pode ser importante passo para a construção de Direito Nacional dos Refugiados Colorido. No âmbito dos estados e/ou municípios brasileiros, o refúgio por questões de gênero também pode ser articulado. Paula Zambelli Salgado Brasil (2017, p. 174), por exemplo, aponta que a política migratória do município de São Paulo entre os anos de 2013 até 2016 fora bastante importante para superar questões que oprimam os refugiados disfarçadas de questões de “segurança nacional” e os colocou em lugar de mais dignidade em relação a política nacional de proteção dos refugiados. 251 5.3 CONVOCANDO OUTROS ATORES NÃO-ESTATAIS Até o momento, verificou-se que a produção de um Direito dos Refugiados Colorido pode se dar na comunidade internacional, dentro dos limites soberanos dos Estados ou mesmo nas unidades federativas que compõem esses países. Em todos espaços de construção do Direito dos Refugiados, uma perspectiva de gênero precisa ser conferida. Além disso, a representação dessas identidades é muito importante. Todavia, outros atores não estatais também precisam ser convocados para construir esse Direito dos Refugiados Colorido, bem como a lutar pelos Direitos Humanos dos Migrantes e dos Gêneros. 5.3.1 Iniciativa privada: para além da responsabilização Durante muito tempo se entendeu que as empresas violadoras de Direitos Humanos deveriam ser judicialmente responsabilizadas e isso somente bastava. Hoje, todavia, uma nova perspectiva da atividade empresarial permite entender que essa atividade precisa, inclusive, engajar-se na construção dos Direitos Humanos pelo mundo. Uma célebre declaração neste sentido foi a do Papa João Paulo II, na Encíclica Papal Centessimus Annus, de 1º de maio de 1991, na qual declara que: O propósito de uma empresa não é simplesmente lucrar, mas deve ser encontrado em sua própria existência como uma comunidade de pessoas que de várias maneiras estão se esforçando para satisfazer suas necessidades básicas e que formam um grupo particular a serviço de toda a sociedade O lucro é um regulador da vida de uma empresa, mas não é o único; outros fatores humanos e morais devem ser considerados, os quais, em longo prazo, são igualmente importantes para a vida de uma empresa (tradução do autor)230. Neste mesmo sentido, Ramon Mullerat (2011, pp. 16-18) aponta que a responsabilidade das empresas se potencializa quando se trata de empresas transnacionais, as quais não possuem somente responsabilidade com seu país sede, mas com todos aqueles que participam da cadeia global da qual ela pertence. No mesmo sentido, Noam Chomsky (2016, pp. 44-56) tem apontado o quanto o poder dos Estados tem diminuído e passado para empresas. Noam Chomsky (2016, pp. 44.56) aponta, 230Texto original em inglês: “The purpose of a business firm is not simply to make a profit, but it is to be found in its very existence as a community of persons who in various ways are endeavouring to satisfy their basic needs and who form a particular group at the service of the whole society Profit is a regulator of the life of a business but is not the only one; other human and moral factors must be considered, which, in long term, are at leat equally important for the life of a business” (CENTESSUMUS ANNUS, 1991). 252 por exemplo, que o poder de influência internacional dos Estados Unidos tem diminuído com os anos, mas tem crescido constantemente a importância e o poder das empresas de tecnologia cujos principais polos encontram-se ainda nos Estados Unidos. A responsabilidade dessas instituições na promoção da igualdade de gênero e na proteção da diversidade é mais do que necessária. Tais promoções não devem se restringir somente a políticas de conscientização e financiamentos de campanhas nesse sentido. Deve-se dar efetivos espaços para que as mais diferentes identidades possam construir o espaço empresarial e a dinâmica de negócios. Além disso, as referidas companhias tem mais do que condições de fazerem lobby perante seus respectivos governos e perante a comunidade internacional: cobrando a proteção aos refugiados e aos refugiados por questões de gênero; envolvendo-se na construção e subsidiando políticas públicas para refugiados e para refugiados por questões de gênero, bem como em demais projetos para promover a igualdade de gênero. 5.3.2 Religiões: violência ou paz? Diane Moore (2007) aponta que, em alguns momentos entende-se as religiões ora como mecanismo de promoção da violência, ora como mecanismos de promoção da paz; quando, em verdade, as religiões constituem fenômeno complexo e humano, trazendo paz e violência pelo mundo ao mesmo tempo. No mesmo sentido, questiona-se: seriam as religiões mecanismos positivos para lutar por um Direito dos Refugiados Colorido ou um empecilho? Uma pesquisa que se desenvolve desde seu primeiro capítulo pautada na construção de um princípio de proteção da diversidade humana não pode tirar de fora o papel fundamental que as religiões podem ter na construção de um Direito dos Refugiados Colorido e na promoção do refúgio por questões de gênero. Conforme já apontado, ao longo deste trabalho os controles hegemônicos exercidos sobre os gêneros permearam basicamente 5 campos: religião, cultura, tradição, ciências jurídicas e ciências biomédicas (ANTUNES, 2016, p. 71). Nestes campos, verifica-se os Direitos dos Gêneros saindo da criminalização e da patologização, passando pela tolerância, superando essa tolerância, e se promovendo integração. Se o Direito está em processo de coloração, as religiões também parecem estar diante do mesmo processo. Se de um lado algumas religiões alegam o direito à liberdade de expressão para se oporem: à construção de gêneros não-hegemônicos, aos Direitos Reprodutivos das 253 mulheres, bem como para regular alguns comportamentos transgressores delas; por outro lado, o feminismo precisa lutar pelo direito dos gêneros à liberdade de expressão dentro das religiões, o que inclui ocupar os mais altos postos das hierarquias religiosas. Isso porque, em muitos casos, conforme apontado no capítulo 1 desta tese, gênero e religião podem ser elementos identitários básicos e essenciais para a formação de um sujeito. É nesta direção que surgiu o Feminismo Islâmico como um movimento que se autodefine por objetivar a recuperação da ideia de ummah (comunidade muçulmana) como um espaço compartilhado entre homens e mulheres. Para isso, o referido feminismo utiliza a metodologia de releitura das escrituras do Islã por meio das práticas de ijtihad (livre interpretação das fontes religiosas) e da formulação analítico-discursiva de busca pela justiça e pela emancipação das mulheres, as quais seriam expostas nas releituras dos textos sagrados numa perspectiva feminista (LIMA, 2014, p. 681). A espinha dorsal dessa metodologia é a prática do tafsir (comentários sobre o Alcorão). Além do Alcorão, também são objetos de releituras os ahadith (dizeres e ações do profeta Muhammad) e o fiqh (jurisprudência islâmica) (LIMA, 2014, p. 681). Ou seja, aqueles indivíduos, pautados em uma religião islâmica, não querem abrir mão de suas religiosidades, querem, sim, que suas religiões revejam as questões de gênero de uma maneira inclusiva. Asma Lamrabet231 (2012, pp. 22-25, grifo do autor, tradução do autor232) aponta que a luta do Feminismo Islâmico se dá no seguinte sentido: Na maioria das sociedades muçulmanas - e de maneira caricatural - o debate oscila entre dois discursos que convergem sobre a substância. O funcionário, legitimando uma política de tolerância e de ação minimalista em relação às mulheres como garantia de sua política de modernização, perpetuando no fundo uma leitura religiosa rigorosa, enquanto o outro, representativo de uma realidade coletiva muçulmana constrói o status quo sobre a questão das mulheres nos debates religiosos como uma bandeira de resistência cultural à ocidentalização. A noção de igualdade entre homens e mulheres no mundo muçulmano ainda é percebida como algo completamente estranho à tradição islâmica imposta por um Ocidente estruturalmente hegemônico! 231Asma Lamrabet é médica no Hôpital Avicennes de Rabat, Marrocos. Ela foi diretora do Centre des Etudes Féminines en Islam au sein de la Rabita Mohammadia du Maroc desde 2011 até março de 2018. Ela está envolvida há muitos anos na reflexão sobre a questão das mulheres no Islã e dá inúmeras palestras sobre esse assunto em todo o mundo. Ela também já publicou diversos livros e artigos sobre a questão (ASMA LAMRABET, 2018). 232Texto original em francês: “Dans la plupart des sociétés musulmanes - et de façon caricaturale - le débat oscille entre deux discours qui convergent sur le fond. L’un officiel, légitimant une politique de tolérance et d’action minimaliste envers les femmes comme une caution de sa politique de modernisation tout en pérennisant sur le fond une lecture religieuse rigoriste, tandis que l’autre, représentatif d’une réalité collective musulmane, érige le statu quo sur la question des femmes dans les débats sur la religion, comme un étendard de sa résistance culturelle à l’occidentalisation. La notion d’égalité entre hommes et femmes dans le monde musulman reste toujours perçue comme étant une donnée complètement étrangère à la tradition islamique imposée par un Occident structurellement hégémonique!” (LAMRABET, 2012, pp. 22-25). 254 Ou seja, a luta do Feminismo Islâmico é ao mesmo tempo a luta pela preservação da identidade islâmica, uma vez que emancipação para a mulher islâmica não necessariamente signifique a mesma coisa para a mulher ocidental. Todavia, aqueles que ainda querem subjugar os gêneros utilizam-se exatamente do conceito de hegemonia (que, conforme visto no capítulo 1, é um conceito para libertar identidades) a fim de reivindicar que esses gêneros continuem oprimidos. A presença dos gêneros não-hegemônicos na construção das culturas religiosas está presente em diversas manifestações de fé. As religiões afro-brasileiras, por exemplo, não somente integram a população LGBTTIQ+, como, em alguns casos, coloca-os em lugar de destaque na celebração de rituais religiosos importantes (PEREIRA, 2011). O anglicanismo, por sua vez, religião oficial da família real britânica e da maioria da população do Reino Unido, oferece os mais altos cargos da hierarquia religiosa à população LGBTTIQ+ e a mulheres solteiras, divorciadas ou em união estável (EPISCOPAL CHURCH, 2018). No mesmo sentido, o judaísmo reformista, vertente do judaísmo que engloba o maior número de judeus nos Estados Unidos e Canadá, é reconhecido por sua militância nas áreas de Direitos LGBTTIQ+, Direitos Reprodutivos das Mulheres, igualdade de gênero, justiça social e proteção do meio ambiente (REFORM JUDAISM.ORG, 2018). Igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais pró Direitos dos Gêneros multiplicam-se pelo mundo (HUMAN RIGHTS CAMPAIN, 2018). Em muitos desses espaços religiosos coloridos os gêneros não são somente aceitos ou integrados, mas chamados a desenvolver o que Patrick Cheng (2012, pp. 272-275) tem chamado de Teologia Queer: uma teologia que aplica as Teorias de Gênero às Teorias Teológicas e reconstrói um ambiente religioso por meio de valores e sentimentos que conversam e respeitam todos os gêneros. As religiões que, conforme aponta Vedaste Nzayabino (2010, p. 8) já desempenham papel muito importante no acolhimento e integração na sociedade de imigrantes e refugiados, podem ser, portanto, importantes na construção de um Direito dos Refugiados Colorido; seja perante países e a comunidade internacional cobrando posições no que diz respeito à articulação do refúgio por questões de gênero, seja perante os Estados, no acolhimento de refugiados, desenhando políticas públicas para refugiados por questões de gênero. As religiões que, por sua vez, já dialogam diretamente com temas relacionados à igualdade de gênero podem dar os primeiros passos neste sentido. 255 5.3.3 Organizações não-governamentais: um caráter difuso essencial Sobre as organizações não-governamentais na construção da comunidade internacional, Peter Spiro (2013, p. 223, tradução do autor233) posiciona-se no seguinte sentido: O poder não estatal é fato conreto da vida internacional. No entanto, o papel das organizações não-governamentais (ONGs) nas relações internacionais permanece suborientado. Uma crescente literatura de ciências sociais relacionada a ONGs surgiu nos últimos anos. No entanto, este trabalho tende a ser de âmbito restrito, confrontando elementos discretos na atividade das ONGs. Sendo assim, Spino (2013, pp. 223-243) propõe que se desenvolva uma Teoria das Organizações Não-Governamentais para a construção da comunidade internacional; uma vez que as organizações não-governamentais são capazes de traçar diálogos mais horizontalizados com diversos atores dessa comunidade, tais como: com os Estados; com Organizações Internacionais especializadas em determinados assuntos; com empresas; com religiões (uma vezes que muitas organizações não-governamentais são de caráter religioso); e também com outras organizações não -governamentais. Katariina Rosenblatt (2017), por sua vez, aponta a importância que as organizações não- governamentais construídas pelas próprias vítimas do tráfico de seres humanos tem no sentido de proporcionar uma abordagem mais empática daquela realidade. As organizações não-governamentais específicas para tratar questões de gênero e questões de refúgio por questões de gênero, por sua vez, foram essenciais para o desenvolvimento desta pesquisa. Além disso, identificou-se que as referidas organizações não- governamentais citadas e referenciadas no decorrer da tese além de possuírem arcabouço teórico muito importante acerca dos temas tratados, também desempenham papel fundamental de lutar pelo direito dos gêneros e dos refugiados por questões de gênero nas Nações Unidas a fim de construir um Direito dos Refugiados Colorido e junto aos Estados auxiliando no acolhimento desses indivíduos cuja situação é tão precária. 5.3.4 Qual a contribuição da comunidade acadêmica? A comunidade acadêmica também pode ser um importante veículo na construção de um Direito dos Refugiados Colorido. Os núcleos de estudos de gênero nas universidades podem se 233Texto original em inglês: “Non-state power is now a fact of international life. Nonetheless, the role of non-governamental organizations (NGOs) in international relations remains undertheorized. A burgeoning social science literature relating to NGOs has emerged in recent years. However, this work tends to be narrow in scope, confronting discrete elements in the NGO activity” (SPIRO, 2013, p. 223). 256 dedicar mais sobre o do refúgio e auxiliar na construção de perspectiva de gênero. Os núcleos de políticas públicas das universidades, por sua vez, podem estudar políticas públicas para refugiados por questões de gênero, enquanto os núcleos de pesquisas sobre migrações também podem incorporar perspectivas de gênero nos seus estudos. Já os estudiosos de Direito Internacional e Direito do Estado podem realizar estudos no sentido de entender o quanto as matrizes dessas áreas conversam (ou não) com valores masculinos e heteronormativos; bem como o que pode ser feito para reverter isso. Além disso, no âmbito acadêmico pode ser inaugurado o Feminismo Internacionalista: um setor das Teorias Feministas que transpõe as barreiras dos hemisférios a fim de expressar sororidade com outros nacionais. A proposta de um Feminismo Internacionalista propõe um espaço de fala para os próprios gêneros nacionais dos países do mundo a fim de contar a sua experiência e contribuir para a construção de diretrizes que norteiam a proteção dos Direitos dos Gêneros pelo planeta. 5.3.5 Os gêneros falando por si mesmos Os próprios gêneros podem contribuir para a construção de um Direito dos Refugiados Colorido que traga consigo um conceito de refúgio por questões de gênero e também formalize diretrizes que norteiem políticas públicas para refugiados por questões de gênero. A atuação dos próprios gêneros para tanto se dá coletivamente, pela sua articulação em movimentos sociais, ou também individualmente com seu engajamento na construção de um Estado Feminista e construindo sororidade internacionalista para com os gêneros. 5.3.5.1 Os movimentos sociais Em Queering the Public Sphere in Mexico and Brazil: Sexual Movements in Emerging Democracies, Dehesa (2010), discute a necessidade de trazer a perspectiva de gênero para os espaços públicos, uma vez que somente a ocupação do espaço público (sobretudo no que diz respeito à construção do Direito) é que torna capaz a efetiva participação destas identidades plurais e não-hegemônicas. Dessa forma, enquanto não houver participação ativa dos gêneros nestes espaços, não será possível a construção de um Direito não-hegemônico. Trata-se, portanto, de atitude de colorir o Direito: por meio da participação popular. 257 A referida participação não se dá somente com a colocação dos gêneros em espaços deliberativos e burocráticos típicos de uma democracia, mas também pela atuação dos movimentos sociais. Neste sentido Dehesa (2010, p. 2, tradução do autor234) aponta: Eu traço trajetórias de ativismo LGBT nas duas maiores democracias formais da América Latina, Brasil e México, enfocando especialmente a participação ativista na esfera pública. Desde a década de 1970, ambos os países viram os mais velhos e maiores movimentos LGBT na região fazer incursões significativas na arena política. O movimento brasileiro em particular, indiscutivelmente entre os mais bem-sucedidos do Sul Global, conseguiu um corpo impressionante de legislação sobre os direitos LGBT, organizou as marchas de orgulho LGBT no mundo e estabeleceu uma relação notoriamente cooperativa com o Estado, culminando com o lançamento em 2004, de um programa baseado em diretoria para incorporar políticas públicas em ministérios federais sob a bandeira "Brasil sem homofobia”. O entendimento de que uma perspectiva de gênero seria necessária para os espaços públicos intensificou-se sobretudo com a Revolução de Stonewall em 1969. Contextualizando a referida revolução, vale lembrar que a população LGBTTIQ+ estadunidense das décadas de 1950 e 1960 enfrentavam um sistema jurídico anti LGBTTIQ+ (CARTER, 2004, p. 15). Neste contexto apresentado, os primeiros grupos de resistência no país tentavam provar que a população LGBTTIQ+ poderia ser assimilada pela sociedade e apoiavam também um sistema educacional não confrontacional para a população LGBTTIQ+, uma vez que se aprendia na escola que não pertencer a gêneros não-hegemônicos era um crime (CARTER, 2004, p. 15. Os últimos anos da década de 1960, no entanto, foram muito controversos, visto que muitos movimentos sociais estavam ativos ao mesmo tempo, como o movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, a contracultura dos anos 1960 e as manifestações contra a guerra do Vietnã. Estas influências, juntamente com o ambiente liberal da região de Greenwich Village, em Nova Iorque, Estados Unidos, serviram como catalisadores para as revoltas de Stonewall (CARTER, 2004, p. 15). Sobre as revoltas de Stonewall, vale apontar que poucos estabelecimentos recebiam a população LGBTTIQ+ nos anos 1950 e 1960. Aqueles que faziam isto eram, frequentemente, bares, embora os donos e gerentes raramente também pertencessem à comunidade. Na época, o bar Stonewall Inn era propriedade de um grupo mafioso. Ele recebia uma grande variedade 234Texto original em inglês: “(...) I trace trajectories of LGBT activism in Latin America’s two largest formal democracies, Brazil and Mexico, specially focusing on activist’s participation in the public sphere. Since the 1970s both countries have seen tow of the oldest and largest LGBT movements in the region make significant inroads into the political arena. The Brazilian movement in particular, arguably among the most successful in the Global South, has achieved an impressive body of legislation on LGBT rights, organized the LGBT pride marches in the world, and established a remarkably cooperative relationship with the state, culminating in the launching in 2004 of a board-based program to incorporate public policies across federal ministries under the banner Brazil without homophobia” (DEHESA, 2010, p. 2). 