UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ANCILLA CAETANO GALERA FUZISHIMA FASE PRÉ-PROCESSUAL OBRIGATÓRIA DE CONCILIAÇÃO: condição de acesso à prestação jurisdicional São Paulo 2020 ANCILLA CAETANO GALERA FUZISHIMA FASE PRÉ-PROCESSUAL OBRIGATÓRIA DE CONCILIAÇÃO: condição de acesso à prestação jurisdicional Tese de Doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de doutora em Direito Político e Econômico. ORIENTADOR: Professor Doutor José Carlos Francisco. São Paulo 2020 A todos da minha família, sem exceção, que compreenderam a importância do meu trabalho. Relevaram e não questionaram minhas ausências. Levando em conta, em especial, as dificuldades e desafios de 2020, não é pouca coisa. AGRADECIMENTOS Manifesto minha profunda gratidão ao meu orientador, Prof. Dr. José Carlos Francisco, por todo o empenho, motivação e suporte teórico durante o período de orientação acadêmica. Obrigada pelo exemplo, pelo apoio (em especial, nos momentos difíceis), pela confiança e por todas as correções havidas. Em nome do Prof. José Carlos Francisco, estendo meus agradecimentos a todos os professores e funcionários do PPGDPE Mackenzie, a quem rendo minhas melhores homenagens. Agradeço a todos os docentes e discentes do programa de pós- graduação da UPM, por propiciarem ensinamentos e debates de importância memorável, que certamente colaboraram para a construção desta pesquisa. Agradecimento especial à Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, que me proporcionou, em regime de afastamento, desenvolver a pesquisa em apreço, fruto do meu projeto de doutorado. Espero poder retribuir todo o apoio incondicional da UFMS, em especial, à direção do Campus da UFMS de Três Lagoas – MS. Aos meus alunos, a quem rendo homenagens especiais, todo o meu carinho. Antecipada e respeitosamente agradeço aos membros da banca de defesa por terem aceitado colaborar e participar deste trabalho acadêmico. Em tempos tão difíceis, o agradecimento é ainda maior e a mim é uma honra poder contar com vossos valiosos conhecimentos. Aos meus pais, minha infinita gratidão. Minha paixão pela leitura e pelo conhecimento não brotaram do acaso. Tem pedigree e muito amor envolvido. Ao Ton, Guilherme, Vitória e Henrique, por todo o amor que há nessa vida. Agradeço todos os dias e noites por terem compreendido e respeitado minhas idas e vindas. Amor incondicional que não se explica. A todos os meus familiares, que sempre me apoiaram e me incentivaram a caminhar. Um agradecimento especial a Laura e Márcia, pelo apoio irrestrito em São Paulo. Espero poder retribuir com afeto em dobro. Pelo mesmo motivo, agradeço aos meus amigos e amigas. Amigos de verdade, que compreenderam minhas faltas e sumiços. Não se consegue passar pelo doutoramento sem o arrimo amorável dos bons amigos. Agradecimentos especiais a Alana, caríssima amiga, pelo auxílio metodológico luxuoso. Por ter tido a sorte de passar esses anos junto à UPM, meu agradecimento especial à queridíssima Josilene H. Ortolan Di Pietro, que me fez conhecer a instituição, me proporcionando a chance de partilhar conhecimento com tantas pessoas dedicadas e talentosas. Parafraseando Guimarães Rosa, “graças aos encontros inesperados dos velhos amigos que eu fico reconhecendo que o mundo é pequeno, e, como sala-de-espera, ótimo, facílimo de se aturar." “(...) Falar de conciliação e de justiça mediativa é toda uma outra coisa que um modo de se afastar desta dolorosa realidade de um mundo que, às vezes, parece estar por perder o controle. (...) É justamente porque o mundo ameaça perder o controle, que esta nossa discussão sobre conciliação e justiça conciliativa pode ser a resposta mais razoável e mais realística que nós possamos dar aos problemas do nosso tempo, como estudiosos do direito, e exatamente porque, estudiosos, não somos estranhos ao mundo real, mas neste estamos imersos e empenhados.”(Mauro Cappelletti) RESUMO Os últimos 30 anos, no Brasil, têm trazido notório estímulo à autocomposição. A intenção de progresso dos mecanismos consensuais para solução de controvérsias, em especial, a partir de 2006, dada a implantação do Movimento pela Conciliação, no Conselho Nacional de Justiça, bem como das iniciativas da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, é um fato identificável. Nesse sentido, a Resolução CNJ n. 125/2010 estabelece a “política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”, dividindo o sistema multiportas brasileiro em três setores de solução de conflitos: i) pré- processual; ii) processual e iii) o setor de cidadania. No bojo dessa evolução, o estudo da real implementação do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual é o problema desta tese, para a qual se formula a seguinte hipótese: a conciliação em momento pré-processual deve ser dotada do atributo da obrigatoriedade (figurando como condição da ação), de forma compatível com a garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição, a fim de desonerar a estrutura processual tradicional, otimizando o acesso à justiça. Sustentar, portanto, a conciliação pré-processual como condição da ação, nos assuntos suscetíveis de autocomposição, integrante da adequação que compõe o interesse de agir, no quesito necessidade, é o objetivo geral desta tese. São objetivos específicos revisar a literatura acerca do acesso à jurisdição como acesso à ordem jurídica justa; ressignificar a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, verificando a compatibilidade entre a referida garantia e os métodos autocompositivos, especificamente, a conciliação; e revisitar a Teoria Geral do Processo. Logo, a tese defende o estabelecimento, por meio de alteração legislativa, da conciliação pré-processual como condição da ação, nos assuntos suscetíveis de autocomposição, ou seja, para as situações em que seja possível a transação. Com uso dos métodos hipotético-dedutivo e indutivo, pesquisa bibliográfica, documental e análise jurisprudencial, valendo-se do referencial teórico de, entre outros, Alcalá-Zamora y Castillo (1992; 2000); Cappelletti e Garth (1988); Carlos Alberto de Salles (2006; 2013; 2017); Rodolfo de Camargo Mancuso (2011; 2014) e Marc Galanter (1989), a presente tese – desenvolvida na linha de pesquisa Cidadania Modelando o Estado – aponta para a conclusão de que o caminho, via alteração legislativa, está no sentido de estabelecer a conciliação pré-processual, nos assuntos suscetíveis de autocomposição, como espécie de condição da ação (isto é, o interesse de agir, no quesito necesssidade). Palavras-chave: Acesso à justiça. Autocomposição. Resolução CNJ n. 125/2010. Conciliação pré-processual obrigatória. ABSTRACT The last 30 years in Brazil have brought a notable stimulus to selfcomposition. The intention of progressing the consensual mechanisms for solving controversies, especially from 2006 onwards, due to the implantation of the Movement for Conciliation in the National Council of Justice, as well as the initiatives of the Ministry of Justice's Secretariat for the Reform of the Judiciary, is a notable fact. In this regard, CNJ resolution no. 125/2010 establishes the “national judicial policy for the proper treatment of conflicts of interest within the scope of the Judiciary”, dividing the Brazilian multiport system into three sectors of conflict resolution: i) preprocedural; ii) procedural iii) the citizenship sector. In the context of this evolution, the study of the real implementation of the Pre-Procedural Conflict Resolution Sector is the issue of this thesis, for which the following hypothesis is formulated: conciliation in a pre-procedural moment must be enforced by the mandatory attribute ( appearing as a condition for the feasibility of the lawsuit), being compatible with the principle of nonobviation of jurisdiction, in order to relieve the traditional procedural structure, optimizing the access to justice. Therefore, it aims to sustein the pre-procedural conciliation as a condition for the feasibility of the lawsuit, in matters susceptible of self-composition, integral to the adequacy that susteins the interest to act, in the matter of necessity, which is the general objective of this thesis. The main specific objectives are to review the literature towards the access to jurisdiciton as the access to a fair legal system, reassign the constitutional guarantee of the non- obviation of jurisdiction, checking the compatibility between this guarantee and the self-composing methods, mainly the conciliation, as well as revisit the General Process Theory. Therefore, the thesis defends the establishment, towards legislative amendment, of the pre-procedural conciliation as a condition for the feasibility of the lawsuit, in issues which the selfcomposition are possible, in other words, in the issues which the transaction is possible. Using hypothetical-deductive and inductive methods, bibliographical and documentary research and jurisprudential analysis, as well as the theoretical framework of, among others, Alcalá-Zamora y Castillo (1992; 2000); Cappelletti and Garth (1988); Carlos Alberto de Salles (2006; 2013; 2017); Rodolfo de Camargo Mancuso (2011; 2014) and Marc Galanter (1989), the present thesis, which was developed in the Citizenchip modeling the State research line, leads to the conclusion that the path between legislative amendment is in the sense of establishing the pre-procedural conciliation in the issues susceptible of selfcomposition as a kind of feasiability of the demand, that is to say, the interest to act, in the issue of necessity. Keywords: Access to justice. Self-Composition. CNJ Resolution no. 125/2010. Mandatory pre- procedural conciliation. RÉSUMÉ Ces trente dernières années le Brésil a connu de considérables encouragements en faveur de l’autorégulation. Les progrès en matière de mécanismes consensuels dans l’optique de résolution de controverses, en particulier à partir de 2006, a donné lieu à la mise en place d’un mouvement en faveur de la conciliation, au sein du Conseil National de Justice, ainsi que les initiatives du Secrétariat de la Réforme du Judiciaire du Ministère de la Justice, est un fait notoire. En ce sens, la résolution CNJ n. 125/2010 qui établit la « politique judiciaire nationale du traitement en matière de conflits d’intérêts dans le cadre du Pouvoir Judiciaire », sectionne le système brésilien en trois secteurs de solutions de conflits: i) une judiciarisation avant conflit ; ii) procédural et iii) le secteur de la citoyenneté. Au cœur de cette évolution, c’est l’étude réelle de l’implantation du Secteur de Solution de Conflits qui se trouve être la problématique de la thèse, et pour laquelle nous formulons l’hypothèse suivante : la conciliation en phase de pré- procès doit être dotée de l’attribut d’obligation (figurant comme condition de la procédure), en compatibilité avec la garantie fondamentale de l’imminence de la jurisprudence, afin d’alléger la structure des procédures judiciaires traditionnelles, optimisant ainsi l’accès à la justice. Soutenir, dès lors, la conciliation pré-procès comme condition de la procédure, dans les affaires susceptibles d’autorégulation, partie intégrante de l’adéquation qui compose l’intérêt d’agir, lorsque cela est nécessaire, est l’objectif de la thèse. Comme objectifs spécifiques se trouvent la révision de la littérature autour de l’accès à la juridiction tout comme l’accès à l’ordre juridique juste ; la résinification de la garantie constitutionnelle de l’allègement juridictionnel, vérifiant la compatibilité entre la garantie en question et les méthodes d’autorégulation, en particulier, la conciliation ; et reconsidérer la Théorie Générale des Procédures. C’est ainsi que la thèse propose la mise en place, par la modification législative, de la conciliation pré-procès comme condition de la procédure concernant les affaires susceptibles d’autorégulation, c’est- à-dire, dans les situations où cela est possible. Grâce aux méthodes hypothéco-déductives et inductives, à la recherche bibliographique, de documents et de l’analyse de la jurisprudence, ayant pour références, entre autres, Alcalá-Zamora y Castillo (1992; 2000); Cappelletti e Garth (1988); Carlos Alberto de Salles (2006; 2013; 2017); Rodolfo de Camargo Mancuso (2011; 2014) e Marc Galanter (1989), la thèse, s’inscrivant dans la ligne de recherches en Citoyenneté modelant l’Etat, tend à un aboutissement, via modification législative, dans le sens de la mise en place de la conciliation pré-procès concernant les affaires susceptibles d’autorégulation, comme une sorte de condition de la procédure (c’est-à-dire, l’intérêt d’agir lorsque cela est nécessaire). Mots clés: accès à la justice. Autorégulation. Résolution CNJ n. 125/2010. Conciliation pré- procès obligatoire. LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Artigo 1º ................................................................................................................ 196 Tabela 2 - Artigo 2º, caput ...................................................................................................... 197 Tabela 3 - Artigo 2º, § 2º ........................................................................................................ 199 Tabela 4 - Artigo 3º ................................................................................................................ 201 Tabela 5 - Artigo 4º, § 2º ........................................................................................................ 202 Tabela 6 - Artigo 7º ................................................................................................................ 204 Tabela 7 - Artigo 9º ................................................................................................................ 205 Tabela 8 - Artigo 10................................................................................................................ 206 Tabela 9 - Artigo 11................................................................................................................ 206 Tabela 10 - Artigo 13.............................................................................................................. 209 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS a.C. Antes de Cristo ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ADR Alternative Dispute Resolution art. artigo CECON Centrais de Conciliação CEF Caixa Econômica Federal CEJUSC Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania CES Câmara de Educação Superior CF/88 Constituição Federal de 1988 CJF Conselho da Justiça Federal CJUE Corte de Justiça da União Europeia CNE Conselho Nacional de Educação CNJ Conselho Nacional de Justiça CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados CPC Código de Processo Civil DPVAT Seguro de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres EUA Estados Unidos da América FONAMEC Fórum Nacional de Mediação e Conciliação GABCON Gabinetes de Conciliação INSS Instituto Nacional do Seguro Social MG Minas Gerais MP Ministério Público MS Mato Grosso do Sul n. número NUPEMEC Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos OAB Ordem dos Advogados do Brasil PEC Proposta de Emenda à Constituição PIB Produto Interno Bruto PJe Processo Judicial Eletrônico RE Recurso Extraordinário REsp Recurso Especial SRJ Secretaria de Reforma do Judiciário SP São Paulo STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça STM Superior Tribunal Militar t. tomo TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJRN Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo TJTO Tribunal de Justiça do Tocantins TSE Tribunal Superior Eleitoral TST Tribunal Superior do Trabalho SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 18 1 DOS CONFLITOS ÀS SOLUÇÕES: REFLEXÕES INICIAIS ..................................... 29 1.1 ACESSO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL .................................................................. 38 1.1.1 Teoria do Conflito .......................................................................................................... 41 1.1.2 Formas de solução de conflitos ..................................................................................... 44 1.1.2.1 Resolução CNJ n. 125/2010 ........................................................................................ 48 1.1.2.2 Consensualidade nas justiças estadual e federal: setores de solução de conflitos 52 1.1.2.3 Noções gerais da autocomposição na Lei de Mediação e no atual Código de Processo Civil .......................................................................................................................... 58 1.2 GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO E MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS ............................................................................................ 62 2 REVISITAÇÃO DA TEORIA GERAL DO PROCESSO: UMA ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA ............................................................................................................ 73 2.1 DIREITO DE AÇÃO ......................................................................................................... 76 2.2 TEORIA DA AÇÃO: PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO . 79 2.3 INTERESSE DE AGIR E PRETENSÃO EFETIVAMENTE RESISTIDA ..................... 84 2.3.1 Interesse de agir nas situações passíveis de autocomposição ..................................... 97 2.4 SESSÃO DE CONCILIAÇÃO OU MEDIAÇÃO DO ARTIGO 334 (CPC): DA OBRIGATORIEDADE AO DESCUMPRIMENTO ............................................................. 115 2.4.1 Passagem pela conciliação pré-processual e prescindibilidade da audiência do artigo 334 do CPC ............................................................................................................................ 125 2.4.2 Punição por acordos não realizados no setor pré-processual sempre que o resultado judicial final seja inferior à proposta de acordo rejeitada no pré-processual ................ 126 3 DIREITO ESTRANGEIRO: MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO CONDIÇÃO DE ACESSO À JURISDIÇÃO ............................................................................................ 129 3.1 ITÁLIA ............................................................................................................................. 132 3.2 COLÔMBIA ..................................................................................................................... 138 3.2.1 Sistema Nacional de Conciliação, Espécies de Conciliação ..................................... 141 3.2.2 Procedimento e financiamento das conciliações ....................................................... 144 3.2.3 A conciliação como requisito de procedibilidade da demanda................................ 145 3.2.4 Contencioso Administrativo na Colômbia ................................................................ 148 3.3 ARGENTINA ................................................................................................................... 150 3.3.1 Mediação prévia e obrigatória aos processos judiciais ............................................ 151 3.3.2 Mediadores Argentinos ............................................................................................... 154 3.3.3 Procedimento ............................................................................................................... 157 4 CAMINHOS PARA A OBRIGATORIEDADE DA FASE PRÉ-PROCESSUAL DE CONCILIAÇÃO NO BRASIL ............................................................................................ 160 4.1 CAPACITAÇÃO, CONTRATAÇÃO E REMUNERAÇÃO DOS MEDIADORES E CONCILIADORES ................................................................................................................ 169 4.2 REMUNERAÇÃO DE MEDIADORES E CONCILIADORES ..................................... 173 4.3 RESOLUÇÃO CNE/CES N. 5/2018, ORIUNDA DO PARECER 635/2018 (PORTARIA 1.351, DE 14.12.2018 DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO) ............................................... 176 4.4 CEJUSC COMO UNIDADE JUDICIÁRIA: RESOLUÇÃO 289/ 2019 ......................... 178 4.5 OBRIGATORIEDADE DA PRESENÇA DO ADVOGADO NA AUTOCOMPOSIÇÃO ................................................................................................................................................ 181 4.6 PROJETOS DE ATOS NORMATIVOS ......................................................................... 185 4.6.1 PEC 136/2019 ............................................................................................................... 186 4.6.2 Projeto de Lei Complementar de custas judiciais e incentivos fiscais à autocomposição ..................................................................................................................... 187 4.6.3 Projeto de Lei nº 3.813/2020 ....................................................................................... 190 4.6.3.1 Litígios que envolvam o Poder Público e Disponibilidade e Indisponibilidade dos direitos (artigo 1º) .................................................................................................................. 191 4.6.3.2 Autocomposição extrajudicial prévia em escritórios de advocacia (artigo 2º) ......... 196 4.6.3.3 Assistência obrigatória de advogado (artigo 3º) ....................................................... 200 4.6.3.4 Duração das sessões complementares de autocomposição (artigo 4º) ...................... 201 4.6.3.5 Aferição da falta do interesse de agir (artigo 7º) ....................................................... 202 4.6.3.6 Exceções à obrigatoriedade de passagem prévia pela conciliação (artigo 9º) ......... 204 4.7 CENTRO DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO (CMC) NO STF .................................. 209 4.8 PROVIMENTO CG 11/2020 – PROJETO PILOTO DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO PRÉ-PROCESSUAL PARA DISPUTAS EMPRESARIAIS (TJ/SP) ................................... 211 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 213 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 218 18 INTRODUÇÃO Uma das mais pertinentes inquietações jurídicas provém do acesso à prestação jurisdicional, na medida em que, pedra de toque do regime democrático, é garantia fundamental, e sua inefetividade compromete a exequibilidade de outros direitos fundamentais e, por consequência, o exercício da cidadania. A consagração do acesso à jurisdição em documentos jurídicos internacionais – tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Primeira Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário – não deixa dúvidas de que se trata, em nossa era, de um quebra-cabeças global, em que o acesso à prestação jurisdicional precisa ser (re)pensado como acesso à ordem jurídica justa. Desse modo, problematizar referida inquietação significa, em maior grau, questionar o verdadeiro acesso à jurisdição; isto é, não em sentido estrito (às varas e aos tribunais), mas, sobretudo, a sistemática processual que conduz a administração judiciária, para quem é preciso dar vigor por meio das novas linhas teóricas que a enxergam e a compreendem não apenas como a mera presença perante a justiça ordinária. É sabido que o estímulo à autocomposição tem progredido nos últimos trinta anos no Brasil. Especificamente, desde 2006, com a implantação do Movimento pela Conciliação, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e as iniciativas da Secretaria de Reforma do Judiciário1 do Ministério da Justiça, houve significativa evolução acerca dos mecanismos consensuais para solução de controvérsias.2 Registre-se que os Códigos de Processo Civil Brasileiros (1939, 1973 e, em especial, o atual, de 2015) exortaram, cada qual a seu modo, os métodos autocompositivos de solução de conflitos. Da leitura atenta da lei processual em vigor desde março de 2016, depreende-se que o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) tem como um de seus pilares a utilização dos 1 A Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça, quando foi criada, tinha como objetivo promover, coordenar, sistematizar e angariar propostas referentes à reforma do Judiciário. Tem como papel principal ser um órgão de articulação entre o Executivo, o Judiciário, o Legislativo, o Ministério Público, governos estaduais, entidades da sociedade civil e organismos internacionais com o objetivo de propor e difundir ações e projetos de melhoria do Poder Judiciário. Por meio do Decreto nº 8.668, de 11 de fevereiro de 2016, que alterou a estrutura regimental do Ministério da Justiça, a Secretaria de Reforma do Judiciário foi extinta e parte de suas competências foram transferidas para a Secretaria Nacional de Justiça. Segundo dados da Estrutura Regimental atualizada pelo Decreto n° 8.668/16, a SRJ foi absorvida pela Secretaria Nacional de Justiça, que passou a se chamar Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania, passando a exercer as competências originalmente previstas para ambas (BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria de Reforma do Judiciário – SRJ. S.d. Disponível em: https://www.justica.gov.br/Acesso/auditorias/subpaginas_auditoria/secretaria-de-reforma-do- judiciario. Acesso em: 09 jun. 2020). 2 CNJ LANÇA Movimento pela Conciliação. Notícias STF, 2006. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=67638. Acesso em: 12 dez. 2020. 19 mecanismos consensuais para solução de conflitos de interesse. A teor do artigo 3º, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, há a determinação de que referidos instrumentos devem ser incentivados por todos que operam o Sistema de Justiça Brasileiro, tudo de molde a construir o paradigma da consensualidade. Não se pode deixar de mencionar a importância do instituto da arbitragem, já que esta esteve presente no Código de Processo Civil de 1939 e de 1973. Também é pontual mencionar a importância da Lei nº 9.307/1996, que estabeleceu não ser necessária a homologação judicial da sentença arbitral. Com o advento da referida lei, houve a criação, no país, de centros de arbitragem, que se abriram às práticas de conciliação e mediação, possibilitando que os métodos autocompositivos florescessem e prosperassem no Brasil. Tais iniciativas culminaram na Resolução CNJ n. 125/2010, alterada pelas Resoluções n. 326, de 26 de junho de 2020 e n. 290, de 13 de agosto de 2019, além das Emendas de n. 1, de 31 de janeiro de 2013, n. 2, de 8 de março de 2016 e Res. n. 326/2020 – artigo 28 e ss3 , que estabelece a “Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário”, consistente em um conjunto de ações que visa a dar cumprimento aos objetivos estratégicos dessa esfera, quais sejam, proposição de soluções efetivas para a melhoria dos serviços prestados à sociedade pela justiça brasileira, aperfeiçoamento da gestão judiciária, ampliação do acesso ao sistema de justiça pelos meios consensuais e responsabilidade social, de maneira harmônica e eficaz. Da leitura atenta da resolução CNJ n. 125/2010, podem ser extraídos os seus objetivos principais: i) disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de serviços autocompositivos de qualidade (art. 2º); ii) incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas amplos de autocomposição (art. 4º); iii) reafirmar a função de agente apoiador da implantação de políticas públicas do CNJ (art. 3º). Pode-se afirmar que o CNJ envidou esforços para tratar o acesso à prestação jurisdicional e mudar a forma com que o Poder Judiciário se apresenta. Não apenas de modo mais ágil e como solucionador de conflitos, mas, notadamente, como um centro de soluções autocompositivas e efetivas. Fazendo valer, especialmente, a disposição constitucional (art. 103-B, § 4º, da CF/88) de competência do CNJ para “elaborar planos e ações de 3 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 326, de 26 de junho de 2020a. Dispõe sobre alterações formais nos textos das Resoluções do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original203228202006305efba15c2a6cd.pdf. Acesso em: 09 jun. 2020. 20 aperfeiçoamento da política de administração de justiça e conferir maior grau de transparência ao Judiciário”4. Assim, necessário marcar o objeto, o ineditismo e a utilidade desta tese. Seu problema está situado no fato de que é público e notório o agigantamento do número de processos e o déficit operacional do Poder Judiciário Brasileiro, que tem sua imagem desgastada pela judicialização excessiva. Mesmo após a instituição do processo judicial eletrônico (PJe), a litigiosidade só faz crescer, maculando a garantia constitucional de acesso à jurisdição, o que cria riscos concretos ao exercício da cidadania5. Garantir tão-só o acesso à jurisdição estatal adjudicada não é garantia efetiva de acesso à prestação jurisdicional, especialmente, em um país com diferenças econômicas, sociais e culturais tão significativas. A crise judiciária é atual e antiga, complexa, evidente e de difícil solução, o que demanda do Estado (e do Poder Judiciário) enfrentamento da questão. Por certo que os métodos autocompositivos de solução de conflitos não devem ser tratados como panaceia para todos os males judiciários, razão pela qual merecem ser investigados com acuidade. Todavia, como não pensar no que aconteceria se não houvesse ADR e ODR6, diante da massa de problemas gerados pelo comércio eletrônico? A política pública instituída pela resolução CNJ n. 125/2010 – referendada pela legislação vigente no ordenamento jurídico brasileiro (CPC atual e Lei de Mediação) – evidencia o prestígio que o Poder Judiciário e o legislador quiseram dar à conciliação e à mediação. Nesse sentido, a resolução CNJ n. 125/2010 é textual: subdivide o Sistema Multiportas Brasileiro em três setores de solução de conflitos. O artigo 107, da resolução, é enfático ao estabelecer que cada Centro Judiciário de Solução de Conflitos deverá, obrigatoriamente, abranger três setores de solução de conflitos, a saber: i) Pré-processual; ii) Processual e iii) o Setor de Cidadania. 4 FRANCISCO, José Carlos; PIERDONA, Zélia Luiza; SILVA, Patrícia Schoeps. Atuação do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça para o accountability do Poder Judiciário. Cadernos de Dereito Actual (Online), v. 12, p. 261-274, 2019. p. 270. 5 “Apesar de os constrangimentos de natureza econômica, social e, especialmente, educacional, afastarem parcela significativa da população do acesso à justiça, o volume de processos no Judiciário tem atingido um volume superlativo. Essa quantidade, incomparável a de outros países democráticos, longe de indicar amplo acesso à justiça, revela, como vimos, um quadro deletério. O efeito destrutivo decorrente de tal situação atinge não apenas o Poder Judiciário, mas também o processo de construção da democracia e os valores republicanos. A explosão da litigiosidade e a morosidade na solução de conflitos são questões que têm que ser enfrentadas sob pena de erodirem, além da credibilidade do Poder Judiciário, também a qualidade da democracia brasileira.” (SADEK, Maria Tereza. Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista USP, n. 101, p. 55-66, março a maio. 2014. p. 63-64). 6 Sublinhe-se que nesta tese fizemos a opção por não tratar das ODRs (Online Dispute Resolution). 7 Art. 10. Cada unidade dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania deverá obrigatoriamente abranger setor de solução de conflitos pré-processual, de solução de conflitos processual e de cidadania. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16). 21 Portanto, já há política pública, instituída pelo Poder Judiciário, e, em decorrência dela, há legislação que dá sustentáculo aos métodos autocompositivos de resolução de controvérsias (atual Código de Processo Civil e lei de mediação); no entanto, os moldes com que se encontram praticados (ou não) os meios autocompositivos de solução de conflitos, isto é, marcados pelo estigma de mera faculdade, precisam ser repensados. Dentre os mecanismos autocompositivos disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, nesta tese, opta-se pela conciliação. Nesta, o terceiro imparcial – conciliador – pode sugerir soluções para o conflito, e não há necessidade de que haja vínculo anterior entre as partes.8 Como o recorte metodológico deste trabalho acadêmico tem como enfoque as justiças cíveis federal e estadual9, em que parcela considerável dos conflitos não sugere vínculo subjetivo anterior entre as partes, mais apropriada a opção pela conciliação, em comparação com a mediação, de modo que fortalecer a conciliação trará benefícios mais profícuos ao sistema de justiça Brasileiro. Ademais, no que diz respeito à conciliação judicial, a escolha é pela conciliação pré-processual. Nesse contexto, a tese é a de que é preciso se estabelecer a obrigatoriedade da fase pré-processual de conciliação, pela via de alteração legislativa, tomando como problema a viabilidade desse estabelecimento, em consonância com a ordem jurídica brasileira. Como consequência da legislação, uma vez vigente, partimos da pressuposição de que haverá fortalecimento do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual, dotando-se o sistema de justiça de efetivas e reais condições para que a conciliação pré-processual se estabeleça como realidade nacional. A ideia inicial é de que a só existência de uma política pública e de legislação que a corrobora como medida facultativa não tem o condão de solucionar os possíveis entraves que ainda existem no Brasil acerca da consolidação dos métodos consensuais de resolução de disputas, razão pela qual passa a ser viável e legítima a obrigatoriedade da conciliação pré- processual, numa releitura do interesse de agir e do direito de ação, fincando-se em um dedicado alinhamento ao direito de acesso à prestação jurisdicional. Considerando as lições de Queiroz e Feferbaum10 (para quem – depois de cumprir o ônus argumentativo de justificar as razões do seu problema de pesquisa – o(a) pesquisador(a) precisa elaborar uma questão jurídica prática, que represente, factualmente, a pergunta a ser 8 “Associa-se ao conciliador uma postura mais propositiva direcionada para disputas de cunho objetivo em que não haja, preferencialmente, um vínculo anterior entre as partes” (TAKAHASHI, Bruno et al. Manual de mediação e conciliação na Justiça Federal. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2019. p. 61). 9 Registre-se que, nesta tese, fizemos a opção por não tratar das ações criminais e trabalhistas. 10 QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo; FEFERBAUM, Marina. Metodologia da Pesquisa em Direito: técnicas e abordagens para elaboração de monografias, dissertações e teses. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 22 perseguida na tese), firma-se o objeto da presente tese no estudo da real implementação do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual, a partir da seguinte questão: a conciliação em momento pré-processual pode ser dotada, por lei, do atributo da obrigatoriedade (figurando como condição da ação), de forma compatível com a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, a fim de desonerar a estrutura processual tradicional, otimizando o acesso à jurisdição? O objeto da presente tese, portanto, é o estudo da real implementação do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual, isto é, mediante lei a isso destinada. Isso porque, embora tenhamos caminhos traçados, e já haja avanços significativos – em especial, no tocante ao setor de conflitos processual – importa considerar a necessidade de ato normativo, no sentido de promover a efetivação e real funcionamento do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual, a fim de que sua criação não seja mera ilusão teórica, de funcionalidade desconhecida ou irrelevante, sendo esta a hipótese desta pesquisa. Para responder à questão, eis as hipóteses que se seguem, a saber: 1. A discussão acerca de uma possível incompatibilidade da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição com os mecanismos consensuais não mais se sustenta como óbice a que a legislação fixe a conciliaçao pré-processual com obrigatória. A problemática do acesso à prestação jurisdicional há muito deixou de ser analisada nos acanhados limites dos órgãos judiciais já existentes11: o fomento à solução consensual de conflitos está em consonância com a atual tendência da desjudicialização dos conflitos, e esse é o sentido contemporâneo de jurisdição, tendo em vista que atualmente já se fala em quarta, quinta e sexta ondas (ou dimensões) de acesso à jurisdição, na sequência do propugnado por Mauro Cappelletti e Bryan Garth12. 