258 de clientes e era conhecido por ser popular entre as pessoas mais pobres e marginalizadas da comunidade LGBTTIQ+ (CARTER, 2004, p. 15). As batidas policiais em bares voltados para esse público eram rotina na década de 1960, mas os oficiais rapidamente perderam o controle da situação no Stonewall Inn. Eles atraíram uma multidão que foi incitada à revolta. As tensões entre a polícia de Nova Iorque e os residentes de Greenwich Village irromperam em mais protestos em várias noites posteriores desde então. Dentro de semanas, os moradores do bairro rapidamente organizaram grupos de ativistas para concentrar esforços no estabelecimento de lugares que membros da comunidade LGBTTIQ+ pudessem frequentar sem medo de serem presos (CARTER, 2004, pp. 79-83). Dessa forma, nos Estados Unidos começaram um longo processo de se garantir direitos civis a essas identidades não-hegemônicas. Em 28 de junho de 1970, as primeiras marchas do orgulho gay (posteriormente identificadas como marchas do orgulho a população LGBTTIQ+) aconteceram em Nova Iorque, Los Angeles, São Francisco e Chicago, em comemoração ao aniversário dos motins. Marchas semelhantes foram organizadas em outras cidades. Hoje, os eventos do orgulho LGBTTIQ+ são realizados anualmente em todo o mundo. A cidade de São Paulo, Brasil, por sua vez, tem a maior parada do orgulho LGBTTIQ+ do mundo (BUTTERMAN, 2012). Além disso, outras tantas formas de resistência dos gêneros ao longo da história mundial foram fundamentais para colorir os espaços públicos. Sobre os movimentos sociais, vale apontar também que além de terem como finalidade buscar melhores condições de vida para determinado segmento da sociedade, são responsáveis por questionar a centralização e burocratização do poder político, funcionando como oposição a um Estado autoritário (GORCZEVSKI; MARTIN, 2011, p. 130). Como definição para movimentos sociais, pode-se adotar a seguinte: [...] trata-se de um conjunto de redes de interação informais entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e organizações comprometidas com conflitos de natureza política ou cultural, sobre a base de uma específica identidade coletiva (GORCZEVSKI; MARTIN, 2011, p. 131). Do conceito de movimentos sociais, verifica-se, portanto, que eles se organizam em rede e suas demandas trazem consequências para toda a sociedade; possuem estratégias dualistas, ou seja, buscam suas demandas junto às autoridades decisórias, assim como contrariam o modelo social imposto naquele momento; possuem características de informalidade, horizontalidade e descentralização, que são contrárias às utilizadas pelos demais atores sociais; possuem formas não convencionais de participação; buscam de forma deliberada agir na construção de 259 mudanças sociais; necessitam de certo grau de continuidade na ação coletiva para se constituir como movimento social; e não são entidades uniformes ou homogêneas: neles convivem uma variedade de tendências, a princípio discordantes entre si, em relação a aspectos importantes como a ideologia ou a estratégia (GORCZEVSKI; MARTIN, 2011, pp. 132-133). Ou seja, a participação dos movimentos sociais colore a esfera pública e emancipa indivíduos das armadilhas desenhadas por uma legislação masculina e heteronormativa. Sendo assim, entende-se que colorir não se trata somente de conferir perspectiva de gênero aos sistemas jurídicos, mas também conferir participação destes gêneros na construção dessa perspectiva, seja pela ocupação dos espaços democráticos (e burocráticos) formais de representação popular e construção do Direito, seja pela atuação dos movimentos sociais. Neste sentido, vale apontar que os movimentos sociais para a defesa dos Direitos dos Gêneros já chegaram aos campos de refugiados. Cerca de 600 refugiados por questões de gênero do campo de refugiados no Kenya realizaram em 16 de junho de 2018 a sua própria parada do orgulho LGBTTIQ+ e, mesmo diante de ameaças de morte por seus próprios colegas refugiados, prosseguiram com sua marcha em prol de seus direitos, visibilidade e mostrando ao mundo de que o Direito dos Refugiados precisa de uma perspectiva de gênero urgente (NEWS, 2018). A seguir duas imagens do evento: Figura n. 19: Trata-se de imagem de domínio público retirada de matéria jornalística do portal de notícias da rede estadunidense NBC. Esta imagem retrata um momento da parada LGBTTIQ+ que aconteceu no campo de refugiados Kakuma, Kenya, em 16 de junho de 2018. 260 Figura n. 20: Trata-se de imagem de domínio público retirada de matéria jornalística do portal de notícias da rede estadunidense NBC. Esta imagem retrata uma ameaça feita pelos próprios refugiados do campo de refugiados Kakuma, Kenya, em 16 de junho de 2018, em oposição a manifestação em prol dos direitos LGBTTIQ+ que aconteceu no referido campo em mesma data. O recado da imagem em português é o seguinte: “Cuidado. Isto é para informar todos os homens e mulheres (gays), morando em Kakuma 3, zona 1, bloco 1, que qualquer coisa que vocês têm feito tem que terminar agora. Nós ficamos quietos por algum tempo. Todavia, vocês precisam sair do campo, porque vocês afrontaram nossas crianças e nossas religião. Se vocês não deixarem o campo, nós mataremos um por um de vocês e nós realmente mataremos. Já basta!”. Mais movimentos como este precisam acontecer a fim de discutir os direitos dos refugiados por questões de gênero. Além disso, os movimentos sociais pró imigração e pró direito dos gêneros precisam incorporar a perspectiva do refúgio por questões de gênero e reivindicar a construção de um Direito dos Refugiados Colorido. Em contrapartida, um Direito dos Refugiados Colorido, por sua vez, também pode garantir que os refugiados por questões de gênero tenham o direito de fazerem suas manifestações sem medo; seja nos país onde se refugiam ou nos próprios campos de refugiados onde estão. 261 5.3.5.2 Os próprios gêneros chamados à construção de um Direito dos Refugiados Colorido Desde o capítulo 1 desta tese, pautando-se nos dizeres de Eleonor Roossevelt (1958, p. 17) a qual apontava que os Direitos Humanos se iniciam no mundo individual da pessoa, procurou-se construir o entendimento da necessidade de se proteger as identidades humanas; sobretudo as identidades em perseguição que podem ser enquadradas enquanto refugiados por questões de gênero. Dessa forma, nada mais pertinente que chamar essas identidades individualmente para a construção deste Direito dos Refugiados Colorido. Todavia, para tal construção ser viável, parece que os próprios gêneros precisam passar por algumas superações: a superação da falta de “participação” nas sociedades; a superação do “homonacionalismo”; e a superação do “medo” de se defender e defender o outro. Sobre “participação”, vale apontar que ao longo desta tese se explorou o fato de quão pouco as diversidades têm feito parte de espaços de construção dos Estados, de construção da comunidade internacional, de construção do Direito, de construção de políticas públicas, de construção de hierarquias corporativas, sociais e religiosas. Dessa forma, sugeriu-se que nestes espaços houvesse lugar para que essas identidades possam os colorir de forma protagonista. Individualmente, as diversidades, por sua vez, precisam também querer ocupar os referidos espaços; e, além disso, precisam fazer questão de que outras diversidades também os ocupem. Sobre a falta de participação dos gêneros nas sociedades, Patrícia Tuma Martins Bertolin (2017, p. 146, grifos do autor) aponta que: Autores nacionais e estrangeiros têm denunciado a existência de barreiras invisíveis que impedem mulheres [e outros gêneros não-hegemônicos] de ascender aos mais altos postos nas organizações, independentemente do ramo da atividade empresarial, fenômeno designado genericamente por segregação vertical. A quase nula presença feminina [e de outros gêneros não-hegemônicos] nas cúpulas das empresas tem sido atribuída à existência de um teto de vidro, que impediria as mulheres [e outros gêneros não-hegemônicos] de ascender a partir de determinado patamar da hierarquia organizacional. A metáfora “vidro” é uma referência à invisibilidade dessas barreiras [...]. Dentre essas barreiras invisíveis, acreditar que merecer esse espaço de dignidade em uma sociedade demanda dessas próprias identidades, contudo, a superação de preconceitos milenarmente internalizados contra si próprios. 262 Neste sentido, Nancy Chodorow235 (1978) usa de fundamentos psicanalíticos para apontar que uma das grandes ferramentas emancipatórias dos gêneros é acreditar que merecem estar em espaços de dignidade, poder e representação. Trata-se de não introjetar um destino de opressão ensinado e aprendido por culturas milenarmente opressoras; as quais se rompem não somente por meio do entendimento de que “você também merece”, mas por meio do entendimento de que “todos merecem”. A partir desse conceito inclusivo de “merecer”, parece necessário, no que diz respeito à construção de um Direito dos Refugiados Colorido pelos próprios gêneros, a superação do que Jasbir Puar (2007) chama de “homonacionalismo”: o entendimento de alguns gêneros não- hegemônicos, os quais tiveram o privilégio de serem nacionais de países que menos perseguem os gêneros, de que os gêneros não-hegemônicos das demais nacionalidades não são merecedores dos mesmos direitos; silenciando-se, dessa forma, perante atrocidades que acontecem pelo mundo ou apresentando comportamento anti refugiados e/ou anti refugiados por questões de gênero . A resposta ao “homonacionalismo”, por sua vez, a fim de o superar, pode vir por meio da construção de uma sororidade internacionalista para com os gêneros não-hegemônicos. Os gêneros não-hegemônicos de nacionalidades, etnias, classes sociais e condições psicointelectuais mais favorecidas precisam se solidarizar com outros gêneros não- hegemônicos interseccionais e contribuírem na construção de um Feminismo Internacionalista; o qual inclui a discussão de um Direito dos Refugiados Colorido. Por fim, é preciso superar o “medo” de lutar por si e pelo próximo. Este medo é compreensível dentro de culturas de perseguição. Conforme bem aprofundado ao longo desta pesquisa, os gêneros passaram por perseguições milenares ao longo de sua existência e as principais instituições que compõem as sociedades foram responsáveis para a viabilização dessas perseguições, incluindo, conforme já explorado, a cultura, a tradição, a religião, as ciências biomédicas e as ciências jurídicas (ANTUNES, 2016, p. 71). Contudo, o que não se percebe diante desses sistemas de opressão milenares é o poder vitorioso dos gêneros perante os mesmos sistemas, porque durante milênios de perseguição os perdedores dessa guerra foram os perseguidores (diretos e indiretos) dos gêneros, ao menos sob óptica da existência. Nenhum mecanismo articulado jamais eliminou a existência dessas identidades por completo, que hoje começam a romper os seus “tetos de vidro” e alçar patamares de dignidade, além de começarem 235Nancy Chodorow obteve mestrado em Psicologia no Radcliffe College, Estados Unidos, e também título de doutorado em Sociologia pela Brandeis University, Estados Unidos. Além disso, formou-se psicanalista pelo Instituto Psicanalítico de São Francisco, Estados Unidos. Ela foi professora da Berkeley University, Estados Unidos, e tem se dedicado ao estudo dos gêneros sob uma perspectiva psicanalítica (NANCY CHODOROW, 2018). 263 a reestruturar sociedades fundadas em pressupostos de desigualdades; lançando-se ao poucos nos desafios da internacionalização dessa reestruturação social. Ou seja, o medo de se defender ou defender quem ainda é perseguido (ou mais perseguido) vem da não observação de que o referido contexto está em situação quase que reversa em alguns países do mundo e de que a internacionalização dos Direitos dos Gêneros é uma forte tendência. Neste sentido, Foucault (2006) apontou que por trás das questões de gênero há dinâmicas de poder envolvidas. Portanto, diante desta premissa Butler (2018) reforça que se tantos direitos foram conquistados é justamente porque os gêneros já estão em espaços de poder valiosos e o avanço nessa seara é irreversível, porque as sociedades (inclusive nos seus setores mais conservadores, os quais tentam suas últimas alternativas para postergarem seu status quo) já perceberam que a nossa proposta, inclusiva, é muito mais poderosa! 264 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta tese, por meio de pesquisas nos campos da Psicologia, Biologia, Medicina e Ciências Sociais, demonstrou que gêneros, enquanto dimensão da identidade humana, existem a partir de matrizes biopsicossociais e sua constituição é fenômeno complexo que diz respeito à formação do self. Todavia, uma análise do papel social e político dos gêneros (e suas diversas maneiras de se expressarem) permitiu observar que não são colocados em patamar de igualdade. Essa desigualdade, por sua vez, demonstrou ter intrínsecas raízes nas relações de poder que se desenvolvem dentro das sociedades. Uma análise sobre o universo das relações de poder identifica que não basta ter poder, mas é necessário também que outros careçam dele. Sendo assim, aqueles que mais poder detêm constroem Estados e instituições para si, nos quais papéis são determinados e identidades são exaltadas, menosprezadas ou mesmo proibidas. Dessa forma, dependendo da sua matriz bio- psicossocial um indivíduo encontra para seu destino uma performance de poder e privilégios ou de precarização e violência. A violência para com os gêneros é constatada como estrutural, porque não somente persegue as identidades em ações ou omissões de agentes dispersos, mas se encontra nas estruturas que formam as sociedades nas suas mais diversas dimensões; de forma direta e/ou indireta. Dentro deste contexto, os hábitos, as religiões, as culturas, as tradições, o Direito e as ciências biomédicas corroboraram para desconsiderar, criminalizar e patologizar formas não- hegemônicas de existir, mantendo esse ciclo de violência e precarização. Os estudos pautados na História e na Antropologia aqui apresentados demonstram também que os contextos de desigualdade de gênero, contudo, não são inerentes à natureza humana. Foram milenarmente construídos nos núcleos familiares, nos círculos sociais e religiosos e na estrutura estatal após o final do semi-nomadismo; o que aponta forte vínculo com a propriedade privada, a divisão sexual do trabalho e com a necessidade de manter a espécie humana por meio da reprodução. Diante deste modelo milenar de manutenção da violência, todos os países do mundo adotaram o modelo de desigualdade como norma; excetuando-se algumas pequenas comunidades, as quais pouco contato tiveram com ele. O referido modelo estabelece uma estrutura binária, na qual bilhões de seres humanos somente podem exercer dois papéis: homem ou mulher. Esta estrutura binária pressupõe a heterossexualidade/heteroafetividade como regra, restringe a performance da masculinidade à esfera pública e à condução do Estado e da família, bem como restringe a performance da mulher ao privado e ao que não é masculino. 265 As mulheres que não aceitam os papéis desiguais a elas desenhados são vítimas de violências diretas e indiretas nas mais diversas esferas da vida. As mulheres que aceitam os referidos papéis também são vítimas de outras formas de violência, porque os papéis a elas conferidos já pressupõem exposição à violência. Os homens que rompem com os pressupostos da masculinidade hegemônica, por sua vez, também sofrem perseguição, bem como identidades que não de conseguem ou não querem se construir a partir de matrizes binárias, hetenormativas ou cisnormativas. É importante apontar também que se constatou com esta pesquisa que a exposição de identidades ao poder e privilégios ou violência e precarização é uma dinâmica complexa e se trata de exposição que acontece de maneira assimétrica de identidade para identidade. Dessa forma, a Teoria Interseccional acrescida da Teoria dos Privilégios são essenciais para entender a alocação social de determinada existência humana. A Teoria Interseccional consiste no estudo de diversas vulnerabilidades que se acumulam em uma existência humana, enquanto a Teoria dos Privilégios permite entender o quanto determinados privilégios e o acesso a espaços de poder podem corroborar para atenuar vulnerabilidades ou mesmo as anular. Sendo assim, uma análise interseccional da identidade precisa trazer em assemblage vulnerabilidades e privilégios para que se compreenda a alocação social de determinado ser humano. Dentre os diversos privilégios que alguém pode ter está o da nacionalidade. Junto com a nacionalidade constatou-se que caminham diversos outros privilégios: o acesso à saúde, à educação, à segurança pública, à paz, à água potável, à industrialização sustentável, a bons empregos, à vacinação, ao ar de boa qualidade, à democracia, a sistemas de justiça eficientes, dentre muitos outros. Os gêneros encontram condições de desigualdade e violência em todos os países do mundo. Todavia, a assimetria nessas perseguições é inquestionável diante do privilégio da nacionalidade. Enquanto em alguns países mulheres lutam por igualdade salarial, por exemplo, em outros lutam por não serem condenadas à morte por se recusarem ainda quando crianças a se submeterem a casamentos arranjados; situação como muitas outras descritas ao longo desta pesquisa que fazem alguém querer sair de um país ou região com muita desigualdade para com a sua existência para outro com menos condições desiguais de existir. Diante desse contexto, verificou-se nesta pesquisa o quanto, contudo, o próprio Direito dos Refugiados corrobora com a manutenção deste modelo de desigualdade estrutural. Dessa forma, percebe-se a construção de um Direito dos Refugiados ainda pautado em bases heteronormativas, ocidentalizadas e masculinas. 266 Constata-se também que não poderia ser diferente a construção de um Direito dos Refugiados neste sentido por conta da participação das performances hegemônicas de quem constrói os governos, os Estados, a comunidade internacional e, por consequência, o Direito, os Direitos Humanos e o Direito do Refugiados. Neste sentido, verificou-se o papel do Direito não somente na manutenção do status quo dos gêneros, mas na construção deles; por meio da imposição de deveres de quem se deve ser, chegando-se a criminalizar existências. Um estudo sobre a afirmação história dos Direitos Humanos apresentado nesta pesquisa demonstrou que desde a formação do conceito de “direito natural” nas religiões e posteriormente na Filosofia, foi somente em 1996 que formalmente se reconheceu que os Direitos das Mulheres eram Direitos Humanos no âmbito nas Nações Unidas. No que diz respeito aos Direitos LGBTTIQ+, somente em 2011 houve este reconhecimento. Ou seja, a própria construção dos Direitos Humanos foi uma construção pautada na desconsideração das questões de gênero. Após os referidos reconhecimentos apontou-se o quanto o Sistema Internacional de Direitos Humanos, o Sistema Europeu de Direitos Humanos e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos colaboraram com a proteção dos gêneros, bem como os países considerados desenvolvidos e alguns países da América Latina (dentre eles, o Brasil). Todavia, é clara a dificuldade dos países e dos sistemas de Direitos Humanos ao inserir uma perspectiva de gênero ao Direito dos Refugiados. A constatação de que o próprio Direito dos Refugiados corrobora com a manutenção deste modelo de desigualdade estrutural está pautada também na série de tratados de Direitos Humanos apresentados no decorrer desta pesquisa e que desconsideram as questões de gênero interseccionais à temática do refúgio; não havendo um instrumento de hard law no Direito Internacional dos Refugiados que faça menção aos refugiados por questões de gênero. Além disso, a referida constatação também é fruto de pesquisa realizada ao verificar quais países do mundo possuem alguma espécie de política pública para receber seus refugiados por questões do gênero; na qual somente foi possível detectar 3 países com alguma espécie de abordagem neste sentido (Suécia, Canadá e Estados Unidos; sendo o Canadá o único que formaliza sua política por meio de uma regulamentação). No âmbito precário do soft law, pequenas menções aos refugiados por questões de gênero são realizadas. Contudo, constatou-se uma série de equívocos nestes documentos. O Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR é o principal documento que articula o refúgio por questões de gênero, mas separa a 267 luta das mulheres das lutas de todos os outros gêneros, confunde os termos “gênero”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”; define e procura proteger somente alguns gêneros de matriz ocidental. Além disso, verificou-se que os textos do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR são bastante claros ao inferir que os gêneros perseguidos são geralmente aqueles que vivem nos 71 países que criminalizam as performances não-hegemônicas dos gêneros; não considerando violências indiretas a que estas identidades estão submetidas. Estudos apontados no decorrer desta pesquisa demonstram que a violência para com os gêneros não está somente nos 71 países que criminalizam performances não-hegemônicas dos gêneros (sendo que 8 deles punem estas performances com penas de morte – incluindo, apedrejamento, enforcamento e esquartejamento), o que por si só é lamentável. Todavia, comprova-se aqui que 158 países privam seus gêneros de acessos a direitos básicos (como o casamento igualitário, o direito de não se negar ao casamento infantil, o direito de não ser submetido à violência sexual e de gênero de forma sistêmica ou à mutilação genital; dentre muitos outros direitos apresentados no decorrer desta pesquisa). Em relação a essas outras formas de violência, a precarização da articulação de instrumentos jurídicos é ainda maior – praticamente inexistente; o que corrobora o entendimento de que o Direito dos Refugiados é ineficiente ao abordar as hipóteses de refúgio por questões de gênero. Dessa forma, percebeu-se essencial conferir uma perspectiva de gênero ao Direito dos Refugiados, dando origem a um Direito dos Refugiados Colorido; que, por sua vez, consiste em uma série de instrumentos jurídicos de Direito Internacional dos Direitos Humanos (nos âmbito da proteção internacional e regional dos Direitos Humanos), bem como no âmbito dos Estados; por meio de perspectivas que dialogassem com instrumentos de hard law e/ou soft/law. Um Direito dos Refugiados Colorido parece um remédio para corrigir diversas interpretações precárias das hipóteses de refúgios por questões de gênero, bem como um instrumento que proponha diretrizes para nortear a articulação políticas públicas para os Estados que recebam os refugiados por questões de gênero. Verificou-se também que a aplicação da Teoria Queer é essencial para articulação de um conceito de refúgio por questões de gênero dentro de um Direito dos Refugiados Colorido, uma vez que corrige os conceitos trazidos pelo Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR, ampliando a proteção para outras identidades não contempladas até então, sobretudo aquelas que se formam a partir de experiência não-binárias e não-ocidentais; bem como reconhecer: que há refugiados por questões de gênero em outras categorias de refugiados; que o refúgio por questões de gênero 268 não acontece somente entre países (mas também entre grupos de identidades e culturais distintas); que mulheres são perseguidas, assassinadas e/ou estupradas quando seus maridos e pais são perseguidos; que o refúgio por questões de gênero se confunde e/ou se intersecionaliza com o refúgio por HIV, o refúgio de crianças (especialmente meninas) e o refúgio por deficiência Além disso, verificou-se necessário ampliar o conceito de perseguição e abrigar não somente os 71 países que claramente criminalizam existências e maneiras de existir de formas não-hegemônicas, mas perseguições indiretas às quais determinado indivíduo está submetido. Dentro deste contexto, entendeu-se que as hipóteses de ampliação deveriam, portanto, pautar-se na ofensiva aos seguintes direitos: o direito ao divórcio; o direito ao casamento entre os gêneros; o direito de escolher seu próprio gênero; o direito ao parentesco por afinidade; o direito a políticas antidiscriminação; o direito ao trabalho e a exercer qualquer profissão; o direito de não se submeter à prática de queima de noiva; o direito de recusar a “pedidos” de casamentos; o direito de ser protegido de violência doméstica e sexual; e o direito ao aborto, ao não aborto e de não submeter seu corpo a qualquer procedimento forçoso, inclusive cirurgias de transgenitalização. No que diz respeito à construção de políticas públicas para refugiados por questões de gênero, verificou-se a necessidade de se trazer a voz dos refugiados para a construção das referidas políticas e a necessidade de trazer a interseccionalidade como ponto essencial na sua formulação. Identificou-se também a urgência de algumas políticas públicas no que diz respeito: à categorização dos refugiados por questões de gênero por parte dos comitês que conferem os status de refugiado a partir de pressupostos humanitários e não invasivos; aos acampamentos de refugiados cuja gestão e o combate à violência sexual e de gênero precisam de mais prioridade; ao combate trabalhos análogos aos de escravos, os quais muitas vezes preferem os refugiados por questões de gênero; à prostituição e engajamento na indústria pornográfica por parte dos refugiados por questões de gênero; ao tráfico de refugiados, que possui uma dinâmica própria quanto analisado sob uma perspectiva de gênero; à saúde e à educação dos refugiados por questões de gênero, bem como à educação da sociedade para a não discriminação e a promoção dos Direitos Humanos dos Gêneros e dos Migrantes. Por fim, verificou-se que o enfrentamento de uma desigualdade estrutural se dá no âmbito do Direito pela rearticulação de diversos instrumentos jurídicos com perspectivas identitárias e também de gênero a fim de inserir tais instrumentos em uma sistemática protetiva da diversidade humana. Especificamente, no que diz respeito à construção de um Direito dos Refugiados Colorido constatou-se que a desigualdade chancelada pelos próprios instrumentos 269 jurídicos não se dá pela edição de um único instrumento, mas pela rearticulação de diversos instrumentos, tanto de hard law, quanto de soft law, no âmbito do Direito Internacional Global dos Refugiados, no âmbito do Direito Internacional Regional dos Refugiados e no âmbito dos Direitos Nacionais dos Refugiados. 270 APÊNDICE A - TRADUÇÃO236 DO DICIONÁRIO DE TERMOS SOBRE GÊNERO DA UNIVERSIDADE DE BERKLEY, CALIFÓRNIA, ESTADOS UNIDOS Agênero: uma pessoa que dentro de si sente que não possui um gênero ou a vontade de expressar seu gênero. Agressivo (Ag): um termo usado para descrever uma pessoa com corpo feminino e identificado que prefere se apresentar como masculino. Este termo é mais comumente usado em comunidades negras estadunidenses. Andrógeno: uma pessoa que aparece e/ou se identifica como homem e mulher, apresentando um gênero misturado ou neutro. Aliado: alguém que defende e apóia membros de uma comunidade diferente da sua. Assexuado: uma pessoa que não é sexualmente atraída por nenhum gênero. Preconceito: uma inclinação ou preferência que interfere no julgamento imparcial. Bigênero: uma pessoa cuja identidade de gênero é uma combinação de homem e mulher. Bifobia: o medo irracional e intolerância de pessoas que são bissexuais. Bissexualidade: uma pessoa que é atraída por dois gêneros, mas não necessariamente simultaneamente ou igualmente. Isso costumava ser definido como uma pessoa que é atraída por ambos os sexos, mas como não há apenas dois sexos (ver intersexo e transexual) e não há apenas dois sexos (ver transgênero), essa definição é imprecisa. Cisgênero: uma pessoa que por natureza ou por opção está de acordo com as expectativas da sociedade baseadas no gênero/sexo. Cisgenderismo: assumindo que cada pessoa seja cisgênero, marginalizando aqueles que se identificam como trans de alguma forma. Também acredita que o cisgênero é superior e mantém as pessoas com expectativas tradicionais baseadas no gênero, ou punindo ou excluindo aqueles que não estão em conformidade com as expectativas tradicionais de gênero. Assumir-se: reconhecer a orientação sexual, a identidade de gênero ou a identidade sexual e ser aberto sobre isso consigo mesmo e com os outros. Crossdresser: alguém que usa roupas associadas a outro gênero. Este termo substituiu "travesti" em alguns Estados. Discriminação: o ato de mostrar parcialidade ou preconceito; um ato prejudicial. 236Trata-se de tradução livre realizada pelo autor da presente tese. A ideia de trazer a tradução deste dicionário divulgado pelo Núcleo de Estudos de Gênero da Berkeley University in California, Estados Unidos, é trazer para a língua portuguesa algo ainda não foi construído por um centro de pesquisa brasileiro e, além disso, fazer com que este dicionário funcione como uma espécie de glossário para os termos e conceitos utilizados ao longo deste trabalho. 271 Parceiro doméstico: Alguém que vive com o seu amado e/ou está, pelo menos, emocional e financeiramente ligado de uma forma solidária com o outro. Outra palavra para cônjuge, amado, outro significativo, etc. Cultura dominante: refere-se aos valores culturais, crenças e práticas que são consideradas as mais comuns e influentes dentro de uma determinada sociedade. Arrastar: o ato de vestir roupas de gênero e adotar comportamentos de gênero como parte de uma performance, na maioria das vezes roupas e comportamentos tipicamente não associados à sua identidade de gênero. Família: termo coloquial usado para identificar outros membros da comunidade LGBTIQ. Por exemplo, uma pessoa LGBTIQ dizendo “essa pessoa é família” geralmente significa que a pessoa à qual ela está se referindo também é LGBTIQ. Família de escolha: pessoas ou grupo de pessoas as quais um indivíduo considera significativo em sua vida. Pode incluir nenhum, todos ou alguns membros de sua família de origem. Além disso, pode incluir pessoas como outras pessoas importantes, parceiros domésticos, amigos e colegas de trabalho. FTM/F2M: abreviação de transgênero feminino ou masculino. Gay: homens atraídos pelos homens. Coloquialmente usado como um termo genérico para incluir todas as pessoas LGBTIQ. Gênero: um sistema de classificação socialmente construído que atribui qualidades de masculinidade e feminilidade às pessoas. As características de gênero podem mudar com o tempo e são diferentes entre as culturas. Consulte "Identidade de gênero" e "Expressão de gênero" para saber mais sobre gênero. Conformidade de gênero: quando sua identidade de gênero, expressão de gênero e sexo “combinam” de acordo com as normas sociais. Consulte "Identidade de gênero", "Sexo" e "Expressão de gênero" para saber mais sobre gênero. Gênero Diverso: uma pessoa que, por natureza ou por opção, não atende às expectativas de gênero da sociedade (por exemplo, transgênero, transexual, intersexual, genderqueer, cross- dresser, etc.), preferível a “variante de gênero” porque não implica normatividade padrão. Expressão de Gênero: a maneira pela qual uma pessoa expressa sua identidade de gênero por meio de roupas, comportamento, postura, maneirismos, padrões de fala, atividades e muito mais. Gênero Fluido: uma pessoa cuja identificação e apresentação de gênero muda, seja dentro ou fora das expectativas sociais baseadas no gênero. Genderfuck: a idéia de brincar com “dicas de gênero” para confundir intencionalmente expressões de gênero “padrão” ou estereotipadas, geralmente por meio de roupas. Identidade de gênero: o senso interno de gênero de um indivíduo, que pode ou não ser o mesmo que um gênero atribuído no nascimento. Algumas identidades de gênero são "mulher", 272 "transgênero" e "agênero", mas existem muitas outras. Como a identidade de gênero é interna, ela não é necessariamente visível para os outros. Além disso, a identidade de gênero é muitas vezes confundida com sexo, mas eles são conceitos separados. Genderismo: o sistema de crença de que existem apenas dois gêneros (homens e mulheres) e que o gênero é inerentemente vinculado ao sexo atribuído no nascimento. Pauta-se na premissa de pessoas cisgêneras como superiores às pessoas transgênero e pune ou exclui aqueles que não estão de acordo com as expectativas de gênero da sociedade. Gênero-neutro/gênero-inclusivo: linguagem inclusiva para descrever relacionamentos (“cônjuge” e “parceiro” em vez de “marido/namorado” e “esposa/namorada”), espaços (banheiros neutros/inclusivos de gênero devem ser usados por todos os gêneros ), pronomes ("eles" e "ze" são pronomes neutros de gênero / inclusivos) entre outras coisas. Não-conformidade de gênero: uma pessoa que não se conforma com as expectativas da sociedade de expressão de gênero com base no binário de gênero, expectativas de masculinidade e feminilidade, ou como elas devem identificar seu gênero. Genderqueer: uma pessoa cuja identidade de gênero não é homem nem mulher, está entre ou além dos gêneros, ou é uma combinação de gêneros. Essa identidade geralmente está relacionada ou em reação à construção social de gênero, estereótipos de gênero e sistema binário de gênero. Algumas pessoas genderequeer se identificam sob o guarda-chuva transgênero, enquanto outras não. Função de gênero: como “masculino” ou “feminino” um indivíduo age. As sociedades geralmente têm normas sobre como os machos e as fêmeas devem se comportar, esperando que as pessoas tenham características de personalidade e/ou ajam de determinada maneira com base em seu sexo biológico. Variante de gênero: sinônimo de "gênero diversificado" e "gênero não conforme"; “gênero diverso” e “gênero não-conforme” são preferidos a “variante de gênero”, porque a variância implica uma normatividade padrão de gênero Crime de ódio: a legislação de crime de ódio freqüentemente define um crime de ódio como um crime motivado pela raça, cor, religião, origem nacional, etnia, gênero, deficiência ou orientação sexual real ou percebida de qualquer pessoa. Heterossexualidade: atração sexual, emocional e/ou romântica por um sexo diferente do seu. Comumente pensado como “atração pelo sexo oposto”, mas como não há apenas dois sexos (veja “intersexo” e “transexual”), essa definição é imprecisa. Heterossexismo: trata-se de assumir que toda pessoa seja heterossexual, marginalizando as pessoas que não se identificam como heterossexuais. Acredita também que a heterossexualidade é superior à homossexualidade e a todas as outras orientações sexuais. Privilégio heterossexual: benefícios derivados automaticamente por serem (ou serem percebidos como) heterossexuais que são negados a gays, lésbicas, bissexuais, queers e todas as outras orientações sexuais não heterossexuais. 273 Homofobia: o medo irracional e a intolerância de pessoas homossexuais ou de sentimentos homossexuais dentro de si. Isso pressupõe que a heterossexualidade é superior. Homossexualidade: atração sexual, emocional e/ou romântica pelo mesmo sexo. Opressão institucional: arranjo de uma sociedade usada para beneficiar um grupo em detrimento de outro através do uso de linguagem, educação de mídia, religião, economia, etc. Opressão internalizada/homofobia internalizada: o processo pelo qual uma pessoa oprimida passa a acreditar, aceitar ou viver os estereótipos imprecisos e a desinformação sobre o seu grupo. Intersexo: o intersexo é um conjunto de condições médicas que apresentam anomalia congênita do sistema reprodutivo e sexual. Ou seja, as pessoas intersexuais nascem com "cromossomos sexuais", genitália externa ou sistemas reprodutivos internos que não são considerados "padrão" para homens ou mulheres. A existência de intersexuais mostra que não há apenas dois sexos e que nossas formas de pensar sobre sexo (tentando forçar todos a se encaixarem na caixa masculina ou na caixa feminina) são socialmente construídas. Armário: manter a orientação sexual e/ou sexo ou identidade sexual em segredo. Minoria invisível: um grupo cujo status de minoria nem sempre é imediatamente visível, como algumas pessoas com deficiência e pessoas LGBTIQ. Essa falta de visibilidade pode dificultar a organização dos direitos. It: um pronome usado para se referir a uma coisa; o uso de “it” como pronome para uma pessoa é extremamente ofensivo em sua completa desumanização do sujeito. Lambda: uma aliança gay ativista originalmente escolheu o lambda, a letra grega "L", como um símbolo em 1970. Os organizadores escolheram a letra "L" para significar a liberação. A palavra tornou-se uma maneira de expressar o conceito de "lésbica e gay masculino" com um mínimo de sílabas e foi adotada por organizações como Lambda Legal Defense e Education Fund. Lésbica: uma mulher atraída por uma mulher. LGBTIQ: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Intersexuais, Queer. Marginalizado: excluído, ignorado ou relegado à borda externa de um grupo, sociedade ou comunidade. MSM: homens que se envolvem em comportamento do mesmo sexo, mas que não necessariamente se identificam como gays ou bissexuais. MTF/M2F: abreviação de transgênero masculino ou feminino ou transexual. Em T: quando uma pessoa toma o hormônio testosterona. Fora do armário: refere-se a vários graus de abertura sobre a orientação sexual e/ou identidade sexual ou identidade de gênero. 274 Não op. uma pessoa identificada por meio de uma identidade cuja identidade não envolve o recebimento de cirurgia de reatribuição sexual/cirurgia de confirmação sexual Pangênero: uma pessoa cuja identidade de gênero é composta de todas ou muitas expressões de gênero Pansexual: uma pessoa que é fluida em orientação sexual e/ou sexo ou identidade sexual. Poliamor: poliamor é a prática de ter múltiplos relacionamentos amorosos abertos e honestos. Pós-operatório: uma pessoa identificada por via trans que recebeu cirurgia de reatribuição sexual/cirurgia de confirmação sexual. Pré-operatório: uma pessoa identificada como trans que não tenha recebido cirurgia de reatribuição sexual; implica que a pessoa pretende receber tais procedimentos cirúrgicos. Queer: • um termo genérico para se referir a todas as pessoas LGBTIQ; • uma declaração política, assim como uma orientação sexual, que defenda a quebra do pensamento binário e veja tanto a orientação sexual quanto a identidade de gênero como potencialmente fluida; • um rótulo simples para explicar um conjunto complexo de comportamentos e desejos sexuais. Por exemplo, uma pessoa que é atraída por vários sexos pode se identificar como queer; • muitas pessoas LGBT mais velhas acham que a palavra foi usada com ódio contra eles por muito tempo e relutam em aceitá-la. Bandeira Arco Íris: foi criada em 1978 por Gilbert Baker para designar a grande diversidade da comunidade LGBTIQ. Foi reconhecida como a bandeira oficial do movimento LGBTIQ pelos direitos civis. Sexo: termo médico que designa uma certa combinação de gônadas, cromossomos, órgãos externos de gênero, características sexuais secundárias e balanços hormonais. Termos comuns são “masculino”, “feminino” e “intersexo”. Identidade sexual: o sexo que uma pessoa se vê como. Isso pode incluir recusar-se a se rotular de sexo. Cirurgia de redesignação sexual (SRS)/Cirurgia de confirmação sexual: um termo usado por alguns profissionais médicos para se referir a um grupo de opções cirúrgicas que alteram o sexo de uma pessoa para corresponder à sua identidade sexual. Minoria Sexual: • refere-se a membros de orientações sexuais ou que se envolvem em atividades sexuais que não fazem parte do mainstream; • refere-se a membros de grupos de sexo que não se enquadram na maioria das categorias de homens ou mulheres, como intersexuais e transexuais. Orientação sexual: a direção mais profunda da atração sexual (erótica). Está em um continuum e não em um conjunto de categorias absolutas. Às vezes referido como afeto, orientação ou 275 sexualidade. A orientação sexual evolui através de um processo de desenvolvimento multiestágio e pode mudar com o tempo. Asexualidade é também uma orientação sexual. Ela-macho: um termo ofensivo usado para se referir a indivíduos MTF trans pelas indústrias de sexo/pornografia para objetificar, exotificar e erotizar o corpo trans. Estereótipo: uma crença exagerada e simplista sobre um grupo inteiro de pessoas sem considerar as diferenças individuais. Hetero: pessoa que é atraída por um gênero diferente do seu. Comumente pensado como “atração pelo sexo oposto”, mas como não existem apenas dois gêneros (veja transgênero), essa definição é imprecisa. Traveco: termo depreciativo usado para se referir a uma pessoa trans identificada. Às vezes, um termo é reivindicado por pessoas trans para o empoderamento. Transgênero: • transgêneros (às vezes encurtados para trans ou TG) são pessoas cujo eu psicológico ("identidade de gênero") difere das expectativas sociais para o sexo físico com o qual elas nasceram. Para entender isso, é preciso entender a diferença entre o sexo biológico, que é o corpo de uma pessoa (genitais, cromossomos, etc.) r gênero social, que se refere aos níveis de masculinidade e feminilidade. Muitas vezes, a sociedade confunde sexo e gênero, vendo-os como a mesma coisa. Mas gênero e sexo não são a mesma coisa. Pessoas transgêneros são aquelas cujo eu psicológico ("identidade de gênero") difere das expectativas sociais para o sexo físico com o qual elas nasceram. Por exemplo, uma mulher com uma identidade de gênero masculina ou que se identifique como homem. • um termo abrangente para transexuais, travestis (travestis), transgêneros, queers de gênero e pessoas que não se identificam como mulheres nem homens e/ou como homem ou mulher. Transgênero não é uma orientação sexual, pessoas transexuais podem ter qualquer orientação sexual. É importante reconhecer que, embora algumas pessoas possam se enquadrar nessa definição de transgênero, elas podem não se identificar como tal. Transição: um processo complicado, com várias etapas, que pode levar anos à medida que pessoas transsexuais alinham sua anatomia com sua identidade sexual e/ou sua expressão de gênero com sua identidade de gênero. Homem trans: uma etiqueta de identidade às vezes adotada por transexuais de mulher para homem para significar que eles são homens enquanto ainda afirmam sua história como fêmeas. Transfobia: medo ou ódio de pessoas transexuais. A transfobia manifesta-se de várias formas, incluindo violência, assédio e discriminação. Transexual: refere-se a uma pessoa que experimenta uma incompatibilidade entre o sexo em que nasceu e o sexo que identifica. Um transexual, por vezes, passa por tratamento médico para mudar seu sexo físico para corresponder à sua identidade sexual através de tratamentos hormonais e/ou cirurgicamente. Nem todos os transexuais podem ter ou desejar cirurgia. Travesti: indivíduos que regularmente ou ocasionalmente vestem as roupas atribuídas socialmente a um gênero não próprio, mas geralmente se sentem confortáveis com sua anatomia e não desejam mudá-la (ou seja, não são transexuais). Cross-dresser é o termo preferido para 276 homens que gostam ou preferem roupas femininas e papéis sociais. Ao contrário da crença popular, a esmagadora maioria dos travestis masculinos se identifica como heterossexuais e geralmente é casada. Muito poucas mulheres se chamam de travestis. Triângulo: um símbolo de lembrança. Homens gays nos campos de concentração nazistas foram forçados a usar o triângulo rosa como uma designação de serem homossexuais. As mulheres que não obedeciam a papéis sociais, muitas vezes consideradas lésbicas, tinham que usar o triângulo preto. Os triângulos são usados hoje como símbolos de liberdade, lembrando-nos para nunca esquecermos. Dois-Espíritos: indígenas norte-americanos, pessoas nativas norte-americanas, que possuem atributos de homens e mulheres, possuem também papéis sociais e de gênero distintos em suas tribos e estão frequentemente envolvidos com rituais místicos (xamãs). Seu vestido é geralmente mistura de artigos masculinos e femininos e eles são vistos como um gênero separado ou terceiro. O termo “Dois Espíritos” é geralmente considerado específico da comunidade indígena Zuni. Etiquetas de identidade semelhantes variam de acordo com a tribo e incluem "um espírito" e "wintke". Zé: pronomes neutros de gênero que podem ser usados em vez de ele/ela. Zir: pronomes neutros de gênero que podem ser usados em vez de seu/sua. 277 APÊNDICE B - PROPOSTA DE PROTOCOLO RELATIVO AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS SOBRE O REFÚGIO POR QUESTÕES DE GÊNERO Os Estados Partes