2. Consolidar a política pública em comento, tornando-a uma macropolítica em permanente expansão e reinvenção, passa pela desjudicialização dos conflitos. E, por consequência, otimiza-se o acesso à prestação jurisdicional. Importante pontuar que a conciliação, uma vez feita no âmbito do Poder Judiciário, promove a desjudicialização, isto é, 11 Constitui tendência moderna o abandono do fetichismo da jurisdição, que por muito tempo fechou a mente dos processualistas e os impediu de conhecer e buscar o aperfeiçoamento de outros meios de tutela às pessoas envolvidas em conflitos. Os meios alternativos para solução destes ocupam hoje lugar de muito destaque na preocupação dos processualistas, dos quais vêm recebendo especial ênfase a conciliação e a arbitragem. Não visam a dar efetividade ao direito material, ou à atuação da vontade concreta da lei – i.e., não são movidos pelo escopo jurídico que por muitas décadas se apontou como a mola legitimadora do exercício da jurisdição pelo Estado. Mas, tanto quanto esta, têm o escopo pacificador que é o verdadeiro fator de legitimidade da jurisdição mesma no Estado moderno. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. t. II. p. 836-837). 12 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Brian. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. 23 não há dispensa da atuação do Poder Judiciário. O mesmo se diga se feita fora da órbita do Poder Judiciário. 3. A utilização da conciliação em momento pré-processual pode colaborar sobremaneira com a desoneração da estrutura processual, formal, do sistema judiciário brasileiro, servindo como um “filtro obrigatório”, cuja função será separar o que não necessita de prestação jurisdicional (em razão da ausência do interesse de agir) daquilo que, efetivamente, reclama passagem pela justiça adversarial. Desse modo, indica-se a tentativa de conciliação pré- processual – mediante alteração legislativa – como condição da ação. E, para cumprir tal desiderato, essencial enunciar-se a questão do conflito, com base na doutrina empregada por Carnelutti13 e Alcalá-Zamora y Castillo14, com ênfase na sua inserção no movimento global de verdadeiro acesso à prestação jurisdicional, formulado por Cappelletti e Garth15. Para a utilização do referencial teórico de Alcalá-Zamora y Castillo, importa também enunciar as formas de composição de conflitos – que, por certo, não se circunscrevem – e não se circunscreveram – à exclusividade da jurisdição estatal, demonstrando-se, assim, a compatibilidade entre os métodos autocompositivos e a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Ademais, uma releitura da teoria geral do processo e de institutos fundantes do direito processual civil – temática a ser abordada no capítulo 2 desta tese – tem como salvaguarda a doutrina contemporânea brasileira de Carlos Alberto de Salles e Rodolfo de Camargo Mancuso, notadamente, por terem, muito antes de se falar no assunto, incentivado uma nova e necessária mirada acerca do interesse de agir e da pretensão resistida. Leva-se em consideração a clássica construção teórica de Marc Galanter16 sobre ADR (Alternative Dispute Resolution), destacando-se, por oportuno, a importância de se resistir à falseada caracterização dos meios adequados de solução de conflitos como “meros informalismos”, demonstrando-se os benefícios que a conciliação pré-processual pode trazer para a sociedade, com menor dispêndio de tempo e recursos. Valendo-se dos métodos hipotético-dedutivo e indutivo, pautando-se pela pesquisa bibliográfica e documental (livros, periódicos, artigos impressos ou digitais; apontamentos 13 CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Proceso Civil. Tradução da 5ª edição italiana por Santiago Sendis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-América, 1973. 14 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de teoría general del proceso. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. 15 CAPPELLETTI; GARTH, op. cit. 16 GALANTER, Marc. Introduction: compared to what? Assessing the quality of dispute resolution. Denver University Law Review, v. 66, n. 3, 1989. 24 doutrinários e legislativos de direito nacional e comparado), além da consulta e análise de dados (legislação, resolução, fontes estatísticas oficiais do Poder Judiciário), esta tese propõe-se a atingir um objetivo geral e quatro específicos. Como objetivo geral, pretende estabelecer a conciliação pré-processual como condição da ação, nos assuntos suscetíveis de autocomposição, integrante da necessidade que compõe o interesse de agir, como incremento à política judiciária. Isto é, dar forma teórica e jurídica à possibilidade de se estabelecer, para algumas situações, a obrigatoriedade de uma instância prévia e obrigatória de conciliação, a fim de que a opção da judicialização não seja sempre ofertada como imediata e primeira opção de solução de conflitos, excepcionando-se, por óbvio, casos e situações envolvendo complexidade ou que reivindiquem compulsória passagem judiciária. Partindo disso, como objetivos específicos, visa a revisar a literatura acerca do acesso à jurisdição como acesso à ordem jurídica justa, com base nos documentos internacionais de direitos humanos; objetiva, ainda, ressignificar a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, contextualizando-a na cultura de fomento aos métodos autocompositivos; verificar a compatibilidade entre a referida garantia e os métodos autocompositivos, especificamente, a conciliação. Além disso, revisitar a Teoria Geral do Processo, a fim de situar contemporaneamente as possíveis tensões entre o interesse de agir e o fomento à conciliação em momento pré- processual, com o viés de fortalecimento do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual no Brasil. O futuro do direito processual civil brasileiro é composto de desafios que necessitam ser descortinados, a fim de que a gestão de conflitos de interesses passe a dar respostas aos problemas de forma efetiva, justa, tempestiva e acertada, a impor aos estudiosos uma abordagem que permita o afastamento da forma tradicional de compreensão do acesso à prestação jurisdicional, da jurisdição e da Teoria Geral do Processo, em especial, do interesse de agir. Como instrumentos para alcance desses objetivos – e observando a metodologia escolhida – há premissas (legislativas, econômicas, educacionais, estatísticas) que podem ser destacadas para a discussão do objeto do presente estudo. São elas, o atual CPC; a Lei de Mediação; a Resolução n. 271, de 11 de dezembro de 2018, do CNJ, que estabelece os vencimentos dos mediadores e conciliadores; a revisão das diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Direito – Parecer CNE/CES n. 635/2018 (Portaria n. 1.350, de 14.12.2018) – que, dentre outras questões, estabelece que as disciplinas que versem sobre 25 conciliação, mediação e arbitragem passam a ser matérias obrigatórias nas grades curriculares dos cursos de Direito de todo o país. E, também, o Relatório Justiça em Números (CNJ): índice de conciliação e informações acerca da estrutura dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) Brasileiros – referencial estatístico para análise circunstanciada do objeto da tese; além das metas do CNJ, em especial, a terceira meta do CNJ (2020)17, a saber: estimular a conciliação (Justiça Estadual, Justiça Federal e Justiça do Trabalho); Justiça Estadual: aumentar o indicador índice de conciliação do Justiça em Números em 2 pontos percentuais em relação ao ano anterior; Justiça Federal: fomentar o alcance percentual mínimo de 6% na proporção dos processos conciliados em relação aos distribuídos; Justiça do Trabalho: manter o índice de conciliação na fase de conhecimento, em relação ao percentual do biênio 2017/2018.18 Da análise percuciente dos dados anunciados no último – até a escrita desta tese – Relatório Justiça em Números (CNJ)19, percebe-se um razoável índice de conciliação de 12,5%, frente ao crescente número de demandas ajuizadas. Todavia, é certo que esse indicativo de composição está estacionado há pelo menos seis anos, nos levando a crer que há condições de aumentá-lo nas Justiças Estadual e Federal. Ainda, a gratuidade do serviço do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual, fixada pelo enunciado n. 19 (FONAMEC), do qual se extrai que, no CEJUSC, não há custas processuais e limite de valor da causa; a resolução n. 219/2016, por meio da qual se entende que CEJUSCS são considerados atividade-fim do Judiciário, sendo colocados no patamar das varas, juizados, turmas recursais e zonas eleitorais para fins de distribuição de servidores. Outrossim, ressalte-se que a PEC 136/2019, atualmente aguardando a manifestação do relator, senador Rodrigo Cunha, na Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, acrescenta inciso LXXIX ao artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, para promover o emprego de meios extrajudiciais de solução de conflitos à condição de direito fundamental20. 17 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Metas nacionais para 2020. Aprovadas no XIII Encontro Nacional do Poder Judiciário. Maceió/AL, 2019. Disponível em:. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/01/Metas- Nacionais-aprovadas-no-XIII-ENPJ.pdf. Acesso em: 15 ago. 2020. 18 Lembrar que o recorte metodológico desta tese está circunscrito à justiça cível federal e estadual, excluindo-se as causas criminais e trabalhistas. 19 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2020b: ano-base 2019. Brasília: CNJ, 2020. 20 BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição n. 136, de 2019. Acrescenta inciso LXXIX ao Art. 5º da Constituição Federal, para estabelecer o emprego de meios extrajudiciais de solução de conflitos como um direito fundamental. Brasília, DF: Senado Federal, [2019]. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138749. Acesso em: 15 out. 2019. 26 Convergindo para o objetivo geral de estudar a possibilidade de a conciliação em momento pré-processual ser obrigatória, numa releitura constitucional e legal do acesso à jurisdição, do direito de ação e do interesse de agir, esta tese está dividida em quatro capítulos. O primeiro – “Dos conflitos às soluções: reflexões iniciais” – tem como escopo conceituar o acesso à prestação jurisdicional, partindo da teoria do conflito e utilizando como aporte as formas de solução de controvérsias. Apresenta os meios autocompositivos de solução de conflitos, numa perspectiva histórica e conceitual, com fulcro em um pilar principiológico tido como essencial à pesquisa, qual seja, o da inafastabilidade da jurisdição. O capítulo segundo, “Revisitação da Teoria Geral do Processo: uma abordagem contemporânea”, faz uma revisitação de institutos processuais, a saber, conflito de interesse, litígio, lide, pretensão resistida, pressupostos processuais, direito de ação e condições da ação (em especial, o interesse de agir21), a fim de adequá-los aos escopos da jurisdição contemporânea. A fim de aprofundar o objeto de estudo do direito processual, o capítulo terceiro – “Direito Estrangeiro: meios autocompositivos como condição de acesso à jurisdição” – são feitas considerações fomentadas pelo direito estrangeiro, utilizando, para isso, alguns países da América Latina que contemplam, em suas respectivas legislações, a exigência de passagem prévia pelos meios autocompositivos, como requisito prévio obrigatório para a propositura de eventual demanda, bem como pela Itália, berço do direito processual civil, onde encontramos nossas raízes. Não se nega a importância da análise de direito estrangeiro de países como EUA, Inglaterra, Canadá, entre outros. Entretanto, opta-se, no presente trabalho acadêmico, pelos modelos de autocomposição prévia instituídos na Itália, que nos traz preciosas lições as quais, certamente, podem ilustrar as discussões acerca dos métodos consensuais, sobretudo, porque nosso direito processual civil teve forte influência da experiência italiana. O mesmo se diga quanto a dois países latino-americanos, Colômbia e Argentina (guardadas as devidas proporções e diferenças, não se pode negar que os países do sistema judicial latino-americano guardam certa semelhança, notadamente socioeconômica, fruto de nossa origem ibérica comum. A América Latina possui experiência na implementação de mecanismos consensuais de solução de conflitos, em especial, nos últimos 30 (trinta) anos, e têm muito a nos ensinar). 21 Ampliação no conceito processual de interesse de agir, acolhendo a ideia de adequação, dentro do binômio necessidade-utilidade, como forma de racionalização da prestação jurisdicional, evitando-se a procura desnecessária pela solução adjudicada, ou mesmo o abuso do direito de ação. 27 Das lições pertinentes de Dinamarco e Lopes22, acerca do direito estrangeiro, extrai-se que a ciência processual civil brasileira vivencia uma grande necessidade de tomar consciência das realidades circundantes de institutos e conceitos de sistemas processuais de outros países, para a busca de soluções adequadas aos problemas da nossa justiça. Aduzem que a regra de ouro de toda comparação jurídica é a utilidade que ela possa ter para a melhor compreensão e operacionalização de, ao menos, um dos sistemas jurídicos comparados, devendo, assim, analisar ordenamentos jurídicos em que as novas realidades de interesse atual já tenham sido mais vivenciadas, em especial, a estrutura e mecanismos judiciários e processuais dos países da América Latina, máxime daqueles integrantes do Mercosul. No quarto capítulo, “Caminhos para a obrigatoriedade da conciliação pré-processual no Brasil: fortalecimento estrutural, incentivo à consensualidade e propostas de alteração legislativa”, apresentam-se instrumentos já normatizados em prol dos mecanismos autocompositivos de solução de conflitos, os quais sutentam a tese de que, para algumas situações passíveis de autocomposição, a conciliação pré-processual deve se impor como condição da ação. Além disso, são trazidas à discussão propostas de alteração legislativa em semelhante sentido, ratificando a importância que vem ganhando o tema no País, na contemporaneidade. O Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie tem como área de concentração o Direito Político e Econômico. Optou-se, nesta tese, pela linha de pesquisa “A cidadania modelando o Estado”, tendo em vista o objetivo de tratar, em especial, da conciliação pré-processual como método de solução de controvérsias, como forma de conferir concretude à garantia fundamental de acesso à prestação jurisdicional, diante das limitações da jurisdição contemporânea. Promove, por conseguinte, reflexões acerca do conceito de cidadania, integrando-se aos fundamentos e princípios do Estado Social e Democrático de Direito, especialmente no que se refere ao dever de promoção de justiça célere, eficaz e efetiva, com amparo na Constituição Federal de 1988. Debater a implementação da política pública referendada pela resolução CNJ n. 125/2010 e todo o anteparo legislativo que lhe dá sustentáculo, por intermédio de uma releitura de institutos processuais, dá a tônica que justifica a opção pela referida linha de pesquisa. Efetivar os meios consensuais de solução de conflitos, em especial, o pré-processual, é uma forma de ampliação da cidadania e promoção da garantia fundamental de acesso à 22 DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do novo processo civil. 2. ed, rev e atual., São Paulo, Malheiros Editores, 2017. p. 36-37. 28 jurisdição, mormente quando se apontam caminhos para a concretização do que se propõe, diante dos obstáculos existentes. Em outras palavras, de (re)pensar o acesso à prestação jurisdicional, nos moldes propugnados por esta tese, para que se possa avançar nesse nosso atravancado processo civilizatório. 29 1 DOS CONFLITOS ÀS SOLUÇÕES: REFLEXÕES INICIAIS Conciliar significa harmonizar, pôr de acordo, congraçar, combinar, captar, atrair, conseguir, aliar, unir, harmonizar, no ensinamento de Aurélio Buarque de Holanda23. Em sentido mais amplo: Nos conflitos jurídicos, o acordo, seja qual for o nome que se lhe dê, põe fim à controvérsia e, consequentemente, ao ódio e a outros sentimentos negativos. Já uma sentença, por mais fundamentada que seja, nem sempre dá a solução definitiva. Mesmo que seja executada, o conflito permanece latente e pode eclodir tempos depois por outro motivo.24 Os meios autocompositivos de solução de conflitos existem desde priscas eras, tendo surgido muito antes da criação do Estado (tal qual o conhecemos), aqui sumariamente demonstrado por um mapeamento histórico que perpassa as primeiras civilizações do mundo. Segundo Fabiana M. Spengler, aparecem no seio das primeiras sociedades, como uma maneira de solucionar conflitos que antecede, inclusive, o Estado organizado e detentor do monopólio da jurisdição.25 Nesse sentido, remonta-se aos registros históricos contidos na Bíblia Sagrada26: “concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão” (Mateus 5:25). Antes de trilhar a origem dos meios consensuais de solução de disputas no Brasil, importante mencionar que, na Grécia Antiga (3000 a.C.) e em Roma, era prática corrente a utilização da mediação e da conciliação27, também registrada no Egito, na Assíria e na 23 HOLANDA, Aurélio Buarque de. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 11. ed. São Paulo: Editora Positivo, 2010. p. 308. 24 FREITAS, Vladimir Passos de. A Conciliação como forma de solução de conflitos. Ibrajus. Disponível em: http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=266. Acesso em: 02 mar. 2019. 25 SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação: Um retrospecto histórico, conceitual e teórico. In: SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Mediação enquanto Política Pública: a teoria, a prática e o projeto de lei. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010. p. 18. 26 Bíblia online. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/mt/5/25. Acesso em: 16 jul. 2019. 27 “Os irenoficiali ‘custodiavam a paz entre os cidadãos litigantes, pois Irene, em grego significa aquela paz que não se consegue pela força, pela coação, mas que se estabelece pela razão’. 1 Os romanos, por sua vez, além de possuírem figura análoga aos irenoficiali (os feciali), possuíam também e a figura das conciliatrix (incumbidas de reunir os esposos separados), tendo instituído, ademais, a conciliação privada (por meio dos intra parietas) e edificado, perto do fórum, o templo da Deusa Concórdia.” (TOFFOLI, José Antonio Dias. Movimento conciliatório e a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF): breves considerações. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 50, jul.-set. 2016. p. 231). 30 Babilônia. Noticia-se que culturas judaicas, hinduístas, confucionistas28, islâmicas, cristãs e indígenas possuem histórico de práticas autocompositivas para o tratamento de contendas sociais. Os métodos consensuais, portanto, sempre estiveram presentes na tradição jurídica de povos e culturas, a despeito das necessárias mudanças havidas nos institutos autocompositivos no decorrer do tempo. O Estado brasileiro, há muito, faz menção à solução consensual de conflitos em suas legislações. É cediço que nos valemos das Ordenações Portuguesas e, nessa medida, importante destacar, a título de rigor histórico, que procedimentos conciliatórios eram prestigiados em Portugal. Veja-se, a propósito, previsão expressa das Ordenações Afonsinas (1500-1514): “os juízes devem muito trabalhar por trazer as partes à concórdia, e isto não é de necessidade, mas de honestidade e virtude pelos tirar de trabalhos, omesio e despesas” (livro III, T. IT. XX, § 5º)29. Em igual passo, estão as Ordenações Manuelinas (1514-1603). É o que se depreende da leitura do livro 3º, título XV, item I30, no sentido de que as partes necessitavam de passar por um procedimento conciliatório, antes de se socorrerem da jurisdição estatal. No século XVI, a concepção acerca das práticas consensuais fora mantida pelas Ordenações Filipinas (1603-1916)31. É fato que, no Brasil, as práticas consensuadas remontam ao período imperial, quando nos valíamos dos regramentos previstos naquelas. Após a Independência, ainda no período imperial, dá-se início à atividade legislativa brasileira 28 “Na China, durante o período de Confúcio (cerca de 550-479 a.C.), os chineses eram influenciados pelas ideias desse filósofo que acreditava ser possível construir-se um paraíso na terra, desde que os homens pudessem se entender e resolver pacificamente seus problemas [...]. Nessa época, na China, a resolução de eventuais conflitos através do processo era considerada algo desonroso entre os chineses e que atentava contra a pacificação social.” (SPENGLER, op. cit., p. 19). 29 CASTRO FILHO, José Olímpio de. A Conciliação no Processo Civil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. v. 5. Belo Horizonte: UFMG, 1953. p. 278. 30 “[...] E querendo dar ordem que as partes possam, quando quiserem sem temor dos ditos inconvenientes, fazer concerto, e que posam confessar tudo o que quiserem, sem receio das ditas confissões vir nenhum prejuízo quando se não acabarem de concertar, e bem assim como sempre haja em cada lugar uma pessoa virtuosa e de boa consciência e bem entendida que continuadamente esteja prestes para entender nos tais concertos por nos parecer que é grande serviço de Deus o bem assim de nossos súditos. Ordenamos e mandamos que em cada cidade vila ou lugar haja uma pessoa que para isso seja ordenada boa e virtuosa ou bem entendida a qual terá encargo como for requerido por algum litigante, em causa cível ou crime, em que a justiça não haja lugar ou posto que não seja requerido, como ele souber que algumas partes andam em demanda e discórdia ele fazer quanto puder e trabalhar por as concertar, mandando chamar cada uma das partes por si e ajuntando-as ambas quando convir, ou indo a casa de cada uma das ditas partes sendo de tal qualidade para ela.” (Ordenação e Regimento dos Concertadores de demandas dado por El-Rey D. Manoel em 25 de janeiro de 1519) (grifos nossos). 31 As Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil por longo período (períodos colonial, imperial e parte do republicano), e é certo dizer que foram paulatinamente revogadas, conforme surgiam legislações brasileiras acerca deste ou daquele assunto. Mas importa destacar que só foram definitivamente revogadas com o advento do Código Civil de 1916. 31 propriamente dita, e, em 1824, temos a primeira Constituição do País (Constituição Política do Império do Brazil), que exortava de forma expressa a conciliação. O artigo 16132 condicionava o recurso à via judicial à prévia tentativa de solução consensual dos conflitos. E, para tanto, o artigo 16233, da Constituição de 1824, previa a existência de juízes de paz eleitos, a quem era confiada a tarefa de conciliar as partes, sem a qual o aforamento de demanda poderia se dar. De modo que “a tentativa prévia de conciliação [...] era entendida como condição de procedibilidade, sendo sua ausência fator inviabilizador do desenvolvimento do processo”; sem tentativa, “ter-se-ia verdadeira falta de interesse de agir a obstaculizar o prosseguimento do processo” (grifos nossos).34 Parcela considerável de historiadores entende que o fomento aos métodos conciliatórios, nesse período, foi fruto da atuação de liberais, em contraponto aos conservadores. Nessa senda, Adriana Pereira Campos e Alexandre de Oliveira Basílio de Souza35 acentuam que apaziguar as partes era, nas décadas iniciais do século XIX, efetivamente, fase preliminar do processo. Nota-se, portanto, que a autocomposição acompanha a sociedade brasileira desde os idos do Brasil colonial, e o encorajamento da conciliação – ora mais efusivo, ora menos eloquente – pode ser observado ao longo da história brasileira. A exemplo da Lei Orgânica das Justiças de Paz (1827)36, a qual regulamentou as funções a que estavam adstritos os juízes de paz, que detinham variadas atribuições (artigo 5º e parágrafos). Em especial, a justiça conciliatória – que fora estabelecida como uma providência preliminar – e que buscava uma maior agilidade na resolução de conflitos locais. Ademais, cumpre enfatizar que os juízes de paz eram eleitos, nos moldes em que se elegiam, à época, os vereadores, e, desde que fossem eleitores37, poderiam se candidatar ao 32 “Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum.” (BRASIL. [Constituição (1824)]. Constituição Política do Imperio do Brazil, de 25 de março de 1824. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 18 jul. 2019). 33 “Art. 162. Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei.” (BRASIL, 1824, op. cit.). 34 LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. Mediação e Conciliação. Evolução histórica rumo ao futuro. In: SILVEIRA, João José Custódio da; AMORIM, José Roberto Neves (coords). A Nova Ordem das Soluções Alternativas de Conflitos e o Conselho Nacional de Justiça. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013. p. 327. 35 CAMPOS, Adriana Pereira; SOUZA, Alexandre de Oliveira Bazilio de. A Conciliação e os Meios Alternativos de Solução de Conflitos no Império Brasileiro. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 59, n. 1, p. 271-298, 2016. p. 274. 36 BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Crêa em cada uma das freguezias e das capellas curadas um Juiz de Paz e supplente. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM.-15-10-1827.htm. Acesso em: 19 mai. 2019. 37 Segundo o artigo 94, da Constituição do Império, eleitor era aquele que tivesse renda líquida anual não inferior a 200$000 (duzentos mil réis) por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego; idade de 21 anos, exceto se bacharel formado ou clérigo de ordens sacras, e deveria saber ler e escrever. 32 cargo (segundo artigos 2º e 3º, da referida lei). Não havia, portanto, exigência de formação jurídica. Eram juízes leigos, com função precípua da prática conciliatória38. O Regulamento 737/1850, projetado para normatizar causas comerciais, estabelecia, em seu artigo 23, a conciliação prévia obrigatória como condição para a ação judicial. A Consolidação das Leis de Processo Civil (conhecida como “Consolidação Ribas”) seguiu o caminho. Corroborando a legislação imperial destacada, a Consolidação Ribas, em seus artigos 185 a 20039, conservou a obrigatoriedade da conciliação prévia como condição para o exercício do direito de ação. Vale o registro histórico, ainda que não relacionado diretamente ao sistema judiciário brasileiro do Brasil-Império, que Dom Pedro II, em 1853, instituiu o Ministério da Conciliação, idealizado, organizado e presidido pelo então Visconde de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão), para equilibrar disputas políticas entre liberais e conservadores e garantir estabilidade política no Segundo Reinado40. Em suma, à época da Constituição Imperial, sempre houve a previsão da necessidade da busca da solução dos conflitos por formas autocompositivas, antes da solução obtida em um processo judicial. Nessa esteira, proclamada a República em 1889, uma nova Constituição (1891) fora promulgada. E não havia, na referida Carta, nenhuma menção à justiça de paz e à conciliação. Um ano antes da promulgação do texto constitucional, fora editado o Decreto 359, de 26.04.189041, que, em seu artigo 1º, estabelecia: “é abolida a conciliação como formalidade preliminar ou essencial para serem intentadas ou prosseguirem as ações civis e comerciais”, 38 “Os argumentos em torno da administração da justiça e suas vicissitudes que levaram à introdução do juizado de paz se desenvolviam, fundamentalmente, em dois campos. O primeiro, centrado nas críticas aos reiterados problemas e queixas da estrutura jurídica, em grande parte herdada do período colonial, com o predomínio abusivo dos magistrados e seus sistemas de emolumentos. O segundo situava-se no campo da percepção de que era necessário introduzir mecanismos de implementação da justiça [...]. No primeiro caso, o juiz de paz seria uma alternativa de distribuição da justiça, baseada no poder local e capaz de se contrapor às práticas ortodoxas de uma máquina lenta, decadente e ineficiente. [...]” (VELLASCO, Ivan de Andrade. O juiz de paz e o Código do Processo: vicissitudes da justiça imperial em uma comarca de Minas Gerais no século XIX. Justiça História, v. 3, n. 6, p. 65-95, 2003. p. 67) (grifos nossos). 39 Interessantes os comentários do Conselheiro Ribas acerca dos artigos: “[...] Foi a nossa lei fundamental que, imitando o codigo do processo civil francez art. 48 e seg., tornou a previa conciliação condição essencial de todos os processos civis; e para este fim instituio Juizes electivos especiaes-os de paz (Const. art. 161 e 162). Prohibindo a Constituição que se dê começo a qualquer processo sem que se faça constar ter-se tentado o meio da reconciliação das partes, é logico que, em geral, se deverão considerar nullos todo os processos, instaurados sem esta prévia condição. [...]” (RIBAS, Antonio Joaquim. Consolidação do Processo Civil comentada pelo Conselheiro Dr. Antonio Joaquim Ribas. Rio de Janeiro: Dias da Silva Junior Typographo Editor, 1879. v. primeiro. p. 149-150). 40 ESTEFANES, Bruno Fabris. Conciliar o Império: Honório Hermeto Carneiro Leão, os partidos e a política de conciliação no Brasil monárquico (1846-856). 2010. 211 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 41 BRASIL. Decreto nº 359, de 26 de abril de 1890. Revoga as leis que exigem a tentativa da conciliação preliminar ou posterior como formalidade essencial nas causas civeis e commerciaes. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D359.htm. Acesso em: 20 mai. 2019. 33 salvo exceções, afastando a obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia para o ajuizamento da ação. Referido decreto valia-se do argumento de que a obrigatoriedade da conciliação seria providência infrutífera e custosa. Constituições e legislações subsequentes mantiveram a figura do juiz de paz, entretanto, sem menção à sua função conciliatória, desprestigiada durante todo o período republicano. As Constituições de 1934 e de 1937 conferiram aos Estados poderes para manter a justiça de paz eletiva e fixar a sua competência, ressalvando que os recursos de suas decisões seriam interpostos na justiça comum. No CPC de 1939, não se encontra menção à justiça de paz, desestimulada, então, a conciliação prévia na primeira codificação processual civil brasileira, e alheio o Poder Judiciário a qualquer espécie de conciliação. Nos artigos 263-272, nenhuma palavra é dirigida à possibilidade de conciliar. Segundo Freitas42, referida atividade, quando observados aqueles a quem era atribuída, (delegados de polícia, juízes de paz, promotores de justiça) era exercida com base na autoridade que estes detinham. A Constituição Federal de 1946 estabeleceu que a justiça de paz tinha “atribuição judiciária de substituição, exceto para os julgamentos finais ou recorríveis e competência para a habilitação e celebração de casamentos e outros atos previstos em lei”43 (inciso X, artigo 124). Tais regramentos permaneceram na Carta de 1967 (artigo 136, § 1°, “c”) e na Emenda de 1969. As reiteradas alterações legislativas no Brasil restringiram a competência dos juizados de paz à habilitação e à celebração de casamentos. Em suma, a justiça de paz passou a ser órgão de criação facultativa da organização judiciária local (estadual)44, deixando de ser a tentativa 42 FREITAS, op. cit. 43 BRASIL. [Constituição (1946)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 17 jul. 2019. 44 Sublinhe-se que o Estado de Minas Gerais editou a Lei nº 13.454/2000 de 12/01/2000, dispondo sobre a Justiça de Paz naquele estado da federação. Importa destacar que fora interposta Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2938) contra diversos dispositivos da referida lei estadual, que trata da regulamentação das eleições e estruturação da carreira de Juiz de Paz e até um capítulo inteiro mereceu a oposição do então procurador-geral para a continuidade de sua vigência. Segundo Informativo do STF, sobre as competências de juiz de paz, previstas no artigo 15 da lei mineira, os ministros analisaram inciso por inciso. A possibilidade de o juiz de paz arrecadar bens de ausentes até a intervenção de autoridade competente, prevista no inciso VII, foi declarada constitucional, por considerar que o artigo 98, inciso II, da CF outorga ao juiz de paz outras atribuições de caráter não jurisdicional, previstos em legislação estadual.Os ministros julgaram inconstitucional o inciso VIII do artigo 15, que permite ao juiz de paz processar auto de corpo de delito e lavrar auto de prisão, por se tratar de matéria processual penal. O inciso IX do artigo 15, que permite a prestação de assistência ao empregado nas rescisões de contrato de trabalho foi declarado inconstitucional.A Corte, por maioria, entendendo não haver incompatibilidade com o texto constitucional, declararou a constitucionalidade do inciso X do mesmo 15, que permite aos juízes de paz zelar pela observância das normas concernentes à defesa do meio ambiente, tomando as providências necessárias ao seu cumprimento.Também foi declarado constitucional, por maioria, o dispositivo (art. 15, XII) que permite aos juízes de paz atuar como peritos em processos, diante da referida previsão do artigo 98, inciso II, da CF, quanto à possibilidade de outorga de outras atribuições.A possibilidade de o juiz de paz nomear escrivão em caso de 34 prévia de conciliação condição para o aforamento da demanda. Editado o Código de Processo Civil de 1973, a conciliação passou a compor alguns de seus artigos, mas é certo que a codificação não lhe atribuiu nenhum caráter prévio ou obrigatório . Com a edição da Lei de Pequenas Causas (Lei nº 7.244/1984), com a previsão expressa do artigo 24, de que “aberta a sessão, o juiz esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as consequências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 2º, do artigo 3º, dessa lei”45, deu-se início ao movimento de reformas processuais, ampliando-se o acesso ao Poder Judiciário, numa clara tentativa de enaltecer a conciliação como forma de solução de conflitos de interesses. A Lei nº 9.099/95, que estabeleceu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em seu artigo 21, repetiu o disposto na Lei de Pequenas Causas. Com a entrada em vigor da Lei nº 9099/95, que regulamentou os procedimentos dos juizados especiais cíveis e criminais, a conciliação ganha papel de destaque, dispondo, em seu artigo 2º, “que o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível, a conciliação ou a transação”46. A conciliação recomeça a ganhar espaço no cenário jurídico brasileiro, ainda que os juizados especiais, com o passar dos tempos, não tenham alcançado, por inúmeros fatores, os objetivos inicialmente planejados. No ano de 1996, foi publicada a Lei da Arbitragem, a qual dispõe, em seu artigo 1º, que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, ou seja, uma modalidade de heterocomposição extrajudicial47. A posteriori, foi instituída a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 10.259, de 12 de junho de 2001), que também privilegia a composição de conflitos de sua competência. Nesse ponto, o Código Civil de 2002 também não foi alheio em relação ao presente instituto, dispondo, em seu artigo 840, que, “é lícito aos arrecadação de bens de ausentes foi declarada constitucional pela maioria dos ministros. Por outro lado, a expressão "e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento", contida no artigo 22 da lei mineira, foi declarada inconstitucional, por maioria, por envolver matéria de processo penal. (http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2144473). 45 BRASIL. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. Dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7244.htm. Acesso em: 10 ago. 2019. 46 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 11 abr. 2019. 47 Alterada pela Lei nº 13.129, de 2015. 35 interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”48 – nesse sentido, importante destacar a edição da Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009, que regulamenta os Juizados Especiais da Fazenda Pública. No tocante à Constituição Federal de 198849, consta em seu preâmbulo, expressamente, o compromisso do Estado Brasileiro com a solução pacífica das controvérsias. O Preâmbulo da Constituição brasileira institui um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Na ordem interna e na ordem internacional, somos uma sociedade fraterna e primamos por soluções pacíficas. Segundo nos ensina Reynaldo Soares da Fonseca50, vivemos em uma sociedade complexa, multifacetada, que há muito tempo abandonou a roupa velha da vingança privada. Optamos pelo chamado constitucionalismo fraternal, em que os princípios da fraternidade, da solidariedade e da paz são valores indispensáveis. Precisamos de um sistema de justiça eficiente e célere, que acompanhe as transformações sociais, mas que, ao mesmo tempo, garanta os direitos humanos fundamentais, propiciando sempre a abertura para uma sociedade fraterna. No que se refere à justiça de paz, apenas o registro de que até o presente momento o artigo 98, do texto constitucional, não foi regulamentado por lei federal. Também consta a figura do juiz de paz no artigo 30, dos ADCT. Afora essa questão, foram muitas as mudanças havidas no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988. Após o fim da ditadura militar, com a quebra dos atributos de cidadania e direitos humanos havidos no período do regime, a promulgação da Constituição Federal de 1988 reaviva a chama da soberania popular, com a divisão e a harmonia entre os três Poderes, 48 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 11 abr. 2019. 