no presente Protocolo, Considerando que o gênero enquanto construção biopsicossocial constitui fenômeno complexo responsável pela formação da identidade humana. Reconhecendo-se, dessa forma, a necessidade de se garantir no âmbito dos Estados a igualdade entre essas existências plurais. Reconhecendo-se também que existências não-hegemônicas são perseguidas por conta de suas performances de gênero. Reconhecendo-se que a proteção dos Direitos Humanos caminha (e precisam caminhar) para a construção de uma sistemática protetiva da diversidade humana, não excluindo ou privilegiando qualquer existência. Considerando que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados assinada em Genebra, em, bem como Protocolo de 1967 Relativo ao Estatuto dos Refugiados, vem: i) Complementar os referidos tratados por meio da implementação do refúgio por questões de gênero como hipótese de refúgio; ii) Traçar diretrizes específicas para que Estados construam políticas públicas para refugiados por questões de gênero. Artigo 1º - Referências jurídicas Este tratado pauta-se: na Carta das Nações Unidas; bem como na Declaração Universal de Direitos Humanos, a qual estalebece que todos os seres humanos nascem livres e iguais. Este tratado constitui Protocolo ao Estatuto dos Refugiados sobre o Refúgio por Questões de Gênero, o qual suplementa-se com (e também complementa) a aplicação do Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular e a Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes. Artigo 2º - Definições importantes Discriminação de gênero: discriminação pautada no gênero do indivíduo que tenha o efeito ou propósito de prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, independentemente estado civil, dos direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. ” Feminicídio: trata-se de assassinato de mulheres por conta de suas condições de gênero. Geralmente perpetrado por homens, mas às vezes podem estar envolvidas. O femicídio difere do homicídio masculino de maneiras específicas: Feminicídio íntimo: “femicídio cometido por um marido ou namorado atual ou anterior é conhecido como femicídio íntimo ou homicídio por parceiro íntimo; 278 Feminicídio não íntimo: femicídio cometido por alguém sem um relacionamento íntimo com a vítima é conhecido como feminicídio não íntimo. Em muitos casos envolve agressão sexual; • Assassinatos em nome de “honra”: assassinatos que envolvem uma garota ou mulher sendo morta por um membro masculino ou feminino da família por uma transgressão sexual ou comportamental real ou presumida, incluindo adultério, relação sexual ou gravidez fora do casamento; • Feminicídio relacionado ao dote: um assassinato que envolve o assassinato de mulheres recém-casadas pelos sogros sobre conflitos relacionados ao dote, tais como a entrega de dote insuficiente à família. . Violência baseada no gênero: refere-se à violência dirigida contra um gênero simplesmente por não constituir a partir de paradigmas hegemônicos. Ela engloba aspectos físicos, sexuais, psicológicos ou econômicos. Pressupostos de Gênero: o pressuposto de gênero decorre da crença de que os homens heterossexuais/heteroafetivos são mais fortes e mais inteligentes do que os demais gêneros, justificando certos papéis de gênero na sociedade e o controle masculino sobre os gêneros. Identidade de gênero: termo que se refere a um senso interno de gênero do indivíduo, que pode ou não ser o mesmo que um gênero atribuído no nascimento. Algumas identidades de gênero são "mulher", "trans" e "agênero", mas existem muitas outras. Como a identidade de gênero é interna, ela não é necessariamente visível para os outros. Além disso, a identidade de gênero é frequentemente confundida com sexo, mas eles são conceitos separados. Violência indireta: A violência pode ser direta, mas também indireta. A violência indireta pode acontecer de maneira estrutural. Por exemplo, um Estado em que não é possível relatar a violência de gênero também está indiretamente abusando da pessoa atacada, permitindo a violência contra ela. Orientação sexual: é a direção mais profunda da atração sexual (erótica) de alguém. Está em um continuum e não em um conjunto de categorias absolutas. Às vezes referido como afeto, orientação ou sexualidade. A orientação sexual evolui através de um processo de desenvolvimento multiestágio e pode mudar com o tempo. Asexualidade é também uma orientação sexual. Artigo 3º - Interseccionalidade Este tratado aplica a teoria interseccional como pressuposto de qualquer existência aqui tutelada, bem como reconhece a necessidade aplicar uma abordagem multidimensional sobre os gêneros. Sendo assim, reconhece-se aqui a necessidade dos Estados aplicarem uma análise dinâmica sobre os refugiados por questões de gênero, os quais possuem diversas identidades dentro de um mesmo corpo. Verifica-se, portanto, a necessidade de se reconhecer que o refúgio por questões de gênero é uma interseccionalidade por si só (porque soma sobre uma mesma existência a vulnerabilidade dos gêneros com a vulnerabilidade das migrações). Todavia, o refúgio por questões de gênero também pode se somar a outras tantas vulnerabilidades, tais como: raça, nacionalidade, deficiência, infância, dentre muitas outras). 279 Artigo 4º - O refúgio por questões de gênero Sobre as identidades em perseguição Os Estados que assinam este tratado comprometem-se a conferir o status de refugiados por questões de gênero a qualquer identidade que esteja em perseguição direta por conta de seu gênero, independente de qual gênero se identifique. Algumas identidades em perseguição são expostas aqui a título exemplificativo: Mulheres: identidade formada a partir de experiências bio-psico-sociais que constitui cerca de metade da população mundial, mas que geralmente, em diversos níveis, encontra-se em posições de desigualdade em relação a outra identidade majoritária – os homens; Mulheres lésbicas: indivíduos que se identificam como uma mulher e cuja atração física, romântica e/ou emocional é principalmente para outros indivíduos que se identificam como mulheres; Homenss gays: indivíduos que se identificam como um homem e cuja atração física, romântica e/ou emocional é principalmente para outros indivíduos que se identificam como homens; Masculidades não-hegemônicas: homens que são perguidos especificamente porque romperam com alguma performance esperada do seu gênero; Bissexuais/biafetivos: indivíduos que podem sentir atração física, romântica e/ou emocional para pessoas de qualquer gênero ou sexo. Pessoas trans: um conceito de guarda-chuva que se refere a qualquer indivíduo cuja identidade de gênero ou expressão de gênero difere do sexo que foram atribuídos no nascimento. Este conceito inclui, mas não está limitado a: indivíduos que fizeram mudanças corporais usando meios cirúrgicos, médicos ou outros, ou que planejam fazer mudanças corporais para alinhar suas características sexuais com sua identidade de gênero; indivíduos cuja identidade de gênero não se alinha com seu sexo atribuído ao nascimento, mas que não desejam mudar sua fisiologia; pessoas que se identificam como tendo múltiplos gêneros ou como não tendo um gênero; indivíduos cuja identidade de gênero muda de tempos em tempos; ou pessoas com qualquer outra identidade de gênero que não está em consonância com normas socialmente aceitas de comportamentos esperados com base no gênero; Pessoas intersexuais: um conceito que se refere a indivíduos cujas características do sexo físico, como sua anatomia reprodutiva ou sexual ou padrões cromossômicos, não estão em conformidade com noções típicas de sexo feminino ou masculino. Esses padrões podem tornar-se aparentes no nascimento, podem se desenvolver mais tarde (ou seja, na puberdade ou na idade adulta), ou podem permanecer não reconhecidos; Pessoas queer: um conceito de guarda-chuva que se refere a seres humanos cujas condições de gênero não estão em conformidade com normas socialmente aceitas. Essas categorias não binárias constróem-se a partir de experiências não necessariamente ocidentais e dialogam o que as sociedades consideram femino e masculino. 280 Sobre perseguições Os Estados signatários deste tratado reconhecem que seres humanos podem ser perseguidos por conta de questões de gênero em diversas situações. Essas situações não se esgotam no texto deste tratado, mas demonstram uma série de perseguições as quais precisam ser enquadradas enquanto hipóteses de refúgio por questões de gênero: perseguições às existências dos gêneros por meio de dispositivos legais que os criminalizem e os impeçam de ser quem são; bem como criminalizem suas práticas sexuais, afetivas e a performance com a qual se afirmam em determinada sociedade; impedimentos legais que impossibilitem o direito ao divórcio; impedimentos legais que restrinjam o casamento (ou uniões civis com igualdade de direitos aos do casamento) entre os mesmos gêneros; impedimentos legais e institucionais sistêmicos que impeçam um indivíduo de escolher seu próprio gênero; impedimentos de acesso a legislações e políticas antidiscriminação; impedimentos de exercer determinada profissão por conta de seu próprio gênero; falha estatal sistêmica ao se proteger a vítima da violência doméstica e sexual; falha estatal sistêmica ao se proteger mulheres da queima de noivas; impedimentos legais para que se realize o aborto ou que obriguem um indivíduo a realizar o aborto ou se submeter a qualquer procedimento forçoso – inclusive cirurgias de transgenitalização. Outras considerações sobre o refúgio por questões de gênero Os Estados signatários deste protocolo reconhecem que a há refúgios por questões de gênero dentro de outras hipóteses de refúgio. Sendo assim, reconhece-se que a perseguição aos gêneros não acontece somente pelos países de onde partem estes seres humanos, mas em qualquer momento do processo de refúgio – seja de forma direta, seja de forma indireta. Reconhece-se também que a condição de refugiados e as políticas públicas para refugiados por questões de gênero não necessariamente acontecem com diferentes nacionalidades, uma vez que mesmas nacionalidade podem pertencer a nações diferentes. Dentro destas diferentes nações podem acontecer perseguições por questões de gênero. É também necessário também reconhecer que mulheres cujos maridos ou pais estão em situação de perseguição podem sofrer violência de gênero como vingança e por conta disso precisam também ser reconhecidas enquanto refugiadas por questões de gênero. Afirma-se a proteção do refúgio por questões de gênero quando se intersecciona com o refúgio por HIV, refúgio por questões de deficiência e o refúgio de crianças. Neste sentido, os Estados signatários deste Protocolo comprometem-se também a observar estas intersecções e, quando couber, desenhar políticas públicas interseccionais com as referidas hipóteses de refúgio. 281 Artigo 5º - Políticas públicas para refugiados por questões de gênero Os Estados signatários deste Protocolo reconhecem a importância da articulação de políticas públicas específicas para os refugiados por questões de gênero. Estas políticas devem ser construídas paulatinamente e interseccionalizadas com outras políticas para refugiados, migrantes e para a promoção de Direitos Humanos em cada país. Cada política pública deve ser construída dentro dos contornos e da realidade de cada país e não necessariamente precisa se restringir a temas propostos neste Protocolo. Contudo, os Estados signatários entendem a necessidade da prioridade referente aos temas a seguir apontados. Categorização de refugiados por questões de gênero A categorização da condição de refugiado por questões de gênero deve ser pautada no princípio da proteção da diversidade. Sendo assim, considera-se essencial que os comitês que acolhem os refugiados por questões de gênero: sejam preferencialmente formados por diversidades (étnicas, culturais e de gênero); respeitem e considerem a experiência dos refugiados; assumam que o refúgio por questões de gênero possa se referir a temas extremamente íntimos, difíceis de serem discutidos e comprovados. Além disso, os comitês que conferem a condição de refugiado por questões de gênero precisam permitir que as pessoas se sintam confortáveis em suas entrevistas e partir do princípio de que a voz deste grupo de pessoas serve como prova fundamental da sua condição. Os Estados aqui signatários também se comprometem em não utilizarem qualquer forma de análise de enquadramento de gênero para avaliar a orientação sexual do determinado solicitante de refúgio, uma vez que as referidas técnicas são invasivas e rejeitadas pelas ciências. Travessias Além disso, os Estados signatários comprometem-se também a apurarem qualquer espécie de violência sexual e de gênero que aconteceram durante o processo de refúgio do determinado indivíduo. Dessa forma, aplicam interseccionalmente esse entendimento aos órgãos responsáveis pela referida apuração. Acampamentos de refugiados Compromete-se por meio deste Protocolo que os Estados que resolvam construir acampamentos de refugiados deverão fazê-lo em caráter provisório e, além disso, conferir uma perspectiva de gênero na gestão dos referidos acampamentos. A referida perspectiva de gênero na gestão dos campos de refugiados comporta a articulação de mecanismos de reporte de qualquer violência, abuso ou bullying envolvendo gênero. Além disso, a articulação de uma perspectiva de gênero na gestão dos campos de refugiados precisam fortemente de políticas de conscientização desenvolvidas enquanto se está nessa situação transitória. 282 Combate aos trabalhos análogos aos de escravos Compromete-se aqui também com o combate ao trabalho análogo ao de escravo integrando polícias e órgãos responsáveis pela apuração de agências que se utilizam de mão de obra análoga a de escravo; conferindo uma perspectiva migratória e de gênero na apuração, uma vez que os refugiados por questões de gênero são preferidos para alguns trabalhos, como, por exemplo, a escravidão sexual e o trabalho doméstico. Combate ao engajamento na prostituição e na indústria pornográfica Compromete-se também com a articulação de políticas públicas que abordem o engajamento na prostituição e na indústria pornográfica por parte dos refugiados por questões de gênero; atividades que vulnerabilizam ainda mais as referidas identidades. As políticas públicas, neste sentido, devem abordar informações sobre como a prostituição ou o engajamento na indústria pornográfica são tratadas naquele país (legal, ilegal, regulamentada ou criminalizando o consumo), bem como quais são as consequências no que se refere aos status de refugiado quando determinado indivíduo se engaja nestas atividades. Tráfico de refugiados Os Estados signatários comprometem-se a trazer uma perspectiva de gênero ao apurarem o tráfico internacional de refugiados, bem como estabelecer diretrizes que punam os traficantes de refugiados que cometeram violência sexual e de gênero para com os refugiados por questões de gênero. Entende-se também necessário que os Estados fortaleçam estruturas institucionais e legais para proteger a amparar vítimas destes crime, o que inclui uma ação interdepartamental de alto nível; bem como a promoção de programas de treinamentos contendo uma perspectiva de gênero. Além disso, os Estados signatários entendem essencial um mapeamento proventivo de refugiados por questões de gênero que estejam em maior risco de serem vítimas do tráfico de refugiados. Saúde dos refugiados por questões de gênero Reconhece-se a necessidade de cuidado dos refugiados por questões de gênero, bem como o fato destes indivíduos possuírem necessidades e condições específicas. Reconhece-se também a necessidade da proteção da saúde do refugiado por questões de gênero sustentar-se em 3 pilares: um pilar preventivo, que se pauta em conferir ao refugiado um meio ambiente digno em qualquer etapa do processo de refúgio, como direitos básicos garantidos, como por exemplo, a alimentação e a higiene; um segundo pilar voltado à saúde física do refugiado e aos problemas de saúde que ele já possui ou possa adquirir durante o processo de refúgio; um terceiro pilar voltado à saúde mental do refugiado . No que se refere ao pilar preventivo, vale apontar que mulheres refugiadas podem estar grávidas ou amamentando e, por isso, precisam de medicamentos e apoio nutricional contínuo. Além disso, reconhece-se a necessidade de políticas específicas para o corpo da mulher e também dos transgêneros e não binários, quais muitas vezes utilizam-se de tratamentos hormonais próprios. 283 No que se refere ao segundo pilar, voltado à saúde física, vale apontar que os Estados que recebem os refugiados precisam articular o acesso a tratamentos essenciais e, no caso dos gêneros, isso inclui: gravidez (pré-natal, parto e pós natal), tratamento de DSTs e HIV, bem como fornecimento de tratamentos básicos para o combate das referidas doenças. Além disso, é necessário abordar a questão da mutilação genital das mulheres refugiadas por questões de gênero e da violência doméstica também como questões de saúde pública. Sobre o terceiro pilar, no que diz respeito à saúde mental, reconhece-se as razões frequentemente traumáticas para deixar o país anfitrião, bem como a jornada potencialmente perigosa e o processo de reassentamento aumentam o risco dos refugiados sofrerem uma variedade de problemas de saúde mental dos refugiados; o que se interseccionaliza com as questões de gênero, as quais são associadas maior propensão a transtornos de ansiedade e depressão. Para tais abordagens, os Estados signatários reconhecem a necessidade de articulação de seus sistemas de saúde, nas três dimensões apontadas. Combate aos binarismos Os Estados signatários reconhecem que nem todas as identidades partem de uma matriz masculina ou feminina. Há uma pluralidade de existências não-binárias e não-ocidentais formadas a partir de experiências biopsicossociais de cada indivíduo. Sendo assim, compromete-se em estabelecer políticas públicas para refugiados por questões de gênero as quais não os enquadrem em categorias binárias e ocidentalizadas de existir. Políticas antidiscriminatórias e de promoção de orgulho Os Estados firmam o compromisso de protegerem seus refugiados por questões de gênero por meio de políticas antidiscriminatórias de promoção do orgulho de ser refugiado por questões de gênero. Sendo assim, compromete-se neste protocolo não somente de proteger as referidas identidades de qualquer forma de discriminação, mas de receber estes seres humanos contando com a sua importância na construção e condução da sociedade o qual os recebe. Relações internacionais Os Estados signatários entendem que a proteção da diversidade deve acontecer não meio do refúgio (última alternativa), mas dentro dos próprios Estados, protegendo-se identidades e culturas. Sendo assim, firmam um compromisso de inserir uma perspectiva de gênero em suas relações internacionais, cobrando de seus aliados igualdade de gênero; bem como estabelecendo a categoria “gênero” nas suas políticas de distribuição de recursos. Participação política do refugiado na construção de sua própria política pública Reconhece-se neste protocolo a importância de processos públicos e democráticos para a construção de políticas públicas para refugiados por questões de gêneros, os quais por meio dos seus locais de fala, possuem muitas vezes as melhores soluções para seus dilemas. Sendo assim, afirma-se do compromisso dos Estados no sentido de desenvolverem políticas por meio desta participação democrática e plural. 284 Educação Os Estados signatários deste Protocolo entendem que a educação é um instrumento de emancipação dos gêneros essencial para diminuir diversas espécies de desigualdade. Sendo assim, compromete-se com a construção de políticas públicas que ajudem a romper barreiras de acesso à educação por parte dos refugiados por questões de gênero, seja por conta da sua condição de “refugiado”, seja por conta da sua condição de “gênero”. Sendo assim, compromete-se também o combate ao bullying ao cyberbullying bem como a qualquer forma de discriminação no ambiente escolar para com os refugiados por questões de gênero. Artigo 6º - Comitê de Monitoramento da Situação dos Refugiados por Questões de Gênero Os Estados signatários deste Protocolo aderem ao Comitê de Monitoramento da Situação dos Refugiados por Questões de gênero, devidamente composto por especialistas independes nas temáticas “gênero” e “migrações”, nos termos de seu estatuto constitutivo próprio. O objetivo central deste comitê é de examinar relatórios dos Estados, da sociedade civil, no que diz respeito aos Direitos dos Gêneros pelo mundo, bem como seus respectivos deslocamentos por questões de gêneros. As instruções para peticionar e enviar relatórios ao referente comitê encontram-se em seu estatuto constitutivo. 285 ANEXO A – MAPAS SOBRE A SITUÇÃO DOS GÊNEROS PELO MUNDO Mapa n. 6: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho e vinho são os países onde uniões homoafetivas são ilegais ou parcialmente ilegais; os países pintados em diferentes tons de azul fazem referência aos países que reconhecem alguma espécie de união homoafetiva ou união celebrada em outro país; os países pintados em tons de verde referem-se a países onde se é reconhecido uniões civis homoafetivas com direitos bastante equiparados aos casamentos homoafetivos e casamentos homoafetivos propriamente ditos. 286 Mapa n. 7: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho e vinho são os países onde modificar os gêneros é um ato ilegal; os países pintados em diferentes tons de azul fazem referência aos países onde é possível modificar seu gênero desde que mediante cirurgia de redesignação237; os países pintados em verde referem-se a países onde é possível modificar seu gênero sem cirurgia de redesignação. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 237Esta representação já não condiz mais com a realidade brasileira, uma vez que em 1º de março de 2018, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 4.275 e o Recurso Extraordinário n. 670.422 no sentido de entender que não é necessária cirurgia para que os transgêneros tenham seus nomes alterados (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018). 287 Mapa n. 8: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde adoções por gêneros não-hegemônicos são ilegais; os países pintados em vinho referem-se a países onde somente é possível uma adoção de gênero não-hegemônico por padrasto/madrasta; os países pintados em lilás referem-se a países onde somente adoções monoparentais são possíveis; os países pintados em azul são aqueles onde somente casais de gêneros não-hegemônicos podem adotar; os países pintados em verde são aqueles onde qualquer adoção de gênero não- hegemônico pode ser realizada. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 288 Mapa n. 9: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico e Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde não há proteção legal à discriminações quanto a gêneros não-hegemônicos; os países pintados em azul são os países onde há proteção legal aplicada somente a algumas discriminações quanto a gêneros não-hegemônicos; os países pintados em verde são aqueles onde há proteção legal a quaisquer discriminações quanto a gêneros não-hegemônicos. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 289 Mapa n. 10: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde a proteção legal à discriminações quanto a gêneros não-hegemônicos especificamente no que diz respeito ao ambiente de trabalho; os países pintados em azul são os países onde há proteção legal aplicada somente a algumas discriminações quanto a gêneros não-hegemônicos especificamente no que diz respeito ao ambiente de trabalho; os países pintados em verde são aqueles onde há proteção legal a quaisquer discriminações quanto a gêneros não-hegemônicos especificamente no que diz respeito ao ambiente de trabalho. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 290 Mapa n. 11: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde não há proteção legal a discriminações quanto a gêneros não-hegemônicos especificamente no que diz respeito ao ambiente familiar; os países pintados em azul são os países onde há proteção legal aplicada somente à discriminação quanto à orientação sexual especificamente no que diz respeito ao ambiente familiar; os países pintados em verde são aqueles onde há proteção legal integral a quaisquer discriminações quanto a gêneros especificamente no que diz respeito ao ambiente familiar. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 291 Mapa n. 12: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde gêneros não-hegemônicos podem servir ao exército; os países pintados em azul são os países que adotam a política “não pergunte, não responda”; os países pintados em verde são aqueles onde é possível que gêneros não-hegemônicos sirvam ao exército. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 292 Mapa n. 13: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em lilás e vermelho são os países onde gêneros não-hegemônicos não podem doar sangue; os países pintados em verde são aqueles onde há plena autorização para tanto. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 293 Mapa n. 14: Trata-se de mapa divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com esse mapa, os lugares em vermelho são os países onde as terapias de conversão de gêneros não foram ainda proibidas; os países pintados em verde são aqueles onde há proibição integral dessa prática. Os países sem cores, por sua vez, referem-se a dados não encontrados na pesquisa. 294 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACNUDH. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/agencia/acnudh/>. Acesso em: 24 jul. 2017. ACNUR. Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado. Disponível em: <http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/portugues/Publi cacoes/2013/Manual_de_procedimentos_e_criterios_para_a_determinacao_da_condicao_de_r efugiado>. Acesso em: 5 jun. 2017. ___________. Perseguidos por sua Orientação Sexual, Refugiados LGBTI Conseguem proteção no Brasil. Disponível em: <http://www.acnur.org/portugues/noticias/noticia/perseguidos-por-sua-orientacao-sexual- refugiados-lgbti-conseguem-protecao-no-brasil/>. Acesso em: 2 jul. 2017. AFRICAN COMISSION ON HUMAN AND PEOPLE’S RIGHTS. Legal Documents. Disponível em: <http://www.achpr.org/instruments/>. Acesso em: 26 jun. 2018. AGÊNCIA BRASIL. Ebc Agência Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/>. Acesso em: 6 abr. 2018. AGENDA 2030. Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/aagenda2030.php>. Acesso em: 10 set. 2017. ALLPORT, Gordon Willard. Personalidade. EDUSP, São Paulo: 1973. ALWOOD, Edward. Straight News: Gays, Lesbians, and the News Media. Nova Iorque: Columbia University Press, 1996. ANDORRA. Govern d’Andorra. Disponível em: <https://www.govern.ad/>. Acesso em: 3 jan. 2018. ANTUNES, Pedro Paulo Sammarco. Homofobia Internalizada: o Preconceito do Homosexual Contra si Mesmo. São Paulo: Tese de doutorado em Psicologia Social. Programa de estudos Pós-graduação em Psicologia Social; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016. Disponível em:< https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/17142/1/Pedro%20Paulo%20Sammarco%20Antun es.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2018. ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras: 1989. ARGENTINA. Argentina.gob.ar. Disponível em: <https://www.argentina.gob.ar/>. Acesso em: 4 jan. 2018. ARRUDA, José Jobson de. História Antiga e Medieval. São Paulo: Ática, 1995. ASMA LAMRABET. Biographie. Disponível em: <http://www.asma- lamrabet.com/biographie/francais/>. Acesso em: 6 jun. 2018. AUSTRIA. Bundeskanzlermat. Disponível em: <http://archiv.bka.gv.at/>. Acesso em: 3 jan. 2018. BAGNOLI, Vicente. Direito e Poder Econômico. São Paulo: Atlas, 2005. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. 295 BARBOSA, Marco Antônio. Autodeterminação: Direito à Diferença. São Paulo: Plêiade/Fapesp, 2001. BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira; LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. Brazil and the Spirit of Cartagena. In: Forced migrations review, v. 35, Inglaterra, 2010. Disponível em: <http://www.fmreview.org/disability-and-displacement/luiz-paulo-teles-ferreira-barreto-and- renato-zerbini-ribeiro-leao.html>. Acesso em: 29 jun. 2017. BARROSO, Luís Roberto. Natureza jurídica e funções das Agências Reguladoras de serviços públicos. In: Boletim de Direito Administrativo, v. 6, São Paulo: 1999. ___________. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. ___________. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo: Saraiva, 2010. BARUKI, Luciana Veloso Rocha Portolese; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Violência contra a mulher: a face mais perversa do patriarcado. Quem tem medo de lobo mau? In: BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Mulher, Sociedade e Direitos Humanos. São Paulo: Rideel, 2010. BASCH, Linda; LERNER, Gail. En el Umbral del Nuevo Siglo: las Mujeres Migrantes se Organizan. In: Las Mujeres Migrantes Reclaman sus Derechos – Nairobi y Después de Nairobi, Secretaría de Migraciones, 1986. BALTES, Paul. On the Incomplete Architecture of Human Ontogeny: Selection, Optimization, and Compensation as Foundation of Developmental Theory. Disponível em: <http://psycnet.apa.org/index.cfm?fa=buy.optionToBuy&uid=1997-03698-009>. Aceso em: 8 jan. 2017. BELGIUM. Oficial Information and Services. Disponível em: <https://www.belgium.be/en>. Acesso em: 27 dez. 2017. BENHABIB, Seyla; RESNIK, Judith. Introduction: Citizenship and Migration Theory Engendered. In: BENHABIB, Seyla; RESNIK, Judith (Org.). Migration and Mobilities: Citizenship, Borders and Gender. New York: New York University Press, 2009. BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma lLeitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; CARVALHO, Suzete. Igualdade Jurídica: verdade ou sofisma? In: BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan (Org.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos. São Paulo: Rideel, 2010. ___________; FREITAS, Marilu. O Trabalho Feminino na Era Globalizada: Ritmo Intensificado e Precarizado. In: BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; ANDRADE, Denise de Almeida; MACHADO, Mônica Sapucaia (Org.). Mulher, Sociedade e vulnerabilidade. São Paulo: Deviant, 2017. ___________; Mulheres na Advocacia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. ___________; SALVIA, Stéphanie G. de Carvalho. A violência em Face da Mulher no Estado Democrático de Direito Brasileiro: a Efetivação do Programa 'Mulher, Viver sem Violência'. Revista paradigma, v. 24, p. 97-119, São Paulo, 2015. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Dropbox/Doutorado/Bibliografia/572-2071-3-PB.pdf>. Acesso em 27 mar. 2017. 296 BERKELEY. Judith Butler. Disponível em: <http://vcresearch.berkeley.edu/faculty/judith- butler>. Acesso em: 27 jun. 2017. ___________. Centers for Educational Justice and Community Engagement. Disponível em: <http://ejce.berkeley.edu/geneq/resources/lgbtq-resources/definition-terms>. Acesso em: 24 jul. 2017. BERTONCELLO, Fernando Rodrigues da Motta. Direito, Mercado Financeiro e Sustentabilidade. São Paulo: Primas, 2016. ___________; SANTOS, Isabelle. Os Migrantes e Refugiados Deficientes e o Pacto Global para a Migração Segura. In: MIRANDA GONÇALVES, Rubens; VEIGA, Fábio Souza; MAGALHÃES, Maria Manuela (Org.). Derecho, Gobernanza e Innovación: Dilemas Jurídicos de la Contemporaneidad en Perspectiva Transdisciplinar. Cidade do Porto: Universidade Portucalense (UPT/OPORTO), v. 1, p. 333-343, 2017. BIMBI, Bruno. O Fim do Armário. Rio de Janeiro: Garamond, 2017. BIOGRAPHY. Angela Davis. Disponível em: <http://www.biography.com/people/angela- davis-9267589>. Acesso em 12 mai. 2017. BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o Giro Decolonial. In: Revista Brasileira de Ciência Política, n. 11, p. 89-117, São Paulo, 2013. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Malheiros, 2010. BOUNDLESS. Freudian psychoanalytic Theory of Personality. Disponível em: <https://www.boundless.com/psychology/textbooks/boundless-psychology- textbook/personality-16/psychodynamic-perspectives-on-personality-77/freudian- psychoanalytic-theory-of-personality-304-12839/>. Acesso em: 7 jan. 2017. BRASIL. Governo do Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/>. Acesso em: 3 jan. 2018. ___________. Legislação. Decreto n. 6.040 de 7 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/1970-1979/D70946.htm>. Acesso em: 28 jun. 2017. ___________. Legislação. Decreto n. 70.943 de agosto de 1972. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/1970-1979/D70946.htm>. Acesso em: 28 jun. 2017. ___________. Legislação Lei n. 8.069 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 27 jun. 2017. ___________. Legislação. Decreto Legislativo n. 592 de junho de 2009. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2009/decretolegislativo-592-27-agosto-2009- 590894-publicacaooriginal-116024-pl.html>. Acesso em: 5 jun. 2017. ___________. Legislação. Lei n. 9.472 de julho de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9474.htm>. Acesso em: 28 jun. 2017. ___________. Legislação. Lei n. 10.741 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 27 jun. 2017. ___________. Legislação. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 27 mar. 2017. 297 ___________. Legislação. Lei n. 13.445 de maio de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm>. Acesso em: 28 jun. 2017. BROCHURESIGI2015. Social Institutions and Gender Index. Disponível em: <https://www.genderindex.org/wp-content/uploads/files/docs/BrochureSIGI2015.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2018. BROWN, Steven. Investigating a Culture of Disability: Final Report. Washington: National Institute on Disability and Rehabilitation Research, 1994. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. ___________. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. BRAVEMAN, Paula. What are Health Disparities and Health Equity? We Need to be Clear. In: Public Health Rep., 2014, Jan-Feb; 129(Suppl 2): 5–8. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3863701/>. Acesso em: 2 maio 2018. BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. Nova Iorque: Oxford Press, 2003. BUNCHAFT, Maria Eugenia. Transexualidade e o “Direito dos Banheiros” no STF: uma Reflexão à luz de Post, Siegel e Fraser. In: Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 6, n. 3, 2016. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/4112-19900-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2000. BUSHAW, Jennifer. Suicide or Sacrifice? An Examination of the Sati Ritual in India. Chicago: University of Chicago Press, 2007. Disponível em: <http://www.academia.edu/1963554/SUICIDE_OR_SACRIFICE_An_Examination_of_the_S ati_Ritual_in_India>. Acesso em: 9 abr. 2018. BUTTERMAN, Steven. Vigiando a (in)Visibilidade: Representações Midiáticas da Maior Parada Gay do Planeta. São Paulo: SJT Saúde, Educação, Cultura e Editora/nVersos, 2012. BUTLER, Judith. Frames of War: when Life is Grievable. New York: Verso, 2009. ___________. Precarious Life: the Powers of Mouring and Violence. New York: Verso, 2004. ___________. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ___________. Quem tem Medo de Falar sobre Gênero?. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cozmjJpMakM>. Acesso em: 1 jul. 2018. CARVALHO RAMOS, André de. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. ___________. O diálogo das cortes: o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto; JUBILUT, Liana Lyra (orgs.). O STF e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. ___________. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2015. ___________. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. São Paulo: Saraiva, 2014. CAMERON, Michelle. Two-spirited Aboriginal People: Continuing Cultural Appropriation by non-Aboriginal society. In: Canadian women studies, 24 (2/3), 123-127. Disponível em: <https://cws.journals.yorku.ca/index.php/cws/article/view/6129>. Acesso em: 6 jan. 2018. 298 CANADA. LGBTQ2 Refugees. Disponível em: <https://www.canada.ca/en/immigration- refugees-citizenship/services/refugees/canada-role/lgbtq2.html>. Acesso em: 8 jan. 2018. ___________. Guidelines issued by the Chairperson pursuant to paragraph 159(1)(h) of the Immigration and Refugee Protection Act. Disponível em: <http://www.irb- cisr.gc.ca/Eng/BoaCom/references/pol/GuiDir/Pages/GuideDir09.aspx#a7>. Acesso em: 8 jan. 2018. ___________. Guidelines issued by the Chairperson pursuant to Section 65(3) of the Immigration Act. Disponível em: <http://www.irb- cisr.gc.ca/Eng/BoaCom/references/pol/GuiDir/Pages/GuideDir04.aspx>. Acesso em: 8 jan. 2018. ___________. Immigration and Refugee Protection Act. Disponível em: <https://laws- lois.justice.gc.ca/eng/acts/i-2.5/>. Acesso em: 21 dez. 2018. CANÇADO TRINDADE. O Direito Internacional em um Mundo em Transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. CANTU, Césare. História Universal. São Paulo: Américas, 2003. CARCARÁ, Thiago Anastácio; SILVEIRA, Cristiana Maria Maia; OLIVEIRA JÚNIOR, Vicente de Paulo Augusto de. Discurso do Ódio como Obra Literária Religiosa: Limite do Tolerável. In: Encontro Internacional De Direitos Culturais, Fortaleza, 2012, p. 1- 15. Disponível em: <http://www.direitosculturais.com.br/anais_interna.php?id=18>. Acesso em: 12 fev. 2017. CARTA CAPITAL. Judith Butler é Agredida ao Embarcar no Aeroporto de Congonhas. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/judith-butler-e-agredida-ao- embarcar-no-aeroporto-de-congonhas>. Acesso em: 1 jul. 2018. CARTER, David. Stonewall: the Riots that Sparked the Gay Revolution. New York: St. Martin's Press, 2004. CARVALHO, Laura. Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico. São Paulo: Todavia, 2018. CASAGRANDE, Melissa Martins. Refugiados: Proteção Universal sob a Perspectiva da Aplicação Transistêmica do Direito Interno e do Direito Internacional. In: Revista Jurídica da Presidência, v. 19, n. 117, Brasília: 2017. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/1458-3651-1-PB.pdf>. Acesso em 29 jun. 2017. CASELLA, Paulo Borba. Direito Internacional no Tempo Moderno: de Suarez a Grócio. São Paulo: Atlas, 2014. ___________. Fundamentos do Direito Internacional Pós-modernos. São Paulo: Quartier Latin, 2008. CECRIA. Relatório Nacional Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial. Brasília: Cecria Mimeo, 2002. CENTRO DE REFERÊNCIA LEGAL. Opinião Consultiva n. 5/85. Disponível em: <http://artigo19.org/centro/esferas/detail/21>. Acesso em: 10 fev. 2017. CHARRIÈRE, Florianne. Réfugié ou Migrant? Analyse des Representations de l’Asile au Sénégal et au Ghana. Institut d’Ethnologie, Université de Neuchâtel: 2010. 299 CHENG, Patrick. Radical Love: an Introduction to Queer Theology. In: Journal of the American Academy of Religion, v. 80, n. 1, 2012. Disponível em: <https://academic.oup.com/jaar/article-abstract/80/1/272/1016118?redirectedFrom=fulltext>. Acesso em: 29 jun. 2018. CHODOROW, Nancy. The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the Sociology of Gender. Berkeley: University of California Press, 1978. ___________. Women’s Intellectual Contributions to the Study of Mind and Society. Disponível em: <http://faculty.webster.edu/woolflm/chodorow2.html>. Acesso em: 1 jul. 2018. CHOMSKY, Noam. Who Rules the World? New York: Metropolitan Books, 2016. CLAPHAM, Andrew. Human rights: a Very Short Introduction. New York: Oxford, 2007. CLINTON, Hillary. What Happened? New York: Simon & Schuster, 2017. CNPQ. Adilson Jose Moreira. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do>. Acesso em: 5 fev. 2018. ___________. Djamila Taís Ribeiro dos Santos. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4796348P1>. Acesso em: 5 fev. 2018. ___________. Marcia Angelita Tiburi. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4796348P1>. Acesso em: 5 fev. 2018. ___________. Patrícia Tuma Martins Bertolin. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4745308E3>. Acesso em: 5 fev. 2018. ___________. Richard Miskolci. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4799413P9 >. Acesso em: 1 jul. 2018. COLLEGE DE FRANCE. Michel Foucault. Disponível em: <http://www.college-de- france.fr/site/michel-foucault/Resumes-des-cours-du-Pr-Michel-Foucault-au-College-de- France-1970-1984.htm>. Acesso em: 4 set. 2017. COLLEGE OF ARTS AND SCIENCES. Steven Butterman. Disponível em: <http://www.as.miami.edu/mll/people/faculty/butterman-steven-f--/>. Acesso em: 6 mar. 2018. COLLINS, Patricia Hill. From Black Power to Hip Hop: Racism, Nationalism and Feminism. Philadelphia: Temple University Press, 2013. COLUMBIA LAW SCHOOL. Kimberlé Williams Crenshaw. Disponível em: <http://www.law.columbia.edu/faculty/kimberle-crenshaw>. Acesso em 29 mai. 2017. COMBAHEE RIVER COLLECTIVE STATEMENT. All the Women are White, all the Blacks are Men, but some of us are Brave. In: HULL, Gloria; BELL, Patricia Scott; SMITH, Barbara (Org.). New York: The Feminist Press. 1982 [1977]. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2003. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pacto de São José da Costa Rica. Disponível em: 300 <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Último acesso em: 10 fev. 2017. ___________. LGBTI. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/>. Último acesso em: 26 jun. 2018. COMMISSION ON THE STATUS OF WOMEN. The Elimination and Prevention of all Forms of Violence Against Women and Girls: Agreed Conclusions. Disponível em: <http://www.un.org/womenwatch/daw/csw/csw57/CSW57_agreed_conclusions_advance_une dited_version_18_March_2013.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2018. CONNELL, Raewyn. The Men and the Boys. Berkeley, University of California Press, 2000. COUNTRYECONOMY. Gross Domestic Product. Disponível em: <https://countryeconomy.com/gdp>. Acesso em: 21 jan. 2018. CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Opinión Consultiva sobre Identidad de Género, y no Discriminación a Parejas del Mismo Sexo. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/comunicados/cp_01_18.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2018. COSTA, Jurandyr F. A Face e o Verso: Estudos sobre o Homoerotismo II. São Paulo: Escuta, 1995. COSTA, Paul Jr.; MCCRAE, Robert. Set like Plaster? Evidence for the Stability of Adult Personality. In: HEATHERTON, Todd; WEINBERGER, Joel. Can personality change? Washington, DC: American Psychological Association, 1994. CRENSHAW, Kimberlé Williams. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: a Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. In: University of Chicago Legal Forum, v. 1989, p. 139–163. Disponível em: <https://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8/?utm_source=chicagounbound.uch icago.edu%2Fuclf%2Fvol1989%2Fiss1%2F8&utm_medium=PDF&utm_campaign=PDFCov erPages>. Acesso em: 20 dez. 2018. ___________. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color. In: Stanford Law Review, v. 43(6), 1991, p. 1241–99. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/1229039?seq=1#page_scan_tab_contents>. Acesso em: 20 dez. 2018. CROCK, Mary; MCCALLUM, Ron; ERNST, Christiene. Where Disability and Displacement Intersect: Asylum Seekers with Disabilities. Discussion paper prepared for the vulnerable persons working group international association of refugee law judges world conference bled, Slovenia, 7-9 September 2011. Disponível em: <https://www.iarlj.org/images/stories/BLED_conference/papers/Disability_and_Displacement -background_paper.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2018. CURIA EUROPA. Judgment in Case C-673/16 Relu Adrian Coman and Others v Inspectoratul General Pentru Imigrӑri and Others. Disponível em: <https://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2018-06/cp180080en.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018. CYTRYNOWICZ, Roney. Além do Estado e da Ideologia: Imigração Judaica, Estado- Novo e Segunda Guerra MunidaI. In: Revista brasileira de história, v. 22, n. 44, São Paulo, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 01882002000200007#back28>. Acesso em: 22 mai. 2017. CZECH REPUBLIC. Government of Czech Republic. Disponível em: <https://www.vlada.cz/en/>. Acesso em: 3 jan. 2018. 301 DAUVERGNE, Catherine. Globalizing Fragmentation: New Pressures on Women Caught in the Immigration Law-citizenship Law Dichotomy. In: BENHABIB, Seyla; RESNIK, Judith (Org.). Migration and Mobilities: Citizenship, Borders and Gender. Nova York: New York University Press, 2009. DA SILVA, Luiza Gomes. A Evolução dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-evolucao-dos-direitos- humanos,42785.html#_ftn187> Acesso em: 29 dez. 2016. DE BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 2008. DALLARI, Dalmo de Abreu. A Luta pelos Direitos Humanos. In: LOURENÇO, Maria Cecília França. Direitos Humanos em dissertações e teses da USP: 1934-1999. São Paulo: Universidade de São, 1999. DEHESA, Rafael de la. Queering the Public Sphere in Mexico and Brazil: Sexual Rights Movements in Emerging Democracies. North Carolina: Duke University Press, 2010. DENMARK. The Oficial Website of Denmark. Disponível em: <http://denmark.dk/>. Acesso em: 27 dez. 2017. DIAS; Joelson; FERREIRA, Laíssa da Costa; GUGEL, Maria Aparecida; COSTA FILHO; Waldir Macieira (Org.). Novos Comentários à Convenção da Pessoa com Deficiência. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencao- sdpcd-novos-comentarios.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2017. DIAS, Júlia Machado; ARCÂNGELO, Élton de Melo. Feminismo Decolonial e Teoria Queer: Limites e Possibilidades de Diálogo nas Relações Internacionais. Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v.6. n.11, jan./jun. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/6913-20715-1-PB%20(1).pdf>. Acesso em: 29 jan. 2018. DIREITO INTERNACIONAL. Legislação. Agenda 2030. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 18 dez. 2018. ___________. Legislação. Charter of Fundamental Rights of the European Union. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_en.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2018. ___________. Legislação. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 27 mar. 2017. ___________. Legislação. Convenção das Nações Unidas Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_das_Na%C3%A7%C3%B5es_U nidas_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados>. Acesso em: 28 jun. 2017. ___________. Legislação. Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0040.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018. ___________. Legislação. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, (“Convenção de Belém do Pará”). Disponível em: < http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em: 14 mai. 2017. ___________. Legislação. Convenção n. 169, OIT. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/Convencao_169.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2017. 302 ___________. Legislação. Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/CAO_Idoso/Textos/Convenção%20Interamerica na.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2017. ___________. Legislação. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Disponível em: <http://www.ampid.org.br/ampid/Docs_PD/Convencoes_ONU_PD.php#guatemala>. Acesso em: 15 maio 2017. ___________. Legislação. Convenção Internacional para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias. Disponível em: < https://www.oas.org/dil/port/1990%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20Internacional%20sob re%20a%20Protec%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Direitos%20de%20Todos%20os%20Tra balhadores%20Migrantes%20e%20suas%20Fam%C3%ADlias,%20a%20resolu%C3%A7%C 3%A3o%2045-158%20de%2018%20de%20dezembro%20de%201990.pdf >. Acesso em: 6 jun. 2018. ___________. Legislação. Convenção para a Proteção de Todas as Formas de Desaparecimentos Forçados. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2016/decreto/D8767.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018. ___________. Legislação. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951). Disponível em: << http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Esta tuto_dos_Refugiados.pdf?view=1>>. Acesso em: 7 nov. 2015. ___________. Legislação. Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CrimeOfGenocide.aspx>. Acesso em: 29 jan. 2017. ___________. Legislação. Convenção sobre Asilo Diplomático. Disponível em: < http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/a-46.htm >. Acesso em 28 jun. 2017. ___________. Legislação. Convenção sobre Asilo Territorial. Disponível em: <https://docs.google.com/file/d/0BwbnJ2EXfmcDYzYyYTc4MGYtMTZmZS00ZDhlLTg4M WEtZDI5MmU3YmVjZjk5/edit?hl=pt_BR >. Acesso em 28 jun. 2017. ___________. Legislação. Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: <https://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2017. ___________. Legislação. Convención sobre el Estatuto de los Refugiados. Disponível em: < https://es.wikipedia.org/wiki/Convenci%C3%B3n_sobre_el_Estatuto_de_los_Refugiados>. Acesso em: 30 jun. 2017. ___________. Legislação. Declaração de Cartagena. Disponível em: <http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/portugues/BD_ Legal/Instrumentos_Internacionais/Declaracao_de_Cartagena>. Acesso em: 29 jun. 2017. ___________. Legislação. Declaração de San José sobre Pessoas Refugiadas. Disponível em: <http://refugiados.net/1cpr/www/legislacao/leis/sanjose.html>. Acesso em: 29 jun. 2017. ___________. Legislação. Declaração Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: 303 <http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/61AA3835/O-Futuro-que-queremos1.pdf>. Acesso em 10 set. 2017. ___________. Legislação. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2017. ___________. Legislação. Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas. Disponível em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_2/IIIPAG3_2_10.htm>. Acesso em: 27 mar. 2017. ___________. Legislação. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2017. ___________. Legislação. Estatuto de la Oficina del Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Refugiados. Disponível em: <http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/BDL/2001/000 4>. Acesso em: 28 jun. 2017. _________________. Legislação. New York Declaration for Refugees and Migrants. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/71/1>. Acesso em: 05 set. 2017. ___________. Legislação. Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1976. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/m_591_1992.htm>. Acesso em: 1 out. 2016. ___________. Legislação. Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966. Disponível em: <http://www.rolim.com.br/2002/_pdfs/067.pdf>. Acesso em: 1 out. 2016. ___________. Legislação. Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África. Disponível em: <http://www.achpr.org/instruments/women-protocol/>. Acesso em: 8 jan. 2019. ___________. Legislação. Protocolo de Olivos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d4982.htm >. Acesso em: 6 jun. 2018. ___________. Legislação. Protocolo de Relativo ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: <http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/portugues/BD_ Legal/Instrumentos_Internacionais/Protocolo_de_1967>. Acesso em: 28 jun. 2017. ___________. Legislação. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/D5017.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2017. ___________. Legislação. Resolution n. 17/19. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/RES/32/2>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 27/32. Disponível em: <https://daccess- ods.un.org/TMP/2971872.38931656.html>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 32/2. Disponível em: <https://daccess- ods.un.org/TMP/8756979.10785675.html>. Acesso em 18 jun. 2018. 304 ___________. Legislação. Resolution n. 1325 (2000). Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1325(2000)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 1820 (2008). Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1820(2008)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 1888 (2009). Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1888(2009)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 1889 (2009). Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1889(2009)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 1960 (2010). Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/1960(2010)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 2106 (2013). Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/2106(2013)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 2122 (2013). Disponível em: < http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/2122(2013)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Resolution n. 2242 (2015). Disponível em: < http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/2242(2015)>. Acesso em 18 jun. 2018. ___________. Legislação. Rome statute of the international criminal court. Disponível em: <http://legal.un.org/icc/statute/99_corr/cstatute.htm>. Acesso em 30 jan. 2017. ___________. Legislação. Tratado de Direito Penal Internacional de Montevidéu. Disponível em: <https://www.pj.gob.pe/wps/wcm/connect/6fccc1804972a650ae78ffcc4f0b1cf5/Tratado+de+ Derecho+Penal+Internacional+de+Montevideo.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em 28 jun. 2017. ___________. Legislação. Treaty on the European Union. Disponível em: http://eur- lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex%3A12012M%2FTXT>. Acesso em 31 jan. 2018. DAVIS, Angela. Women, Race and Class. New York: Random House: 1981. DEUTSCHLAND. Deutschland. Disponível em: <https://www.deutschland.de/es>. Acesso em: 3 jan. 2018. DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/2_3/IIPAG2_3.htm>. Acesso em: 6 jan. 2017. DONNELLY, Jack. What are Human Rights? A Historical and Conceptual Analysis. Tese (Doutorado em Filosofia Política) – University of California, BERKELEY. 1981. DUARTE, Clarice Seixas. O ciclo de Políticas Públicas. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins (Org.). O Direito e as Políticas Públicas, São Paulo: Atlas, 2014. 305 DW. Child Refugees in Greece Sell sex for Smugglers’ Fees. Disponível em: <http://www.dw.com/en/child-refugees-in-greece-sell-sex-for-smugglers-fees/a-38535488>. Acesso em: 6 mar. 2018. EMORY LAW SCHOOL. Martha Albertson Fineman. Disponível em: <http://law.emory.edu/faculty-and-scholarship/faculty-profiles/fineman-profile.html>. Acesso em: 27 jul. 2017. ENCÍCLICA PAPAL Centessimus Annus, de 1 de maio de 1991. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/en/encyclicals/documents/hf_jp- ii_enc_01051991_centesimus-annus.html>. Acesso em: 19 jun. 2018. EPISCOPAL CHURCH. We are who we are. Disponível em: <https://www.episcopalchurch.org/page/lgbt-church>. Acesso em: 27 jun. 2018. EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Current Migration Situation in the EU: Lesbian, Gay, Bisexual, Transgender and Intersex Asylum Seekers. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/fra-march-2017-monthly-migration-report- focus-lgbti_en.pdf>. Acesso em: 3 jan. 2018. ESHEL. Disponível em: <http://www.eshelonline.org/>. Acesso em: 15 jan. 2017. ESPAÑA. Gobierno de España. Disponível em: <http://www.lamoncloa.gob.es/Paginas/index.aspx>. Acesso em: 3 jan. 2018. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 27 mar. 2017. ESTONIA. Republic of Estonia. Disponível em: <https://www.valitsus.ee/en/search/site/gender%2520refugees?page=3>. Acesso em: 3 jan. 2018. EXAME. 43% declaram apoio a intervenção militar no Brasil. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/43-declaram-apoio-a-intervencao-militar-temporaria-no- brasil/>. Acesso em: 1 jul. 2018. FARENA, Duciran. O Sonho Americano. Disponível em: <http://www.prpb.mpf.mp.br/artigos/artigos-procuradores/o-sonho-americano>. Acesso em: 17 jul. 2017. FEDERAL RESEARCH DIVISION. Saudi Arabia, a Country Study. Washington: the U.S. Government, 2004. Disponível em: <https://www.loc.gov/resource/frdcstdy.saudiarabiacount00metz_0/?sp=3>. Acesso em 30 jun. 2017. FERNANDES, Estevão Rafael. Decolonizando Sexualidades: Enquadramentos Coloniais e Homossexualidade Indígena no Brasil e nos Estados Unidos. 2015. 381 f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Instituto de Ciências Sociais. Universidade Nacional de Brasília, Brasília. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003. FILHO, Orlando Villas Bôas. OrlandoVillas Bôas: Expedições, Reflexões e Registros. São Paulo: Metalivros, 2006. FINEMAN, Martha Albertson. The Vulneralble Subject: Anchoring Equality in the Human Condition. In: Yale journal of Law and feminism review; v. 2, issue 1, article 2, 2008, p. 1- 23. Disponível em: 306 <http://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1277&context=yjlf>. Acesso em: 17 jul. 2017. FINLAND. The Finnish Government. Disponível em: < http://valtioneuvosto.fi/en/frontpage>. Acesso em 27 dez. 2017. FINNIS, John. Lei natural e Direitos Naturais. Tradução de Leila Mendes. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2007. FRANCE. Gouvernment.fr. Disponível em: <http://www.gouvernement.fr/>. Acesso em: 27 dez. 2017. FRASER, Nancy. Justice Interruptus: Critical Reflections on the Postsocialist Condition. New York: Routledge, 2011. FREE AND EQUAL. The History of the LGBT Rights in the UN. Disponível em: <https://www.unfe.org/un-leaders-sport-stars-activists-join-forces-equality/>. Acesso em: 24 maio 2018. FOTOS PÚBLICAS. Fotos públicas. Disponível em: <http://fotospublicas.com/>. Acesso em 6 abr. 2018. FOLHA. Governo Federal Cria Subcomitês para Crise de Venezuelanos em Roraima. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/05/governo-federal-cria- subcomites-para-crise-de-venezuelanos-em-roraima.shtml>. Acesso em: 1 jul. 2018. ___________. Percentual de Mulheres Eleitas para a Câmara cresce de 10% para 15% . Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/percentual-de-mulheres- eleitas-para-a-camara-cresce-de-10-para-15.shtml>. Acesso em: 12 abril 2019. FOUCAULT, Michael. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 2006. ___________. Sexualidades Ocidentais. Lisboa: Contexto Editora Ltda, 1983. ___________. História da Sexualidade I: a Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. FREUD, Sigmund. Sigmund Freud. La Interpretación de los Sueños. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1900. ___________. Cinco Lições de Psicanálise; A história do movimento psicanalítico; O futuro de uma Ilusão; O mal-estar na civilização; Esboço de Psicanálise. São Paulo: Abril Cultural, 1978. ___________. Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise. Terapia analítica. In: Standard Edition, 1980/1916-1917, v. 16, p. 523-539, Rio de Janeiro: Imago. FURTADO, Gabriela; RODER, Henrique; AGUILAR, Sergio. A Guerra Civil Síria, o Oriente Médio e o Sistema Internacional. In: Série Conflitos Internacionais, v. 1, n. 6, São Paulo, Dec. 2014. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/a- guerra-civil-siria.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2017. GALTUNG, Johan. Violence Peace and Peace Research. In: Journal of Peace Research, v. 6, n. 3 (1969), pp. 167-191. Disponível em: <http://www2.kobe- u.ac.jp/~alexroni/IPD%202015%20readings/IPD%202015_7/Galtung_Violence,%20Peace,% 20and%20Peace%20Research.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2018. GARLAND-THOMSON, Rosemarie. Staring: How we Look. New York: Oxford University Press, 2009. 307 GLOBAL GENDER GAP REPORT. Global Gender Gap Report 2017. Disponível em: < https://www.weforum.org/reports/the-global-gender-gap-report-2017>. Acesso em: 3 dez. 2017. GOMARASCA, Paolo. Multiculturalismo e Convivência. São Paulo: Uma introdução, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/remhu/v20n38/a02v20n38.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2010. GRAMSCI, Antônio. O Ressurgimento. Notas sobre a História da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. ___________. Cadernos do Cárcere: Introdução ao Estudo da Filosofia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. GREENLAND. Naalakkersuisut. Disponível em: <http://naalakkersuisut.gl/en>. Acesso em: 3 jan. 2018. GROSSI, Miriam Pillar. Identidade de Gênero e Sexualidade. Florianópolis: Editora da UFSC, 1998. GIBRALTAR. HM Government of Gibraltar. Disponível em: <https://www.gibraltar.gov.gi/new/>. Acesso em: 3 jan. 2018. GILLIGAN, Carol. A Different Voice. Cambridge: Harvard Press, 2016. GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação Afirmativa e o Princípio Constitucional da Igualdade. São Paulo: Editora Renovar, 2001. GONÇALVEZ, Maria Beatriz Ribeiro. Direito Internacional Público e Privado. São Paulo: JusPodivm, 2016. GORCZEVSKI, Clovis; MARTIN, Nuria Belloso. A Necessária Revisão do Conceito de Cidadania: Movimentos Sociais e Novos Protagonistas na Esfera Pública Democrática. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2011. GOV.UK. PM Speaks at the Commonwealth Joint Forum Plenary: 17 April 2018. Disponível em: <https://www.gov.uk/government/speeches/pm-speaks-at-the-commonwealth-joint- forum-plenary-17-april-2018>. Acesso em: 1 maio 2018. GUADELOUP ISLAND. Disponível em: <http://www.regionguadeloupe.fr/accueil/#_>. Acesso em: 3 jan. 2018. GUTMANN, Amy. Introducción. In: TAYLOR, Charles. El Multiculturalismo y la Política del Reconocimiento. Tradução de Mónica Utrilla de Neira. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. G1. Lula tem 33%, Bolsonaro, 15%, Marina, 7%, e Ciro, 4%, aponta pesquisa Ibope. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/lula-tem-33-bolsonaro-15-marina-7- e-ciro-4-aponta-pesquisa-ibope.ghtml>. Acesso em: 1 jul. 2017. HARKNESS, Allan; LILIENFELD, Scott. Individual Differences Science for Treatment Planning: Personality Traits. Disponível em: <http://psycnet.apa.org/index.cfm?fa=buy.optionToBuy&uid=1997-43856-002>. Acesso em 8 jan. 2017. 308 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre Facticidade e Norma. Tradução de Flávio Sibeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. HAFEEZ, Hudaisa; ZESHAN, Muhammad; TAHIR, Muhammad; JAHAN, Nusrat; Naveed, Sadiq. Health Care Disparities Among Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender Youth: A Literature Review. In: Cureus, v.9(4), 2017. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5478215/>. Acesso em: 5 maio 2018. HENNING, Carlos Eduardo. Interseccionalidade e Pensamento Feminista: Contribuições Históricas e Debates Contemporâneos. In: Revista mediações (UEL); v. 20, p. 97-128, 2015. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/22900-108417-1-PB.pdf>. Acesso em 22 mai. 2017. HOLOCAUST ENCYCLOPEDIA. Refugees. Disponível em: <https://encyclopedia.ushmm.org/content/en/article/refugees>. Acesso em: 20 dez. 2017. HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a Gramática Moral dos Conflitos Sociais. Tradução de Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2003. ___________. La Société du Mépris. Vers une nouvelle Théorie Critique. Traduzido do alemão para o francês por Olivier Voirol, Pierre Rusch e Alexandre Dupeyrix. Paris: Éditions La Découverte, 2006. HUMAN RIGHTS COUNCIL. Promotion and Protection of all Human Rights, Civil, Political, Economic, Social and Cultural Rights, Including the Right to Development: the Question of Death Penalty. Disponível em: <http://undocs.org/A/HRC/36/L.6>. Acesso em: 21 jan. 2018. HUMAN RIGHTS CAMPAIGN. Stances of Faiths on LGBTQI Issues: Metropolitan Community Churches. Disponível em: <https://www.hrc.org/resources/stances-of-faiths-on- lgbt-issues-metropolitan-community-churches>. Acesso em: 27 jun. 2018. HYSA, Eglantina; HOXHA, Mimi. Does Financial Aid Help or Harm Developing Countries: Case of Albania. In: EuroEconomica, v. 33, n. 2, 2014. Disponível em: <http://journals.univ- danubius.ro/index.php/euroeconomica/article/view/2183/3173>. Acesso em: 2 maio 2018. ICELAND. The Oficial Gateway to Iceland. Disponível em: <http://www.iceland.is/>. Acesso em: 27 dez. 2017. IGLA. State-Sponsored Homophobia. Disponível em: <http://ilga.org/downloads/2017/ILGA_State_Sponsored_Homophobia_2017_WEB.