49 “Além da supremacia jurídica da Constituição, outra característica do neoconstitucionalismo, com grande repercussão para questões como a jurisdição constitucional e a democracia, é o caráter principiológico das constituições modernas. As constituições europeias do pós-guerra e as que algumas décadas depois, também naquele continente, sucederam regimes ditatoriais, como as de Portugal e Espanha, elencam princípios que devem nortear a ação do legislador e do Estado como um todo, encarnando ideais de evolução das sociedades, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade, as liberdades em geral, bem como direitos econômicos e sociais voltados a diminuir as desigualdades e garantir a todos uma vida materialmente digna. O fenômeno replicou-se nas constituições da América Latina que igualmente sucederam ditaduras e reflete, ademais, a consagração dos direitos humanos nos tratados e outros instrumentos internacionais.” FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Neoconstitucionalismo e Verdade. Limites deocráticos da jurisdição constitucional, 3ªed. revista e atualizada. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2020, p. 71-72. 50 FONSECA, Reynaldo Soares da. O Princípio Constitucional da Fraternidade: Seu resgate no sistema de justiça. Belo Horizonte:Editora D’Plácido, 2019, p. 108-109. 36 finalmente restabelecidos. Segundo Carlos Roberto Siqueira Castro, “em que pesem toda sorte de crises institucionais, políticas e econômicas por que tem passado o Brasil nas últimas três décadas, é motivo de regozijo histórico constatar que há 30 anos não mais experimentamos rupturas institucionais ou o colapso da democracia”51. Isto é, a Carta Constitucional de 1988 ampliou sobremaneira os direitos individuais, coletivos e sociais e garantiu irrestritamente o acesso à prestação jurisdicional, o que culminou na escalada sem precedentes de processos judiciais em todo o território nacional. São milhões de processos, ano a ano, expondo as qualidades mas também as deficiências da jurisdição brasileira em todas as justiças (comum e especializada) e instâncias jurisdicionais. As estatísticas e os prognósticos do Poder Judiciário – apontados em capítulo próprio nesta tese – dão conta dos números avantajados de demandas reprimidas à espera de julgamento. Inexorável dizer que a jurisdição padece, atualmente, de um certo descrédito quando se fala em solução de conflitos52. Naquilo que mais de perto se pode perceber junto ao Poder Judiciário, é público e notório que houve uma expansão crescente da judicialização dos conflitos em todas as esferas deste, e isso se deu não somente por conta do crescente aumento da população brasileira. O texto constitucional, na ânsia de enfrentar problemas e óbices acerca da garantia constitucional do acesso à jurisdição, concebeu instrumentos aptos a maximizar esse acesso aos cidadãos brasileiros, e ninguém há de dizer que, a despeito da máxima de Sadek – “poucos litigando muito e muitos litigando pouco”53 –, o volume de demandas multiplicou-se em demasia, e, segundo nos mostram os números54, continuam em patamares descomunais, apesar de uma ligeira queda no estoque processual da justiça brasileira. Se, por um lado, foi garantido a todos, indistintamente, o acesso à jurisdição, é fato que, agora, cabe ao Poder Judiciário dar solução adequada a essa enormidade de conflitos de interesses instaurados ou por instaurarem-se55. Esse passou a ser um dos grandes problemas 51 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Novas Perspectivas em termos de soluções consensuais. In: SIMONS, Adrian et al. (orgs.). Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira. 1. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. [livro eletrônico]. p. 328. 52 Em realidade, o aumento populacional, a geração em escala de novos e novíssimos direitos, a complexidade da vida social, a ampliação do acesso à justiça, a litigiosidade de massa, a exarcebada “cultura do litígio”, tudo agravado pela precariedade das estruturas físicas do Judiciário e pelo insuficiente contingente de magistrados e serventuários, especialmente nas instâncias primárias da jurisdição, resultaram na frustração dos jurisdicionados quanto à capacidade nstitucional do Poder Judiciário para prover soluções céleres e eficientes de seus conflitos (Ibid., p. 329). 53 SADEK, op. cit., p. 55-66. 54 Dados atuais do Relatório Justiça em Números, do CNJ, que serão analisados em momento oportuno neste trabalho. 55 “Deve-se também conceber o incremento no direito à informação e o maior conhecimento dos indivíduos sobre suas posições de vantagem como reafirmações dos direitos cívicos a que fazem jus. A verificação dessa verdadeira 37 enfrentados pelo Poder Judiciário – não há como não registrar que a análise tradicional acerca do que vem a ser “acesso à jurisdição” estaria, em tese, resolvida, não fossem os novos contornos que a doutrina estabelece à garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, qual seja, garantir efetivamente o acesso à ordem jurídica justa, valendo-se, para tanto, de tutelas adequadas e em tempo hábil de todos os interesses das partes em disputa, a fim de se obter pacificação social. É inevitável afirmar que o Estado não consegue cumprir a contento a sua missão de garantir o chamado acesso e “descesso à justiça”56; ou seja, não cumpre sua tarefa constitucional de tutelar, em tempo razoável, os direitos substanciais de quem acorre ao Poder Judiciário de forma eficaz e célere. A justiça estatal, heterônoma, adjudicada, há muito não se mostra suficiente o bastante para solucionar com celeridade e eficiência a enormidade de pleitos judiciais que acorrem ao Poder Judiciário brasileiro. Há escassez de eficácia (e de eficiência) do processo judicial, com o consequente não-alcance dos escopos da jurisdição. Constata-se, portanto, que o mero exercício formal do direito de ação não é o suficiente para assegurar aos jurisdicionados a plena realização de seus direitos substanciais57. Em outras palavras, é certo dizer que a noção de acesso à prestação jurisdicional – a todos e indistintamente (um dos pilares do Estado Democrático de Direito) – já não pode se limitar ao ingresso no sistema oficial da chamada “solução adjudicada de conflitos”, ou seja, por intermédio da jurisdição, de uma demanda judicial que possivelmente percorrerá todos os escaninhos e meandros do procedimento judicial (petição inicial, formas múltiplas de respostas, decisões, sentença, recursos, etc.), redundando num processo lento e moroso, que, sabe-se, não produz, a contento, um tratamento razoável, célere e eficaz ao conflito que lhe é apresentado. emancipação da cidadania tem gerado uma ampla disposição de não mais se resignar ante as injustiças, o que acarreta um maior acesso às cortes estatais para questionar atos lesivos; tal situação pode ser vista como uma ‘síndrome de litigiosidade’, sendo agravada pela redução da capacidade de dialogar verificada na sociedade contemporânea.” (TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método: 2015. p. 10). 56 Expressão cunhada por ALVIM, José Eduardo Carreira. Justiça: acesso e descesso. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v. 21, n. 73, jan./jun. 2003. 57 “O desgaste da ideia de exclusividade estatal na resolução de conflitos é reforçado a cada dia, na medida em que se evidenciam os valores de métodos compositivos mais consensuais e menos adversariais para a resolução de conflitos.” (PINHO, Humberto Dalla Bernardino de; PAUMGARTEN, Michele. Os desafios para a integração entre o sistema jurisdicional e a mediação a partir do Novo Código de Processo Civil. Quais as perspectivas para a Justiça brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coords.). A Mediação no Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 3). 38 1.1 ACESSO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Preliminarmente, tratar de acesso à prestação jurisdicional torna obrigatório partir do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 – “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” – notadamente instrumentalizado para democratizar a via judicial. Nesta tese, a leitura deste artigo é feita partindo do pressuposto que interpretação excludente do dispositivo vem provocando o que Kazuo Watanabe chama de “cultura da sentença”58, a qual, em vez de proporcionar uma adequada solução de conflitos, vem agindo na contramão desse propósito, afastando a necessária participação dos demandantes na busca da satisfação de seus interesses. Nesse sentido, a intenção é expandir a noção de acesso à jurisdição para além da ideia de acesso aos tribunais, isto é, de jurisdição prestada pelo Estado, a fim de ampliar às partes soluções efetivas e eficazes, firmando que 1) a judicialização crescente é insuficiente para a devida solução de conflitos; 2) é dever do Estado proporcionar a solução tempestiva e qualitativa da demanda59. O atual modelo de jurisdição não consegue exaurir, a contento, o volume de demandas que lhe é apresentado. E assim também o será para as demandas que ainda hão de vir. As imperfeições da prestação jurisdicional, a essa altura, já não são mais um sinal de falhas, aqui e acolá, do serviço judiciário, mas sim uma mácula real ao próprio acesso à jurisdição material, ficando exposta uma lacuna a ser ainda resolvida pelo Poder Legislativo brasileiro. Perante a crise judiciária – e não tendo somente esse viés como vetor para a implementação dos meios consensuais – intensificam-se as possibilidades de implementação efetiva e real dos chamados métodos adequados de solução de disputas, ficando a cargo do Poder Judiciário apenas os casos em que, embora buscados os meios alternativos( adequados), não foi obtido êxito, sendo a judicialização a ultima ratio, e as demandas que, por sua natureza, devem receber a chancela judicial. Érica Barbosa e Silva60 faz considerações acerca da concepção contemporânea do acesso à jurisdição, quando informa que a complexidade dos conflitos reclama a estruturação da justiça de forma a corresponder em quantidade e qualidade a suas estreitas exigências. Para 58 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. In: PELUSO, A. C.; RICHA, M. A. (orgs.). Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional. São Paulo: Forense, 2011. 59 ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. Desjudicializar conflitos: uma necessária releitura do acesso à justiça. Novos Estudos Jurídicos, v. 17, n. 2, p. 237-253, 2012. p. 237. 60 SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. 1. ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013. 39 Silva, o acesso à prestação jurisdicional deve ser compreendido por três prismas: universalização, celeridade e adequação. E, ao tratar sobre a universalização da tutela jurisdicional, permite que a garantia da inafastabilidade do poder jurisdicional seja entendida sob um ângulo diverso, ou seja, o que era visto como mero direito de ação (direito de invocar a jurisdição), atualmente, denota amplo e efetivo acesso, não apenas à justiça heterônoma e adjudicada. Para Silva61, universalizar o acesso à jurisdição não é tornar a sociedade um grande tribunal, mas permitir a legítima canalização dos conflitos, sobretudo, daqueles que ficavam à margem do ingresso no Judiciário. E, para tanto, Silva afirma que não basta ampliar o número de juízes ou da estrutura do Judiciário formal, é preciso desenvolver a política pública de tratamento de conflitos estabelecida pela resolução CNJ n. 125/2010, determinando-se, de modo impositivo, que os meios consensuais sejam oferecidos não apenas como técnica de resolução de conflitos endoprocessual, mas também que sejam estruturados setores de conciliação e mediação que forneçam tais meios antes da judicialização do conflito, isto é, de forma pré-processual. Filia-se o raciocínio de Watanabe à ideia de que “o inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal deve ser interpretado, como ficou acima sublinhado, não apenas como garantia de mero acesso aos órgãos do Poder Judiciário, mas como garantia de acesso à ordem jurídica justa, de forma efetiva, tempestiva e adequada”.62 Para isso, é necessário que sejam efetivados – no caso das políticas já existentes – e pensados – no horizonte de soluções futuras – meios que consigam romper com o que Flávia de Almeida Montingelli Zanferdini nomeia de “cultura demandista ou judiciarista”63, partindo da constatação de que: ler a expansão do acesso à jurisdição sob o aspecto do número de demandas que chegam ao Judiciário como sinônimo de real implantação desse direito constitucional, é, na verdade, medir sua realização apenas do ponto de vista do ingresso em tribunal; quando posto sob a ótica da efetividade, o acesso à prestação jurisdicional pode ser lido como uma ficção do que previne a Carta de 1988. A saber: “Não basta franquear o acesso à justiça. É preciso outorgar prestação jurisdicional efetiva e em prazo razoável”64. É fato que a garantia fundamental ao acesso à prestação jurisdicional traz a lume diversas dimensões e questionamentos, razão da sua importância e atualidade. Constitucionalmente amparado e reconhecido, no entanto, não é excludente; por isso, é preciso 61 Ibid. 62 WATANABE, op. cit. Grifos originais. 63 ZANFERDINI, op. cit., p. 239. 64 Ibid., p. 240. 40 pontuar: existe “um direito fundamental ao acesso à justiça para além das fronteiras do direito fundamental à inafastabilidade do controle jurisdicional”65,motivo pelo qual se defende a tese de que acesso à prestação jurisdicional não é verbete para ingresso em juízo. O raciocínio a ser desenvolvido, nessas circunstâncias, é o proposto por Eduardo Cambi e Eluane de Lima Corrales, para quem o acesso à justiça não pode ser tratado estritamente; ao invés disso, deve ser interpretado de modo extensivo. Para isso, Cambi e Corrales propõem alguns significados advindos dessa interpretação mais ampla, a saber: i) o ingresso em juízo; ii) a observância das garantias compreendidas na cláusula do devido processo legal; iii) a participação dialética na formação do convencimento do juiz, que irá julgar a causa (efetividade do contraditório); iv) a adequada e tempestiva análise, pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no processo (decisão justa e motivada); v) a construção de técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos materiais (instrumentalidade do processo e efetividade dos direitos); vi) amplos meios de autocomposição do litígio para, inclusive, inibirem a judicialização de demandas66. Não se pode deixar de notar a recorrência dos meios autocompositivos como integrantes de um projeto que busque verdadeiramente dar cumprimento ao mandamento constitucional do acesso à prestação jurisdicional. Mais ainda, na esteira dos acontecimentos narrados, irradia a consolidação da ideia de que o ingresso em juízo é apenas uma parte do acesso à jurisdição, e não a íntegra de sua potencialidade. Esse é o porquê pelo qual se afirma que existe, factualmente, uma interpretação equivocada, obsoleta, restritiva e excludente a respeito do artigo 5º, XXXV, do texto constitucional, a qual ignora “a complexidade das relações intersubjetivas da sociedade moderna, as transformações culturais, econômicas e sociais ocorridas nos últimos anos, a paralisia governamental, a estrutura judiciária e a carência de recursos, o congestionamento dos tribunais [...]”67 e todos os impactos decorrentes desses e de demais fatores a serem oportunamente apontados nesta tese. Exatamente nesse ponto, é preciso levar em consideração que deve haver a adoção de “uma agenda de acesso à justiça que faça sentido no Brasil atual, [a saber:] aquela que analisa 65 REICHELT, Luis Alberto. Reflexões sobre o conteúdo do direito fundamental ao acesso à justiça no âmbito cível em perspectiva contemporânea. Revista de Processo (RePro), v. 296, ano 44, out. 2019. p. 25-26. 66 CAMBI, Eduardo; CORRALES, Eluane de Lima. Neoinstrumentalismo do processo? – expansão dos métodos atípicos de resoluções de conflitos. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 12, v. 19, n. 1, 2018. p. 89. 67 OLIVEIRA, Débora Leal de. Acesso à justiça: diagnóstico, reflexões e propostas. 2013. 141 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. 41 as escolhas políticas realizadas que, como tal, são influenciadas pelo contexto social e econômico em que estão inseridas”68. Reichelt69, analisando o World Justice Project sobre a realidade brasileira, aponta que estamos abaixo da média mundial nos quesitos “condução do processo sem demoras indevidas”, “capacidade de garantir efetivo cumprimento de suas decisões” e “acessibilidade, imparcialidade e efetividade de meios alternativos de solução de conflitos”. É um dado que nos leva a fixar que não é bastante proporcionar livre acesso à jurisdição quando, simultaneamente, se inviabiliza o seu funcionamento. Necessário se faz repensar a tutela adequada ao caso concreto, e não um simples acesso formal ao Poder Judiciário. Essa discussão faz-se base para o enfrentamento contemporâneo das questões que dão sustentação ao que se entende – e ao que se quer entender – como acesso à jurisdição no Brasil; são elas: a teoria do conflito e os meios autocompositivos. 1.1.1 Teoria do Conflito Por certo que o ser humano sempre teve (e continuará a ter) necessidade da vida em sociedade70, já que somente assim atinge seus objetivos, anseios pessoais e alcança a plenitude como pessoa. E é fato que a relação do homem com os seus objetos de desejo dá origem àquilo que chamamos comumente de “interesse”. Se a relação do ser humano com seus interesses é tranquila, não há de se falar em interferências, disputas, contendas, desordens, conflitos. Entretanto, a vida em comunidade nem sempre proporciona ao homem social a realização de seus desejos sem doses (maiores ou menores) de animosidade. Desde os primórdios da civilização, os conflitos têm acompanhado as relações humanas, obrigando que as civilizações aprimorassem os mecanismos adotados para o tratamento e a composição dessas controvérsias de interesses. Segundo Calmon de Passos, o Direito só se faz indispensável pela necessidade de se encontrar uma solução impositiva para os conflitos individuais e sociais. Desejos humanos em 68 GABBAY, Daniela Monteiro; DA COSTA, Susana Henriques; ASPERTI, Maria Cecília Araujo. Acesso à justiça no Brasil: reflexões sobre escolhas políticas e a necessidade de construção de uma nova agenda de pesquisa. Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 6, n. 3, 2019. p. 157. 69 REICHELT, op. cit., p. 25-26. 70 Aquilo a que alude Calmon de Passos quando trata do conflito: “Sabemos, entretanto, que nossa liberdade não se realiza em termos exclusivamente pessoais, porquanto outra realidade inafastável, também relevante, é a de que não existe o homem, sim o homem convivente, a sociedade dos homens, a espécie humana. Se a liberdade é a marca iminente de nossa condição individual, a socialidade é a de sua humanidade.” (PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de janeiro: Forense, 2000. p. 29). 42 contraposição à falta de capacidade humana de satisfazê-los em sua plenitude é o que justifica a existência do Direito na sociedade.71 Na lição de Tartuce72, “conflito é sinônimo de embate, oposição, pendência, pleito; no vocabulário jurídico, prevalece o sentido de entrechoque de ideias ou de interesses em razão do qual se instala uma divergência entre fatos, coisas ou pessoas”. Os conflitos de interesses acompanham, pari passu, as relações humanas. É certo dizer que a interação humana não acontece tão-só em relações conflituosas, mas é fato que os conflitos de interesse entre indivíduos é uma constante na história. O conflito é indissociável da sociedade humana. Impensável, pois, falar sobre relações humanas destituídas do fenômeno conflituoso, das mais variadas matizes. A oposição de interesses continua a existir no seio da sociedade e só faz crescer, o que não quer dizer, somente, que vivemos frente ao caos e à inaptidão para seguir em frente, já que há, no conflito, um viés negativo (razão pela qual precisamos solucioná-lo), mas também um viés positivo, que não se pode deixar de destacar73. Salutares os ensinamentos de Ghisleni e Spengler74: Todas as relações (complexas e multifacetadas) da sociedade atual experimentam conflitos em determinado momento. Porém, o conflito não é necessariamente ruim, anormal ou disfuncional. Ele é um fato da vida que existe quando as pessoas estão envolvidas na competição para atingir objetivos incompatíveis entre si. No entanto, se o conflito vai além do comportamento competitivo, delineando-se a intenção de inflingir dano físico ou psicológico ao oponente, assume uma dinâmica negativa que deixa de conduzir ao crescimento, deflagrando a necessidade de procedimentos eficientes para tratá-lo. Inúmeras causas e fatos podem dar origem a um conflito. Tartuce75 faz referência a alguns deles: “a limitação de recursos, a ocorrência de mudanças, a resistência a aceitar posições 71 Ibid., p 4. 72 TARTUCE, op. cit., p. 3. 73 A existência de conflito não é negativa, até porque “é impossível uma relação interpessoal plenamente consensual. Por mais afinidade e afeto que exista em determinada relação interpessoal, algum dissenso, algum conflito, estará presente.” (VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 21). Nesse sentido, Cavaco: “[...] os conflitos em si não são construtivos ou destrutivos. são, conforme destacado, decorrência natural da plural e complexa convivência humana.” (CAVACO, Bruno de Sá Barcelos. Desjudicialização e resolução de conflitos: a participação procedimental e o protagonismo do cidadão na pós- modernidade. Curitiba: Juruá Editora, 2017. p. 105). 74 GHISLENI, Ana Carolina; SPENGLER, Fabiana Marion. A busca pela cultura da paz por meio da mediação: o projeto de extensão existente em Santa Cruz do Sul como política pública no tratamento de conflitos. Revista Direito e Sensibilidade, v. 1, n. 1, p. 109-118, 2011. p. 109-110. 75 TARTUCE, op. cit., p. 5. 43 alheias, a existência de interesses contrapostos, o desrespeito à diversidade e a insatisfação pessoal”. Contendas, objeções, desavenças, desentendimentos, fazem parte da natureza e convivência humanas, ante a multiplicidade de valores, interesses e culturas. Absolutamente natural, pois, que haja conflitos de interesses entre as pessoas – eis a razão de ser da ciência processual, dos meios de solução de conflitos e toda a problemática que envolve o acesso à jurisdição e a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Carnelutti76, em multicitada e clássica lição, estabelece que o conflito de interesses é o elemento material da lide, definida como o conflito atual e intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Carnelutti77 desenvolveu importantes estudos sobre os conceitos de conflito e de lide, dedicando-se a tentar uma aproximação entre a solução judicial da lide e a solução negocial. Para Carnelutti, haveria uma equivalência entre a composição processual e a composição contratual dos conflitos. O contrato realizaria a tentativa de prevenir a lide, enquanto o processo está diante de uma lide já instaurada. Ambas as atividades promovem o que a doutrina chama de acertamento, ou seja, a eliminação do estado de dúvida e incerteza que promove o conflito. Sentença e negócio possuem em comum a presença de elementos dispositivos e constitutivos. Alcalá-Zamora y Castillo78, por seu turno – conceitua litígio – vocábulo que emprega sentido bastante assemelhado ao de lide, em Carnelutti – como o conflito juridicamente transcendente que constitua ponto de partida de um processo, de uma autocomposição ou de uma autotutela. Para o autor, o conceito de litígio deve ser expandido, no sentido de reunir especificações contrárias ao seu verdadeiro alcance e, portanto, por litígio deve-se entender, simplesmente, como um conflito juridicamente transcendente, que constitua um ponto de partida ou causa determinante de um processo, de uma autocomposição ou de uma autotutela79. Alcalá-Zamora y Castillo80 é suficientemente claro, quando afirma que: 76 CARNELUTTI, op. cit.. p. 56. 77 CARNELLUTTI, Francesco. “Note sull’accertamento negoziale”. Rivista di Diritto Processuale Civile, v. 1, p. 3-24, 1940. 78 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, op. cit., p. 18. 79 “[...] Proceso, autocomposición y autodefensa se nos presentam, pues, como las tres posibles desenbocaduras del litigio; pero ello no quiere decir que se encuentrem em el mismo plano, ni que presentem las mismas ventajas, ni que necessariamente se repelan.” (ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, op. cit. p. 13). 80 Tradução livre. Grifos nossos. 44 A solução parcial do litígio implica duas perspectivas: (1) ou os litigantes consentem o sacrifício de seus próprios interesses, total ou parcialmente, (2) ou impõem o sacrifício do interesse alheio. Na primeira hipótese verifica-se a autocomposição, na segunda, a autodefesa, ou autotutela, ambas podendo se desenvolver conforme a autonomia de vontade das partes, de maneira unilateral ou bilateral, diferenciando-se, em sua essência, pelo altruísmo (autocomposição) ou pelo egoísmo (autodefesa/autotutela). De outro lado, a solução imparcial e ditada por um terceiro pode ser obtida mediante a aplicação do processo, por meio da arbitragem ou da jurisdição A autodefesa, parcial e egoísta, apresenta-se, num primeiro momento, como uma solução possível, mas deficiente e perigosa ao possibilitar a legitimidade da imposição da vontade pela força, e, por esse motivo, proibida, em regra, pela maioria dos ordenamentos jurídicos dos Estados, consentida somente em situações excepcionais e, muitas vezes, carente de ulterior processo que declare sua licitude. Note-se que essa modalidade possível de resolução da disputa pode ser autorizada pelo Estado por meio da jurisdição, decorrente do próprio contrato social, no momento exato em que o homem abandona seu ‘estado de natureza’. Já a autocomposição torna-se possível em qualquer momento, antes ou depois da jurisdição e, diante da configuração altruísta imprimida em sua essência, ao postular a renúncia parcial ou total do próprio interesse em favor do oponente, aliada à economia da demanda estatal que fomenta, transparece satisfatória solução para a contenção dos conflitos. Portanto, partindo do referencial teórico de Carnelutti acerca da lide – conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida – somada à definição de litígio de Alcalá- Zamora y Castillo – conflito juridicamente transcendente, que constitua ponto de partida de um processo, de uma autocomposição ou de uma autotutela –, não há como negar que o atual estágio de progresso do movimento de acesso à jurisdição indica a premente necessidade da utilização de outras técnicas de composição desses conflitos – das quais passamos a tratar agora – e não tão-só da jurisdição estatal81. 1.1.2 Formas de solução de conflitos A questão do (equivocado) monopólio do Estado e do prestígio que hoje possui a jurisdição estatal é reflexo de um sem-número de considerações doutrinárias, mas é importante realçar a linha evolutiva das formas de composição de conflitos em autodefesa, autocomposição 81 Com o alargamento conceitual da jurisdição, pode-se dizer que os fins dessa renovada jurisdição, na atualidade, são a promoção e realização dos valores humanos e a pacificação social (razão pela qual justifica-se a escolha de Alcalá-Zamora y Castillo, que já nos idos de 1947, revelara missões transcendentais ao sistema processual). No Brasil, quem o seguiu, ao menos no tocante ao escopo social do processo, foi Cândido Rangel Dinamarco, com a lapidar obra A Instrumentalidade do Processo. 45 e a heterocomposição (incluídos o arbitramento – facultativo e obrigatório – e a jurisdição estatal). Advém, então, a importância da análise, ainda que singela, da autotutela, da autocomposição (facultativa e obrigatória) e da chamada jurisdição estatal. Não há divisória temporal a demonstrar que essas fases tenham acontecido linearmente, em períodos estanques e distintos, já que não houve marcos limítrofes de tempo nítidos e precisos; mas é corrente dizer que a primeira e mais primitiva forma de solução de conflitos é a autotutela ou autodefesa, caracterizada, especialmente, pela imposição da vontade de uma parte sobre a outra, ainda que, para tanto, a base da solução da contenda fosse desprovida de uma ordem racional ou verdadeiro direito de quem dela se valia, e se dava pela violência, força bruta, poder econômico ou social. A satisfação dos interesses, ainda que em conflito, no início das sociedades, era por excelência de índole privada82. A chamada “justiça do mais forte sobre o mais fraco”, imposição da decisão de uma parte sobre a outra parte, desprovida das exigências do justo e do equitativo, aos poucos, foi desaparecendo, com a evolução natural das civilizações, posto que sistemas jurídicos positivos ainda tolerem uma ou outra forma de autodefesa83. A fase subsequente foi a chamada autocomposição. Ainda nos sistemas primitivos, uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do interesse ou de parte dele, mediante: i) desistência (renúncia à pretensão); ii) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão) e iii) transação (concessões recíprocas). Essa espécie representava (e representa) meio dos mais democráticos de resolução de conflitos, pois prestigia a vontade, a espontaneidade de decisão dos titulares, independentemente da força ou do poder. Vigora a liberdade de escolha de uma e de ambas as partes. Exemplos de autocomposição são a conciliação e a mediação84. Seguindo o acima noticiado, temos a seguir a fase da heterocomposição, quando as partes interessadas passam a submeter a controvérsia a pessoas imparciais e alheias à discussão. 82 ALVIM, Arruda. Tratado de direito processual civil. 2. ed. refundida, do vol. 1 (arts. 1º ao 6º) do Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1990. v. 1. 83 Código Civil: atos praticados em legítima defesa e estado de necessidade (art. 188, I e II); legítima defesa da posse (art. 1210, § 2º); direito de retenção (arts. 1219 e 1433, incisos I e II); penhor legal nos casos dos hospedeiros sobre bagagens, móveis, joias ou dinheiro de seus fregueses (art. 1467 e ss). 84 Em nosso ordenamento, a autocomposição pode ocorrer extra ou endoprocessualmente, isto é, antes da instauração do processo ou durante a sua pendência. (PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito Processual Civil Contemporâneo. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. p. 45). 46 Valendo-nos dos ensinamentos de direito romano, as partes interessadas escolhiam uma pessoa de confiança mútua (em geral, sacerdotes ou anciões), delegando-lhe os poderes para que decidisse sobre o conflito de interesses. Surge, literalmente, uma terceira pessoa, que vem assessorar e resolver o conflito instaurado. Nasce a figura do árbitro (cujas decisões pautavam- se pelos padrões escolhidos pela consciência coletiva, inclusive, pelos costumes).85 Num primeiro momento, a arbitragem era facultativa (importa levar em consideração as lições de direito romano, em especial, do chamado período formulário, na fase da litiscontestatio, em que as partes compareciam perante um pretor, firmavam um compromisso que dirimiriam tal questão perante uma pessoa de confiança mútua, já que a sociedade de então repudiava a ingerência do Estado sobre suas questões particulares).86 O pretor, então, nomeava o árbitro escolhido, que deveria se encarregar de dirimir o conflito – ingerência tímida, porém, já havia participação do Estado na resolução dos conflitos. Há quem ateste que, historicamente, há o surgimento da figura do “juiz” antes da do “legislador”.87 Num segundo momento, a arbitragem passou a ser obrigatória. O Estado foi se firmando, ainda que timidamente, como longa manus da sociedade, e passou a se impor aos particulares, ditando as soluções para os litígios – os cidadãos compareciam, portanto, perante o pretor, que, rompendo com a ordem estabelecida, conhece ele próprio do mérito dos litígios entre os particulares, proferindo ele a decisão, em vez de nomear ou aceitar a nomeação do árbitro que as partes indicassem. Nos ensina Pinho88 que, a partir do século XIV, a jurisdição torna-se a forma predominante de resolução de conflitos monopolizada pelo Estado, na medida em que subtrai dos indivíduos a possibilidade de, por si, resolverem seus conflitos de interesses, vedando a justiça privada. Ergue-se a figura do Estado forte, que se impõe coativamente como o detentor de solução das disputas, por intermédio da chamada jurisdição estatal. Estado soberano, fortalecido, poderes classicamente tripartidos, o Poder Judiciário emerge como o locus que dispunha de maiores chances de resolução dos litígios, diante da imparcialidade e da força das decisões proferidas.89 85 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 25. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 26-31. 86 Ibid. 87 Ibid. 88 PINHO, op. cit., p. 47. 89 Ibid., p. 47. 47 Ainda que se enalteça sobremaneira a jurisdição estatal, vale o registro de Wambier e Talamini90: A progressiva afirmação da solução jurisdicional estatal dos conflitos de interesses faz com que se afirme, na doutrina, que a jurisdição, como expressão da soberania estatal, é monopólio do Estado. Mas é preciso esclarecer que essa noção não retira dos jurisdicionados, ao menos em regra, possibilidade de resolver por conta própria os seus conflitos, de um modo consensual, sem o uso da força. [...] Portanto, se a jurisdição estatal merece especial atenção isso deve-se ao fato de que ela constitui o estuário, a alternativa última, para todos os litígios que, de um modo ou de outro, não são resolvidos pelos mecanismos extrajudiciais de composição. Em suma, esses mecanismos coexistem com a via jurisdicional estatal. Constata-se, pois, dessa breve narração evolutiva das formas de composição de controvérsias, que os comumente chamados, hoje, de métodos adequados de solução de conflitos, precederam, historicamente, à jurisdição estatal. O Estado assumiu mais tarde para si o poder de solucionar controvérsias entre os cidadãos. Verifica-se que essa atividade não é mais tão bem-sucedida quanto a sociedade espera e, por isso, se nota o retorno a esses métodos mais tradicionais. E não é demais ressaltar que os métodos de solução alternativa de controvérsias devem ser compreendidos como complemento, e não como substitutos para os tribunais. Há um movimento em favor dos métodos consensuais, que tem como referencial a mudança de mentalidade propugnada por Kazuo Watanabe, quando afirma que a “cultura da pacificação” deve aos poucos substituir a “cultura da sentença”.91. Esse movimento tem como parâmetro os métodos autocompositivos – e um microssistema de solução de controvérsias (Resolução CNJ n. 125/2010, alterada pelas Resoluções nº 326, de 26 de junho de 2020, arts. 28 e ss e nº 290, de 13 de agosto de 2019, além das Emendas de nº 1, de 31 de janeiro de 2013, nº 2, de 8 de março de 2016 - uma norma administrativa, que instituiu e continua a referendar toda a política judiciária nacional, bem como o Código de Processo Civil (CPC) – Lei nº 13.105/2015 e a Lei de mediação – Lei nº 13.140/2015). Grinover92 assevera: 90 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. v. 1. p. 108. 91 WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanóide de (coord.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 684-690. 92 GRINOVER, Ada Pellegrini. O minissistema brasileiro de Justiça consensual: compatibilidades e incompatibilidades. Publicações da Escola da AGU, v. 8, n. 1, 2016. p. 1. 48 Em sua grande maioria, as normas dos marcos regulatórios são compatíveis e complementares, aplicando-se suas disposições à matéria. Mas há alguma incompatibilidade entre poucas regras do novo CPC ou da resolução em comparação com as da lei de mediação, de modo que, quando entrarem em conflito, as desta última deverão prevalecer (por se tratar de lei posterior, que revoga a anterior, e de lei específica, que derroga a genérica, bem como da prevalência da lei na hierarquia dos atos normativos). Apesar disto, pode-se falar hoje de um minissistema brasileiro de métodos consensuais de solução judicial de conflitos, formado pela Resolução n. 125, pelo CPC de 2015 e pela Lei de Mediação, naquilo em que não conflitarem. Importante, pois, destacar as noções gerais da legislação que sustenta o minissistema, para referendar o presente trabalho acadêmico. 