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2017. IMMIGRATION EQUALITY. The Nation's Leading LGBTQ: Immigrant Rights Organization. Disponível em: <https://www.immigrationequality.org/get-legal-help/our-legal- resources/asylum/#.WnsTRa6nHIU>. Acesso em: 7 fev. 2018. INGRAM, Helen; FIEDERLEIN, Suzanne. Traversing boundaries: a public policy approach to the analysis of foreign policy. In: Political Research Quarterly, v. 41, n. 4, pp.725-745. INTERNATIONAL COOPERATION AND DEVELOPMENT. Gender Equality. Disponível em: <https://ec.europa.eu/europeaid/sectors/human-rights-and-governance/gender_en>. Acesso em: 26 jun. 2018. 309 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Forced Labour, Modern Slavery and Human Trafficking. Disponível em: <http://www.ilo.org/global/topics/forced-labour/lang-- en/index.htm>. Acesso em: 4 maio 2018. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION (IOM). Global Compact for Migration. Disponível em: <https://www.iom.int/global-compact-migration>. Acesso em: 4 set. 2017. INTERNATIONAL LAW COMISSION. Draft Articles on the Responsibility of International Organizations, with Commentaries. Disponível em: <http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/commentaries/9_11_2011.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018. IN THE UNITED STATES COURT OF APPEALS FOR THE ELEVENTH CIRCUIT. Jean Herold Jean-Pierre. Disponível em: <http://media.ca11.uscourts.gov/opinions/pub/files/200613359.pdf>. Acesso em 7 fev. 2018. INDEPENDENT. Pride and Prejudice: the New Normal Puts a Relationship between two Gay Men Centre Stage. Disponível em: <http://www.independent.co.uk/arts- entertainment/tv/features/pride-and-prejudice-the-new-normal-puts-a-relationship-between- two-gay-men-centre-stage-8444900.html>. Acesso em: 17 jul. 2017. IPEA. Atlas da Violência 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf> Acesso em: 28 jun. 2017 IPPF. IMAP Statement on Hormone Therapy for Transgender People. Disponível em: <https://www.ippf.org/sites/default/files/ippf_imap_transgender.pdf>. Acesso em: 5 maio 2018. IRELAND. Government of Ireland. Disponível em: <http://www.gov.ie/>. Acesso em: 27 dez. 2017. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Direito Penal Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. JELLINEK, Georg. Allgemeine Staatslehre. Berlin: University of California Libraries, 1914. JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre Identidade de Gênero: Conceitos e Termos. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.diversidadesexual.com.br/wp- content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf>. Acesso em: 7 set. 2017. JOURNAL OF CLINICAL RESEARCH AND BIOETHICS. Abortion and Ethics. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/abortion-and-ethics-2155-9627-1000291.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2018. JUNG, Carl Gustav. The Earth has a Soul: the Nature Writings of C.G. Jung. Berkeley, California: North Atlantic Books, 2002. ___________. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. São Paulo: Editora Vozes, 2000. JURISPRUDENCIA DEL TRIBUNAL DE JUSTICIA. Judgment of the court (third chamber). Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=198766&pageIndex=0&do clang=en&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=830472>. Acesso em: 25 jan. 2018. KLABBERS, Jan. International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. 310 KEYGNAERT, Ines; VETTENBURG, Nicole; TEMMERMAN, Marleen. Hidden violence in silente rape: sexual and gender-based violence in refugees, asylum seekers and undocumented migrants in Belgium and Netherlands. In: Culture, health and sexuality, 2012, May; 14(5): pp. 505-520. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3379780/>. Acesso em: 12 fev. 2018. KYMLICKA, Will. Federalismo, Nacionalismo y Multiculturalismo. 1996. Disponivel em: <///C:/Users/Usuario/Downloads/Kumlicka,%20Will%20- %20Federalismo,%20nacionalismo%20y%20multiculturalismo%20-%20artigo.pdf.> Acesso em: 3 abr. 2017. ___________. The Rights of Minority Cultures: Reply to Kukathas. Ontario: Political Theory, 1992. LACEY, Hugh. A Imparcialidade da Ciência e as Responsabilidades dos Cientistas; Sci. stud., v. 9, n. 3, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662011000300003>. Acesso em: 13 dez. 2017. LALAGUNA, Paloma Durán. Manual de Derechos Humanos. Granada: Comares, 1993. LAMRABET, Asma. Reconsidérer la Problématique des Femmes et de l’Egalité en Islam. In: Mouvements, 2012/4, n. 72. Disponível em: <https://www.cairn.info/article.php?ID_ARTICLE=MOUV_072_0022#no1>. Acesso em: 6 jun. 2018. LEFORT, Claude. La Invención Democrática. Buenos Aires, Argentina: Ediciones Nueva Visión, 1990. LGBT. As Cores da Bandeira LGBT e seu Significado. Disponível em: <http://www.lgbt.pt/cores-bandeira-lgbt/>. Acesso em: 10 dez. 2017. LEIDEN LAW SCHOOL. Kees Waaldijk. Disponível em: <https://www.universiteitleiden.nl/en/staffmembers/kees-waaldijk#tab-5>. Acesso em: 6 mar. 2018. LIMA, Cila. Um Recente Movimento Político Religioso: Feminismo Islâmico. In: Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 22(2): 304, maio-agosto/2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v22n2/a19v22n2.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2018. LOCHER, Birgit; PRÜGL, Elisabeth. Feminism and Constructivism: Worlds Apart or Sharing the Middle Ground? International studies quarterly, v. 45, n. 1, p. 111-129, 2001. LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. LUXEMBOURG. The Official Portal of the Grand Dutchy of Luxembourg. Disponível em: <http://www.luxembourg.public.lu/en/>. Acesso em: 3 jan. 2018. MACIEJCZAK, Justyna. Sexual violence as a weapon of war. In: E-international relations students, v. 1, New York, 2003. Disponível em: <http://www.e-ir.info/2013/10/09/sexual- violence-as-a-weapon-of-war/>. Acesso em: 9 abr. 2018. MACH, Eva. Implementation of the Migration Environment and Climate Change-related Commitments of the 2030 Agenda. In: International Organization for Migration (Org.). Migration in the Agenda 2030. Genebra: International Organization for Migration, 2017. 311 Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Dropbox/migration_in_the_2030_agenda.pdf>. Acesso em: 8 set. 2017. MACQUARRIE, John. Existentialism. Nova York: Westminster of Philadelphia Publishers, 1972. MACKINNON, Catharine. Sexual Harassment of Working Women: a Case of Sex Discrimination. New Haven: Yale University Press, 1979. ___________. Feminism Unmodified: Discourses on Life and Law. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1979. ___________. Toward a Feminist Theory of the State. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1989. ___________. Only Words. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1993. ___________; DWORKIN, Andrea. In Harm's Way: the Pornography Civil Rights Hearings. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1997. ___________. Women's Lives, Men's Laws. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2005. ___________. Are Women Human? And other International Dialogues. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2006. ___________. Prostitution and Civil Rights. In: Michigan Journal of Gender and Law, v. 1, pp. 13-31, 1993. Disponível em: <https://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1192&context=mjgl>. Acesso em: 13 fev. 2018. MANCHESTER. Prof. Carol Smart – personal details. Disponível em: <http://www.manchester.ac.uk/research/carol.smart>. Acesso em: 14 jul. 2017. MARK, Naomi. Identities in conflict: forging an orthodox gay identity. In: Journal of gay and lesbian mental health, v. 1. New York: AGLP: 2008. MARTIN, Susan Forbes. Mujeres e niños refugiados. In: La Mujer Ausente: Derechos Humanos en el Mundo. España: Isis Internacional, 2010. MARTINIQUE. Les services de l’État de en Martinique. Disponível em: <http://www.martinique.pref.gouv.fr/content/search?SearchText=lgbt+refugie&SearchButton. x=11&SearchButton.y=8>. Acesso em: 3 jan. 2018. MAPLECROFT. Companies operating in resource rich countries risk Complicity. In: Actions by security forces against women. Disponível em: <https://maplecroft.com/about/news/womens_girls_right_index.html>. Acesso em: 30 jun. 2017. ___________. Sexual Violence Index. Disponível em: <http://www.huffingtonpost.com/2013/03/26/sexual-violence-in-conflict-index- 2013_n_2956085.html>. Acesso em: 30 jun. 2017. MARTINS. Christine Baccarat de Godoy; JORGE, Maria Helena Prado de Mello. Maus tratos infantis: um resgate da história e das políticas de proteção. In: Acta Paulista de Enfermagem, v. 23, n. 23, São Paulo, Maio/Junho 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002010000300018>. Acesso em: 27 jun. 2017. 312 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá Editora, 2003. MATHIESON, Ana; BRANAN, Easton; NOBLE, Anya. Prostitution Policy: Legalization, Decriminalization and the Nordic Model. In: Seattle Journal of Social Science, v. 14, n. 2, pp. 367-428, 2015. Disponível em: <https://digitalcommons.law.seattleu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1814&context=sjsj>. Acesso em: 22 dez. 2018. MATOS, Marlise. Movimento e Teoria Feminista: É Possível Construir uma Teoria Feminista a partir do Sul Global? In: Revista de sociologia política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 67-92, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v18n36/06.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2018. MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2014. MELLO, Anahi Guedes; NUERNBERG, Adriano Henrique. Gênero e deficiência: interseções e perspectivas. In: Revista de Estudos Feministas, v. 20, n.3, Florianópolis, Sept./Dec. 2012. MESQUITA, Raúl; DUARTE, Fernanda. Dicionário de Psicologia. São Paulo: Plátano, 1996. MIAMI HERALD. Gay Mexican Immigrant Wins Federal Court Case Can Remain in Miami. Disponível em: <http://www.miamiherald.com/news/local/community/gay-south- florida/article51041660.html>. Acesso em: 17 jul. 2017. MIAMI LAW. Caroline Bettinger-López. Disponível em: <https://www.law.miami.edu/faculty/caroline-bettinger-l%C3%B3pez>. Acesso em 19 dez. 2018. MIGALHAS. Temer Sanciona com Vetos a Lei de Migração. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI259385,71043- Temer+sanciona+com+vetos+lei+de+migracao>. Acesso em: 29 jun. 2017. MILANI, Carlos. Atores e Agendas no Campo da Política Externa Brasileira de Direitos Humanos. In: MILANI, Carlos, PINHEIRO, Letícia (Orgs.). Política Externa Brasileira: As Práticas da Política e a Política das Práticas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. __________________. PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira: Os Desafios de sua Caracterização como Política Pública. In: Contexto Internacional, Rio de Janeiro, vol. 35, n. 1, janeiro/junho, 2013. MISKOLC, Richard. Quem tem medo de Judith Butler? A Cruzada Moral contra os Direitos Humanos no Brasil. In: Cadernos Pagu, n. 53, jun., 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332018000200400>. Acesso em: 1 jul. 2018. MINISTÉRIO DA CULTURA. Ministro Calero Preside Assembleia do Tratado de Marraqueche. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/- /asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/ministro-calero-preside-assembleia-do-tratado-de- marraqueche/10883>. Acesso em 27 jun. 2017. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. TV MPF: O Direito dos Refugiados – Panorama Atual. Disponível em: <http://www.tvmpf.mpf.mp.br/videos/2239>. Acesso em 29 jun. 2017. MOGUL-ADLIN, Hannah. Unanticipated: healthcare experiences of gender nonbinary patients and suggestions for inclusive care. In: Public Health Theses, School of Public Health, 2015. Disponível em: 313 <https://elischolar.library.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=https://www.google.com.br/& httpsredir=1&article=1196&context=ysphtdl>. Acesso em: 6 maio 2018. MOORE, Diane. Overcoming Religious Illiteracy: a Cultural Studies Approach to the Study of Religion in Secondary Education. New York: Palgrave Macmillan, 2007. MOREIRA, Adilson José. Cidadania Sexual: Postulado Interpretativo da Igualdade. In: Revista Direito, Estado e Sociedade, v. 1, n. 49, pp. 10-46, 2016. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/547-2318-1-PB.pdf>. Acesso em 9 set. 2017. MOREIRA, Jacqueline de Oliveira. Édipo em Freud: o movimento de uma teoria. Psicologia em Estudo, v. 9, n. 2, p. 219-227, Maringá, mai./ago. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v9n2/v9n2a08>. Acesso em: 6 mar. 2018. MORIS, Vera Lúcia. Preciso te contar? Paternidade Homoafetiva e a Revelação para os Filhos. Tese (Doutorado em Filosofia Política) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2008. MONTCLOS, Marc-Antoine Perouse; KAGWANJA, Peter Mwangi. Refugee camps or cities? The socio-economic dynamics of the Dadaab and Kakamua camps in northen Kenya. In: Jornal of refugee studies, v. 13, n. 2, 2000. MULLERRAT, Ramon. International Principles and Rules: Current Legal and Soft Law Initiatives. In: Global Business and Human Rights. United Kindon: European Lawyer Reference, 2011. MUSTAFA, Nujeen; LAMB, Chirstina. The Girl from Aleppo: Nujeen’s Scape from War to Freedom. New York: Harper Collins, 2017. NAJMABADI, Afsaneh. Transing and Transpassing Across SexGender Walls in Iran. Women's studies quarterly, 2008, 36(3-4): 23-42. Disponível em: < https://dash.harvard.edu/handle/1/2450776>. Acesso em: 29 jan. 2018. NAMI. National Alliance on Mental Ilness. Disponível em: <https://www.nami.org/Find- Support/LGBTQ>. Acesso em: 5 maio 2018. NARVAZ, Martha; NARDI, Caetano Henrique. Problematizações Feministas à Obra de Michel Foulcault. In: Revista mal-estar e subjetividade, v. VII, n. 1, Fortaleza, mar/2007, p. 45-70. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/ppgpsi/arquivos/Problematizaaa7aa3o%20Feminiista%20aa1%20obra% 20de%20Michel%20Foucault%20-%20Martha%20e%20Henrique.pdf>. Aceso em: 23 jul. 2017. NASCIDOS LIVRES E IGUAIS. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/img/2013/03/nascidos_livres_e_iguais.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2017. NATIONS WITHOUT DOMESTIC VIOLENCE REGULATION. Countries Lacking Regulation. Disponível em: <https://www.worldatlas.com/articles/nations-without-domestic- violence-regulation.html>. Acesso em: 26 jan. 2018. NETHERLANDS. Government of Netherlands. Disponível em: <https://www.government.nl/>. Acesso em: 27 dez. 2017. NEW ZELAND. New Zeland Government. Disponível em: <https://www.govt.nz/>. Acesso em: 3 jan. 2018. 314 NEWS. Following Pride Event, Kenya’s Gay Refuge Fear for their Lives. Disponível em: <https://www.nbcnews.com/feature/nbc-out/following-pride-event-kenya-s-gay-refugees- fear-their-lives-n885136>. Acesso em: 29 jun. 2018. NIE, Jing-Bao. Non-medical Sex-selective Abortion in China: Ethical and Public Policy Issues in the Context of 40 million Missing Females. In: British Medical Bulletin, 2011; 98: 7–20. Disponível em: < https://academic.oup.com/bmb/issue/124/1>. Acesso em: 28 jan. 2018. NORWAY. Government.no. Disponível em: <https://www.regjeringen.no/en/id4/>. Acesso em: 3 jan. 2018. NOUVELLE-CALÉDONIE. Gouvernment de la Nouvelle-Calédonie. Disponível em: <https://gouv.nc/>. Acesso em: 3 jan. 2018. NYC. Gender Identity and Gender Expression. Disponível em: <http://www1.nyc.gov/assets/cchr/downloads/pdf/publications/GenderID_Card2015.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2017. ___________. Carol Gilligan. Disponível em: <https://its.law.nyu.edu/facultyprofiles/index.cfm?fuseaction=profile.overview&personid=19 946>. Acesso em: 07 jun. 2017. NYZABINO, Vedaste. The Role of Refugee-established Churches in Integrating Forced Migrants: A case Study of Word of Life Assembly in Yeoville, Johannesburg. In: HTS Theologiese Studies/Theological Studies Journal, v. 66, n. 1, 2010. Disponível em: <https://repository.up.ac.za/bitstream/handle/2263/14609/Nzayabino_Role(2010).pdf?sequen ce>. Acesso em: 29 jun. 2018. PARDO MONTANO, Ana Melisa Migración Internacional y Desarrollo. Aportes desde el Transnacionalismo. In: Revista de Estudios Sociales, 2015, n. 54, p. 39-51. OCAMPO, Raúl Granillo. Direito Internacional Público da Integração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/mandato/composicion.asp>. Acesso em: 28 jun. 2018. O GLOBO. OIM: Mais de 60 mil Imigrantes Chegaram à Europa pelo Mar em 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/oim-mais-de-60-mil-imigrantes-chegaram-europa- pelo-mar-em-2017-21397396>. Acesso em: 4 set. 2017. OHCHR. Living Free and Equal: what States are Doing to Tackle Violence and Discrimination Against Lesbian, Gay, Bisexual, Transgender and Intersex People. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/Publications/LivingFreeAndEqual.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2017. ___________. Information Series on Sexual and Reproductive Health and Rights. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Women/WRGS/SexualHealth/INFO_Abortion_W EB.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2018. OIM. Migraciones e Interculturalidad: Guía para el Desarollo y Fortalecimiento de habilidades en comunicación intercultural. Disponível em: <http://argentina.iom.int/co/sites/default/files/publicaciones/OIM_com.intercultural_DIGITA L.pdf>. Acesso em 29 mai. 2017. OKIN, Susan Moller. Justice Gender and the Family. New York: Basic Books, 1989. 315 ONU Mulheres. Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/planeta5050-2030/csw/>. Acesso em: 29 jan. 2018. ORAM. Incorporating Sexual and Gender Minorities Into Refugee and Asylum Intake and Registration Systems. Disponível em: <http://oramrefugee.org/wp- content/uploads/2016/05/Registeration-Forms-Memo-English-1.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2018. ___________. Testing Sexual Orientation: a Scientific and Legal Analysis of Plethysmography in Asylum & Refugee Status Proceedings. Disponível em: <http://oramrefugee.org/wp- content/uploads/2016/04/oram-phallometry-paper-2010-12-15.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2018. ORGANIZATION OF AMERICAN STATES (OAS). Inter-American Commission of Women. Disponível em: <http://www.oas.org/en/cim/default.asp>. Acesso em: 15 mai. 2017. ___________. Statute of the Inter-American Commission of Women. Disponível em: <http://www.oas.org/en/cim/docs/CIMStatute-2016-EN.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2017. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Número de Migrantes Internacionais Chega a cerca de 244 milhões, Revela ONU. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/numero-de- migrantes-internacionais-chega-a-cerca-de-244-milhoes-revela-onu/>. Acesso em: 29 maio 2017. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção 169 é o Instrumento para Inclusão Social dos Povos Indígenas. Disponível em: <http://www.oit.org.br/content/convencao-169-e-o-instrumento-para-inclusao-social-dos- povos-indigenas>. Acesso em 3 abr. 2017. PAREKH, Gillian. Is There Refuge for People with Disabilities within the 1951 Convention relating to the Status of Refugees? In: Critical disabilities discourses journal, v. 1, pp. 1-19, 2009. Disponível em: <https://cdd.journals.yorku.ca/index.php/cdd/article/view/23385>. Acesso em: 31 jan. 2018. PATRICIO, Maria Cecília. O Travesti: uma Questão de Gênero. Recife, Mestrado (Antropologia), 2002. PENN STATE COLLEGE OF LIBERAL ARTS. Amy Allen. Disponível em: <http://philosophy.la.psu.edu/directory/ara17>. Acesso em: 20 jul. 2017. PEREIRA, Flavio Leão de Bastos; JUVINIANO, Elisa Martins. Envionmental Patriarchy and Indigenous Women - From Invisibility to Resistance. In: Monica Sapucaia; Denise Andrade. (Org.). Women´s Right - International Studies on Gender Roles and Its Influence on Human Rights. Erechim: Deviant, 2018. ___________. Genocídio indígena no Brasil. Curitiba: Juruá, 2018. PEREIRA, Rodrigo. Gênero e cultos afro-brasileiros: uma revisão teórica sobre a homossexualidade. Disponível em: <http://www.museunacional.ufrj.br/arqueologia/docs/papers/Alunos/rodrigo- pereira/Genero%20e%20Religiao%20-%20Artigo%20(Pereira,%20R.%202011).pdf>. Acesso em: 27 jun. 2018. 316 PEW RESEARCH CENTER. Worldwide Abortion Policies: Circumstances under which a Woman Can Legally Obtain an Abortion. Disponível em: <http://www.pewresearch.org/interactives/global-abortion/>. Acesso em: 28 jan. 2018. ___________. Number of Women Leaders around the World has Grown, but They’re still a Small Group. Disponível em: <http://www.pewresearch.org/fact-tank/2017/03/08/women- leaders-around-the-world/>. Acesso em: 7 abr. 2018. PRINCIPIOS DE YOGYAKARTA. Disponível em: <http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf>. Acesso em: 14 mar 2017. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNDU). Desenvolvimento Humano e IDH. Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html>. Acesso em: 29 mai. 2017. PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. ___________. A Educação da Liberdade. In: PIAGET, Jean. Sobre a Pedagogia: textos inéditos. São Paulo. Casa do Psicólogo, [1945] 1998. PINSKY, Jaime. Os profetas sociais e o Deus da cidadania. In: PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. PIOVESAN, Flávia. Cidadania Global é Possível? In: PINSKY, Jaime (Org.). Práticas de cidadania. São Paulo: Contexto, 2004. ___________. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. ___________. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2015. ___________. Direitos Humanos: o Princípio da Dignidade Humana e a Constituição Brasileira de 1988. In: Revista dos Tribunais, ano 94, v. 833, p. 41-53. ___________. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2012. POLYNENÉSIE FRANÇAISE. La presidence de la Polynésie Française. Disponível em: <http://www.presidence.pf/>. Acesso em: 3 jan. 2018. PORTUGAL. República Portuguesa. Disponível em: <https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21>. Acesso em: 3 jan. 2018. PSICOATIVO. Id, Ego e Superego. Disponível em: <http://psicoativo.com/2016/05/resumo- id-ego-e-superego.html>. Acesso em: 08 jan. 2017. PUAR, Jasbir Kaur. Terrorist Assemblages: Homonationalism in Queer Times. Durham: Duke University Press, 2007. RAWLS, John. Collected Papers. London: Harvard University Press, 1999. RAINBOW REFUGEES COLOGNE. Support Group. Disponível em: <https://www.express.co.uk/news/world/747730/Germany-Cologne-gay-refugees-migrant- centre>. Acesso em: 3 dez. 2017. REFORM JUDAISM.ORG. Social Justice and Reform Judaism. Disponível em: <https://reformjudaism.org/social-justice>. Acesso em: 27 jun. 2018. REFUGEE HEALTH. Refugee Health Technical Assistance Center. Disponível em: <http://refugeehealthta.org/about-us/>. Acesso em: 5 maio de 2018. 317 REUNIOUN. Reunion Island. Disponível em: <https://en.reunion.fr/>. Acesso em: 27 dez. 2017. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017. RIDDLE, Liesl. Diaspora Engagement and the Sustainable Development Goals. In: International Organization for Migration (Org.). Migration in the Agenda 2030. Genebra: International Organization for Migration, 2017. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Dropbox/migration_in_the_2030_agenda.pdf>. Acesso em: 8 set. 2017. RIOS, Roger Raupp. Notas para o Desenvolvimento de um Direito Democrático da Sexualidade. In: RIOS, Roger Raupp (Org.). Em defesa dos direitos sexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. ROBERTS, Brent; CASPI, Avshalom. The Cumulative Continuity Model of Personality Development: Striking a Balance between Continuity and Change in Personality Traits across the Life Course. In: STAUDINGER, Ursula; LINDENBERGER, Ulman. (Org.). Understanding Human Development: Life Span Psychology in Exchange with other Disciplines. Dodrecht: Kluwer, 2003. ROSENBLATT, Katariina; MURPHEY Cecil. Stolen: the True Story of a Sex Trafficking Survivor. New York: Revell, 2017. ROUGHGARDEN, Joan. The Gender Binary in Nature, across Human Cultures, and in the Bible. In: SCHREIBER, Gerhad. Transsexualität in Theologie und Neurowissenschaften. Walter: De Gruyter, 2016. RUBIO, Valle Labrada. Introduccion a la Teoria de los Derechos Humanos. Declaracion Universal de 10 de diciembre de 1948. Madrid: Civitas, 1998. RUTGERS. Jasbir Puar. Disponível em: <http://womens-studies.rutgers.edu/faculty/core- faculty/143-jasbir-puar>. Acesso em: 13 jul. 2017. SABBE, Alexia; TEMMERMAN, Marleen; BREMS, Eva; LEYE, Els. Forced marriage: an analysis of legislation and political measures in Europe. In: Crime, Law and Social Change: an Interdisciplinary Journal, International Centre for Reproductive Health, Faculty of Medicine & Health Sciences, Ghent University, Belgium (2014). Disponível em: <http://icrh.org/sites/default/files/forced%20marriages%20paper.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2018. SACHS, Ignacy. Caminhos do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundácion del Estado en América Latina: Perspectivas desde una Epistemología del Sur. Lima: Instituto Internacional de Derecho y Sociedad, 2010. ___________. Poderá o Direito ser Emancipatório? Disponível em: <///C:/Users/Usuario/Downloads/RCCS65-003-076-Boaventura_S.Santos.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017. ___________. Para além do Pensamento Abissal: das Linhas Globais a uma Ecologia dos Saberes. In: Revista crítica de Ciências Sociais, n. 78, out. de 2007, pp. 3-46. SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; MARQUES DA SILVA, Marco Antônio (Org.). Tratado Luso-brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009. SCHIER, Paulo Ricardo. A Hermenêutica Constitucional: Instrumento para a Implementação de uma Nova Dogmática Jurídica. In: Revista dos Tribunais; ano 86, v. 741, jul., 1997. 318 SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ, Sydney Ellen. Histórias da Psicologia Moderna. São Paulo: Trilha, 1992. SCOTT, Parry. Fluxos Migratórios Femininos, Desigualdades, Autonomização e Violência. In: AREND, Silvia Favero; RIAL, Carmen Silvia de Moraes; PEDRO, Joana Maria (Org.). Diásporas, Mobilidades e Migrações, Florianópolis: Editora Mulheres, 2011. SEFFNER, Fernando. Derivas da Masculinidade: Representação, Identidade e Diferença na Masculinidade Bissexual. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mímeo, 2003. SHEFFER, Gabrielle. Diaspora Politics: at Home and Abroad. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. SEMINÁRIO SOBRE TRABALHO DOMÉSTICO. Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KbFWyCMppCI&app=desktop>. Acesso em: 6 mar. 2018. SEVERO, Fabiana Galero. O Procedimento de Solicitação de Refúgio no Brasil à Luz da Proteção Internacional dos Direitos Humanos. In: Revista da Defensoria Pública da União, n. 8, jan./dez., 2015. SEXUALITY, POVERTY AND LAW PROGRAME. Institute of Development Studies. Disponível em: <https://www.ids.ac.uk/idsresearch/sexuality-poverty-and-law-programme>. Acesso em 6 abr. 2018. SIQUEIRA, Priscila. Tráfico de Pessoas: Comércio Infamante num Mundo Globalizado. In: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Tráfico de Pessoas: uma Abordagem de Direitos Humanos. SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA: Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de- pessoas/publicacoes/anexos/cartilha_traficodepessoas_uma_abordadem_direitos_humanos.pd f>. Acesso em: 29 nov. 2017. SILVA, Ana Paula Maielo; LINHARES, Monique de Medeiros; MELO, Rachel Emanuelle Lima Lira Farias. Por uma virada pós-secular: o feminismo islâmico e os desafios aos feminismos (seculares) em relações internacionais. Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v.6., n. 11, jan./jun. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/6904-21215-1-PB.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2018. SILVA, Solange Teles. O Direito Internacional Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2010. SILVA, Danielle Costa. Política Externa é Política Pública: Reflexões sobre a Política Externa Brasileira. Dossiê: Regionalismos – Simpori 2014, v. IV, n. 1, ago., 2015. Disponível em: <file:///C:/Users/Sony/Downloads/13715-60628-1-PB%20(1).pdf>. Acesso em: 1 maio 2018. STONE, Linda; JAMES; Caroline. Dowry, bride-burning and female power in India. Women's Studies International Forum Journal, v. 18, march–april, 1995, pp. 125-134. Disponível em: < https://www.sciencedirect.com/science/journal/02775395/18/2>. Acesso em: 25 jan. 2018. SOCIAL PROGRESS IMPERATIVE. Social Progress Indexes. Disponível em: <http://www.socialprogressimperative.org/social-progress-indexes/>. Acesso em: 28 jun. 2017. SOUTH AFRICA. South African Government. Disponível em: <https://www.gov.za/>. Acesso em: 4 jan. 2018. 319 SLOVENIA. Republic of Slovenia. Disponível em: <http://www.vlada.si/en/>. Acesso em: 3 jan. 2018. SPARTACUS. Gay Travel Index. Disponível em: <https://spartacus.travel/gaytravelindex.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2018. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extratordinário n. 511.961. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605643>. Último acesso em: 10.02.2017. ___________. Recurso Extratordinário n. 670.422. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incident e=4192182&numeroProcesso=670422&classeProcesso=RE&numeroTema=761>. Último acesso em: 5 abr. 2018. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: a Efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins (Org.). O Direito e as Políticas Públicas. São Paulo: Atlas, 2014. ___________. Dimensões da cidadania. In: Novos Direitos e Proteção da Cidadania, Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público, ano 2, janeiro/junho 2009. SMART, Carol. Law, Crime and Sexuality, Essays in Feminism. London: Sage, 1999. SODER, José. Direitos do Homem. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1960. SOLOMON, Robert C. Solomon. Existentialism. Oxford: Oxford University Press,1974. SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. In: Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, jul/dez 2006, p. 20-45. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a03n16>. Acesso em: 29 nov. 2017. SPIRO, Peter. Nongovernamental Organizations in International Relations (Theory). In: DUNOFF, Jeffrey; POLLACK, Mark. Interdisciplinary Perspectives on International Law and International Relations. New York: Cambridge University Press, 2013. SWEDEN. Migrationsverket: Swedish Migration Agency. Disponível em: <https://www.migrationsverket.se/English/Private-individuals/Protection-and-asylum-in- Sweden.html>. Acesso em: 27 dez. 2017. ___________. Speech by the Minister for Foreign Affairs at Helsinki University. Disponível em: <http://www.government.se/speeches/2015/03/speech-by-margot-wallstrom-at-helsinki- university/>. Acesso em: 24 jan. 2018. SWITZERLAND. The Portal of the Swiss Government. Disponível em: <https://www.admin.ch/gov/en/start.html>. Acesso em: 3 jan. 2018. TAVARES, Paula. Casamento não é Coisa de Menina. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/artigo-casamento-nao-e-coisa-de-menina/>. Acesso em: 2 fev. 2018. TECHFUGEES. Techfugees. Disponível em: <https://techfugees.com/about/>. Acesso em: 5 maio 2018. TREVISAN, João S. Devassos no Paraíso: a Homossexualidade no Brasil da Colônia à Atualidade. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002. THE COMMONWEALTH. Commonwealth Heads of Government Meeting (CHOGM). Disponível em: <http://thecommonwealth.org/chogm>. Acesso em: 1 maio 2018. 320 THE ECONOMIST. Jair Bolsonaro, Latin America’s Latest Menace. Disponível em: <https://www.economist.com/leaders/2018/09/20/jair-bolsonaro-latin-americas-latest- menace>. Acesso em: 8 jan. 2019. THE GUARDIAN. Bisexual Asylum Seeker Wins Home Office Fight to Remain in UK. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2016/jan/23/bisexual-asylum-seeker- orashia-edwards-wins-home-office-uk-jamaica>. Acesso em: 7 fev. 2018. ___________. Women and Children Endure Rape, Beatings and Abuse inside Dunkirk’s Refugee Camp. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2017/feb/12/dunkirk- child-refugees-risk-sexual-violence>. Acesso em: 10 mar. 2018. THE NEW SCHOOL FOR SOCIAL RESEARCH. Nancy Fraser. Disponível em: <http://www.newschool.edu/nssr/faculty/?id=4e54-6b31-4d41-3d3d>. Acesso em 7 maio 2017. TONG, Rosaimarie Putman. Feminist Thought: a more Comprehensive Introduction. Colorado: Westview Press, 1998. TOMÁS, Julia. A Invisibilidade Social, uma Construção Teórica. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/228333133_A_invisibilidade_social_uma_constru cao_teorica>. Acesso em 4 set. 2017. TOLEDO, Ines Lopes de Abreu Mendes. O Tribunal Penal Internacional na Repressão do Crime de Genocídio. In: LOIS, Cecilia Caballero; LEISTER, Margareth Anne; SILVEIRA, Vladmir Oliveira (Org.). Direito Internacional dos Direitos Humanos II. Conpedi: Santa Catarina, 2016. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/y0ii48h0/va83towp/N2uC51M0M3d17xYT.pdf>. Acesso em 30 jan. 2017. TRIGER, Zvi. Freedom from Religion in Israel: Civil Marriages and Cohabitation of Jews Enter the Rabbinical Courts. In: Israel Studies Review, v. 7, n. 2, pp. 1-17. Disponível em: <https://doi.org/10.3167/isr.2012.270202>. Acesso em: 20 dez. 2018. TRUDEAU, Pierre Elliott. Multiculturalism, 1971. Disponivel em: <http://www.canadahistory.com/sections/documents/Primeministers/trudeau/docsonmulticult uralism.htm>. Acesso em: 3 abr. 2017. TUSHNET, Mark. Advanced Introduction to Comparative Constitutional Law. Cheltenham, Reino Unido: Edward Elgar Publishing, 2014. UNESCO, Brasil. Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1966). Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139390por.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2017. ___________. Education and gender equality. Disponível em: <https://en.unesco.org/themes/education-and-gender-equality>. Acesso em: 8 maio 2018. ___________. The Stonewall School Report 2017: Bullied for being LGBT in Wales. Disponível em: <https://en.unesco.org/news/stonewall-school-report-2017-bullied-being-lgbt- wales>. Acesso em: 14 maio 2018. UNFPA. About us. Disponível em: <http://www.unfpa.org/about-us>. Acesso em: 01 fev. 2018. ___________. Mundos Distantes. Disponível em: <http://unfpa.org.br/swop2017/swop2017.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2018. 321 ___________. The power of 1,8 billion Adolescents, Youth and the Transformation of the Future: State of World Population, 2014. Disponível em: <http://www.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/EN-SWOP14-Report_FINAL-web.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2018. UNIAIDS. HIV and Refugees. Disponível em: <http://www.unaids.org/en/resources/presscentre/featurestories/2007/february/20070223hivan drefugees>. Acesso em: 31 jan. 2018. UNHCR. Contributions to UNHCR for the Budget of 2017. Disponível em: <http://www.unhcr.org/5954c4257.html>. Acesso em 21 jan. 2018. ___________. Human Trafficking and Refugee Protection: Unhcr’s Perspective. Disponível em: <http://www.unhcr.org/protection/operations/4ae1a1099/human-trafficking-refugee- protection-unhcrs-perspective.html>. Acesso 26 abr. 2018. UNICEF Brasil. A child is a Child: Protecting the Children from Violence, Abuse and Explotation. Disponível em: <https://www.unicef.org/publications/files/UNICEF_A_child_is_a_child_May_2017_EN.pdf >. Acesso em: 8 fev. 2018. ___________. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979). Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10233.html>. Acesso em: 14 jan. 2017. ___________. Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10233.html>. Acesso em: 14 jan. 2017. UNITED KINDOM. Welcome to United Kindom.uk. Disponível em: < https://www.gov.uk/>. Acesso em: 27 dez. 2017. ___________. Migrant and Refugee Children Face Higher Rates of Bullying. Disponível em: <https://blogs.unicef.org/evidence-for-action/migrant-children-face-higher-rates-of- bullying/>. Acesso em: 14 maio 2018. UNITED KINDOM. Welcome to United Kindom.uk. Disponível em: < https://www.gov.uk/>. Acesso em: 27 dez. 2017. UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Report of the Independent Expert on Protection against Violence and Discrimination Based on Sexual Orientation and Gender Identity. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/38/43>. Acesso em 21 jun. 2018. UNITED NATIONS HIGH COMISSIONER FOR REFUGEES. Cartilha Informativa sobre a Proteção de Pessoas Refugiadas e Solicitantes de Refúgio LGBTI. Disponível em:<https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Cartilha-informativa- sobre-a-prote%C3%A7%C3%A3o-de-pessoas-refugiadas-e-solicitantes-de-ref%C3%BAgio- LGBTI_ACNUR-2017.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2018. UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Current Members. Disponível em: <http://www.un.org/en/sc/members/>. Acesso em 18 jun. 2018. UNITED STATES OF AMERICA. Disponível em: <https://www.usa.gov/>. Acesso em: 4 jan. 2018. UNITED STATES COURT OF APPEALS FOR THE THIRD CIRCUIT. Maurice Lavira v. Attorney General of the United States. Disponível em: <http://www2.ca3.uscourts.gov/opinarch/053334p.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2018. 322 UNIVERSITY OF MICHIGAN. Catherine MacKinon. Disponível em: <https://www.law.umich.edu/FacultyBio/Pages/FacultyBio.aspx?FacID=camtwo>. Acesso em: 8 set. 2017. UNIVERSITY OF MARYLAND. Patricia Hill Collins. Disponível em: <https://socy.umd.edu/facultyprofile/Collins/Patricia%20Hill>. Acesso em: 7 mar. 2018. UNODEC. Human Traficking. Disponível em: <https://www.unodc.org/unodc/en/human- trafficking/what-is-human-trafficking.html>. Aceso em: 25 abr. 2018. ___________. Global Report on Trafficking in Persons 2016. Disponível em: <http://www.unodc.org/documents/Global_Report_on_TIP.pdf>. Aceso em: 25 abr. 2018. URUGUAY. Uruguay.gub.uy. Disponível em: <https://portal.gub.uy/>. Acesso em: 3 jan. 2018. USA TODAY. U. N. fails to Stem Rapes by Peacekeepers in Africa, victms cry. Disponível em: <https://www.usatoday.com/story/news/world/2018/01/16/u-n-fails-stem-rapes- peacekeepers-africa-victims-cry/1016223001/>. Acesso em: 10 mar. 2018. US NEWS. LGBT Worldwide Leaders. Disponível em: <https://www.usnews.com/news/best- countries/slideshows/openly-lgbt-world-leaders>. Acesso em: 7 abr. 2018. UN WOMEN. Prepared by the Focal Point for Women, Coordination Division. Disponível em: <http://www.un.org/womenwatch/uncoordination/documents/overview/unsystem/unsystemti meline-infographic.pdf>. Acesso em: 24 maio 2018. WALCOTT, Rinaldo. Queer Returns: Essays on Multiculturalism, Diaspora, and Black Studies. Ontario, Canadá: Insomniac Press, 2016. WALDELY, Aryadne Bittencourt; VIRGENS, Bárbarda Gonçalvez das; ALMEIDA, Carla Miranda Jordão de Almeida. Refúgio e realidade: desafios da definição ampliada de refúgio à luz das solicitações no Brasil. In: Revista Interdisciplinar de Mobilidade Urbana, ano XXI, n. 43, Brasília, jul./dec. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/remhu/v22n43/v22n43a08.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2017. WAALDIJK; Kees. Great Diversity and some Equality: Non-marital Legal Family Formats for Same-sex couples in Europe. GenIUS – Rivista di studi giuridici sull’orientamento sessuale e l’identità di genere; 1(2): 42-56, 2014. Disponível em: <https://openaccess.leidenuniv.nl/handle/1887/39533>. Acesso em: 12 set. 2017. WALSUM, Sarah K. van. Transitional Mothering, National Immigration Policy, and European Law: The Experience of the Netherlands. In: BENHABIB, Seyla; RESNIK, Judith (Org.). Migration and mobilities: citizenship, borders and gender. New York: New York University Press, 2009. WIKIMEDIA COMMONS. Gerard ter Borch. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Gerard_ter_Borch_(I)>. Acesso em: 1 maio 2018. WIKIPEDIA. Prostitution Laws over the World. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Prostitution_by_country#/media/File:Prostitution_laws_of_the _world.PNG>. Acesso em: 2 jan. 2018. WILSON, Anne. Trafficking Risks for Gender Refugees. In: Third Annual Interdisciplinary Conference on Human Trafficking, 2011; Interdisciplinary Conference on Human Trafficking at the University of Nebraska. Disponível em: <https://digitalcommons.unl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1003&context=humtraffconf3>. Acesso em: 25 abr. 2018. 323 WOLF, Eric. Europa y la Gente sin Historia. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1987. WORLD BANK. Women, Business and Law 2016. Disponível em: <http://wbl.worldbank.org/~/media/WBG/WBL/Documents/Reports/2016/Women-Business- and-the-Law-2016.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2017. ___________. Girls’ Education. Disponível em: http://www.worldbank.org/en/topic/girlseducation#1>. Acesso em: 3 fev. 2018. WORLD ECONOMIC FORUM. What you need to Know about LGBT Rights in 11 maps. Disponível em: <https://www.weforum.org/agenda/2017/03/what-you-need-to-know-about-lgbt- rights-in-11- maps?utm_content=buffer1f6ef&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campai gn=buffer>. Acesso em: 30 jun. 2017. ___________. Foreign Aid: these Countries are the most Generous. Disponível em: <https://www.weforum.org/agenda/2016/08/foreign-aid-these-countries-are-the-most-generous/>. Acesso em: 2 maio 2018. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Femeale Genital Multilation. Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs241/en/>. Acesso em: 25 jan. 2018. ___________. Gender. Disponível em: <http://www.who.int/gender-equity- rights/understanding/gender-definition/en/>. Acesso em: 5 mar. 2018. ___________. Gender and Genetics. Disponível em: <http://www.who.int/genomics/gender/en/index1.html>. Acesso em: 5 mar. 2018. ___________. Gender and Women’s Mental Health. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/genderwomen/en/>. Acesso em: 5 maio 2018. WORLD UNIVERSITY RANKINGS 2018. Disponível em: <https://www.timeshighereducation.com/world-university-rankings/2018/world- ranking#!/page/0/length/25/sort_by/rank/sort_order/asc/cols/stats>. Acesso em: 4 abr. 2018. WPATHA. Ethics Guidelines for Members of the World Professional Association for Transgender Health. Disponível em: <https://www.wpath.org/media/cms/Documents/Web%20Transfer/WPATH%20Ethics%208- 18-16.pdf>. Acesso em: 5 maio 2018. VEYNE, Paul. A Homossexualidade em Roma. Lisboa: Contexto Editora, 1983. VIDAS REFUGIADAS. Projeto Vidas Refugiadas. Disponível em: <http://vidasrefugiadas.com.br/>. Acesso em: 30 jun. 2017. YALE UNIVERSITY. Seyla Benhabib. Disponível em: <https://politicalscience.yale.edu/people/seyla-benhabib>. Acesso em: 5 fev. 2018. ZABONINA, Anna. Women, Migration, and Prostitution in Europe: Not a Sex Work Story. In: Dignity, Journal on Sexual Explotation and Violence, january 2017, v. 2, article 1, pp. 1-5. Disponível em: <http://digitalcommons.uri.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1015&context=dignity>. Acesso em: 13 fev. 2018. ZAMBELLI BRASIL, Paula Salgado. A Construção do Marco Legal para a (i)Migração no Brasil: uma Análise da Transição Paradigmática a partir da Experiência do Município de São Paulo (2013-2016). 2017. 205 f. Tese (doutorado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017. 324 30th UPR WORKING GROUP SESSIONS SOGIESC RECOMMENDATIONS. Disponível em: <https://ilga.org/downloads/30TH_UPR_WORKING_GROUP_SESSIONS_SOGIESC_REC OMMENDATIONS.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2018.