1.1.2.1 Resolução CNJ n. 125/2010 No Brasil, o estímulo à autocomposição teve início no ano de 2006, com a implantação do Movimento pela Conciliação no CNJ e as iniciativas da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. A partir daí, houve significativa evolução acerca dos mecanismos consensuais no âmbito do Poder Judiciário. Cabe lembrar que a expansão dos meios autocompositivos de solução de controvérsias é recomendação das Nações Unidas, no sentido de que os Estados desenvolvam, em seus sistemas de justiça, a cultura do diálogo e do consenso, propiciando a que os meios adequados de solução de conflitos floresçam e se façam presentes para a promoção dos direitos e da cidadania. A partir desse influxo, iniciativas nacionais começaram a tomar forma, de molde a que os meios pacíficos de solução de conflitos pudessem se fazer presentes entre nós. Tais iniciativas culminaram na Resolução CNJ n. 125/2010, alterada pelas Resoluções nº 326, de 26 de junho de 2020, arts. 28 e ss. e nº 290, de 13 de agosto de 2019, além das Emendas de nº 1, de 31 de janeiro de 2013 e nº 2, de 8 de março de 2016, que dispõe sobre a “Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no Âmbito do Poder Judiciário”. O Movimento pela Conciliação recebeu influxos advindos dos chamados Pactos Republicanos. Logo após a promulgação da emenda nº 45, em 2004, os três poderes se reuniram para criar o I Pacto Republicano, como uma alternativa para melhorar o desempenho do Poder Judiciário.93 93 PACTO Republicano: parceria entre os Três Poderes a serviço da democracia. Portal STF Internacional, s. d. Disponível em: 49 Em 2009, surgiu o II Pacto Republicano94, que novamente reuniu os três poderes em torno do Supremo Tribunal Federal (STF). Dentre outras questões, o II Pacto republicano tinha como objetivo aprimorar as medidas do pacto anterior e adotar novas, prevendo a criação de um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, visando a: acesso universal à justiça, especialmente dos mais necessitados; aprimoramento da prestação jurisdicional, mormente pela efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo e pela prevenção de conflitos. Na abertura do ano Judiciário de 2011, o então presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, lançou a proposta do III Pacto Republicano95. Importante ressaltar, outrossim, que os pactos republicanos em apreço tiveram influência direta do Documento Técnico 319, do Banco Mundial96. A referida Resolução serviu de base ao anteprojeto do novo Código de Processo Civil e à Lei de Mediação, reforçando, portanto, a importância dos meios consensuais de solução de conflitos, estabelecendo-se, assim, o marco regulatório dos métodos consensuais de solução de conflitos, nominados como o Microssistema Brasileiro de métodos consensuais de solução de conflitos. Em um momento no qual não havia marcos legais sobre a mediação, o papel da Resolução n. 125 do CNJ foi extremamente relevante. Além de trazer um código de ética, a resolução estabeleceu parâmetros para a capacitação de conciliadores e mediadores judiciais, buscando assegurar a realização da conciliação e mediação de conflitos em todo o país, ao determinar que os órgãos Judiciários ofereçam, além da solução adjudicada dos conflitos, mecanismos de resolução consensual de controvérsias entre as partes, bem como a prestação de atendimento e orientação aos cidadãos, com a criação de núcleos e centros de solução de conflitos e cidadania. Na Justiça Federal, as práticas de conciliação, de forma organizada, começaram a ser observadas a partir de 2002, em processos relativos ao sistema financeiro de habitação (sfh) vinculados à subseção judiciária de Maringá (Calmon, 2011, p. 107-114), no Estado do Paraná. Posteriormente, com a instalação dos juizados especiais federais previstos na Lei n. 10.259/2001, as conciliações foram se expandindo http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo =173547. Acesso em: 12 dez. 2020. 94 Ibid. 95 No discurso de posse, em 2010, o ministro Antonio Cezar Peluso afirmou a necessidade de uma política pública menos ortodoxa do Poder Judiciário em relação ao tratamento dos conflitos de interesses e, a partir de proposta elaborada pelo professor Kazuo Watanabe, nomeou grupo de trabalho no CNJ, composto por José Guilherme Vási Werner, Sidmar Dias Martins, Tatiana Cardoso de Freitas, Valéria Lagrasta Ferioli Luchiari e Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira, que ficou responsável pela minuta de resolução para instituir a referida política pública. A minuta foi submetida à apreciação do Comite Gestor Nacional da Conciliação, tendo o texto sido aprovado em 29 de novembro de 2010 e publicado em 01 de dezembro de 2010. (LUCHIARI, 2014. op. cit., p. 305-321). 96 DAKOLIAS, Maria (rel.). Documento Técnico n. 319. O setor judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Trad. Sandro Eduardo Sardá. 1. ed. Washington, D.C.: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento/Banco Mundial, 1996. 50 para as ações previdenciárias. Assim como ocorreu na justiça estadual, onde setores de conciliação já existiam antes da resolução n. 125/2010 do CNJ, na Justiça Federal, os meios consensuais também já estavam presentes antes da resolução, embora esta tenha sido um marco relevante em termos de institucionalização das práticas de conciliação e mediação em âmbito nacional.97 Da leitura atenta da Resolução CNJ n. 125/2010, podem ser extraídos os seus objetivos principais: i) disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de serviços autocompositivos de qualidade (art. 2º); ii) incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas amplos de autocomposição (art. 4º); iii) reafirmar a função de agente apoiador da implantação de políticas públicas do CNJ (art. 3º). Pode-se afirmar que o CNJ envida esforços para tratar o acesso à justiça de forma abrangente, promovendo uma alteração na forma com que o Poder Judiciário se nos apresenta. Não apenas de forma mais ágil e como solucionador de conflitos, mas, em particular, como um centro de soluções autocompositivas efetivas. Referida resolução visa à consolidação de uma política permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios. Por ser permanente, iniciativas e fomento a longo prazo sempre serão bem-vindas. A Política Judiciária Nacional possui objetivos estratégicos que, além da eficiência operacional, técnicas de gestão de conflitos adequadas, escorreita formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores e acompanhamento estatístico, incentiva parcerias – que já acontecem – com a sociedade civil , empresas e instituições de ensino público e privadas, tudo no sentido de assegurar aos cidadãos brasileiros a possibilidade de maior participação na solução de seus conflitos, ofertando-se, para tanto, métodos adequados, tempestivos e efetivos para os mais diversos conflitos de interesse. Mancuso98, com propriedade, sinaliza pontos importantes da política pública, dando especial atenção às alterações da legislação processual que foram manejadas, tudo de molde a atacar o efeito da questão judiciária brasileira – a crise numérica de processos, o demandismo judiciário excessivo, insuflado pela crescente litigiosidade social e pela parca oferta e divulgação de outros meios e modos de prevenir ou resolver conflitos, fora e além da decisão judicial de mérito (solução adjudicada estatal). 97 TAKAHASHI et al., op. cit., p. 18. 98 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT, 2011. 51 Segundo o autor, a política pública instituída pela Resolução CNJ n. 125, em comento, é por onde se começa a tocar na origem dos males (em vez de se prosseguir lidando somente com as consequências), na medida em que vem sinalizada a desconstrução do arraigado (e defasado) conceito de monopólio estatal na distribuição da justiça, sob a égide da contemporânea proposta de uma jurisdição compartilhada. O que importa é que, por um caminho ou por outro, possamos contar com um processo realmente capaz de promover a solução, com efetividade, com justiça e com tempestividade, dos conflitos que amarguram as pessoas e grupos, buscando justa pacificação através do Poder Judiciário e dos organismos encarregados da busca de soluções consensuais. Também mais que as leis, ou tanto quanto elas, é indispensável que a reforma do processo civil brasileiro seja amparada e complementada pela oferta de melhores meios materiais para o exercício da jurisdição, mais investimentos da parte do Estado, melhor preparação e seleção mais acurada do pessoal auxiliar. O aprimoramento das leis, a oferta desses meios e uma disposição dos juízes e demais operadores do processo a assumir posturas novas, eis a tríplice argamassa indispensável a uma reforma não só jurídico-positiva e material, mas sobretudo cultural, do sistema processual do país.99 Referida política pública dimensiona, por certo, a garantia fundamental de acesso à justiça, com aptidão para incentivar e institucionalizar, no país, a prática de métodos e técnicas consensuais de solução de conflitos, sob a tônica da cidadania100 e da democracia101, contrapondo-se, pois, a uma visão estritamente formal e engessada do rito processual e do sistema de justiça brasileiro102. 99 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 8. ed., rev. e atual. Segundo o Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2016. v. 1. p. 86. 100 “A cidadania deixou de estar relacionada apenas com a nacionalidade, deixou de ser considerada apenas um status de reconhecimento do Estado, para ser um conceito amplo, compatível com uma nova dimensão da cidadania, como expressão de direitos fundamentais e de solidariedade. Conforme análise de Hannah Arendt, o primeiro dos direitos do homem é o direito a ter direitos, o que implica na dimensão e conceito de cidadania, como um meio para a proteção de direitos e também como um princípio, pois a destituição da cidadania implica na perda desses direitos.” (SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: A Efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patricia Tuma Martins. O Direito e as Políticas Públicas no Brasil. São Paulo: Editora Atlas, 2013. p. 3-15. p. 12-13). 101 “[...] É urgente, para o futuro da Democracia, assumir a responsabilidade de um novo modelo de administração da justiça, um sistema integrado de resolução de controvérsias que não exclua a participação de qualquer interessado na pacificação.” (NALINI, José Renato. É urgente construir alternativas à Justiça. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 33-48. p. 33.). 102 “Acreditamos que a contribuição do Direito para o aprofundamento da reflexão sobre o tema das políticas públicas pode avançar a partir de uma nova forma de abordagem acerca desse fenômeno. É preciso descobrir alternativas para se evitar a Judicialização, sem deixar os direitos desatendidos. Para tanto, é importante, de um lado, deslocar o foco de atenção para mecanismos alternativos de resolução de conflitos e canalização de demandas da sociedade, superando os problemas tradicionais do direito.” (DUARTE, Clarice Seixas. Para Além da Judicialização: a necessidade de uma nova forma de abordagem das Políticas Públicas. In: SMANIO, G. P. S.; BERTOLIN, P. T. M.; BRASIL, P. C. (orgs.). O Direito nas Fronteiras das Políticas Públicas. São Paulo: Editora Páginas e Letras, 2015. p. 18). 52 Como sintetizam Cahill e Galanter (tradução nossa): Em suma, a responsabilidade do Poder Judiciário não pode mais ser vista como coincidente com a prestação jurisdicional. Uma vez apreendidas as conexões entre o sistema judiciário e a composição, assegurar a qualidade dos procedimentos alternativos de resolução de disputas e dos acordos que eles produzem é uma tarefa central da administração da justiça.103 E o que se propôs foi a implementação, no nosso ordenamento jurídico-processual, de mecanismos pluriprocessuais e autocompositivos que efetivamente complementem o sistema de justiça, com vistas ao melhor atingimento de seus escopos fundamentais104 Com isso, não só colaborar com a crise judiciária evidente, mas, sobretudo, promover meios de prevenir o congestionamento do Poder Judiciário, pelo fomento da desjudicialização, superando-se a “cultura da heteronomia” (cultura da sentença) com a promoção da “cultura do consenso, da gestão não violenta de conflitos, da autonomia, do diálogo e da pacificação”, tudo de molde a concretizar direitos fundamentais. Estimular as práticas autocompositivas, em especial, a conciliação pré-processual, seja judicial ou extrajudicialmente, mais do que colaborar para com a crise da jurisdição, é um exercício civilizatório e, notadamente, de cidadania. Só se mostra possível realizar efetivamente esse novo acesso à prestação jurisdicional se os tribunais conseguirem redefinir o papel do Poder Judiciário na sociedade com menos apelo judicatório, e é certo que a política pública em análise busca estabelecer esse novo paradigma. 1.1.2.2 Consensualidade nas justiças estadual e federal: setores de solução de conflitos Antes de considerações acerca dos setores de solução de conflitos, há distinção entre os métodos autocompositivos (conciliação e mediação)105. Há países que não fazem essa distinção, tratando como idênticos os meios autocompositivos106. Entretanto, no Brasil, conciliação e mediação são vistos como meios 103 CAHILL, Mia; GALANTER, Marc. Most cases settle: Judicial Promotion and Regulation of Settlements. Stanford Law Review, Stanford, v. 46, p. 1339-1391, jul. 1994. 104 “A busca de soluções há de ser multifacetada; múltiplas mudanças haviam – e hão – de ser concebidas, especialmente considerando, além de modificações procedimentais na gestão de conflitos já judicializados, a participação de leigos e mecanismos diversos para o tratamento das controvérsias.” (TARTUCE, op. cit., p. 80). 105 Ressalte-se que, embora haja várias formas de solução alternativas de conflitos (negociação, conciliação, mediação, arbitragem, Tribunal Executivo, Dispute Boards, por exemplo), aqui, fala-se apenas dos métodos autocompositivos (a saber, conciliação e mediação). 106 Informações apresentadas no capítulo 4 da presente tese. 53 distintos de solução de conflitos. Essa visão decorre, em grande parte, da evolução histórica desses instrumentos no Brasil. O artigo 165, §§ 2º e 3º do CPC confirma essa opção legislativa: § 2º o conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. § 3º o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Na conciliação, o terceiro facilitador da conversa interfere de forma mais direta no litígio e pode chegar a sugerir opções de solução para o conflito (art. 165, § 2º). Já na mediação, o mediador facilita o diálogo entre as pessoas para que elas proponham soluções (art. 165, § 3º). A atuação do conciliador é mais ativa na condução dos conflitantes, e o mediador, como facilitador do diálogo, está proibido de exercer intervenção direta na vontade das partes. Outro diferencial relaciona-se com o tipo de conflito. Para conflitos objetivos, que não envolvam complexidade evidente, nos quais não existe relacionamento duradouro entre os envolvidos, aconselha-se o uso da conciliação; para conflitos subjetivos, nos quais exista relação entre os envolvidos ou desejo de que tal relacionamento perdure, indica-se a mediação. Tanto os mediadores quanto os conciliadores atuam guiados por princípios previstos em lei: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação. E, dentre os métodos conciliação e mediação, há de se distinguirem os métodos consensuais em judicial (processual) e extrajudicial. Fernanda Tartuce107, ao tratar da mediação, explicita: Ao contrário da mediação judicial, em que se pode definir seus contornos pelo simples fato de que a mesma ocorre dentro do Poder Judiciário, sob sua supervisão e – de certo modo ingerência – sob o significante ‘mediação extrajudicial’ estão abarcados significados variados, que envolvem a mediação privada, a mediação comunitária, a escolar e pode dizer respeito também à mediação realizada em outra entidade pública que não o Poder Judiciário. 107 TARTUCE, Fernanda; CARDOSO, Simone Tassinari. Suspensão da Prescrição e Procedimento da Mediação. reflexões sobre o parágrafo único do art. 17 da lei 13140/2015. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 73, p. 233-250, jul./dez. 2018. p. 237, nota 5. 54 Impreterível nominar o que seria uma autocomposição pré-processual. A conciliação/mediação pré-processual pode ser judicial, nos termos dos artigos 24 e seguintes da lei de mediação, ou extrajudicial, nos termos dos artigos 21 e seguintes da referida lei. Para justificar o corte epistemológico deste trabalho acadêmico, dentre os métodos autocompositivos, fez-se a opção pela conciliação. A escolha justifica-se por que os métodos e técnicas autocompositivas devem ser realizados com a mesma responsabilidade, mas, na conciliação, o terceiro imparcial pode dar sugestões às partes para que elas tenham maiores chances de obtenção de acordo. Ademais, não é preciso que as partes tenham vínculo entre si, ao contrário da mediação, em que se exige esse elo (e a manutenção dele, mesmo após o fim do conflito, como no caso de direito de família). Leve-se em conta, também, que as sessões de mediação costumam ser mais demoradas, tendo, muitas vezes, de se desdobrar em maior número de sessões, uma vez que as partes devem, sozinhas, chegar ao acordo, sem sugestões do mediador. E, no que se refere à conciliação judicial, optou-se, exclusivamente, pela conciliação pré-processual, com o objetivo de contextualizar toda a releitura da teoria geral do processo, especificamente, no que concerne ao interesse de agir e consequente comprovação da pretensão resistida, a fim de que todos os setores de solução de conflitos dos Centros Judiciários estaduais e federais (da justiça cível )possam funcionar em sua plenitude. Notas do Guia de Conciliação e Mediação do CNJ108 são esclarecedoras acerca da conciliação: Atualmente, com base na política pública preconizada pelo Conselho Nacional de Justiça e consolidada em resoluções e publicações diversas, pode- se afirmar que a conciliação no Poder Judiciário busca: i) além do acordo, uma efetiva harmonização social das partes; ii) restaurar, dentro dos limites possíveis, a relação social das partes iii) utilizar técnicas persuasivas, mas não impositivas ou coercitivas para se alcançarem soluções; iv) demorar suficientemente para que os interessados compreendam que o conciliador se importa com o caso e a solução encontrada; v) humanizar o processo de resolução de disputas; vi) preservar a intimidade dos interessados sempre que possível; vii) visar a uma solução construtiva para o conflito, com enfoque prospectivo para a relação dos envolvidos; viii) permitir que as partes sintam- se ouvidas; e ix) utilizar-se de técnicas multidisciplinares para permitir que se 108 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Guia de Conciliação e Mediação – Orientações para implantação de CEJUSCs. 2015. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/1818cc2847ca50273fd110eafdb8ed05.pdf. Acesso em: 03 set. 2019. p. 36. 55 encontrem soluções satisfatórias no menor prazo possível. Nesse contexto, pode-se afirmar que a conciliação no século XX, na perspectiva do Poder Judiciário, possuía características muito distintas das já existentes em muitos tribunais Brasileiros no século XXI e pretendidas em alguns outros que ainda não modernizaram suas práticas de capacitação e supervisão de conciliadores. Assim, pode-se afirmar que ainda existe distinção em relação à mediação, todavia, a conciliação atualmente é (ou ao menos deveria ser) um processo consensual breve, envolvendo contextos conflituosos menos complexos, no qual as partes ou os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro à disputa, ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, por meio de técnicas adequadas, a chegar a uma solução ou acordo. Naquilo que mais nos interessa, opta-se, no presente trabalho, pela conciliação pré- processual, procedimento que ocorre no ambiente Judiciário ou outros órgãos públicos – ainda que firmadas parcerias com a sociedade civil e instituições de ensino, por exemplo – sem que haja processo judicial ajuizado. O locus natural para solução de conflitos pré-processuais concentra-se nos espaços nominados, nas justiças cíveis estadual e federal, de CEJUSCs ou CECONs ou nas plataformas públicas on-line ( ainda que as ODRs não tenham sido a opção de abordagem desta tese). Trata-se de uma porta a mais de acesso à prestação jurisdicional, na compreensão de um sistema judiciário multiportas. A Resolução CNJ n. 125/2010, no capítulo III (das atribuições dos tribunais) – seção II , artigo 8º e seguintes – estabelece que os Tribunais de Justiça de toda a justiça estadual deverão criar os CEJUSCs, unidades do Poder Judiciário, nos locais em que existam 2 (dois) juízos, juizados ou varas. Os Centros Judiciários são integrados pelos setores de solução de conflitos pré- processual, processual e setor de cidadania (art. 10, da resolução 125) e devem contar com estrutura funcional mínima, sendo compostos ao menos por um juiz coordenador, devidamente capacitado, a quem cabe a administração e a fiscalização do serviço de conciliadores e mediadores, bem como por servidores com dedicação exclusiva, todos capacitados em métodos consensuais de solução de conflitos e, pelo menos um deles, capacitado também para triagem e encaminhamento adequado de casos (art. 9º)109. 109 A propósito, a regulamentação da Justiça Federal da 3ª Região: § 3º. A Presidência do Tribunal, quando necessário e a pedido do Desembargador Federal Coordenador do Gabcon, designará magistrados para auxiliar nas atividades de execução do Programa de Mediação e Conciliação da Justiça Federal da Terceira Região. (Redação alterada pela RES PRES nº 202/2018). § 3.º As Centrais de Conciliação contarão com um Juiz Coordenador e um Juiz Coordenador-Adjunto, indicados pelo GABCON e designados pela Presidência do Tribunal, e atuarão como Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, segundo nomenclatura da Resolução n. 125/2010-CNJ e da Resolução n. 398/2016-CJF. 56 Ademais, os tribunais deverão criar e manter cadastro de mediadores e conciliadores, além de regulamentar a remuneração destes (arts. 7º e 12º)110. Por certo que ainda nos valemos, com frequência, do trabalho abnegado de voluntários, mas não se pode conceber que o desenvolvimento da referida política pública vá acontecer a contento sem a regulamentação de remuneração justa aos conciliadores e mediadores. Alguns Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais já regulamentaram tais vencimentos, questão a ser devidamente abordada em capítulo pertinente. Conforme se pode aferir do artigo 10, da Resolução CNJ n. 125/2010, há de funcionar, obrigatoriamente, nos Centros Judiciários, os três setores: pré-processual, processual e cidadania. Um não exclui o outro. Todos, sem exceção, devem servir à sociedade. O setor de cidadania é onde se realiza o primeiro contato do cidadão com o CEJUSC. Nesse espaço, ele pode ter acesso a informações sobre os locais onde poderá resolver seu problema (se não puder resolver no CEJUSC) e sobre formas rápidas e satisfatórias de resolvê- lo: conciliação ou mediação, pré-processual ou processual, para além de serviços a toda e qualquer pessoa, de informação, orientação jurídica, emissão de documentos, etc. O setor processual, ainda que com algumas dificuldades, vem funcionando no país, principalmente para o cumprimento do estabelecido no artigo 334, do CPC, ou seja, a realização da audiência de conciliação e mediação, que, no limiar do processo, é “novidade” trazida pelo CPC/2015 e visa a estimular a autocomposição em fase processual, quando os ânimos ainda não estejam tão acirrados – porque ainda não apresentada a contestação pelo réu. Ocorrerá não perante o juiz, mas perante conciliador/mediador, em ambiente menos formal e intimidador e mais propício ao desarme de espíritos (aquilo a que a doutrina processual chama comumente de “conciliação desarmada”)111. Por conseguinte, exceção feita às hipóteses acima elencadas, o correto é que ela ocorra, obrigatoriamente, na maioria das demandas cíveis brasileiras, e não só nas ações de família (art. 695, do CPC/2015) e nos litígios coletivos pela posse do imóvel (art. 565, do CPC/2015), em que ela é textualmente obrigatória. 110 Questão tratada no Capítulo 4. 111 Essa audiência, nos termos do CPC, só não ocorrerá nas seguintes hipóteses: I) quando ambos os demandantes, autor e réu, manifestarem desinteresse, de forma expressa, de a ela comparecer (autor na petição inicial e réu por simples petição apresentada até 10 dias antes da data designada para a audiência) e II) quando a causa não admitir a autocomposição (caberá, portanto, tanto para causas de direitos disponíveis quanto indisponíveis, desde que se trate de direitos transacionáveis). Sobre referida audiência, há item próprio no decorrer desse trabalho acadêmico. 57 Mas o foco deste trabalho é o setor pré-processual, que possibilita que contendores busquem a composição de conflitos em momento anterior à propositura da contenda e independentemente do ajuizamento da ação. A conciliação pode ser realizada antes da instauração do processo ou pode se verificar incidentalmente neste. Vem sendo estimulada a conciliação prévia dos conflitos para evitar o crescimento no número de demandas e finalizar ações sem a necessária participação estatal; para tanto, há setores de conciliação em tribunais de justiça e câmaras extrajudiciais de autocomposição.112 Cesar Felipe Cury113 posiciona-se no sentido de que a análise do interesse de agir, nos moldes propugnados por este trabalho acadêmico, deve prevalecer, no que concerne à conciliação pré-processual: O ordenamento jurídico brasileiro, com a edição da lei de mediação e do CPC/15, passa a contar com a institucionalização da mediação e da conciliação pré-processual e incidental, privada e em ambiente Judiciário. A existência legal desses mecanismos preordenados ao tratamento adequado do direito controvertido – de modo justo, tempestivo e a custo razoável – contextualiza a releitura da utilidade, da necessidade e da adequação da busca do Judiciário para se reconhecer ausente o interesse de agir. Naquilo que mais nos interessa, é certo dizer que as sessões de conciliação pré- processuais devem ser realizadas nos CEJUSCS e CECONS, lembrando da ressalva do § 3º, do artigo 8º, da resolução n. 125/2010, que estabelece que os tribunais poderão, enquanto não instalados os Centros nas comarcas, regiões, subseções judiciárias e nos juízos do interior dos Estados, implantar o procedimento de conciliação e mediação itinerante, utilizando-se de conciliadores e mediadores cadastrados. Importante destacar que a Justiça Federal editou a Resolução n. 398/2016114, do Conselho da Justiça Federal (CJF), dispondo especificamente sobre a política judiciária de solução consensual dos conflitos de interesses no âmbito da Justiça Federal. Veja-se que a 112 TARTUCE, Fernanda. Conciliação em juízo: questionamentos relevantes. 2019. Disponível em: http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2019/01/Concilia%C3%A7%C3%A3o- questionamentos-Fernanda-Tartuce-versao-parcial.pdf. Acesso em: 08 dez. 2018. p. 6. 113 CURY, Cesar Felipe. Mediação. In: ZANETI JUNIOR, Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 503-504. 114 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Resolução nº CJF-RES-2016/00398, de 04 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política Judiciária de solução consensual dos conflitos de interesses no âmbito da Justiça Federal e dá outras providências. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/setembro/resolucao-cjf- 398.pdf/view. Acesso em: 05 abr. 2019. 58 Justiça Federal editou sua própria resolução, nominando um pouco diversamente os órgãos que compõem o seu sistema de autocomposição (CEJUSCons ou CECONS), mas seguiu as linhas mestras da resolução CNJ n. 125/2010, conforme artigo 7º, da resolução n. 398/2016. As conciliações pré-processuais e processuais acontecerão nos CEJUSCons – também nominados em alguns tribunais regionais federais como CECONS – e alguns Tribunais Regionais Federais, com sustentáculo na Resolução n. 398/2016, estabeleceram suas próprias diretrizes regulamentares115. 1.1.2.3 Noções gerais da autocomposição na Lei de Mediação e no atual Código de Processo Civil O CNJ tem envidado esforços para que os métodos consensuais passem a compor a realidade brasileira. Mas não só o CNJ. O Poder Judiciário e os respectivos gestores do sistema de justiça nacional também estão empenhados em fazer cumprir as determinações da política judiciária brasileira. Muito embora o presente trabalho tenha optado pela conciliação, dentre os meios autocompositivos, é fato que a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) também compõe o Microssistema Brasileiro de métodos consensuais, e, como tal, contribui, em essência, com a disseminação e institucionalização das práticas consensuadas no país, em especial, em razão do artigo 24, a saber: Art. 24. Os tribunais criarão Centros Judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. Quanto ao atual Código de Processo Civil, a teor do artigo 3º, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, a nova legislação processual civil determina que os métodos de solução consensual devem ser incentivados pelos diversos atores da prática jurídica (juízes, advogados, defensores públicos e membros do ministério público) para a construção de um paradigma autocompositivo116. 115 Vide, por exemplo, o artigo 33, da Resolução PRES n. 42, de 25 de agosto de 2016, alterada pela Resolução PRES n. 202/2018, da Justiça Federal da 3ª Região, que estabelece, in verbis: A tentativa de conciliação poderá ocorrer antes do ajuizamento da ação, na Cecon, ou durante qualquer fase do processo, no Gabcon ou na Cecon, sem prejuízo da tentativa de conciliação pelo magistrado. Ademais, é certo que a resolução da Justiça Federal da 3ª Região estabelece detalhadamente o funcionamento da autocomposição pré-processual. 116 GORETTI, Ricardo. Mediação e acesso à justiça. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 233. 59 O CPC/2015 propõe uma possível mudança de mentalidade dos operadores do direito – com o estímulo imediato aos meios consensuais (novos paradigmas para a justiça Brasileira), quando, em seu artigo 3º, §§ 2º e 3º, estabelece: Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do ministério público, inclusive no curso do processo judicial. Partindo-se da máxima de que não existe norma inútil, a compreensão adequada da validade desses dispositivos é a de que se devem empreender os esforços necessários para solução consensual dos conflitos. Como não se mudam comportamentos de um dia para o outro, um dos grandes desafios, impulsionado pela política pública e pelo atual CPC, é promover informação que possa provocar a adesão e o comprometimento dos operadores do direito com a autocomposição. A propósito, Fernanda Tartuce117: Na seara judicial e no plano normativo a priorização de chances para entabular acordos vem se intensificando ao longo dos anos. O novo Código de Processo Civil confirma essa tendência ao contemplar muitas regras sobre o fomento a meios consensuais de abordagem de conflitos. Sob a perspectiva numérica, eis as ocorrências: no novo CPC a mediação é mencionada em 39 dispositivos, a conciliação aparece em 37, a autocomposição é referida em 20 e a solução consensual consta em 7, o que totaliza 103 previsões. A amplitude de dispositivos no novo CPC, que se somam ainda às previsões integrantes da lei de mediação (Lei 13.140/2015) e da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, é considerável. Quem trabalha com a gestão de controvérsias definitivamente precisa estar pronto para lidar com o estímulo à autocomposição. O atual CPC estreita laços com a política pública em apreço, na medida em que incorpora e adota medidas para que a política pública se efetive no país. Todas as questões da política pública explicitadas no item anterior, em maior ou menor medida, também foram tratadas pelo atual CPC. Promessas da nova legislação processual civil às práticas autocompositivas , em compasso com a política pública judiciária nacional. 117 TARTUCE, Fernanda. Estímulo à autocomposição no Novo Código de Processo Civil. 2016a. Disponível em: http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2016/10/Estimulo-a-autocomposicao-no-NCPC-tempo- de-acordar.pdf. Acesso em: 20 jul. 2019. 60 Pinho e Stancati118 prelecionam: O novo CPC, trouxe, em seu art. 3.º, o comando que ‘não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito’, enquanto que o texto constitucional, em seu art. 5.º, XXxv, entende que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Embora as expressões sejam próximas, uma leitura mais atenta revela a sutileza do comando infraconstitucional, de modo a oferecer uma garantia mais ampla, não restrita à estrutura do Poder Judiciário, a quem é entregue o dever de prestar a jurisdição, mas não como um monopólio. A jurisdição é o dever estatal de solucionar conflitos, abarcando as modalidades chiovendiana, de atividade substitutiva,119 e Carneluttiana, de resolução de conflitos.120 todavia, na concepção clássica, o Judiciário só se presta a resolver os conflitos na forma negativa, ou seja, pela resolução destes com a imposição de vontade do juiz, determinando um vencedor e um vencido. 121 Assim, quando o art. 3.º do CPC/2015 se refere a apreciação jurisdicional, vai além do Poder Judiciário e sua forma imperiosa de resolver o conflito. Na verdade, ele abre as portas para outras formas positivas de composição, buscando o dever de cooperação das partes e envolvendo outros atores. A jurisdição, que inicialmente seria entregue exclusivamente ao Poder Judiciário, pode ser delegada para serventias extrajudiciais ou ser exercida por câmaras comunitárias, centros ou mesmo conciliadores e mediadores extrajudiciais. A edição de uma renovada legislação processual enfatiza os métodos autocompositivos como meios eficazes de solução de conflitos122. Da leitura atenta da lei processual em vigor, depreende-se que o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)123 – em vigor desde março de 2016 – tem como um de seus pilares 118 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; STANCATI, Maria Martins Silva. Processo à Luz da Constituição Federal. A ressignificação do princípio do acesso à justiça à luz do art. 3º do CPC/2015. REPRO, v. 254, abr. 2016. 119 CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2002. v. II: “Pode definir-se jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.” (p. 8). 120 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004. v. 1: “A influência que faz desdobrar o interesse externo para determinar a composição espontânea dos conflitos nem é pequena, nem pode ser desprezada. Pelo contrário, uma observação profunda sobre os regimes dos conflitos interindividuais, intersindicais e internacionais parece-me que deve levar a comprovar que, à medida em que a civilização progride, há menos necessidade do Direito para atuar a solução pacífica do conflito, não apenas porque cresce a moralidade, como também, e mais por tudo, porque aumenta a sensibilidade dos homens perante o supremo interesse coletivo.” (p. 63). 121 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, op. cit. 122 “[...] a autocomposição, que abrange uma multiplicidade de instrumentos, constitui técnica que leva os detentores de conflitos a buscarem a solução conciliativa do litígio, funcionando o terceiro apenas como intermediário que ajuda as partes a se comporem. Por isso, os instrumentos que buscam a autocomposição não seguem a técnica adversarial. Hoje, pode-se falar-se de uma ‘cultura de conciliação’ [...], não apenas a institucionalização de novas formas de participação na administração da justiça e de gestão racional dos interesses públicos e privados, mas assumindo também relevante papel promocional de conscientização política.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista de Arbitragem e Mediação, ano 4, n. 14, p. 16-21, 2007. p. 16-17). 123 “Pode-se dizer que o Código de Processo Civil de 2015 fez bem em encampar, ao lado da jurisdição estatal, a utilização do método mais adequado ao conflito social, inclusive após esse já ter sido submetido à apreciação do Poder Judiciário. É norma, portanto, que reconhece a eficácia absoluta e a aplicabilidade imediata do princípio da 61 a utilização dos mecanismos consensuais para solução de conflitos de interesse. Nos seus artigos inaugurais (1º ao 12º), estão dispostas as “normas fundamentais”, nas quais se percebe claramente a preocupação com a sintonia do processo com as regras e princípios constitucionais124. A teor do artigo 3º, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, há a determinação de que os métodos de solução consensual devem ser estimulados (isto é, é dever dos operadores utilizar e fazer valerem os métodos consensuais) pelos diversos atores da prática jurídica (juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público) para a construção de um paradigma autocompositivo – inclusive no curso do processo judicial125. Resta a promoção, a qual se impõe, da adesão dos vários atores do Poder Judiciário, bem como seu comprometimento para com a autocomposição. Sempre pontuais as lições de Dinamarco126: E ao longo do texto do próprio Código veem-se dispositivos claramente voltados à concretização desses propósitos, como os que proclamam a fidelidade do sistema à Constituição Federal (arts. 1º, 3º, 4º, 7º, 9º e 10º). [...] O novo Código apresenta ainda muitos dispositivos relacionados com a aderência do sistema às realidades sociais, especialmente mediante a valorização dos meios alternativos de solução de conflitos (arbitragem, mediação e conciliação). Em seu contexto o novo Código propõe a implantação de múltiplas inovações visando a uma espécie de justiça coexistencial mais acessível e participativa, com forte tendência à universalidade e, numa palavra, a um processo mais justo. Resta saber se todo esse anteparo legislativo consegue se efetivar perante os profissionais do direito, para que, assim, possa espraiar-se para toda a sociedade. Nesse contexto, o CPC/2015 foi elaborado e sancionado com a intenção de consolidar os meios autocompositivos como mecanismos primordiais no tratamento da litigiosidade observada no Brasil. Há, com tal sorte, no ventre inafastabilidade e aperfeiçoa a busca por um estado ideal das coisas caracterizado pelo pleno acesso a soluções adequadas e efetivas dos conflitos”. (TAMER, op. cit., p. 223). 124 “Ao tratar das normas fundamentais do processo civil, o novel diploma enfatiza a resolução consensual de conflitos, seja pela conciliação, mediação ou outros métodos (art. 3º, parágrafos 2º e 3º, NCPC). Tais mecanismos, estimulados tanto na esfera judicial, como se está a tratar, quanto na extrajudicial, canalizam uma solução construída, e não adjudicada – afinal não há vencidos ou vencedores no acordo – ajustando uma nova formatação do acesso à justiça. Logo, o legislador intercede na direção da substituição da ‘cultura da sentença’ pela ‘cultura da pacificação’, como forma de melhorar a qualidade da prestação jurisdicional, humanizando-a”. (MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; HARTMANN, Guilherme Kronemberg. A audiência de conciliação ou de mediação no Novo Código de Processo Civil. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 110-111.) (grifos nossos). 125 GORETTI, op. cit., p. 233. 126 DINAMARCO, 2016, op. cit., p. 91. 62 da codificação de 2015 um sistema multiportas, que pode ser extraído facilmente a partir da leitura completa do seu art. 3º. [...] Contudo, o esforço não pode ser meramente legislativo ou interpretativo: uma vez estabelecidas novas diretrizes na lei, imprescindível que os atores processuais se engajem na mudança de comportamento quanto aos conflitos. Nesse sentido, incumbe especialmente a mediadores, conciliadores, procuradores, ministério público e juízes desvencilharem-se dos vícios combativos do processo judicial, em prol de um paradigma colaborativo.127 Maiores e percucientes considerações sobre regramentos legislativos serão tratadas em capítulo próprio, ocasião em que algumas discussões serão travadas. 1.2 GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO E MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS O objeto desta tese reside na abordagem de que a utilização dos meios ditos alternativos de solução de conflitos, em especial, a conciliação pré-processual, justificaria adequada limitação à utilização da intervenção estatal adjudicada, sem que, com isso, houvesse desrespeito à garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, o que motiva a análise e a releitura da referida garantia, em cotejo com as soluções consensuais – precípuo escopo estatal. Segundo Osna128, o liberalismo forjou a noção de jurisdição na Idade Moderna, transformando-a em dogma. O Estado Liberal foi determinante para que a ideia de monopólio estatal de solução de conflitos se concentrasse nas mãos do Poder Judiciário. Floresce a centralização de todo o direito processual civil na figura do Estado, fazendo com que se fixasse o monopólio jurisdicional como regra, materializada na “tentativa de concentrar autoridade nas mãos do Estado também”, o que “fez com que o ente público procurasse atrair apenas para si a prerrogativa de pacificar disputas; de solucionar conflitos, impondo sua decisão a ambas as partes envolvidas no problema”129. É cediço dizer que a garantia da inafastabilidade, também conhecida como garantia de acesso à jurisdição, insculpida no inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, não pressupõe dever de o jurisdicionado sempre submeter-se à justiça estatal heterônoma. De 127 MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruiz. Breve ensaio sobre a postura dos atores processuais em relação aos métodos adequados de resolução de conflitos. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 69-88. p. 87-88. 128 OSNA, Gustavo. Processo Civil, Cultura e Proporcionalidade: Análise Crítica da Teoria Processual. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 20-22. 129 Ibid., p. 20-22. 63 regra, a intervenção judicial não é obrigatória, razão pela qual a arbitragem e os modos autocompositivos de solução de controvérsias são absolutamente legítimos. Takahashi130, a esse propósito, defende a ideia de que a sentença, advinda de um juiz, não é necessária e exclusivamente a previsão do artigo 5º, XXXV. Muito menos o encerra. Mais importante é, nesse sentido, “que haja uma resposta adequada, efetiva e oportuna aos que buscam a tutela do Judiciário” e, “dependendo do conflito, a resposta mais adequada é valer-se dos meios consensuais, que integram, assim, o conceito de jurisdição e de acesso à justiça”131. Considerando a clássica tripartição de poderes de Montesquieu (rectius, funções), incontestável dizer que a jurisdição é a função do Estado responsável pela solução de conflitos e via de regra – mas não de forma absoluta – tal função é exercitada de forma adjudicada pelos juízes de direito, no âmbito do Poder Judiciário. Mas é fato que há resolução de controvérsias fora da órbita da decisão adjudicada, seja no âmbito estatal, em momento pré-processual ou processual, seja extrajudicialmente. Por essa razão, não há motivo para se falar em monopólio da atividade jurisdicional nas mãos do Poder Judiciário, tal qual formalmente ele sempre fora visto132. Ademais, não se pode deixar de mencionar a sempre lúcida advertência (nominada de relatividade histórica da jurisdição) formulada por Calamandrei133: “não se pode dar uma definição do conceito de jurisdição absoluta, válida para todos os tempos e para todos os povos”, já que tanto os órgãos incumbidos quanto os métodos lógicos do julgar têm relação direta com certo momento histórico. A evolução do nosso ordenamento jurídico evidenciou a crise do conceito de jurisdição, ao menos tal qual como fora traçado há décadas, ampliando-se sensivelmente a importância dos mecanismos para obtenção de solução consensual de controvérsias, na medida em que tais 130 TAKAHASHI, op. cit., p. 23. 131 Ibid., p. 23. 132 “A primeira característica dessas vertentes alternativas é a ruptura com o formalismo processual. A desformalização é uma tendência, quando se trata de dar pronta solução aos litígios, constituindo fator de celeridade. Depois, dada a preocupação social de levar a justiça a todos, também a gratuidade constitui característica marcante dessa tendência. Os meios informais gratuitos (ou pelo menos baratos) são obviamente mais acessíveis a todos e mais céleres, cumprindo melhor a função pacificadora. Por outro lado, como nem sempre o cumprimento estrito das normas contidas na lei é capaz de fazer justiça em todos os casos concretos, constitui característica dos meios alternativos de pacificação social também a delegalização, caracterizada por amplas margens de liberdade nas soluções não-jurisdicionais (juízos de equidade e não juízos de direito, como no processo jurisdicional).” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 32). 133 CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandes Barbiery. Campinas: Bookseller, 1999. p. 96. 64 mecanismos cumprem o escopo social da jurisdição (a pacificação social dos litígios), relegando a um plano secundário o escopo meramente jurídico134. Questionamentos lançados por Wolkart135 valem ser destacados: Afinal, qual o objetivo de se ter um sistema de justiça, um Poder Judiciário, e o próprio direito processual? Diminuir os custos sociais, que, sem o oferecimento estatal da atividade jurisdicional, seriam muito maiores. Em outras palavras, a atividade jurisdicional só existe porque, sem ela, a sociedade estaria muito pior do que com ela. É sob essa ótica que, em nosso sentir, deve ser encarado o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Em uma sociedade ideal, onde não houvesse conflitos, ou no qual os conflitos acabassem sempre sendo autocompostos, não haveria necessidade de instauração de processos, ou mesmo da existência do Poder Judiciário – isso representaria um custo desnecessário que apenas diminuiria o bem-estar social. – esses recursos podiam muito bem ser redirecionados para saúde, educação, etc. A realidade, porém, é conflituosa, e como permitir que pessoas façam justiça com as próprias mãos teria um custo social irreparável, o princípio da inafastabilidade da jurisdição adere, portanto, àquilo que a doutrina tradicionalmente nomeia de escopo de pacificação social da jurisdição (tal qual preconizado por dinamarco, para quem a pacificação social é o escopo-síntese da jurisdição). Percebe-se, sem querer menosprezar o processo estatal, que há uma necessidade de se buscarem outros caminhos que resolvam os conflitos de forma mais célere e acessível e, dentre eles, está a conciliação pré-processual, na medida em que atribuir à jurisdição clássica a responsabilidade exclusiva – para não dizer solitária – de dizer o “direito justo” é medida completamente alheia de seu tempo.136 A garantia constitucional da inafastabilidade de jurisdição137, que lança a jurisdição estatal como único ou exclusivo caminho para a solução de conflitos, não condiz com a noção contemporânea do Estado Democrático de Direito, embora esse entendimento se mantenha ainda hoje, em alguns setores, quer seja pela tradição ou pelo receio da perda de uma parcela de poder138. 134 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual civil. In: ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz (orgs.). 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil. Passado, presente e futuro. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 434-445. 135 WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São Paulo: RT, 2019. 136 CAVACO, op. cit., p. 44. 137 Foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1946 (art. 141, § 4º). Ausente do texto das Constituições anteriores. Nesse sentido: “O atual art. 5º, XXXV, da CF é herança direta da Constituições anteriores, pois que essa regra veio inicialmente com a Constituição de 1946, em seu art. 141, § 4º. Foi mantida na Constituição de 1967 e na Emenda de 1969, com texto de igual teor, no parágrafo quarto do art. 153.” (BUNN, Maximiliano Losso. Por um Novo Modelo de Jurisdição: releitura do conceito de atividade jurisdicional na sociedade contemporânea. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, v. 1, n. 03, p. 11-24, dez. 2015. p. 12). 138 “A releitura do princípio da inafastabilidade da jurisdição deve ter como fundamento o conceito moderno de acesso à Justiça [...] a via judicial deve estar sempre aberta, mas isso não significa que deva ser acessada como 65 A propósito, está a lição de Dinamarco139 acerca do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988: [...] Antes interpretado como portador somente da garantia da ação, tem o significado político de pôr sob controle dos órgãos da jurisdição todas as crises jurídicas capazes de gerar estados de insatisfação às pessoas e, portanto, o sentimento de infelicidade por pretenderem e não terem outro meio de obter determinado bem da vida. Esse dispositivo não se traduz em garantia do mero ingresso em juízo ou somente do julgamento das pretensões trazidas, mas da própria tutela jurisdicional a quem tiver razão. A garantia da ação, como tal, contenta-se em abrir caminho para que as pretensões sejam deduzidas em juízo e a seu respeito seja depois emitido um pronunciamento judicial, mas em si mesma nada diz quanto à efetividade da tutela jurisdicional. Antes de demonstrar a compatibilidade entre os métodos autocompositivos e a referida garantia constitucional – considerando que essa conformidade é essencial para a comprovação da hipótese desta pesquisa (de que a conciliação em momento pré-processual deve ser, por lei, dotada do atributo da obrigatoriedade )– , saliente-se que é frequente a leitura literal e equivocada da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, como se houvesse monopólio estatal da justiça formal em distribuir a justiça. Não é de todo inovador apontar a inexistência do monopólio do Estado, mas premente a necessidade de invocar a ressignificação do princípio/garantia constitucional da universalidade, inafastabilidade ou indeclinabilidade da jurisdição, já que, com Mancuso140, quer-se extrair desse enunciado mais do que nele se contém (vã tentativa de ali se aninhar o direito de ação – que, nas lições de Mancuso, estar-se-ia tratando de um “dever de ação”, e não um “direito de ação”), quando, na verdade, o princípio em questão não tem o jurisdicionado como seu destinatário, mas sim o legislador, a fim de que este se contenha, e jamais exclua da apreciação jurisdicional, a priori, eventual ameaça de lesão ou lesão a direitos141. primeira opção. Seu uso deve ser subsidiário, de forma a evitar a sobrecarga do sistema, o que leva, inexoravelmente, ao comprometimento da efetividade e da celeridade da prestação jurisdicional.” (PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; STANCATI, Maria Martins Silva. Processo à Luz da Constituição Federal. A ressignificação do princípio do acesso à justiça à luz do art. 3º do CPC/2015. REPRO, v. 254, p. 17-44, abr. 2016. p. 21). 139 DINAMARCO, 2016, op. cit., p. 328. 140 MANCUSO, op. cit., p. 209. 141 Esclarecedoras as lições de Mancuso (Ibid., p. 387-389): A usual colagem das expressões “monopólio estatal” na distribuição da justiça e jurisdição unitária, em face do que se contém no art. 5º, XXXV da CF 1988 (‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’) tem engendrado exegeses as mais díspares, o que tem repercutido negativamente na apreensão do sentido atual de conceitos importantes, como jurisdição, direito de ação, função judicial do Estado e até mesmo o de relação jurídica processual. As palavras cognatas monopólio, duopólio, oligopólio [...] quando conectadas à expressão justiça, toma o senso de uma assunção exclusiva e abrangente, por parte do Estado, da função de distribuir Justiça a quem dela necessite – os jurisdicionados, sejam eles efetivos ou potenciais, eventuais ou habituais.” 66 Ou seja, o princípio em comento é um dispositivo inserido no texto constitucional para que sirva Como uma válvula de segurança do sistema, ou um elemento de contenção em face do Legislativo; de outro lado, as disposições daquele gênero têm a ver com o fato de nossa justiça ser unitária142, no sentido de que aqui não temos o contencioso administrativo, posto acenado no art. 111 da EC 01/1969.143 Partindo, pois, do pressuposto de que o Estado contemporâneo não possui o monopólio da produção e distribuição da justiça e do direito, a justiça estatal deve coexistir com outros modos e métodos de solução de conflitos e deve ser residual, a ultima ratio. Repare, por oportuno, que o compartilhamento da jurisdição com outras instâncias estatais e não estatais não retira do Judiciário a sua fulcral importância nesta quadra histórica tão complexa e multifacetada. Apenas reposiciona-o e recoloca-o em uma posição mais democrática e cônscia, com o seu chamamento a atuar em hipóteses residuais que efetivamente reclamem a passagem judiciária, bem como que por outros meios não tenham sido dirimidos.144 A justiça estatal, também chamada de adjudicatória ou heterônoma, por intermédio dos seus juízes, decide o conflito que lhe é trazido sob a forma de uma demanda, mas a jurisdição não suprime a possibilidade de que eventuais novos conflitos de interesses possam surgir, notadamente, em razão de que permanecem as relações sociais e interpessoais entre as Mas o autor ressalva que referida expressão está defasada, e não guarda aderência às novas necessidades, valores e interesses emergentes na sociedade contemporânea: “justiça” é palavra de acepção ampla, polissêmica, incidente não só no campo do Direito, mas também no da Moral, e, além disso, tem significado cambiante, a depender da cultura ocorrente numa dada comunidade. 142 Importante lembrar que quando a doutrina corriqueiramente diz que a jurisdição brasileira é una, quer-se com isso dizer que não implementamos o “contencioso administrativo”, e não que há concentração de distribuição de justiça nas mãos da justiça estatal adjudicada. 143 MANCUSO, op. cit., p. 219. A propósito, Bunn (op. cit., p. 12): “Pontes de Miranda adverte que, ao contrário do que parece à primeira vista de muito daqueles que se debruçam sobre referido preceito constitucional, o destinatário primeiro dessa regra é o poder constituinte: ‘A regra jurídica constitucional do art. 1, § 4º , em que o legislador constituinte formulou princípio de ubiquidade da justiça, foi a mais típica e a mais presente criação de 1946. Dirige-se ela aos legisladores (verbis, ‘a lei não poderá [...]’): os legisladores ordinários nenhuma regra jurídica podem edictar, que permita preclusão em processo administrativo, ou em inquérito parlamentar, de modo que se exclua (coisa julgada material) a cognição do Poder Judiciário’ (MIRANDA, 1971). No mesmo sentido está a doutrina constitucional de José Afonso da Silva (2005, p. 131).” 144 CAVACO, op. cit., p. 107. 67 pessoas envolvidas145. Ademais, não se deve perder de vista, com Salles146, que o disposto na garantia constitucional Não pode ser entendido apenas sob a ótica da vedação constitucional. Deve se considerar também o aspecto da obrigação de prestação de serviço pelo Estado. Nesse sentido, a garantia adquire uma feição prestacional. Isto é, não de simples garantia passiva, mas de uma prestação a ser ativamente prestada pelo Estado. É necessário, portanto, entender a garantia da inafastabilidade sob o duplo enfoque: de vedação constitucional e prestação devidamente prestada ao jurisdicionado, já que esse enfoque permite um alargamento do entendimento dos mecanismos alternativos de solução de controvérsias diante da garantia da inafastabilidade. Quer dizer, eles deixam de ser considerados formas de exclusão ou limitação da jurisdição estatal para passar a serem vistos como instrumentos auxiliares desta última no atingimento de seu objetivo de prestar universalmente serviços de solução de controvérsias. Vistos dessa maneira, os mecanismos alternativos não concorrem com a jurisdição estatal, mas a ela se somam, propiciando novos canais para dar efetividade à garantia de prestação do serviço Judiciário. Com isso, o próprio conceito de jurisdição, segundo Salles, passa por uma reformulação, já que são ressaltadas as características de função e atividade (função de pacificação social e atividade caracterizada enquanto método de solucionar disputas) e abranda-se sua consideração enquanto poder estatal. Em sua última obra publicada em vida, a professora Ada Pellegrini Grinover faz um aceno benfazejo à promissora geração de processualistas para a elaboração de uma nova Teoria Geral do Processo, tendo em vista que ela própria revisitou seus clássicos institutos (jurisdição, ação, processo e defesa), bem como seus fundamentos conceituais. Como ela diz na Introdução da obra “só podem ser completamente diferentes daqueles traçados há mais de um século atrás”. Em seu “Ensaio sobre a processualidade”, a professora das Arcadas faz a proposta de se partir da crise de direito material – do conflito propriamente dito – para analisar (ou construir) a solução processual adequada.147 145 “Paralelamente às formas jurisdicionais tradicionais, existem possibilidades não jurisdicionais de tratamento de disputas, nas quais se atribui legalidade à voz de um conciliador/mediador, que auxilia os conflitantes a compor o litígio. Não se quer aqui negar o valor do Poder Judiciário. O que se pretende é discutir uma outra maneira de tratamento dos conflitos, buscando uma nova racionalidade de composição dos mesmos, convencionada entre as partes litigantes [...]. Existem outros mecanismos de tratamento das demandas, podendo-se citar a conciliação, a arbitragem e a mediação. Tratam-se de elementos que possuem como ponto comum o fato de serem diferentes, porém não estranhos ao Judiciário, operando na busca da ‘face’ perdida dos litigantes.” (SPENGLER, op. cit., p. 17-57). 146 SALLES, Carlos Alberto de. Mecanismos alternativos de solução de controvérsias e acesso à justiça: a inafastabilidade da tutela jurisdicional recolocada. In: FUX, Luiz; NERY JR.; Nelson; WAMBIER, Teresa A. A. (coords.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006. p. 782. 147 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade. Fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2018. p. 14. 68 A partir dessa “instrumentalidade metodológica, a autora aduz que a jurisdição compreende a justiça estatal, a justiça arbitral e a justiça consensual, superando, assim, o clássico conceito de jurisdição.148 A percepção de uma tutela adequada a cada tipo de conflito modificou a maneira de ver a arbitragem, a mediação e a conciliação que, de meios sucedâneos, equivalentes ou meramente alternativos à jurisdição estatal, ascenderam à estatura de instrumentos mais adequados de solução de certos conflitos. E tanto assim é que a leitura atual do princípio constitucional de acesso à justiça (‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ – Const., art. 5º , XXXV) é hoje compreensiva da justiça arbitral e da conciliativa, incluídas como espécies de exercício jurisdicional. Entendemos, portanto, que tanto a arbitragem como a justiça consensual integram o conceito de jurisdição.149 E a ressalva é importante: os meios suasórios não têm a pretensão de concorrer com a justiça heterônoma, “mas se preordenam a com esta conviver”150. Ademais, tais meios tendem a ser prestigiados e cumpridos pelos interessados, seja porque estes os alcançaram (diretamente ou com a intercessão de um facilitador), seja porque por esse modo se previne a formação do processo judicial, poupando as partes do seu impacto, de custos e incertezas. Em suma, “cabe hoje falar em acesso à ordem jurídica justa, e não tão só acesso à justiça. Resolução de conflitos de forma equânime, tecnicamente consistente e num tempo razoável”151. Acesso à prestação jurisdicional garantido, o que se vê, diuturnamente, é a saga dos indivíduos em conflito diante da jurisdição, como se houvesse tão-só o monopólio estatal de 148 Para a professora Ada, a jurisdição não pode mais ser definida como poder, função e atividade, , pois na justiça conciliativa ( que ela entende ser parte da jurisdição ) não há exercício de poder. Para a autora, a jurisdição passa a ser garantia do acesso à justiça, e jurisdição não é mais poder, mas apenas função, atividade e garantia. Ou seja, se desenvolve pelo exercício de função e atividade respeitadas pelo corpo social para a solução de conflitos e legitimada pelo devido processo legal. Seu principal escopo social é a pacificação com justiça, e esta só se atinge por intermédio do processo e procedimentos adequados (incluídos aqui os meios autocompositivos), que levam à tutela jurisdicional adequada. A ação, por exemplo, perde sua centralidade no sistema, pois pode haver jurisdição sem ação. Transforma-se apenas num dos tantos meios utilizáveis para o acesso à justiça (mas não mais o único). (Ibid.. p 4-5 e 18). 149 Ibid., p. 62. 150 MANCUSO, op. cit., p. 390. 151 Ibid. Além disso, Carlos Alberto de Salles, por oportuno, “tais questões somente tem sentido se a garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional puder ser entendida de forma a permitir a assimilação pelo sistema jurídico de mecanismos alternativos à prestação do serviço judiciário pelo Estado. Nesse sentido, recoloca- se a questão da inafastabilidade, tornando necessária uma nova consideração teórica, capaz de responder a uma tendência atual de utilização de meios alternativos de solução de controvérsias. Não se trata de enfraquecer a garantia constitucional, mas de apontar caminhos para o seu correto entendimento em face dos desafios colocados por uma realidade de constante transformação da atividade jurisdicional do Estado brasileiro.” (SALLES, op. cit., p. 779). 69 dizer o direito.152 A contrario sensu, premente a criação de condições de tutelar adequada, célere e eficazmente os conflitos de interesses sociais. De há muito afirmam-se como recorrentes os estudos conducentes à afirmativa do desgaste da função pública estatal de conhecer, processar e julgar os litígios postos ao Estado-juiz, isto é, o exercício da jurisdição em moldes que nos remetem à indagação se ainda não estaríamos dependentes, no Brasil, de um aparato de resolução de controvérsias submetido a estruturas estatais ainda burocráticas, lentas, pesadas, complexas e que é resultante de decisões ‘tudo ou nada’ para os sujeitos do conflito, revelador de alto grau de insatisfação e de frustração por parte dos cidadãos, a re-ensejar a continuidade do conflito pela utilização indiscriminada, conquanto constitucional, de recursos aos tribunais.153 Normas processuais devem acompanhar a realidade social para a qual foram criadas neste ou naquele tempo e espaço históricos. Devem servir aos jurisdicionados, a fim de satisfazer suas necessidades e anseios. É urgente e necessário um sistema de tratamento adequado dessa convulsão de controvérsias que já existem e que, inexoravelmente, ainda hão de surgir.154 Para tanto, vale ressaltar a posição de Leonardo Greco155, quando indica que a jurisdição é a “função preponderantemente estatal, exercida por um órgão independente e imparcial, que atua a vontade concreta da lei na justa composição da lide ou na proteção de interesses particulares”. A promoção de uma releitura da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, insculpida no artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88, se faz premente, em especial, na contemporaneidade, quando o Brasil possui política pública instituída pela Resolução CNJ n. 152 “O descumprimento da lei é inevitável dada a natureza humana, mas o grau de descumprimento revela o padrão de desenvolvimento cultural dos povos e dos agentes públicos e privados. Perfil de Macunaíma, Lei de Gerson, Jeitinho Brasileiro, abundância de área territorial e de população em um país com dimensões continentais, ou, talvez, todos esses fatores reunidos e somados a vários outros, a verdade é que a realidade brasileira mostra um alto índice de judicialização.” (FRANCISCO, José Carlos et al. Arbitragem em Geral e em Direito Tributário: Soluções Alternativas de Resolução de Conflitos. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2013. p 14). 153 TAVARES, Fernando Horta. Mediação, Processo e Constituição: Considerações sobre a autocomposição de conflitos no Novo Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre et al. (orgs.). Novas Tendências do Processo Civil – Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Editora JusPodivm, 2013. p. 57-74. p. 58. 154 “O sentido contemporâneo da palavra jurisdição é desconectado – ou ao menos não é acoplado necessariamente – à noção de Estado , mas antes sinaliza para um plano mais largo e abrangente, onde se hão de desenvolver esforços para (i) prevenir a formação de lides, ou (ii) resolver em tempo razoável e com justiça aquelas já convertidas em processos judiciais. Deve-se ter presente que as lides não resolvidas configuram um mal que se irradia em várias direções: esgarça o tecido social, sobrecarrega o Judiciário, estimula a litigiosidade ao interno da coletividade. Na visão contemporânea, o que interessa é que as lides possam ser compostas com justiça mesmo fora e além da estrutura clássica do processo judicial, ou, em certos casos, até preferencialmente sem ele.” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução de conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 60). 155 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I. p. 69. 70 125/2010, referendada pela legislação vigente no ordenamento jurídico brasileiro (CPC e Lei de Mediação) – evidenciando o prestígio que o Poder Judiciário e o legislador quiseram dar aos métodos autocompositivos de solução de desenlace conflituoso havido. O marco legislativo recente, no Brasil, é, de fato, a Resolução n. 125, do CNJ, a qual proclama o Poder Judiciário Brasileiro como o responsável pela Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflito de interesses. Essa oferta, na compreensão de Tartuce156, significa muito mais uma possibilidade de interação entre métodos e muito menos sua mútua exclusão. A ideia é “proporcionar ao indivíduo múltiplas possibilidades de abordagem eficiente das controvérsias”157. Por certo que há vozes dissonantes na doutrina acerca desse entendimento158, mas insiste-se nessa revisitação teórica, diante da premência da mudança de rumos e racionalidade do sistema de justiça. Em linhas gerais, destaquem-se as ponderações de Owen Fiss, para quem o acordo, como prática genérica, não deve ser institucionalizado em base extensa e limitada, sob pena de usurpar a função fundamental dos tribunais no sistema constitucionalizado, que é a de dar significado e garantir a implementação dos valores da Constituição – e não a de simplesmente solucionar controvérsias. Em outras palavras, o acordo não pode ser regra porque priva as cortes de interpretarem as normas legais. Os métodos autocompositivos apresentariam outros inconvenientes, como a dificuldade de se garantir a igualdade das partes na negociação, fazendo com que o consentimento fosse, muitas vezes, obtido via coação, diferentemente do processo judicial, no qual se preveem técnicas para assegurar a isonomia. Além disso, uma solução mutuamente aceitável não necessariamente corresponderia à melhor opção entre os litigantes, pois, com alguma frequência, se aceitaria menos do que o ideal; o consentimento não seria sempre legítimo, eis que as partes comumente estão enredadas em relações contratuais que comprometem a sua autonomia; o acordo, em geral, não representaria o fim do litígio, porquanto, mesmo depois de transacionarem, as partes costumam recorrer ao Judiciário; e, finalmente, o acordo não vincularia os contraentes com a força de uma sentença judicial. 156 TARTUCE, 2015, op. cit., p. 68. 157 Ibid., p. 68. 158 A conferir: FISS, Owen. Contra o Acordo. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.). Direito como Razão Pública. Processo, Jurisdição e Sociedade. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2017. p. 133-150. (um clássico artigo que se opõe aos métodos autocompositivos, para quem o acordo não pode ser entendido como um substitutivo perfeito para a atuação dos mecanismos jurisdicionais); TARTUCE, Fernanda. Mediação de Conflitos: Proposta de Emenda Constitucional e Tentativas Consensuais Prévias à Jurisdição. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, ed. 82, jan./fev. 2018, p. 5-21; MESQUITA, José Ignácio Botelho de. As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu reexame. Teses, estudos e pareceres de Processo Civil. São Paulo: RT, 2005. v. I, p. 289-290; TARUFFO, Michelle. Un’Alternativa alle alternative. Modelli di risoluzione dei conflitti. Argumenta Journal Law, Jacarezinho-PR, n. 7, p. 257-270, fev. 2013. 71 Não é simples nem fácil desatrelar a jurisdição do Estado, ainda que haja interpretações que se distanciem do tradicional elo estatal. Todavia, levando-se em conta o redimensionamento da garantia constitucional da inafastabilidade e a questão da desjudicialização como ferramenta de racionalização da tutela adequada, pode-se pensar no exercício dessa função por outros órgãos do Estado (os CEJUSCs e CECONs, por exemplo, amplamente institucionalizados junto ao Poder Judiciário) ou por agentes privados159. Segundo Mancuso160, cabe ao CNJ potencializar esse movimento. Não há soluções mágicas, nem adianta acalentar objetivos utópicos, cabendo antes reconhecer que a quantidade de processos afeta a qualidade. Portanto, a sobrevivência da justiça estatal depende do fomento aos outros meios de solução de conflitos, para incentivar a vera cidadania e, como estratégia, para reservar a tutela judicial às crises mais complexas, relevantes e/ou insuscetíveis de resolução por outras maneiras (e isso não quer dizer que se está a depreciar a justiça adjudicada: na verdade, está-se a valorizá-la). Com considerações próprias, mas nesse sentido, Takahashi161: De acordo com uma linha teórica que insere a conciliação dentro do conceito expandido de jurisdição, não se admite que um mecanismo seja considerado superior a outro162. Cada mecanismo é mais ou menos adequado à determinada situação, estando todos sob o amplo conceito de jurisdição. Se assim é, o juiz que concilia está igualmente prestando jurisdição, não realizando uma atividade menor ou menos qualificada. O que importa é verificar se o conflito é adequado à conciliação. Sendo adequado, cabe ao juiz empenhar-se no uso do mecanismo consensual. Valendo-se das considerações acerca do Poder Judiciário como conciliador institucional, referido autor aduz que cabe ao próprio poder organizar, instituir e uniformizar as práticas conciliatórias. Para evitar disparidades de orientação, em caráter profissional e perene. A valorização dos meios consensuais deixa de ser pessoalizada neste ou naquele juiz ou nesta ou naquela gestão. Por essas razões, nota-se a total compatibilidade entre os métodos autocompositivos e a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Não se pode ignorar a necessidade de ser enfrentado o gradual abandono do fetichismo da jurisdição estatal ante a utilização dos 159 PINHO; STANCATI, op. cit. 160 MANCUSO, 2011, op. cit., p. 399. 161 TAKAHASHI, op. cit., p. 170. 162 Embora não superior, há de se sublinhar que existe a competência para dar a última palavra. 72 mecanismos consensuais de solução de disputas.163 Todavia, ao tempo em que parcela considerável da doutrina processual se debruça sobre os meios consensuais, não se pode menosprezar a resistência que ainda paira sobre a temática – há (sem) razões as mais diversas para tal menoscabo, o que estimula a pesquisa levada a cabo nesta tese. Os meios alternativos de acesso à prestação jurisdicional, por vezes, são festejados de forma exageradamente entusiasta, como se fossem uma panaceia para todos os problemas do Sistema Judiciário. Não devem, pois, assim ser tratados, razão pela qual merecem ser investigados com acuidade. Um olhar atento à consensualidade implica plausibilidade científica. Fugir desse estereótipo é desviar do olhar preconceituoso que afasta peremptoriamente a utilidade desses métodos. A política pública instituída pela Resolução CNJ n. 125/2010 – referendada pela legislação vigente no ordenamento jurídico brasileiro164 – revela o prestígio que o Poder Judiciário e o legislador quiseram dar aos métodos autocompositivos e reforça a intenção de dar ao artigo 5º, XXXV, do texto constitucional, efetiva condição de realização. Porém, é bom lembrar que essa estima, por si, não tem o condão de concretizar, a contento, a implementação da conciliação pré-processual no Brasil. Embora tenhamos caminhos traçados, e já haja avanços significativos – em especial, no tocante ao setor de conflitos processual – importa considerar que ainda há passos importantes a serem dados, no sentido de promover a efetivação e o real funcionamento do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual, a fim de que este possa ser incorporado, de fato, ao cotidiano da justiça brasileira. O objeto da presente tese é alçar o método consensual ao status de condicionante do direito de ação, nos moldes tratados por esta tese e, para cumprir tal desiderato, essencial enunciar a questão do conflito, com base na doutrina empregada por Carnelutti e Alcalá-Zamora y Castillo165, com ênfase na sua inserção no movimento global de verdadeiro acesso à prestação jurisdicional, enunciado por Cappelletti e Garth166. 163 “Constitui tendência moderna o abandono do fetichismo da jurisdição, que por muito tempo fechou a mente dos processualistas e os impediu de conhecer e buscar o aperfeiçoamento de outros meios de tutela às pessoas envolvidas em conflitos. Os meios alternativos para solução destes ocupam hoje lugar de muito destaque na preocupação dos processualistas, dos quais vêm recebendo especial ênfase a conciliação e a arbitragem.” (DINAMARCO, 2000, op. cit., p. 836-837). 164 Item 1.1.2.1, da presente tese. 165 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Proceso, autocomposición y autodefensa. Contribución al estudio de los fines del proceso. Cidade do México: Instituto de Investigaciones Juridicas de la UNAM Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 2000. 166 CAPPELLETTI; GARTH, op. cit. 73 2 REVISITAÇÃO DA TEORIA GERAL DO PROCESSO: UMA ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA A Teoria Geral do Processo, fundamental para a compreensão dos principais institutos que norteiam o processo civil brasileiro, tem pela frente desafios teóricos e metodológicos do mundo contemporâneo. Não é demais dizer que a busca por uma maior efetividade da prestação jurisdicional passe por uma “dose de ousadia responsável” que promova inovações necessárias. De bom alvitre deixar registrado que revisitar institutos da ciência processual não é desrespeitar o que a clássica e indispensável doutrina nos legou. A reestruturação de institutos processuais é razão de ser da ciência processual. A realidade do sistema de justiça brasileiro necessita de atenção premente. Importa lançar bases para essa empreitada de revisitação teórica, para que o direito processual passe a satisfazer finalidades diversas, não nos descurando dos fins já alcançados pelos processualistas do passado. O futuro do direito processual brasileiro é composto de desafios que necessitam de ser descortinados, a fim de que a gestão de conflitos de interesses passe a dar respostas aos problemas de forma efetiva, justa, tempestiva e acertada, a impor aos estudiosos uma abordagem que permita o afastamento da forma tradicional de compreensão do acesso à prestação jurisdicional, da jurisdição e da Teoria Geral do Processo. Realinhar entendimentos consagrados está no caminho de compreensão de Osna167, para quem o processo civil deve ser analisado de forma crítica, por ser uma obra em constante movimento. Essa disciplina possui como característica a maleabilidade, a flexibilidade, e deve se adequar às necessidades que existem ao seu redor. O autor afirma que é frequente o direito processual civil brasileiro encontrar legitimação em grandes conceitos, por exemplo, “direito de ação, devido processo, garantia do contraditório, acesso à justiça”, transformando todas elas em dogmas imutáveis, como se não fossem possíveis interpretações e leituras diversas168. Tendo em vista as considerações acima, forçoso reconhecer a importância de um renovado direito processual, que, seguramente, só poderá existir a partir dessa nova perspectiva de acesso à prestação jurisdicional e inafastabilidade da jurisdição, compatíveis com os meios autocompositivos, a fim de que uma nova e renovada cultura judiciária de consenso – em especial, o consenso pré-processual – prevaleça. 167 OSNA, op. cit., p. 43. 168 Ibid., p. 56-61. 74 Como observa Sidnei Agostinho Beneti169, Dizer o direito não exaure o dizer a justiça. A solução justa da controvérsia tanto pode provir da jurisdição legal, monopólio do Estado, como pode realizar-se por outros instrumentos de composição de conflitos, embora todos busquem a realização da justiça. Só a idolatria estatal, alimentada pela nociva ingenuidade científica ou pelo preconceito ideológico impermeável à razão, podem sustentar a crença de que o julgamento jurisdicional realizado pelo Estado seja sempre justo e que somente esse julgamento seja apto à realização da justiça no caso concreto. [...] Outras formas de jurisdição, adequadamente denominadas equivalentes jurisdicionais, podem à larga, agasalhar-se da equidade, revelando-se, de certa forma, de qualidade superior à jurisdição estatal na busca da realização da justiça. Não é de hoje que o direito processual, com o viés voltado ao acesso à prestação jurisdicional, para sobreviver, de tempos em tempos, ganha novos olhares e passa por reformulações. Exemplo disso foi o Movimento de Acesso à Justiça, surgido após a Segunda Guerra Mundial, a partir de pesquisas empíricas realizadas na década de 1960 pelo Projeto Florença. Fora publicado na década de 1970, por Mauro Cappelletti e Bryan Garth (que, no Brasil, ganhou o título simplificado de Acesso à justiça). Dentre outras questões, os autores apresentaram as suas “três ondas renovatórias do direito processual”, que vêm, desde então, sendo estudadas como sustentáculo do contemporâneo direito processual, não mais atrelado às vicissitudes do pernicioso formalismo, mas comprometido com as novas necessidades sociais e atento à permanente evolução da sociedade. Já se fala, hoje, em quarta e até em quinta onda170 de acesso à justiça, e importa destacar que já há um novo projeto de pesquisa de âmbito mundial sobre a temática – Global Access to Justice Project, a ser apresentado até meados de 2021171. 169 BENETI, Sidnei Agostinho. Resolução alternativa de conflitos (ADR) e constitucionalidade. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n. 9, jan./jul.2002. p. 104-105. 170 A quarta onda de acesso à justiça relaciona-se ao “valor justiça”, ou seja, como os operadores do direito interpretam o ordenamento jurídico em prol de ideais éticos e de uma democracia social, abrangendo os profissionais da área jurídica desde a sua formação. Notadamente, após a Segunda Guerra Mundial, acentuou-se a preocupação da comunidade internacional com o tema inerente aos Direitos Humanos e a aplicação da justiça no mundo globalizado. A quinta onda de acesso à justiça refere-se à ideia de globalização e Direitos Humanos. 171 O Global Access to Justice Project, o mais novo projeto acerca do acesso à justiça, tem como meta capturar dados, em escala global, de mais de 100.000 (cem mil) pessoas em 101 países (Insights globais sobre acesso à justiça 2019. World Justice Project. 2019. Disponível em: https://worldjusticeproject.org/our-work/research-and- data/global-insights-access-justice-2019. Acesso em: 04 jun. 2019). Outros tempos, novas abordagens, mas é fato que a revisitação de algumas premissas do Projeto Florença por certo ocorrerão, também sob a batuta de Bryan Garth, um dos coordenadores da nova pesquisa em andamento. 75 Portanto, para evitar a dogmatização excessiva de institutos processuais, salutar o enfrentamento da ciência processual – da qual sempre nos valeremos – com certa dose de temperança, a fim de que não nos atrelemos “a uma estrada de mão única” e inflexível172. Com propriedade, vaticina Cavaco173, acerca da ampla processualidade concebida com base nas lições de Fazzalari: não mais se justifica o aprisionamento metodológico e epistêmico de tal fenômeno às amarras da função jurisdicional. É preciso fomentá-lo de forma verdadeiramente ampla, com espectros de incidência a qualquer sorte de procedimentos decisórios, sejam eles estatais ou não estatais, já que o fenômeno processual não se esgota na mera atividade adjudicatória, para se espraiar para uma variadíssima gama de possibilidades.174 Nesse sentido, Cappelletti175: A velha concepção, ‘tolemaica’, consistia em ver o direito sobre a única perspectiva dos ‘produtores’ e de seu produto: o legislador e a lei, a administração pública e o ato administrativo, o juiz e o provimento judicial. A perspectiva de acesso consiste, ao contrário, em dar prioridade à perspectiva do consumidor do direito e da justiça: o indivíduo, os grupos, a sociedade como um todo, suas necessidades a instância e aspirações dos indivíduos, grupos e sociedades, os obstáculos que se interpõem entre o direito visto como ‘produto’ (lei, provimento administrativo, sentença) e a justiça vista como demanda social, aquilo que é justo. Acesso a justiça importa em meios legítimos, ou seja, instituídos por lei, para a solução de controvérsias. Não há em momento algum dessa experiência a pretendida correlação necessária com jurisdicionalização. Em suma, necessário atribuir juridicidade aos ditos procedimentos desjudicializados (métodos autocompositivos) inserindo-os em uma concepção mais abrangente de processo, em uma necessária relação entre desjudicialização, ampla processualidade e alargamento da concepção de processo justo para outras esferas que não as estritamente judiciais – um sistema pluriprocessual de enfrentamento de controvérsias – a que ele nomina de macrossistema de solução de controvérsias, à disposição da sociedade176. 172 “Necessário aproximar o ‘processo dos livros’ e o ‘processo da realidade’, fazendo com que ambos caminhem no mesmo passo. [...] Somente assim é possível evitar que o processo se assemelhe a um projeto arquitetônico encantador no papel, mas impraticável e repleto de pontos-cegos. Premente criar uma ponte entre a disciplina e suas necessidades concretas. É preciso criar um lastro entre o discurso teórico e a realidade.” (OSNA, op. cit., p. 58-59). 173 CAVACO, op. cit. 174 Não custa lembrar a revisitação dos institutos de Teoria Geral do Processo efetuadas pela professora Ada P. Grinover: “Jurisdição, na atualidade, não é mais poder, mas apenas função, atividade e garantia. Seu principal indicador é o acesso à Justiça, estatal ou não, e seu objetivo, o de pacificar com justiça. Este conceito de jurisdição abrange a justiça estatal, a justiça arbitral e a justiça conciliativa.” (GRINOVER, 2018, op. cit., p. 30). 175 CAPPELLETTI, Mauro. Algunas reflexiones sobre el rol de los estúdios processales en la actualidad. Revista de Processo, São Paulo, n. 64, p. 156, set. 1991. 176 Cavaco (op. cit.), em sua dissertação, propõe uma Teoria Geral do Procedimento – alargada à impositiva pluralidade de instâncias, em contraposição a uma teoria geral do processo aprisionada nas amarras de uma 76 Uma nova ordem na solução de conflitos se nos afigura, e disso decorre dizer que pontuais novas abordagens acerca da Teoria Geral do Processo são oportunas, a fim de que o direito processual, longe de se manter preso a um claustro epistemológico, possa se mostrar útil e instrumental, como fio condutor para a melhor solução de conflitos daqueles que dele se socorrem diuturnamente. 2.1 DIREITO DE AÇÃO Partindo-se dessa revisitação teórica, tendo em vista que a grande missão do direito processual é a prestação de justiça a quem necessita se socorrer de solução de conflitos instaurados, importante lançar notas teóricas acerca do direito de ação177. É certo que a maioria dos doutrinadores da ciência processual civil definem e analisam o direito de ação de acordo com a clássica teoria geral do processo, com sensíveis e diversos posicionamentos. Sabe-se, também, que a doutrina trilhou extenso caminho até reconhecer a autonomia do direito de ação, dissociada do direito material, relevante conquista para a consolidação da ciência processual. Leonardo Greco178 – para quem há vários “direitos de ação”, com diversos conteúdos (direito como direito cívico, ação como direito material, ação como direito ao processo justo, ação como direito à jurisdição – aqui se incluindo a necessidade do preenchimento das condições da ação) – faz consideração pertinente: o processo civil ainda não foi capaz de pacificar as incontáveis opiniões divergentes em torno da extensão do direito à jurisdição, mais amplo ou mais restrito em função do rol e do conteúdo dos pressupostos processuais e das condições da ação. jurisdição estatal que se pressupunha exclusiva. O centro argumentativo perpassa pela nuclear afirmação de que o processo se afigura um instrumento democrático de exercício do poder, seja estatal ou não, de modo que a teoria geral do processo abarca seus aportes tanto para o tridente das funções estatais (jurisdicional, legislativa e administrativa – processualização das três funções estatais, como para os métodos adequados de resolução de conflitos). Renegar a inserção desses métodos em uma teoria geral significaria renunciar a um trato científico sobre o tema. Afirma, em síntese, que existe vida fora do Judiciário, querendo, com isso, dizer que existe produção do Direito e do justo para além dos limites do Poder Judiciário. In verbis: “Enfim, acesso à justiça (englobado pelos métodos adequados de resolução de conflitos) e acesso ao Judiciário decididamente não podem ser confundidos, sob pena de se emprestar uma visão míope ao vetor constitucional do acesso à ordem jurídica justa plasmado no art. 5º XXXV da Carta Republicana” (2017, p. 195). Nessa linha de raciocínio: SALLES, op. cit., p. 201-217. 177 Faça-se uma consideração importante: não há de se confundir o “direito de ação” com a “ação” propriamente dita. Em outros termos, temos a “ação exercida” (a ação) em contraposição à “ação não exercida” (o direito de ação). A ação é o ato jurídico que também se denomina “demanda”, que se personifica no exercício do direito fundamental de ação. E do exercício do direito de ação resulta a chamada relação jurídica processual. 178 GRECO, Leonardo. A Teoria da Ação no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 2003. 77 Para parcela considerável dos doutrinadores, ação é direito (subjetivo, público, autônomo e abstrato) de invocar o exercício da função jurisdicional. Trata-se, portanto, de direito a acionar a jurisdição, inerte, desde que preenchidas as condições da ação, tópico a ser tratado com mais vagar no decorrer do presente capítulo. Sempre deve ser interpretada à luz do comando constitucional – por esse motivo, não é mais um direito concreto, ou seja, se garante apenas o acesso ao Judiciário, mas não a garantia ao reconhecimento do direito material envolvido no litígio. Segundo Arruda Alvim179, a ação é o direito constante da lei processual civil, cujo nascimento dependa de manifestação da nossa vontade. Tem por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da hipótese fático-jurídica nela formulada, à aplicação da lei (material). Câmara180, que possui entendimento bastante próprio acerca do conceito de ação, tendo em vista que firma seu posicionamento levando em consideração a teoria abstrata da ação181, defende que a ação não deve sequer ser encarada como direito subjetivo, e sim como poder jurídico. Por essa razão, seu conceito de ação: “poder de exercer posições jurídicas ativas no processo jurisdicional, preparando o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional”. Lamy e Rodrigues182 concebem o direito de ação como Direito instrumental e constitucional de efetivo acesso, não apenas ao processo, mas principalmente ao debate e à resolução do mérito dos feitos submetidos às formas processuais de resolução de conflitos, dentro das quais se considera já estar inserida a avaliação das condições da ação. Uma visão contemporânea, lastreada no direito constitucional (anteparo do atual direito processual civil), conceitua a ação como um direito à tutela jurisdicional ampla, efetiva, concreta, eficiente e útil, no sentido de instrumentalizar o direito material (relação jurídica de direito material) posta em juízo. Trata-se, pois, de um direito fundamental de conteúdo amplo e complexo. 179 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 11. ed. rev., ampl. e atual. com a reforma processual 2006/2007. São Paulo: RT, 2007. v. 1. p. 415. 180 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2014. v. 1. p. 144- 147. 181 Críticas lançadas à teoria abstrata demonstram que o grande mal desta teoria é permitir demandas temerárias e infundadas que acabariam por atravancar o Poder Judiciário e desprestigiar a função jurisdicional. Cada demanda desta espécie que chega à apreciação da justiça ordinária é uma demanda real a menos que é apreciada. Essa simples e óbvia constatação é suficiente para repelir uma abstração total. 182 LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Curso de Processo Civil de acordo com o projeto do novo CPC. In: LAMY, Eduardo de Avelar; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (coords.). Teoria Geral do Processo. 2. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. v. 1. p. 149. 78 Ressaltem-se, por oportuno à presente tese, ensinamentos de Pinho183, para quem, diante da convergência do aspecto técnico do processo às necessidades sociais, o direito de ação assumira – em nome da efetividade da prestação jurisdicional – uma “noção de freio às demandas inviáveis de modo a determinar o necessário equilíbrio entre o direito de acesso à justiça e a garantia da concreta eficácia dos direitos”. Para amparar a pesquisa em comento, no que se refere ao entendimento de que a ação deve, sobretudo, estar imbuída das características da efetividade, eficiência, celeridade e utilidade, ressalta-se posicionamento de Marinoni, Arenhart e Mitidiero184, in verbis: O direito fundamental de ação cria para o Poder Executivo um dever de dotação orçamentária, suficiente para propiciar ao Poder Judiciário a estruturação de órgãos judiciais em número adequado em relação à ‘demanda por justiça’, dotados de funcionários, equipamentos e tecnologias que viabilizem a eficiência da prestação jurisdicional. Sabe-se que a teoria eclética da ação prevalece no Brasil. Foi capitaneada por Enrico T. Liebman, que, durante os anos em que viveu no Brasil, na década de 1940, começou a sistematizá-la, tendo sido tal teoria definitivamente desenvolvida quando de sua volta à Itália. Sem deter considerações de alta envergadura acerca da teoria em apreço, é certo que, para Liebman, a ação tem natureza abstrata – a ação existe ainda que o demandante não seja titular do direito material que afirma existir. Difere, porém, da teoria abstrata da ação, por considerar a existência de uma categoria estranha ao mérito da causa, denominada “condições da ação”, as quais seriam requisitos de existência do direito de agir. Para essa teoria, portanto, o direito de ação só existe se o autor preencher tais “condições”, devendo o processo ser extinto, sem apreciação do mérito, se alguma delas estiver ausente (carência de ação). As condições da ação são exatamente a ponte entre uma hipótese completamente abstrata e outra, concreta, realmente existente185. 183 PINHO, op. cit., p. 182-183. 184 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 124. 185 Ao ter diante de si um pedido de provimento jurisdicional tendente a um bem da vida concreto ou abstrato, material ou imaterial, o magistrado, ao analisar as condições da ação, levando em conta a hipótese concreta, fará a seguinte pergunta: Este sujeito postulante, pedindo o que pede frente ao ordenamento jurídico, tendo uma configuração de necessidade-utilidade do provimento conforme a situação que se apresenta, se lograr provar os fatos que afirma, poderá ter guarida do seu pedido frente ao direito posto? Se a resposta for afirmativa se passa à apreciação do mérito. Caso contrário, se dá pela carência de ação porque a postulação se mostra fora da conformação requerida para que seja apreciada no provimento final. 79 Segundo Câmara186, a teoria eclética, embora permaneça dominante, sofreu alterações que a fizeram se distanciar da concepção original formulada por Liebman. Autores mais modernos afirmam que as “condições da ação” não são requisitos de “existência” daquele direito, mas sim do seu “legítimo exercício” (por exemplo, Barbosa Moreira187). Afirmam esses autores que o direito de ação, como qualquer posição jurídica de vantagem, pode ser exercido de forma legítima ou de forma abusiva. As condições da ação, seriam, então, os requisitos do legítimo exercício da ação, e a carência da ação deverá ser vista não mais como inexistência, mas como abuso do direito de ação. 2.2 TEORIA DA AÇÃO: PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO Desde tempos imemoriais, as teorias sobre o direito de ação188 refletem a evolução por que passou o direito processual. Ainda que de forma abreviada, importa ressaltarem-se as teorias acerca da natureza do direito de ação, a polêmica entre Windscheid e Muther ou entre Carnelutti e Liebman, passando pela obra fundamental de Oskar Von Bulow (Teoria das exceções dilatórias e dos pressupostos processuais189), que, segundo Cândido Dinamarco190, é a obra que sinaliza o início do direito processual científico, já que é nesse livro que se vê rompida a relação de estrita dependência que prendia os institutos do processo ao direito privado (com a teoria da relação jurídica processual, de natureza nitidamente pública), que subordinava a ação a pressupostos processuais muito diferentes daqueles exigidos para a relação de direito material191. 186 CÂMARA, op. cit., p. 144. 187 Referência. 188 Em apertada síntese, pode-se dizer que as principais teorias acerca do direito de ação são: I) teoria civilista ou imanentista – a ação seria um mero apêndice do direito material – um efeito, uma decorrência do próprio direito material (o “direito material inflamado” – Savigny); II) a polêmica Windscheid x Muther, que acabou por reconhecer a independência do direito de ação, ainda que não autônomo; III) Teoria da Ação autônoma e concreta, da lavra de Adolf Wach; IV) Teoria da Ação como direito potestativo, do começo do século XX, propugnada por Giuseppe Chiovenda; V) Teoria da Ação como direito abstrato (Degenkolb e Plosz); VI) Teoria eclética da ação: ação abstrata e condicionada, da lavra de Enrico Tullio Liebman, nos anos 1930, quando então surgiram as chamadas condições da ação, que, se preenchidas, dariam ensejo a uma sentença de mérito, ainda que nem sempre favorável ao autor. 189 BULOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Tradução e Notas de Ricardo Rodrigues da Gama. Campinas: LZN, 2003. 190 DINAMARCO, 2000, op. cit., p. 820-822. 191 “Costumava-se dizer, apenas de relações de direito privado. A estas, no entanto, não menciona o processo. Visto que os direitos e obrigações processuais aplicam-se entre os funcionários do Estado e os cidadãos, desde que se trata no processo da função dos oficiais públicos e uma vez que as partes são levadas em conta unicamente no aspecto de seu vínculo e cooperação com a atividade judicial essa relação pertence, portanto, a uma relação jurídica pública.” (BULOW, Oskar von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Tradução e Notas de Ricardo Rodrigues da Gama. Campinas: LZN, 2003. p. 5-6). 80 A doutrina brasileira, em especial, reconhece a valiosa contribuição de Liebman, o processualista milanês que cooperou sobremaneira para a criação da Escola Paulista de Direito processual e é o autor da Teoria Eclética da Ação, a qual o Brasil se filiou. A teoria de Liebman, em apertada síntese, forneceu subsídios para a harmonia razoável entre direito material e processo – ao visualizar a ação como direito a uma sentença de mérito – seja ela de procedência ou não. De acordo com as lições de Marinoni, Arenhart e Mitidiero192, Liebman distingue o direito de ação, garantido constitucionalmente, e a ação delineada pela legislação ordinária, ambas voltadas contra o Estado. Liebman, inicialmente, afirmou que esta última tem como requisitos a legitimidade para agir, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, tendo posteriormente alterado seu posicionamento, na medida em que a possibilidade jurídica do pedido deixou de ser uma mera condição da ação e passou a integrar o mérito193. Ou seja, a ação seria um direito ao processo – a todos assegurado constitucionalmente – e a um julgamento de mérito – assegurado apenas a quem preencher as suas condições. A ação, na sua concepção, não depende de uma sentença favorável, mas existe apenas quando as condições da ação estão presentes. Na falta de uma das condições da ação, não há ação e exercício de jurisdição, pois entre a ação e a jurisdição, segundo Liebman, existe exata correlação, não podendo existir uma sem a outra.194 Lições preciosas de Barbosa Moreira195 nos ensinam que, no Brasil, se adotaram dois planos preliminares que a cognição judicial necessita percorrer até conseguir atingir o chamado mérito da causa, quais sejam, os pressupostos processuais (que a doutrina costuma dividir em pressupostos de existência e pressupostos de validade) e as condições da ação. Nossa tradição doutrinária filiou-se à sistematização italiana, que faz a diferenciação entre pressupostos 192 MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, op. cit. 193 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. Ainda, em alusão ao Código de Processo Civil de 1973, Érico Andrade, in verbis: Essa condição (possibilidade jurídica do pedido) “nunca foi acolhida na Itália, e seu criador, Enrico Tulio Liebman, veio posteriormente alterar seu pensamento e desconsiderar a possibilidade jurídica do pedido como condição autônoma. Não obstante, no Brasil, curiosamente, manteve-se o pensando original de Liebman e permaneceu a referência no CPC à possibilidade jurídica do pedido como uma das condições da ação.” (ANDRADE, Érico. O mandado de segurança: a busca da verdadeira especialidade (proposta de releitura à luz da efetividade do processo). Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010. p. 487-489.). 194 LIEBMAN, Enrico Tullio. L’azione nella teoria del Processo Civile. Problemi del Processo Civile. Napoli: Morano Editore, 1962. p. 46-47. 195 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sobre os Pressupostos Processuais. Temas de Direito Processual (Quarta Série). São Paulo: Saraiva, 1989. p. 83-84. 81 processuais e condições da ação (diversamente do sistema alemão, em que não há a pormenorização tripartite destacada). A existência dessas duas categorias-requisitos (pressupostos e condições) ligam-se historicamente à autonomia da chamada “relação jurídica processual”, prenunciada pela clássica obra de Oskar Von Bulow196. A autonomia entre a relação jurídica material e a relação jurídica processual deu ensejo a que se estabelecessem os pressupostos processuais desta última, que lhe condicionam a própria existência197. Há autores que, ao estudarem a categoria pressupostos processuais tendo como base o ordenamento jurídico brasileiro, fazem a ressalva doutrinária de que pressupostos seriam somente os pertinentes ao plano da existência, seguindo entendimento de Von Bulow e de Pontes de Miranda, e não os da existência, validade e eficácia. Liebman, por exemplo, sustentou que a ausência de pressuposto processual acarreta a invalidade do processo, e não a sua inexistência. Em resumo, assevera Barbosa Moreira198: “[...] O julgamento do mérito, em sentido favorável ou desfavorável ao autor, postula sempre a concorrência dos pressupostos processuais. É firme, na doutrina e na prática, a noção de que a ausência de qualquer deles inibe o órgão judicial de lançar-se à análise do litígio”. Guerrero199 informa que Para os italianos, a falta de um dos pressupostos processais não impede a constituição do processo; apenas faz com que o juiz deixe de apreciar o mérito, embora permaneça para ele o poder-dever de declarar as razões pelas quais se abstém de prover o mérito. Mais recentemente, verificou-se que os italianos, assim como os brasileiros, optaram por uma linha de raciocínio em que se evita falar em validade da relação jurídica processual, mas sim de sua viabilidade, justamente por se tratar de um conceito de mais fácil aplicação ao processo como um todo.200 196 BULOW, op. cit. 197 Bulow, ao tratar da relação jurídica processual, faz a ressalva: “Um erro em qualquer das relações indicadas impediria o surgimento do processo. Em suma, nesses princípios estão contidos os elementos constitutivos da relação jurídica processual” (op. cit., p. 9). 198 BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 90. 199 GUERRERO, Luis Fernando. Efetividade das Estipulações voltadas à instituição dos Meios Multiportas de Solução de Litígios. 2012. 256 f. Tese (Doutorado em Direito) – Departamento de Direito Processual. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. p. 101. 200 Nesse sentido, Marinoni, Arenhart e Mitidiero: “[...] De modo que as condições da ação somente podem ser requisitos de viabilidade do exame do pedido. Esses requisitos têm relação com o mérito, e, dessa forma, não podem ser considerados requisitos para a existência da ação. Tais requisitos são os primeiros degraus ligados à apreciação do mérito – e, nessa direção, para a tutela do direito” (op. cit., p. 211-212). 82 A despeito de posicionamentos doutrinários diversos, pode-se perceber que a clássica Teoria Geral do Processo sempre estipulara pressupostos e condições para o direito de acionar o Poder Judiciário de forma adjudicada, dando a entender que a única forma de solução de conflitos permitida se encontra no processo judicial. Toda e qualquer obra doutrinária de direito processual/teoria geral, salvo exceções, ao explicar o direito de ação, o faz nessa única perspectiva, mormente quando se explicitam detalhadamente as condições de ação201. Diante do abreviado histórico dogmático do direito de ação, não é demasiado perguntar: estar-se-á diante de um direito subjetivo, como tantos outros, ou de um imperativo processual? Fez-se ao direito de ação um pedestal majestoso, (quase) sacramental, praticamente imutável, impondo-se-lhe o cumprimento de pressupostos e condições, tal qual classicamente vem sendo esmiuçado pela doutrina, que, a despeito de serem importantes e salutares, se não relidos e reinterpretados, só servirão para estimular a propositura desmesurada de demandas na justiça estatal. O direito de ação, à força de ser invocado de envolto com proposições (ufanistas e irrealistas) de uma judiciabilidade plena, geral e difusa, foi sendo gradualmente tomado como um dogma ou mesmo uma cláusula pétrea, ora visto como um apanágio do Estado Democrático, ora como forma de participação na gestão da coisa pública por intermédio da justiça, ora, enfim, como manifestação de cidadania.202 Segundo preleciona Mancuso, todo esse arcabouço doutrinário que compõe o envoltório do direito de ação contribuiu para o estímulo a uma percepção adversarial do processo (a ação como “o direito em pé de guerra”), e, em contrapartida, desestimulou a procura por outros meios, auto e heterocompositivos, aumentando a contenciosidade social, que resultou na cultura demandista disseminada pelo país, projetada que está na crise numérica de processos que assola o Poder Judiciário nacional203. 201 Cumpre informar que alguns processualistas brasileiros, diante do atual Código de Processo Civil, já não mais condicionam a ação. Vozes expressivas da doutrina dizem que a categoria das condições da ação teria sido extinta pela nova ordem processual. Não mais se valem da expressão “condições da ação” – por todos, vide Fredie Didier Jr., um dos primeiros a fazer considerações nesse sentido na atualidade. Vê-se que o legislador não utilizou o termo “condições da ação”, tampouco mencionou a possibilidade jurídica do pedido, ambos tratados no Código de Processo Civil de 1973. Em sentido inverso, vozes se contrapuseram, sustentando que as condições da ação estão mantidas no atual CPC, sendo discussão despicienda, por se tratar de questão de mera nomenclatura. 202 MANCUSO, 2011, op. cit., p. 215. 203 Razão pela qual o autor conclama a que estudiosos da questão judiciária nacional podem e devem ofertar o reexame de antigos conceitos, institutos e categorias processuais, por meio de critérios consistentes, absolutamente necessários à compreensão do objeto considerado, a fim de que possam ser ofertadas propostas de alteração de entendimento acerca deles. O direito processual, por ser precipuamente instrumental, deve ser estudado e analisado sem generalizações e sem que se agreguem elementos estranhos ao núcleo desses institutos e categorias. 83 Contemporaneamente, Ada P. Grinover204, ao rever os institutos de Teoria Geral do Processo, afirmara que a jurisdição é composta pela justiça estatal, arbitral e conciliativa; nessas circunstâncias, “a ação, por sua vez, torna-se cada vez mais abstrata, pois são processo e procedimento instrumentais ao direito material, e não ela. Perde sua centralidade no sistema, pois pode haver jurisdição sem ação. Transforma-se em apenas num dos tantos meios utilizáveis para o acesso à justiça”. Parcela considerável da doutrina processual brasileira está a fazer uma releitura do acesso à prestação jurisdicional. Perante a crise judiciária, não há como processualistas ficarem inertes, assistindo a essa imensidão de demandas desmesuradas e desnecessárias, as quais, grosso modo, vilipendiam o Poder Judiciário. Coibir o abuso do direito de demandar impõe-se; e esse “refrear de excessos” e racionalização da garantia constitucional de inafastabilidade da jurisdição passa inevitavelmente pelo proposto no presente trabalho, na medida em que: A via judicial não é – nem convém que seja – o remédio único para qualquer tipo de interesse resistido, contrariado ou insatisfeito, nem deve, em linha de princípio, protagonizar a cena jurídica, mas, ao contrário, deve preservar-se como função estatal de índole substitutiva, operando, em certos casos, sob um registro residual ou subsidiário.205 Decerto que reler institutos implica os dotar de condições mínimas para que se justifique uma nova abordagem. Nesse sentido, municiar tais institutos de objetividade, racionalidade e credibilidade, a fim de que esse reexame seja coerente e de fato útil à sociedade. Passar em releitura o direito de ação, bem como as condições da ação, em especial, o interesse de agir, está em consonância com os fins precípuos do atual sistema de justiça, do próprio Poder Judiciário – a quem incumbe traçar metas e diretrizes e políticas públicas voltadas ao seu entorno – e, por certo, ao direito processual, que não pode se negar a encarar as reais necessidades de quem se socorre, diuturnamente, de suas teorias, institutos e especificidades. Para que não pairem dúvidas de que não se está, aqui, tão-só a tecer críticas ao sistema de justiça, apenas para justificar as premissas da tese em apreço, lições de José Joaquim Calmon de Passos206: [...] A vida social pede instituições que inviabilizem ao máximo resultados negativos. Se eles existirem, o que cumpre, com urgência urgentíssima, é repensar as instituições, de modo a torná-los impossíveis de ocorrer. A sábia 204 GRINOVER, 2018, op. cit., p. 5. 205 CAVACO, op. cit., p. 110. 206 PASSOS, op. cit., p. 3. Grifos nossos. 84 oração que é o Pai Nosso tem, já quase ao seu fim, uma frase que deveríamos sempre ter presente em nossa consciência. Depois de com ela se pedir ao Pai a vinda do seu Reino, a efetividade de sua vontade, a satisfação de nossas necessidades e a fraternidade na convivência humana, arremata-se com uma súplica que, se desatendida, tornará inviável tudo quanto pedido antes – não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Tudo quanto pedido ficará inalcançado se as tentações, a cada passo, atropelarem os nossos bons propósitos. Nossas forças nunca são bastantes para impedir-nos de ceder as tentações se com elas nos depararmos a cada passo em nosso caminhar. Cumpre, portanto, evitá-las. E o que evita cair em tentação, na vida social, é termos instituições que nos livrem do mal. Se elas inexistirem, cumpre porfiar por que passem a existir. E sabemos que elas não existem quando os bons têm que se fazer heróis para não cair em tentação e os fracos vivem permanentemente sob sua ação nefasta. Quando blateramos contra o modo pelo qual as coisas se passam, hoje, no Brasil, em termos de Poder Judiciário, não estamos enlameando este espaço da atividade pública, fundamental para a saúde democrática de qualquer povo, antes colocâmo-la em lugar privilegiado, fazendo-a objeto de nosso cuidado, porque desejamos vê-la livre de cair em tentação e liberta de todo o mal. Amém. Com Mancuso207, a gestão e a prevenção de conflitos judiciários passam pelo repensar do conteúdo e do sentido do direito de ação e suas condições, numa concepção atualizada e contextualizada de verdadeiro acesso à jurisdição, já que os meios consensuais não querem concorrer com a justiça adjudicada estatal, mas se preordenam a com ela conviver, numa verdadeira jurisdição compartilhada. 2.3 INTERESSE DE AGIR E PRETENSÃO EFETIVAMENTE RESISTIDA Considerando, portanto, o outrora explicitado acerca das condições da ação – requisitos indispensáveis para o efetivo e válido exercício do direito de ação, tratar-se-á de uma das condições, qual seja, o interesse de agir. Segundo preleciona Cabral208: Embora lembre o adágio romano de minimis non curat praetor, a origem do interesse de agir é francesa, onde a figura surgiu historicamente nos brocardos ‘pas d'intérêt pas d'action’ e ‘l'intérêt est la mesure des actions’, uma máxima que pretendia impedir que questões ociosas ou que poderiam ser resolvidas no corpo social fossem trazidas ao Judiciário, degradando a função judicial ao papel de um mero consultor das partes privadas. 207 MANCUSO, 2011, op. cit. 208 CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do Processo, legitimidade ad actum e zonas de interesse: sobre a migração entre polos da demanda. In: ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz. (org.). 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil. Passado, presente e futuro. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 56. 85 O interesse de agir, também chamado de interesse processual, não se confunde com o interesse de direito material, ou interesse primário, que o pretenso demandante deseja fazer valer em juízo. Misael Montenegro Filho209, além de informar que o interesse de agir é questão processual de ordem pública, do interesse do Estado, não apenas do autor e do réu – razão pela qual o magistrado pode (e deve) apreciá-las de ofício, independentemente de provocação do interessado – reconhecendo a carência de ação (§ 5º, do art. 337, e § 3º, do art. 485), conceitua- o: O interesse processual sempre esteve atrelado ao binômio necessidade- utilidade do provimento jurisdicional solicitado pelo interessado. Isso significa que o autor deve comprovar a existência do conflito de interesses e a impossibilidade de resolvê-lo extrajudicialmente, através da acomodação e/ou da conciliação, solicitando a intervenção do representante do Poder Judiciário. Segundo Câmara210, o interesse de agir é verdadeira “utilidade do provimento jurisdicional pretendido pelo demandante”; desse conceito, extrai-se a absoluta necessidade de atuação do Estado, para que se faça, efetivamente, útil, na medida em que “Tal atividade inútil estaria sendo realizada em prejuízo daqueles que realmente precisam da atuação estatal, o que lhes causaria dano (que adviria, por exemplo, do acúmulo de processos desnecessários em um juízo ou Tribunal)”. Câmara, portanto, joga luz sobre a relação entre o interesse de agir a utilidade real da atuação estatal. Arruda Alvim211, em clássica obra, nos ensina que O interesse que autoriza o ajuizamento da ação deverá ser o interesse processual e não qualquer interesse. Isto é, uma vez proposta a ação, deverá ficar evidenciado, desde logo, que o processo é – possivelmente – o único caminho juridicamente idôneo à proteção do direito substancial afirmado. É, pois, a imprescindibilidade do uso do processo, que há de se ostentar, sob pena de, não demonstrando isso o autor, não vir a ter a possibilidade de gozar do seu direito substancial [...]. E é isso que dá corpo ao interesse processual. Ocorrerá o interesse de agir quando a satisfação do interesse substancial não puder ser alcançada sem o recurso da autoridade judiciária. Segundo parte considerável dos 209 MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018. p. 58. 210 CÂMARA, op. cit., p. 151. 211 ALVIM, 2007, op. cit., p. 325. 86 doutrinadores, há de se respeitar o trinômio necessidade, utilidade e adequação Ou seja, necessidade: se não foi possível satisfazer o interesse do autor de maneira a não judicializar a lide, vê-se que estamos diante do critério da necessidade; e adequação: relação existente entre a situação que está sendo reclamada pelo autor em juízo e o provimento jurisdicional concretamente solicitado212. Ou seja, utilidade do provimento; necessidade de intervenção judicial e adequação da via processual. Para Cabral213 – para quem não parece haver muita clareza a respeito da efetiva diferença do interesse-necessidade para o interesse-utilidade – o caminho trilhado pelo interesse de agir-utilidade seguiu os passos do princípio da economia processual e da visão do juízo, ou seja, tem-se “uma perspectiva focada na inevitabilidade do processo, um extremo remédio acessível apenas quando o sujeito não tenha um meio extrajudicial para a satisfação do direito”. E arremata: O requerente não poderia pretender uma providência que, mesmo se acolhida, o colocasse na mesma posição processual em que se encontrava ante litem. Nem se poderia acionar o Judiciário para a apreciação de uma questão se houver um meio judicial ou extrajudicial mais barato, simples ou rápido para resolver a questão.214 Dinamarco215 aduz que o interesse de agir também pode ser chamado de legítimo interesse processual de agir. Ademais, só há o interesse-necessidade, quando, sem o processo e sem o exercício da jurisdição, o sujeito seria incapaz de obter o bem desejado216. Veja-se, a propósito, Pinho, ao tratar da questão da necessidade, utilidade e proveito da tutela, sob o 212 “O interesse processual ou interesse de agir refere-se sempre à utilidade que o provimento jurisdicional pode trazer ao demandante. Para a comprovação do interesse processual, primeiramente, é preciso a demonstração de que sem o exercício da jurisdição, por meio do processo, a pretensão não pode ser satisfeita. Daí surge a necessidade concreta da tutela jurisdicional e o interesse em obtê-la (interesse-necessidade). A necessidade surge da resistência do obrigado no cumprimento espontâneo do que foi pactuado ou determinado por lei ou ainda em decorrência da indispensabilidade do exercício da jurisdição para a obtenção de determinado resultado. Essa última situação ocorre nas chamadas ações constitutivas necessárias nas quais o exercício da jurisdição para a obtenção do resultado pretendido é indispensável. Não se pode anular um matrimônio, por exemplo, sem a propositura de demanda judicial direcionada à obtenção do resultado pretendido.” (LUCON, Paulo Henrique. Interesse Processual. Migalhas. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI263829,101048- Interesse+processual. Acesso em: 20 jan. 2019). 213 CABRAL, op. cit., p. 58. 214 Ibid., p. 59. 215 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. v. II. p. 310-311. 216 A propósito, Pontes de Miranda: “O indivíduo, ou tem direito subjetivo, ou pretensão, ou não no tem. O indivíduo, ou tem ação, ou não na tem. Se tem ação, ou a lei lhe dá o uso dos remédios jurídicos processuais ordinários, ou não lho dá. Desde que o indivíduo tem ação, pode acionar, desde que não a tem, não pode acionar. A tautologia ressalta.” (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. arts. 1º ao 45. 5. ed. rev. e atual. Atualização legislativa de Sergio Bermudes. Rio de janeiro: Forense, 1999. t. I. p. 119). 87 argumento de que “não convém ao Estado acionar o aparato judicial sem que dessa atividade possa ser extraído algum resultado útil”.217 E, mais à frente, adiciona, acerca da ausência de pretensão resistida da parte contrária: Note-se que a jurisprudência vem evoluindo no que tange à avaliação do interesse de agir no caso concreto. Veja-se por exemplo o caso das ações de revisão de benefício previdenciário sem a prévia provocação ao INSS na instância administrativa. [...] Nesse sentido, em regra, a falta de postulação administrativa de benefício previdenciário resulta em ausência de interesse processual dos que litigam diretamente no Poder Judiciário. Isso porque a pretensão, nesses casos, carece de elemento configurador de resistência pela autarquia previdenciária à pretensão. Assim sendo, se não há conflito, não há lide e, dessa forma, não existe interesse de agir nessas situações.218 Greco219 entende que As condições da ação são requisitos de existência do direito ao exercício da função jurisdicional sobre determinada pretensão de direito material. Sem elas, as partes não podem ter direito à jurisdição, a um provimento jurisdicional que possa vir assenhoreá-las do bem da vida postulado. À sua falta, a movimentação da máquina judiciária seria abusiva e ilícita, pois são elas que justificam e fundamentam a necessidade da intervenção judicial nas relações jurídicas entre particulares e entre estes e o Estado. A clássica Teoria Geral do Processo também nos ensina acerca da forma de aferição das condições da ação, evidenciando-se duas correntes: uma “concretista”, que exige a demonstração da presença das condições da ação, cabendo, inclusive, produção de prova para comprovação da presença das condições; e a corrente “abstracionista” (conhecida como teoria da asserção), segundo a qual a verificação da presença das condições da ação se dá tão somente à luz das afirmações lançadas na petição inicial, devendo o juiz admitir que todas as afirmações do autor são verdadeiras. 217 PINHO, op. cit., p. 194. 218 Ibid., p. 195. Entendimento assemelhado de Rodrigues: “Quando propomos uma demanda é porque temos uma necessidade concreta (resultante da insatisfação ou resistência a uma pretensão) e porque julgamos que essa necessidade só pode ser satisfeita com um ´provimento jurisdicional, que aliás solicitamos ao Poder Judiciário. [...] no interesse processual o bem que reputamos apto a satisfazer a nossa necessidade concreta é justamente o provimento pleiteado.” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo, RT, 2003. v. 1. p. 239.). 219 GRECO, 2003, op. cit., p. 19. 88 Adianta-se um passo apenas para dizer que a teoria da asserção, notadamente da forma como encampada pela doutrina brasileira, não satisfaz (o que poderá ser compreendido nas páginas seguintes do presente capítulo), em especial, quando da análise do interesse de agir. Em suma, eis o retrato do interesse de agir e da pretensão resistida, nos moldes aventados pela maioria dos doutrinadores nacionais. Entretanto, para que possamos apresentar um esboço teórico prévio acerca da leitura que se deva fazer acerca do interesse processual, importa ultrapassar conceitos sedimentados, a fim de fazer prevalecer o que se propõe no presente trabalho. Impõe-se à real conjuntura da máquina judiciária brasileira – sabidamente marcada pelo crescimento exponencial das demandas judiciais, aliada à falta de estrutura funcional e material para conseguir escoar e solucionar esse avolumado processual – prestigiar os métodos consensuais de solução de conflitos. Para tanto, não há mais como negar o realinhamento do acesso à prestação jurisdicional, nos moldes ora propugnados, alinhados à revisitação do interesse de agir, conforme a seguir se poderá aferir. O artigo 5º, XXXV, da CF/88, como já dito alhures, não significa que a inafastabilidade da jurisdição tenha o jurisdicionado como destinatário primeiro e último. Ao contrário, não exprime uma “potencialização do direito de ação”, mas sim uma válvula de segurança do sistema, a fim de conter o poder legislativo (além do fato de que não temos, no Brasil, um contencioso administrativo, e sim uma justiça unitária). De acordo com Salles220: O atual conteúdo da cláusula constitucional não pode ser entendido apenas sob a ótica da vedação constitucional. Deve se considerar também o aspecto da obrigação de prestação de serviço pelo Estado. Nesse sentido, a garantia adquire uma feição prestacional. Isto é, não de simples garantia passiva, mas de uma prestação a ser ativamente prestada pelo Estado. [...] Esse enfoque permite um alargamento do entendimento dos mecanismos alternativos de solução de controvérsias diante da garantia da inafastabilidade. Quer dizer, eles deixam de ser considerados formas de exclusão ou limitação da jurisdição estatal para passar a serem vistos como instrumentos auxiliares desta última no atingimento de seu objetivo de prestar universalmente serviços de solução de controvérsias. Vistos dessa maneira, os mecanismos alternativos não concorrem com a jurisdição estatal, mas a ela se somam, propiciando novos canais para dar efetividade à garantia de prestação do serviço Judiciário. Em outras palavras, o artigo 5º, XXXV, da CF/88, não tem o condão de aguçar, intensificar o direito de ação perante a jurisdição estatal heterônoma e adjudicada. A contrario 220 SALLES, op. cit., p. 782. 89 sensu, faz-se necessária uma nova mirada, a de que determinado conflito pode – e deve – ser acertado/prevenido por outras vias, que não a justiça ordinária, levando em conta a essência da acepção do instituto do interesse de agir, que pressupõe a real necessidade/utilidade da justiça adjudicada. Em meio a uma crise judiciária, não deve passar despercebida uma das principais funções da ciência processual: a de colaborar para com o efetivo e coerente funcionamento dos serviços de justiça. Dizer que as condições de ação são verdadeiras “peneiras” que têm a função de separar o direito desmesurado de pedir algo em juízo do direito de acionar o Judiciário somente se for, de verdade, útil e necessário, é compreender que o acesso à prestação jurisdicional não é absoluto. Considera-se esta, aliás, a função e a razão de ser das condições da ação e, por óbvio, do interesse de agir221, mormente se analisado sob o prisma da Teoria Concretista. Debelar crises nunca foi tarefa simples. E subjugar os problemas e entraves que provocaram a crise judiciária nacional é tarefa bem mais do que complexa, que importa uma conjunção de fatores que refoge ao tratado no presente trabalho, ao menos na sua inteireza. Todavia, se o sistema está em crise, a busca por sua erradicação importa dose acertada de bom senso, discernimento e percepção de que se deve buscar um nível de litigância (perante a justiça adversarial) próxima de padrões socialmente desejáveis, e não o que, infelizmente, se observa no sistema judiciário brasileiro, tragicamente inundado por milhões de demandas desnecessárias, frívolas, que bem poderiam ter sido compostas pelas outras portas ofertadas no próprio Poder Judiciário ou fora dele. A propósito, vale destacar: Por ello, no pretendemos justificar las bondades de las formas autocompositivas de resolución de conflictos partiendo de la mera crítica de las formas heterocompositivas y, sobre todo, del congestionamiento de la Administración de Justicia. No queremos caer en la trampa de que, por ejemplo, para ensalzar la mediación, nos limitemos a resaltar las insuficiencias del proceso. Tanto las formas heterocompositivas como las autocompositivas presentan unas ventajas y unos inconvenientes. Se trata de saber extraer el mejor aprovechamiento de cada una de ellas atendiendo a diversas variables 221 “Numa perspectiva de futuro, é de se augurar que o próprio interesse de agir venha configurado a partir da demonstração do prévio esgotamento de outros meios preordenados à resolução da controvérsia (como hoje se passa na seara desportiva: CF/1988, art. 217, e §1º), ou, então, que o conflito, por peculiaridades de matéria ou de pessoa, ou pela complexidade da crise jurídica, reclame efetiva passagem judiciária, o que colocaria a função judicial do Estado sob um registro subsidiário ou residual, em ordem a preservar o Judiciário e evitar sua banalização ou utilização desnecessária. Nesse sentido, não é demasiado lembrar que o interesse de agir, como condição da ação, reclama utilidade e a necessidade do acesso à Justiça, validando inferir que, antes da submissão da controvérsia aos meios suasórios, auto e heterocompositivos, a rigor não se justifica a judicialização.” (MANCUSO, 2014, op. cit., p. 61-63). 90 tales como el tipo de conflicto de que se trate, el procedimiento de gestión del mismo y la autonomía y la capacidad de las partes para gestionar su conflicto. Estas fórmulas, en comporación con el proceso, toman un punto de partida diferente, siguen un procedimeinto diverso y llegan también a un resultado distinto del que se obtendría siguiendo el proceso. La verdadera clave del cambio es la de promover una revolución pacificadora.222 É inadiável lembrar as lições de Liebman, para quem as condições da ação não devem ser aferidas apenas em razão da simples afirmação do autor (in status assertionis), mas sim da verdadeira situação trazida à apreciação. Importa, pois, ir além da análise do interesse de agir in status assertionis – em suma, avançar para avivar, reforçar e requalificar esse instituto. Enobrecê-lo é consequência direta da revisitação conceitual e legal sustentada na presente tese, para que se possa ir além da simples análise propugnada pela teoria da asserção (que recomenda que o exame das condições da ação deva ser feito em abstrato – in status assertionis –, levando-se em conta tão só as afirmações, assertivas que o autor faz em sua petição inicial). Importa, pois, levar em conta da teoria concretista, que exige a demonstração cabal do interesse de agir. A permanecer inalterada a legislação, segundo a qual o interesse de agir fique adstrito tão só à narrativa do demandante, sem se preocupar com a real, efetiva, factual passagem por outras vias para solução de determinada lesão ou ameaça de lesão a um alegado direito, – em especial, pela consensualidade pré-processual – não se poderá promover uma mudança de paradigma no processo civil brasileiro. Em suma, desfazer-se de certas premissas teóricas para que estigmas e dogmas possam ser superados. Fomos levados a crer que o interesse de agir fosse assim analisado – em abstrato –, o que provocou uma judicialização desmedida que causa embaraços de toda sorte a quem se predispõe a fazer uma análise, ainda que perfunctória, acerca do nosso sistema de justiça. A prevalecer o entendimento do interesse de agir nesses moldes, isto é, sem legislação que passe a ler essa condição da ação de modo desconexo com o aparato dos meios autocompositivos, mais precisamente, da conciliação – perde-se a chance de revitalização da presente condição da ação, que necessita, concretamente, em situações passíveis de composição, da comprovação da prévia esgotadura de outros meios de composição de conflitos (ofertados, inclusive, pelo Poder Judiciário), tornando obsoleta, por exemplo, a criação e a instalação dos NUPEMECs (Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de 222 MARTÍN, Núria Belloso. Um paso más hacia la desjudicialización. la Directiva Europea 2008/52/CE sobre mediación en asuntos civiles y mercantiles. Revista Eletrônica de Direito processual REDP, v. 21. n. 2, 2020. p 268. 91 Conflitos), dos CEJUSCs (na Justiça Estadual), bem como dos GABCONs (Gabinetes de conciliação) e CECONs (Centrais de Conciliação), ambos na Justiça Federal223 – e, em ambas (as Justiças Federal e Estadual) o Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual224. Para não falar das Câmaras Privadas de Solução de Conflitos Extrajudiciais, Câmaras Públicas de Prevenção de Conflitos, e as plataformas digitais que disponibilizam autocomposição digital. Não se pretende, com isso, esvaziar as garantias de acesso do cidadão ao Poder Judiciário formal. Ao contrário, a finalidade é qualificar esse acesso, que atualmente é ilusório, uma vez que já não cumprida, a contento, uma prestação jurisdicional célere, efetiva e eficiente. Portanto, promover a utilização prévia de métodos consensuais não gera limitações na garantia de acesso à prestação jurisdicional, já que é plenamente possível concertar a garantia constitucional com a passagem obrigatória pelo pré-processual, desde que obedecidas algumas regras e exceções adiante descritas. Só assim se pode falar em justo e adequado acesso à jurisdição.225 O acesso à prestação jurisdicional não mais deve ser visto como algo absoluto, imutável, intransponível. Não só em razão da racionalidade, mas sobretudo de viabilidade da prestação jurisdicional. Necessária, pois, a relativização de conceitos, a fim de que se estabeleça, diante da realidade que se impõe, o que venha, de fato, a ser a pretensão resistida como condicionante do direito de ação. E isso não se faz por meio de uma mera mudança interpretativa acerca do interesse de agir; é preciso ir além: somente com alteração normativa conseguir-se-á fixar tais paradigmas. Especialmente, tomando como pressuposto que: “Para acessar o Poder Judiciário é essencial existir lide (pretensão resistida), efetiva ou potencial, salvo algumas exceções, como 223 Para melhor exemplificação, vide, a propósito, a Resolução PRES nº 202, de 30.07.2018, que atualizou a normatização do Programa de Conciliação e Mediação, no âmbito da Justiça Federal da 3ª Região. 224 Importa destacar que há exceções à obrigatoriedade de passagem prévia pela via conciliatória. 225 Macarena Vargas Pavez, apontando vantagens do uso obrigatório de meios autocompositivos: “Do ponto de vista das vantagens, sustenta-se que, por meio da mediação compulsória, se acessa um maior volume de casos do que através do voluntário, o que permitiria uma redução nos custos dos programas e serviços de mediação (economias de escala) e uma melhor alocação dos recursos da administração do sistema de justiça, tornando a sua gestão mais eficiente. Por outro lado, a mediação obrigatória pode significar, a longo prazo, um aumento no uso voluntário deste mecanismo, uma vez que as partes poderão conhecer e vivenciar um processo de resolução de conflitos que, provavelmente, não tentariam de outra forma.Não obstante e aprovando alguns dos argumentos que foram dados em favor da arbitragem compulsória, pode-se dizer, por outro lado, que a mediação involuntária envolve romper com uma longa lista de barreiras psicológicas das partes que a mediação compulsória resolve sem problemas. Por exemplo, se um deles sugere mediação, o outro pode suspeitar que sua proposta busca obter alguma vantagem posterior, como obter algum grau de informação e / ou tentar atrasar o processo. Outras barreiras incluem ignorância e desinformação, inércia (é melhor fazer as coisas como sempre foram feitas), medo do desconhecido e medo de perder o controle (como se estas fossem realmente possíveis em um processo judicial). (VARGAS PAVEZ, Macarena. Mediación obligatoria. Algunas razones para justificar su incorporación. Revista de Derecho, v. XXI, n. 2, p. 183-202, diciembre 2008). 92 controle concentrado de constitucionalidade, jurisdição voluntária da Justiça Comum, Federal ou Estadual, e o processo de consulta da Justiça Eleitoral”226. Havendo no sistema mecanismos ágeis, sem custos ou com baixos custos, à disposição dos cidadãos em conflito, a fim de resolvê-lo de forma efetiva e célere, absolutamente razoável a leitura do interesse de agir no sentido de que se exija a passagem prévia pela conciliação pré- processual, antes de ajuizada qualquer demanda judicial. Não existindo prova da utilização de solução prévia de eventual conflito, em fase pré- processual – que seria a condicionante do interesse de agir – não restará configurada a pretensão resistida pela parte ré, autorizando-se, por oportuno, a extinção de possível demanda sem apreciação do mérito. Isto é, por falta de interesse de agir-necessidade, ocorre carência de ação, impondo-se a extinção da ação sem resolução do mérito. Assim como não se quer esvaziar o direito de acesso ao sistema formal de justiça, não se pode perder de vista que os cidadãos têm o direito de saber (e conhecer) formas outras de solução de disputas. Em outros termos, não se pode obstar o cidadão brasileiro de resolver de forma desjudicializada seus próprios conflitos. Se não se proporciona ao potencial jurisdicionado uma cultura de acertamento que não só o processo judicial, estar-se-á negando e violando todas as premissas da política pública brasileira de promoção dos meios consensuais para solução de conflitos. E nem se diga que se está a “revolucionar” a teoria geral do processo, ou a negligenciar o que a consistente doutrina processual nos ensina, já que não custa lembrar que tal condicionante de possível ação, como já visto no capítulo anterior, já esteve presente em texto constitucional brasileiro227 e vigora, ainda que não necessariamente com a nomenclatura de condição da ação, em vários outros países. Outrossim, para justificar a leitura do interesse de agir como condição da ação, e sua materialização mediante lei, que ora se propõe na presente tese, importa ressaltar que já há, no Brasil, precedentes direcionados a contingenciar, em alguma medida, a desmesurada busca pela justiça ordinária. A propósito, alguns exemplos: conflitos desportivos (art. 217, §1º, CF/88); Súmula 2, do STJ; exibição de documentos a bancos (o STJ, no RESP. 1.349.453-MS, decidiu que a exigência de requerimento prévio à agência bancária é indispensável para aquilatar o interesse 226 FRANCISCO, José Carlos. Verbete: Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional. In: DIMOULIS, Dimitri (coord. geral). Dicionário Brasileiro de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 200-201. 227 Segundo Silva, por influência do constitucionalismo francês, nossa Constituição de 1824 estabeleceu a conciliação prévia como condição da ação e sua ausência inviabilizaria a propositura do processo, pela falta de interesse de agir. (SILVA, op. cit., p. 154). 93 processual/necessidade sem violação à garantia constitucional de acesso à prestação jurisdicional); a exigência de prévio requerimento tem sido estendida, ainda, para outros tipos de demandas judiciais, como nas cobranças de seguro obrigatório (DPVAT) à seguradora Líder (resolução CNSP 154/2006 e Portaria CNSP n° 2.797/07) e, mais recentemente, em pedidos direcionados às pessoas jurídicas de direito público para fornecimento de medicamento de alto custo. Nessa esteira de raciocínio, pontuais decisões de primeira e segunda instâncias brasileiras estão determinando a suspensão e/ou extinção sem resolução de mérito de demandas – particularmente, em ações consumeristas – quando não há prova da tentativa prévia de conciliação pré-processual numa releitura do acesso à prestação jurisdicional, da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição e do interesse de agir de forma análoga ao proposto no presente trabalho. Não há, pois, uma onipresente jurisdição adjudicada, tal qual equivocadamente se poderia supor, a partir de uma leitura – apressada e desavisada – do inciso XXXV, do artigo 5º, do texto constitucional, para todo e qualquer conflito. Assim como não há um sumo direito de ação, absoluto, cabal, pleno e incondicional ao sistema formal de justiça. Muito ao contrário, o direito fundamental de ação judicial está condicionado a pressupostos e condições que devem ser comprovados com pragmatismo e rigor - e não tão-só pela Teoria da Asserção - especialmente, a passagem antecedente pelas portas da consensualidade, sob pena de ocorrência do fenômeno da carência de ação. A legislação processual civil em vigor – o atual CPC – estabelece normas fundamentais. Logo no início do CPC, temos, portanto, doze normas fundamentais do processo civil, as quais servem de orientação a todo aquele que possui um conflito a ser solucionado. Dentre elas, inclui-se a solução consensual de conflitos. O § 3º, do artigo 3º, do CPC, prevê que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Interpretação gramatical, simples e escorreita, nos permite afirmar que, primordialmente, a solução dos conflitos deve se dar pela autocomposição. Razão pela qual o fomento aos meios consensuais é dever de todos que operam o sistema de justiça. Caso não solucionada a controvérsia pelos meios consensuais, parte-se para o processo judicial (ocasião também oportuna para que as práticas consensuadas aconteçam). O que se nota, todavia, é que, na ausência de ato normativo que, específica e objetivamente, apresente a interpretação a que nos referimos (fruto do exercício de leitura a que 94 se propõe esta tese), essa interpretação não se concretiza no plano da realidade, muito menos tem sido encarada como o que é: um dever. No âmbito estrutural, detida análise em sites dos tribunais brasileiros de segunda instância (estaduais e federais) revela que a maioria deles já predispõe de Setor de Conciliação Pré-Processual nos CEJUSCs ou nas Centrais de Conciliação (Justiça Federal), incluindo plataformas digitais que promovem a autocomposição pré-processual digital. Além disso, é certo que as partes podem promover tentativas de acordo , por exemplo, em Câmaras públicas ou privadas de conciliação e mediação e até em escritórios de advocacia. O importante é fomentar e incrementar a possibilidade de que conciliações prévias ao processo aconteçam. Ainda que não se possa dizer que toda a primeira instância brasileira já possua Centros Judiciários de Solução de Conflitos, o aumento considerável dessas unidades judiciárias é uma realidade. Ademais, unidades jurisdicionais isoladas passam a ser atendidas por um Centro, seja regional ou itinerante, e, ainda que não houvesse nenhum centro de consensualidade a quem se reportar, competiria ao próprio juiz fazer valer a política pública em comento, já que unicamente a ausência do Centro não afasta a aplicação da Resolução n. 125/2010228. Portanto, a depender dos esforços evidentes do Poder Judiciário, essa será uma realidade.229 Majoritariamente, gratuita ou de baixo custo é a passagem pelo Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual. Ainda que se possa argumentar que litigantes – mormente os habituais – vislumbrem, muitas vezes, como barata a passagem pelo sistema Judiciário adjudicado – e entendam vantajosa a oferta demorada de justiça – não se pode perder de vista que a gratuidade do serviço a quem de fato não possui condições econômicas para tanto, é ofertado pelo Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual . Portanto, precisa entrar na ordem do dia como uma das inúmeras vantagens – para além de outras – que se pode vislumbrar para resolução de controvérsias, evitando-se, assim, a passagem pelo sistema formal judiciário. A abordagem a ser enfatizada no presente trabalho acerca do interesse de agir – no sentido de que, para algumas situações, é preciso que conste na lei a exigência do ingresso no Setor Pré-Processual como uma condição da ação( interesse de agir) – encontra eco no já preconizado por Pinho230, quando menciona a possibilidade de se estabelecer, para alguns 228 TAKAHASHI, Bruno. Desequilíbrio de Poder e Conciliação. O papel do conciliador nos conflitos previdenciários. 1. ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2016. p. 192. 229 Não é demais lembrar que o CNJ, na tentativa de galgar avanços e ultrapassar o desafio da instalação concreta de soluções coexistenciais , editou a Recomendação 28, de 17.ago.2018, possibilitando a celebração de convênios entre Tribunais de Justiça e Cartórios , delegatórios dos serviços registrais e notariais, a fim de que os cartórios possam operar como CEJUSCs nos locais onde não estejam instaurados e em funcionamento. 230 Em ambos os artigos, o posicionamento é o mesmo: PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. A Mediação e a necessidade de sua sistematização no processo civil brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 5, jan./jun. 2010; e PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. Marco legal da mediação no direito brasileiro. In: 95 casos, a obrigatoriedade de conciliação antes da propositura de qualquer demanda judicial. Caso não se comprove a ida à “porta” da conciliação prévia, a demanda é extinta, sem apreciação do mérito, por faltar ao demandante a comprovação do interesse de agir. Segundo Pinho, as partes deveriam ter a obrigação de demonstrar ao juízo que tentaram, de alguma forma, buscar uma solução consensual para o conflito, numa interpretação neoconstitucional do interesse de agir, adequando essa condição da ação ao regular exercício do direito de ação: Não se pode permitir que o Judiciário seja utilizado, abusado ou manipulado pelos caprichos de litigantes que, simplesmente, querem brigar ou levar o conflito a novas fronteiras. Reafirmamos, aqui, nossa opinião no sentido de que as partes deveriam ter a obrigação de demonstrar ao juízo que tentaram, de alguma forma, buscar uma solução consensual para o conflito. Sustentamos, como já dito antes, ampliação no conceito processual do interesse em agir, acolhendo a ideia da adequação, dentro do binômio necessidade-utilidade, como forma de racionalizar a prestação jurisdicional e evitar a procura desnecessária pelo Poder Judiciário, ou mesmo o abuso do direito de ação.231 Se há uma política pública, ávida em estabelecer um sistema multiportas ao Judiciário brasileiro, não é demais se valer dessa (re)interpretação do interesse de agir, a fim de que o sistema de “filtro”, próprio das funções das condições da ação, possa atuar no sentido de ampliar as funcionalidades das soluções consensuadas – notadamente do Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual – que compõem os CEJUSCs e CECONs (ao menos daqueles já instalados e em funcionamento), com apoio dos NUPEMECs. E é razoável que essa reinterpretação seja convertida em lei. O Estado já está a colocar à disposição das pessoas um modelo consensual que propicia a cultura do acertamento desjudicializado, como uma forma de auto-superação dos conflitos de maneira não-heterônoma , na própria estrutura do Poder Judiciário. Flávia P. Hill232, ao tratar sobre o modelo italiano, faz um apelo: Temos de enfrentar a dificuldade adicional da cultura brasileira, não afeita ou até mesmo resistente à solução consensual. Somente conseguiremos ultrapassar tal dificuldade, formando uma nova cultura, se lograrmos, inicialmente, multiplicar experiências exitosas de mediação, que irão conquistar, paulatinamente, os jurisdicionados e angariar a sua confiança para esse novo modelo de solução de conflitos. O exemplo italiano nos revela que, GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (coords.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2014. p. 35-89. 231 PINHO, 2014, op. cit., p. 83. 232 HILL, Flávia Pereira. Passado e futuro da Mediação: Perspectiva Histórica e Comparada. Revista de Processo (RePro),v. 303, ano 45, mai. 2020. p. 498. 96 apesar das naturais resistências, é possível colocar a tentativa de mediação em tendência crescente de adoção a curto prazo, caso haja vontade e empenho. Há, no Brasil, uma grande contradição. O Judiciário, muitas vezes desacreditado, é quem socorre a população quando há controvérsia a resolver. De outro lado, o potencial jurisdicionado, grande crítico do Poder Judiciário brasileiro – mas que, paradoxalmente, “sem a justiça ordinária não consegue viver” (tendo em vista que a ela acorre para resolver toda e qualquer simplória controvérsia) – tem o direito de saber que há alternativas ao processo judicial que detêm plenas condições de compor controvérsias de forma adequada, justa, barata e célere. Resta-nos, pois, ofertar o modelo consensual no próprio sistema de justiça adversarial, sem desprestigiar a magistratura togada.233 Os métodos autocompositivos – mormente se considerarmos a passagem prévia obrigatória prevista em lei pelo Setor Pré-processual, constituem uma instância que, se bem institucionalizada, composta por profissionais competentes, necessária e rigorosamente qualificados, constituem uma ferramenta que impede a entrada no sistema de um número importante de demandas judiciais. A passagem de um determinado conflito pelo Poder Judiciário formal só pode acontecer quando a questão estiver, ao menos, resistida, controvertida. A máquina só deve ser acionada e se manifestar acerca de controvérsias efetivamente discutidas previamente, a fim de que os juízes não se detenham a controvérsias hipotéticas. Para tanto, a parte tem de demonstrar passagem prévia da questão em sede administrativa ou em autocomposição pré-processual. Por conseguinte, reconsiderar conceitualmente o interesse de agir como uma exigência de realização e documentação, pelas partes, de uma tentativa prévia de solução consensual não viola garantia constitucional e não contradiz a legislação ordinária processual (o atual Código de Processo Civil e a Lei de Mediação), bem como a resolução CNJ n. 125/2010, que estabelece a política pública judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Ajustes conceituais necessários, perfeitamente afinados com a tendência contemporânea de acesso à jurisdição, basilares para a elaboração de uma legislação forte e conexa com o exercício da cidadania. 233 “A questão da queda da confiança no Poder Judiciário e da Avaliação da Justiça, segundo os dados coletados no primeiro semestre de 2017 no relatório ICJBrasil, revelam que as pessoas avaliam mal o Judiciário, mas, paradoxalmente, identificam o Judiciário como sendo o ‘locus’ capaz de resolver seus conflitos. Tanto os entrevistados mais jovens quanto os mais velhos avaliam mal o Judiciário, mas continuam muito dispostos a solucionar seus conflitos na Justiça (91% dos entrevistados).” (FGV DIREITO SP. Relatório ICJBrasil. 1º sem. 2017. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/19034/Relatorio- ICJBrasil_1_sem_2017.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 19 jun. 2020. p. 6-8. 97 2.3.1 Interesse de agir nas situações passíveis de autocomposição Considerando todas essas premissas, importa avançar na discussão acerca da consolidação da conciliação pré-processual. Necessário dar um passo adiante. Para tanto, deve ser alargado o objeto de estudo do direito processual, com a revisitação do interesse de agir234, a fim de adequá-lo aos escopos da jurisdição contemporânea. Propõe-se, para tanto, como incremento à política judiciária, abalizada pelo Microssistema de Soluções de Controvérsias já existente no Brasil, para configurar-se o interesse de agir, que a parte comprove que buscou alguma forma de conciliação prévia para propositura de possível ação posterior. Refrear a indústria do ajuizamento de demandas pela aferição concreta (e não apenas in status assertionis) da falta de interesse de agir é tarefa que se impõe. Estabelece-se a conciliação pré-processual, nos assuntos suscetíveis de autocomposição, como espécie de condição da ação (a saber, o interesse de agir, no quesito necesssidade). Ou seja, a possibilidade de se determinar, para questões de direito material em que seja possível a solução pela via da consensualidade, a obrigatoriedade de uma instância prévia de conciliação, a fim de que a opção da judicialização não seja sempre ofertada como imediato e primeiro caminho de solução de conflitos, excepcionando-se, por óbvio, casos e situações envolvendo complexidade ou que exijam indispensável acesso judiciário adversarial, bem como algumas situações apontadas no decorrer desta tese. Essa estratégia procedimental carece de abordagem renovada da Teoria Geral do Processo, em especial, do interesse de agir, aliada a uma explicitação da sua racionalidade valorativa, devendo pressupor um grau de eficiência mínima que justifique a releitura e reestruturação da referida condição da ação, tal qual propugnado por esta tese. Pablo Bezerra Luciano235 aduz que, sem que haja um desacordo prévio entre as partes, não há necessidade de se provocar o Judiciário. Portanto, devemos tratar com seriedade o interesse de agir, a fim de que se possa mitigar o assoberbamento judicial (para o autor, não é preciso alteração legislativa, mas tão-só a observância da referida condição da ação): 234 Ampliação no conceito processual de interesse de agir, acolhendo a ideia de adequação, dentro do binômio necessidade-utilidade, como forma de racionalização da prestação jurisdicional, evitando-se a procura desnecessária pela solução adjudicada ou o abuso do direito de ação. 235 LUCIANO, Pablo Bezerra. Assoberbamento judicial e esquecimento do interesse de agir. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-12/pablo-luciano-assoberbamento-judicial-interesse- agir#:~:text=1)%20Pois%20bem%2C%20uma%20das,de%20direitos%20lesionados%20ou%20sob. Acesso em: 14 set. 2020. 98 O assoberbamento do sistema judiciário brasileiro é resultado de uma educação voltada para o litígio e do esforço conjunto das faculdades, dos advogados públicos e privados, dos defensores públicos, dos membros do Ministério Público e também dos servidores e membros do Poder Judiciário. Muitos têm parcela de culpa. E não raramente — como se buscará ilustrar — a contribuição ao incremento da litigiosidade vem dos tribunais. [...] Pois bem, uma das causas para abarrotamento judiciário origina-se do esquecimento por parte dos tribunais de institutos processuais como o interesse de agir, segundo o qual é preciso que haja utilidade concreta na prestação jurisdicional, e que o processo seja necessário para a defesa de direitos lesionados ou sob ameaça de lesão concreta. Não basta só a utilidade nem só a necessidade. Sem o binômio utilidade e necessidade, não há interesse de agir; e sem interesse de agir o mérito do processo não pode ser apreciado. Para justificar tal opção, devem-se levar em consideração os objetivos pretendidos, por exemplo, uma tutela adequada a situações conflituosas que justifique ser essa a melhor opção em termos de custo e benefício, a solução justa e efetiva, a celeridade e um grau mínimo de eficiência na resolução do conflito. Na perspectiva de uma revisão do conceito de acesso à justiça, caberia incluir nessa mesma pauta um repensar sobre o que hoje se deva entender como interesse de agir, já que, no contemporâneo ambiente de jurisdição compartilhada, torna-se plenamente sustentável a proposta de que aquela condição da ação deve consentir a exigência do prévio esgotamento de outros meios auto e heterocompositivos, como um prius à judicialização da demanda. Até porque, como é cediço, o interesse de agir tem entre seus elementos a necessidade da propositura da ação, e esse predicativo não se pode considerar atendido quando a controvérsia fora passível de resolução entre os próprios contraditores, ou com auxílio de algum agente facilitador. Nem haveria, propriamente um ineditismo nessa proposta, levando-se em conta que o próprio texto constitucional contempla hipótese em que a judicialização do conflito de natureza desportiva fica a depender da prévia passagem do caso por um Tribunal especializado nessa matéria (art. 217 e §1º).236 Portanto, aos conflitos passíveis de autocomposição, a passagem prévia, antecedente, anterior, de forma pragmática, pela autocomposição – em destaque, pela conciliação pré- processual – deveria ser a regra estabelecida em lei. Autorizar que ações solúveis pela via consensual consumam tempo, espaço e dinheiro público do Poder Judiciário – quando este não consegue dar vazão ao que de fato só a ele cabe resolver – é negar o verdadeiro e real acesso à jurisdição. Subjugar o conflito de forma adequada e eficiente, pelo caminho da consensualidade, admitindo-se tão-só um acionamento justo da máquina judiciária. 236 MANCUSO, 2011, op. cit., p. 147. 99 Porque, se não se puder fazer a análise do interesse de agir nesses padrões, e se legislação assim não disser, como justificar as razões de política legislativa traçadas pela política pública estatuída pela Resolução CNJ n. 125/2010, bem como toda a legislação surgida a reboque dessa política judiciária? Não é de somenos importância pensar em todo o empenho de vários setores nacionais, quanto à formação, capacitação e vencimentos de mediadores e conciliadores Brasil afora; na revisão das diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Direito, que passaram a exigir como obrigatórias as disciplinas acerca dos métodos alternativos de solução de conflitos; nas metas atuais do CNJ, as quais fazem menção expressa ao aumento do índice de conciliação; na alteração da Resolução n. 219/2016, pela Resolução n. 289/2019, que estabelece o CEJUSC como unidade judiciária, equiparando-o às varas judiciais; na PEC n. 136/2019, que acrescenta inciso LXXIX ao artigo 5º, da Constituição Federal, para estabelecer o emprego de meios extrajudiciais de solução de conflitos como um direito fundamental, além de projetos de lei em curso para promover o acertamento de conflitos pela autocomposição. Ademais, o STF criou, em 2020, um Centro de Mediação e Conciliação237 para que acertamentos de ações de competência originária possam se dar na mais alta Corte do país, sem falar nas plataformas digitais – públicas e privadas –, nas Câmaras privadas e públicas de solução consensual e, é claro, na criação de inúmeros CEJUSCs e CECONs pelo território nacional. Importante, ainda, apontar outros dados quantitativos da justiça estadual brasileira. Segundo se pode aferir dos últimos Relatórios Justiça em Números, houve um crescimento considerável na estrutura dos CEJUSCs na justiça estadual: em 2014, eram 362 (trezentos e sessenta e dois). No ano de 2015, a estrutura cresceu em 80,7% e passou a contar com 654 (seiscentos e cinquenta e quatro) e, em 2016, aumentou para 808 (oitocentos e oito). Em 2017, a justiça estadual passou a contar com 982 (novecentos e oitenta e dois) Centros Judiciários. E, em 2018, com 1088 (um mil e oitenta e oito) CEJUSCs instalados no país. Em 2019, o número saltou para 1.284 (um mil e duzentos e oitenta e quatro) CEJUSCs. Houve, portanto, em seis anos, um significativo aumento de Centros Judiciários distribuídos pelo país (e, contemporaneamente, os Centros Judiciários, como as Varas, são unidades judiciárias).238 237 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução nº 697, de 6 de agosto de 2020. Dispõe sobre a criação do Centro de Mediação e Conciliação, responsável pela busca e implementação de soluções consensuais no Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DJE198.pdf. Acesso em: 12 dez. 2020. 238 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit. 100 O Poder Judiciário possuía, ao final do ano de 2019, 14.792 (quatorze mil e setecentas e noventa e duas) unidades judiciárias. Dos 5.570 (cinco mil e quinhentos e setenta) municípios brasileiros, 2.677 (dois mil e seiscentos e setenta e sete) (48,1%) são sedes de comarca na Justiça Estadual. Todavia, é relevante pontuar que, apesar de as comarcas estarem situadas em pouco menos da metade dos municípios brasileiros, elas abrangem 89,7% da população residente. Existem 588 municípios brasileiros localizados em região de fronteira, dos quais 233 (39,6%) são sede de comarca estadual.239 Ou seja, há 2.677 (duas mil e seiscentas e setenta e sete) comarcas da justiça estadual. Portanto, estão instaladas em um pouco menos da metade dos municípios brasileiros. Some-se a essa informação que em 1.284 (um mil e duzentos e oitenta e quatro), destas 2.677 (duas mil e seiscentas e setenta e sete), comarcas estaduais, já há CEJUSCs instalados. Ou seja, em quase metade das comarcas da justiça estadual Brasileira, já há CEJUSC criado e instalado240. Segundo informações do último Relatório Justiça em Números241, há grande quantidade de juízos únicos, que são unidades de jurisdição plena com atribuição para processar todos os tipos de feitos. Significa que 67,7% das comarcas brasileiras são providas com apenas uma vara. Aproximadamente 66% das unidades judiciárias são de juízo único ou de competência exclusiva cível ou criminal. Em vara de juízo único não é obrigatório que haja CEJUSC, muito embora fosse bastante vantajoso que houvesse, potencializando ainda mais a consensualidade em todo o território brasileiro. As demais unidades possuem competências específicas que atuam ou na forma exclusiva ou cumulativa com outras especializações. Considere-se, por oportuno, essa evolução numérica: em 06 (seis) anos – de 2014 a 2019 – já há locus de consensualidade em quase metade de todas as comarcas brasileiras, no interior do próprio sistema de justiça. Considerando que a política da conciliação é política pública permanente do CNJ desde 2006, não há como negar o empenho do Poder Judiciário em ver estabelecidas as diretrizes da autocomposição no Brasil242, pelo menos no que se refere à criação dos Centros Judiciários para solução consensual. 239 Ibid. 240 Importante lembrar que os Centros deverão ser instalados nos locais onde existam 2 (dois) Juízos, Juizados ou Varas, a teor do art. 8º, § 2º da Resolução CNJ n. 125/2010. 241 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit. 242 Aumentar ainda mais esse número de CEJUSCs não é de todo impossível. Veja-se, a propósito, sugestão de Valéria F. Lagrasta : “cobrar para que sejam instalados Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos em todas as Comarcas onde haja dois Juízos, Juizados ou Varas com competência para realizar “audiência” nos termos do art. 334 do CPC/2015 (art. 8º, § 2º, da Resolução CNJ n. 125/2010), em prazo pré-estabelecido, com recursos materiais e de pessoal adequados ao bom desenvolvimento do trabalho, e quadro de conciliadores e mediadores, devidamente capacitados e em número suficiente para atender a demanda de processos.” (LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. Dez medidas para aplicação do artigo 334 do CPC. Como evitar retrocesso no caminho 101 Criados e instalados, resta fazê-los todos funcionar na íntegra, e isso importa colocar em funcionamento os três setores que os compõem, e, dentre eles, o Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual. Deve-se reconhecer, sobretudo, que os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania personificam a ideia de acesso à ordem jurídica justa. Efetivamente, a preocupação de tratar o conflito antes de sua existência, bem como de lidar com o problema jurídico, não se limitando aos casos já judicializados, reflete na abrangência obrigatória de três setores nos CEJUSCs: o de solução de conflitos pré-processuais, o de solução de conflitos processuais e o de cidadania (art. 10 da Resolução CNJ 125/2010).243 Vamos aos números. Ainda que se esteja a tratar tão-só da justiça estadual, importa constatar que já há número considerável de centros instalados. Outrossim, relevante deter-se ao índice de conciliação: em 2019, foi alcançado um índice de conciliação da ordem de 12,5%.244 Impossível não se fazer uma análise conjunta dos dois dados quantitativos ora mencionados: um índice de conciliação praticamente estagnado e um número de CEJUSCs em franco crescimento. Ora, já há no Brasil, local apropriado e em número suficiente para funcionar com muito mais vigor, possibilitando o aumento desse índice, caso, efetivamente, se possa dotar o setor pré-processual de condições efetivas para funcionamento regular (para além de se perscrutarem os motivos da pouca efetividade da audiência de conciliação e mediação no processo judicial brasileiro, cuja análise mais detida encontra-se no item 2.4). Esse empenho passa, irremediavelmente, pela discussão travada nesta tese, qual seja, condicionar a passagem prévia de vários conflitos, hoje judicializados, pela conciliação pré-processual. Quando lidam com o estímulo aos métodos de solução consensual de conflitos, Cahali e Cahali245 advertem: As diversas normas introduzidas no CPC de 2015, dentre as quais a audiência inicial de mediação e conciliação (art. 304 – sic.), somada à edição da Lei 13.140/2015 têm o condão de alterar a realidade atual que cultua a sentença, da cultura da paz? Jota, 2019. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/dez-medidas-para- aplicacao-do-artigo-334-do-cpc-21072019. Acesso em: 23 jul. 2019). 243 SANTANA, Daldice; TAKAHASHI, Bruno. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses: Uma obra em obras. In: ÁVILA, Henrique de Ameida; LAGRASTA, Valéria Ferrioli. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses – 10 Anos da Resolução 125/2010. São Paulo: Instituto Paulista de Magistrados, 2020. p. 142. 244 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit. 245 CAHALI, Francisco José; CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. Do estímulo aos métodos de solução consensual de conflitos. In: BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1. p. 87. Grifos nossos. 102 para acolher os meios consensuais. Todavia, a mudança depende do esforço e vontade de todos aqueles que operam o direito para efetivar o conteúdo da lei. Se Centros Judiciários de consensualidade foram criados – hoje tidos, aliás, como unidades judiciárias, equiparados que foram às varas judiciais – por certo devem funcionar em sua plenitude. Em tempos de tamanha crise orçamentária, criar e manter subutilizadas unidades judiciárias seria uma afronta à probidade de gestão do sistema de justiça. Por que, então, não se exigir a prévia passagem pelas portas da conciliação, a fim de que a justiça heterônoma, em estado de asfixia, possa, aos poucos, “voltar a respirar sem aparelhos”, ficando reservada às situações realmente indispensáveis? O repensar de institutos, rompendo barreiras da Teoria Geral do Processo, se faz premente e não há como negar que a utilização prévia da autocomposição propugnada na presente tese aprimora a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição (que deve ser subsidiária aos métodos consensuais de debelagem de controvérsias). Ademais, não custa lembrar que há um estímulo da política pública em unir esforços com a sociedade civil, firmando-se parcerias com entidades públicas e privadas, incluindo-se, aqui, as universidades246. Ou seja, fazer com que os três setores dos CEJUSCs funcionem com regularidade junto a instituições de ensino, por intermédio de parcerias institucionais entre o Poder Judiciário e IES, de modo a colaborar sobremaneira com a formação do alunado e a promoção da cidadania nas academias, em especial, com as faculdades de Direito de todo o país, no sentido de fomentar a consensualidade como atividade de extensão de inequívoca repercussão social. Valéria Ferioli Lagrasta Luchiari247, em artigo de opinião, particularmente ao que se refere à efetiva colaboração da OAB, Procuradorias, Ministério Público e Defensoria Pública, pontua: Interlocução direta junto a Ordem dos Advogados do Brasil, Procuradorias, Ministério Público e Defensoria Pública , a fim de que atuem nos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos, em sistema de plantão, incentivando o encaminhamento das partes atendidas aos métodos consensuais de solução de conflitos, contribuindo na prevenção de litígios e evitando, principalmente os três últimos, no atendimento ao público, a chamada ‘litigiosidade forçada’, o que leva a melhores resultados, mas também abre a possibilidade de utilização do setor pré processual do CEJUSC, com o encaminhamento direto das partes, antes da propositura da ação, evitando a judicialização dos conflitos. 246 Vide art. 3º da Resolução n. 125/2010. 247 LUCHIARI, 2019, op. cit. 103 Se é verdade que a política pública em comento necessita ser efetivada, notadamente no que se refere ao estabelecimento e regular funcionamento de cada CEJUSC e CECON e NUPEMEC espalhado por todo o território nacional, urgente se faz (re)pensar a possibilidade de se estabelecer a ida obrigatória e prévia ao setor de conflitos pré-processual, para espécies de conflitos em que a composição seja de fato possível, condicionando o exercício do direito de ação perante a justiça formal, desde que haja, na localidade, condições e local apropriado para tanto. Nada impede que as partes procurem um local reservado e particular para que uma sessão de conciliação pré-processual possa acontecer (por exemplo, um escritório de advocacia, com profissionais capacitados para acompanhar a possibilidade de acertamento da controvérsia) ou até busquem auxílio junto aos serviços consensuais on-line. O importante é que as partes tentem resolver suas contendas previamente, a fim de que a judicialização esmoreça. O objetivo principal dessa obrigatoriedade é, também, propiciar a tão proclamada mudança de mentalidade, ou seja, facilitar que as partes conheçam os métodos consensuais de solução de conflitos, absorvam seu funcionamento e seus benefícios, proporcionando-se, assim, como consequência reflexa, a diminuição do número de processos judiciais. Acreditar que essa mudança paradigmática vá acontecer espontaneamente, tão-somente pela edição formal de uma política pública ou por intermédio das alterações do CPC e da edição da Lei de Mediação, é descurar-se da realidade social que nos circunda. Essa passagem prévia passaria, por força de lei, a ser uma condição da ação, condicionante legítima para a garantia de acesso à jurisdição e para o acesso ao sistema de justiça formal. E, só assim, o artigo 10, da Resolução CNJ n. 125/2010, se faria cumprir na sua integralidade: “art. 10. Cada unidade dos CEJUSCs deverá obrigatoriamente abranger Setor de Solução de Conflitos Pré-Processual, de solução de conflitos processual e de cidadania”. Não se vislumbra finalidade outra ao setor de conflitos pré-processual dessas “unidades judiciárias” que não a passagem prévia dos conflitos que chegam ao Poder Judiciário – do contrário, fica inimaginável a utilidade de conciliação pré-processual após demanda judicial já instaurada. Não há incongruência exigir-se o cumprimento de “exigências” à propositura de uma demanda, diante das garantias constitucionais do acesso à prestação jurisdicional e da inafastabilidade da jurisdição, como confirmam os precedentes do STF e demais exemplos já citados, que enfrentaram o antecedente do processo administrativo como preenchimento de condição para propositura da ação, prestigiando com acuidade a análise efetiva e concreta do 104 interesse de agir como condicionante legítima do serviço jurisdicional.248 Ademais, o direito de ação nunca foi – e nunca será – um direito absoluto, incondicionado. Tal releitura pressupõe um grau de eficiência mínima da instância prévia e pré- processual. Por certo que não basta tão somente um número considerável de CEJUSCs, se a qualidade249 dos serviços de composição de conflitos não se fizer presente. Ou seja, desde que respeitados certos parâmetros, e que isso seja possível sem causar embaraços incontornáveis a quem do serviço se socorre.250 Não é, pois, violação da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição ou do artigo 3º, caput, do Código de Processo Civil, a exigência de anterior passagem por métodos autocompositivos – uma das portas, aliás, de que dispõe o Poder Judiciário Brasileiro – antes da propositura de ações judiciais, configurando-se acertada a conceituação pragmática do interesse de agir.251 A confecção deste trabalho acadêmico tem os olhos voltados para o que ainda há de vir. Esforços concentrados de todos que se desvelam para a consensualidade na resolução de conflitos não podem ser desconsiderados; e é certo que as razões que nortearam e norteiam a referida política pública judiciária indicam que o desejo de parcela considerável de juristas e estudiosos é de que se consiga concretizá-la na sua plenitude. Em Direito Processual, como, de resto, na vida, grandes conquistas só são alcançadas se forem fruto de proporcionais esforços. Se o desafio é, nada mais, nada menos, do que trazer novas bases para uma cultura litigiosa centenária, 248 Para evitar processos desnecessários, o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), por exemplo, editou, em 2017, a Resolução GP-432017 para recomendar, nas ações de consumo, por meio do artigo 1º, que o juiz possibilite a busca da resolução do conflito por meio da plataforma pública digital “www.Consumidor.gov”, desenvolvida pelo Ministério da Justiça. Tal ato, longe de ser abusivo ou inconstitucional, prima pela primazia da solução consensual dos conflitos. A Resolução n. 43/2017 é proveniente da implantação de uma Política Nacional do Judiciário para o tratamento adequado de conflitos prevista na Resolução n. 125, de 29.11.2010, alterada pela Emenda n. 2/2016, que estabeleceu a possibilidade de uso de sistema de mediação e conciliação digital para tratamento pré-processual de conflitos ou demandas em curso (art. 4º, 5º, e 6º, inc. X), o que está em consonância com o § 7º, do art. 334, do Código de Processo Civil de 2015. 249 “[...] nem sempre conciliar mais é conciliar melhor, mas às vezes conciliar pouco pode ser conciliar pior. O importante é que se reconheçam as ambiguidades para se evitarem simplificações exageradas. É certo que fazer mais conciliações não é nada desprezível em um país assolado pela litigância e pela demora na resolução de processos. No entanto, apenas pensar na quantidade, para além de insuficiente, pode ser uma forma de propagar injustiças.” (TAKAHASHI, 2016, op. cit., p. 17). 250 “[...[ Sendo assim, somente lograremos migrar de uma cultura do litígio para uma cultura da pacificação, se dispusermos de mediadores capacitados e em número suficiente, a fim de que se multipliquem experiencias exitosas [...]” (HILL, op. cit., p. 494). 251 Não parecem os pressupostos ou condições da ação serem ontologicamente diferentes de outros requisitos, que poderiam ser estabelecidos, como aqueles consistentes em impor às partes a obrigação de lançar mão, previamente, de meios alternativos de solução de controvérsias para ter acesso à prestação jurisdicional estatal. Note-se, a propósito, tratar apenas de um requisito, não propriamente uma exclusão da apreciação judicial. (SALLES, Carlos Alberto de. Nos braços do leviatã: os caminhos da consensualidade e o judiciário brasileiro. No prelo. p. 229). 105 decerto será necessário, de nossa parte, enquanto profissionais do Direito, agir com tenacidade e agilidade. Estamos atualmente vivendo o momento histórico mais favorável à efetiva implementação dos meios consensuais de solução de conflitos em nosso país, sem margem para exageros. Se não aproveitarmos o arcabouço legislativo recentemente editado e, ao contrário, optarmos por nos acomodar diante da envergadura do desafio, perderemos a oportunidade de auxiliar os brasileiros a passar para uma nova fase de exercício da cidadania na solução dos litígios.252 Com Takahashi253, defende-se, neste trabalho, que, a partir da resolução CNJ n. 125/2010, valorizar a conciliação deixa de ser opção e passa a ser obrigação de qualquer gestor no âmbito do Poder Judiciário. Ora, se número considerável de juristas, estudiosos, doutrinadores e parcela promissora da academia, do CNJ, do Poder Judiciário e órgãos do poder executivo se empenharam e se empenham254 em fazer funcionar referida política pública, não custa perguntar: a quem interessa boicotar o locus pré-processual de solução de conflitos? A propósito, não é demais dizer que, desde que observados os princípios norteadores do direito, e desde que não haja prejudicialidade a quaisquer das partes, adaptar procedimentos e institutos às necessidades do caso concreto e aos interesses maiores do sistema de justiça é obrigação daqueles que desejam, de verdade, operacionalizar os ditames da política pública em análise. Nada obsta que a releitura do interesse de agir materializada em lei se dê nesses moldes, adotando-se até a ideia de fungibilidade à questão ora proposta. 252 HILL, op. cit., p. 498-499. 253 TAKAHASHI, 2016, op. cit., p. 190. 254 No âmbito das ações de consumo, noticiou-se, ainda nesse ano, a assinatura do termo de cooperação entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Secretaria Nacional do Consumidor e o CNJ, para que o consumidor que recorrer à Justiça seja orientado a, antes de acionar judicialmente a empresa, enviar a sua reclamação ao portal de intermediação de conflito da Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Consumidor.gov.br, a fim de aumentar os mecanismos de desjudicialização, sem precarizar o lado do consumidor. O objetivo do acordo é reduzir a judicialização das questões relativas a consumo que hoje representam 10% do acervo processual do judiciário brasileiro. O portal Consumidor.gov.br tem 514 empresas cadastradas, uma média de resposta de sete dias, com 80% de solução de conflitos. Entre janeiro e abril deste ano, foram intermediadas 230 mil reclamações. (CASEMIRO, Luciana; CARVALHO, Jailton de. Quem recorrer à Justiça será orientado a buscar conciliação pelo Consumidor.gov.br. O Globo, 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do- consumidor/quem-recorrer-justica-sera-orientado-buscar-conciliacao-pelo-consumidorgovbr-23678799. Acesso em: 02 jun. 2019). Também se podem aferir iniciativas do Governo e do Judiciário que, segundo o site Consultor Jurídico (2019), fazem acordo para reduzir ações da Previdência Social: “Com o objetivo de diminuir a judicialização de temas previdenciários, órgãos do Executivo e do Judiciário assinaram acordo que cria a Estratégia Nacional Integrada para Desjudicialização da Previdência Social. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, as questões previdenciárias representam 48% dos processos novos da Justiça Federal, sendo o INSS um dos principais litigantes do Judiciário. O ministro Dias Toffoli destacou a necessidade de buscar a negociação pacífica para resolver litígios. A estratégia tem como propósito identificar pontos de conflito e as reais causas da litigiosidade em previdência para subsidiar melhores práticas de gestão e de políticas públicas. Também fazem parte do plano implantar medidas para prevenir ações na Justiça, estimular a resolução por consenso e melhorar o processamento das ações previdenciárias.” (GOVERNO e Judiciário fazem acordo para reduzir ações da previdência social. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-21/governo- judiciario-fazem-acordo-reduzir-acoes-previdencia. Acesso em: 21 ago. 2019). 106 Afinal, qual seria a melhor configuração da condição da ação - interesse de agir- para ações cíveis plenamente passíveis de autocomposição? A mera alegação abstrata do autor – com base na teoria da asserção – ou a subordinação do interesse de agir a uma efetiva passagem prévia, por exemplo, por uma autocomposição pré-processual, que, se bem ordenada, resolveria a controvérsia sem ter de acionar a justiça ordinária? Nesse compasso, Wolkart255: Essa nova forma de abordagem do conflito, praticamente impondo tentativas prévias de prevenção, contenção e negociação da disputa como caminho necessário anterior à resolução, pode indicar até mesmo uma futura alteração na estrutura das condições da ação ou dos pressupostos processuais. [...] Via de regra, bem entendida essa nova abordagem, aumentam-se as probabilidades de contenção e solução rápida do conflito, com evidentes benefícios individuais (poupando custos financeiros e emocionais para os envolvidos) e coletivos (bem-estar social, aumentado em razão do baixo custo do sistema e da rápida solução da controvérsia). [...] O procedimento judicial, por sua vez, não poderia ser instaurado antes que o acesso à justiça fosse testado por outras portas socialmente mais desejáveis. O tema é complexo. E não há de se falar que a obrigatoriedade exigida seria algo incompatível com os meios consensuais. A legislação brasileira é pródiga em audiências de tentativa de acordo ( na justiça civil, nos Juizados Especiais , na justiça do trabalho). Caso se deseje, verdadeiramente, que a política pública seja implementada de verdade, em escala nacional, não se pode aguardar que possíveis demandantes, acostumados que estão ao processo judicial, se disponham a compreender, num passe de mágica, acerca dos métodos autocompositivos e passem a aumentar os índices de comparecimento aos CEJUSCs e CECONs ou a procurar seus advogados para tentativas prévias de conciliação. Aculturar uma população de mais de 210 milhões de pessoas – que já se habituou com o sistema de justiça formal, esperando que façam o cotejo entre as várias portas da justiça – por si, não vai fazer com que a consensualidade possa, de fato, se estabelecer no país. Esse novo lineamento do interesse de agir, pela demonstração de tentativa prévia de conciliação, considerada a questão da obrigatoriedade dessa passagem antecedente pela consensualidade pré-processual (como condição da ação de uma possível demanda judicial), terá o condão de deter o desmedido uso predatório do direito de ação, colaborando, sobremaneira, com a prevenção de resolução de conflitos fora da órbita judicial (mediante intervenção da magistratura togada). 255 WOLKART, op. cit., p. 739-740. 107 O incentivo à conciliação, seja extrajudicial, pré-processual, ou no curso de processo judicial, a teor do atual Código de Processo Civil, resta plenamente configurado. Por todo o exposto, a condicionante em questão, longe de ser arbitrária ou autoritária, colabora para com o cumprimento dos interesses maiores do próprio Poder Judiciário, que tem o dever de coibir o abuso do direito de ação, dotando o sistema de justiça de funcionalidades eficientes à adequada prestação de serviços de solução de disputas. Coibir o mau uso da judicialização, pleitos indevidos, excessos e má-fé processual, perante um Judiciário sobrecarregado, com orçamento público insuficiente, é também uma medida de gestão de conflitos que deve ser levada em consideração. Reiterando o que foi dito, havendo mecanismos de facilitação do diálogo (ambiente de menor complexidade), associado à redução de custos e celeridade processual, insistir na propositura de demandas sem demonstração da condição da ação em apreço e da pretensão resistida, quando a matéria poderia ser solúvel por outra via, é, em última análise, ferir o direito de outrem (direito de acesso à prestação jurisdicional justa), pois o Poder Judiciário se afasta daqueles que realmente dele necessitam, para atender quem não procurou resolver sua questão por meio disponível e de fácil utilização. Propõe-se, pois, (re)apreciação e reconfiguração do interesse de agir, possibilitando- se uma mudança emblemática, a fim de que o Poder Judiciário deixe de ser apenas um lugar de julgamento, para ser o ambiente apropriado de resolução de disputas. Urgente proporcionar esse novo olhar da condição da ação, já que, se não se impuser a necessidade/utilidade do titular da ação de comprovar, de antemão, que tentara uma solução amigável, e não obtivera êxito – como condição à instauração de uma demanda judicial –, não se efetivará a contento a política pública judiciária estabelecida pela Resolução CNJ n. 125 /2010. A permanecer o entendimento de que a conciliação pré-processual prévia é mera possibilidade/faculdade, e não um dever, não se conseguirá “tratar” o paradoxal “vício” que a sociedade brasileira tem no processo adversarial, com a consequente baixa adesão dos cidadãos às práticas consensuadas. Mais do que isso: a trágica situação da justiça brasileira perderá a chance de ver minorada essa conflagração judicial para sobreviver com dignidade. É fato que o Poder Judiciário possui parcela considerável do orçamento público – quantia de 1,5% do PIB256 brasileiro – e ainda assim está “a respirar por aparelhos”, sufocando de vez o vero acesso à jurisdição. 256 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit. 108 Aguardar a obrigatoriedade da comprovação de pretensão resistida – para situações passíveis de autocomposição (o que pressupõe exceções a essa regra) – como condição da movimentação da justiça ordinária, colaborará com o regular funcionamento da consensualidade pré-processual e o consequente descongestionamento da justiça adversarial. Nunca é demais a lição de Dinamarco257, em especial, quando trata das características e tendências do processo civil contemporâneo, sob o prisma do atual CPC. Além de destacar que, a partir de meados do século XX, a doutrina dos processualistas vem se desapegando de posturas rígidas e meramente conceitualistas – os processualistas modernos mais se preocupam com os escopos sociais do processo e da jurisdição, elegendo postura notadamente instrumentalista. Reconhece-se, nos dias que correm, que o processo e a ordem processual só têm valor pelos resultados pacificadores que sejam capazes de produzir e pela consequente capacidade que tenham de propiciar sensações felizes às pessoas mediante efetividade de seu acesso à jurisdição – e esse é o postulado fundamental do método que vem sendo dada a denominação de processo civil de resultados. E não se deve esquecer do indubitável efeito pedagógico, também tão importante para os que desconhecem as benesses da solução consensual em fase anterior ao contencioso judicial. Uma sociedade amadurecida carece de ser apartada dessa exacerbada tutela judicial. Para que se efetive, concretamente, a conciliação pré-processsual, no Brasil, será preciso alavancar o seu regular funcionamento. De nada vai adiantar somente criar centros de consensualidade, se não for possível mostrar ao potencial jurisdicionado que o sistema de justiça brasileiro possui outras portas de solução de controvérsias, que não só a justiça adversarial. Ainda que dados atualizados tenham sido trazidos à colação no decorrer da presente tese, importa apresentar informações resumidas lançadas no site do CNJ acerca da conciliação pré-processual nas justiças estadual e federal brasileiras: Nos últimos anos, com a ajuda do Poder Judiciário e apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), empresas públicas e privadas resolveram milhares de conflitos, colocando em prática a conciliação pré-processual. As maneiras de se viabilizar esses acordos variam: ocorrem com ajuda de parcerias, uso de ferramentas digitais, agendamento de audiências ou por meio de esforços concentrados. Na liderança do movimento da conciliação pré-processual no país está a política nacional de tratamento de conflitos, criada pela resolução n. 125/2010, 257 DINAMARCO, 2016, p. 89-96. 109 com o objetivo de preparar as condições de pacificação da sociedade, intensificando a conciliação no país. Problemas financeiros, comerciais, habitacionais e familiares estão entre os mais pautados nas audiências de conciliação e que possuem melhores níveis de acordos. Nos conflitos familiares e de consumo, o percentual de sucesso das audiências costuma superar 70%. [...] Segundo dados do Tribunal de justiça de São Paulo (TJSP), 293 mil conflitos ligados às áreas de família e ao direito do consumidor não se transformaram em processos judiciais com o trabalho de conciliação pré- processual feito pelos CEJUSCS. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça (TJRJ) firmou parcerias com mais de 30 empresas, entre bancos, empresas de telefonia, de vendas online e universidades, para facilitar os acordos e evitar uma profusão de ações. [...] As iniciativas pré-processuais também contribuem para desafogar a justiça. A Caixa Econômica Federal (CEF) é um exemplo de empresa que vem contribuindo para isso acontecer. Desde 2013, foram mais de 35 mil conciliações efetivadas, no âmbito da Justiça Federal. No ano passado, apenas em Brasília, mais de 7 mil clientes inadimplentes puderam renegociar dívidas comerciais e habitacionais em rodadas de conciliação com a empresa. Outros Estados também têm se esforçado para evitar o ajuizamento de ações judiciais. Em Pernambuco, por exemplo, 58 mil conflitos deixaram de ingressar na justiça com ajuda da conciliação, desde 2008. Em 2015, ano que contabilizou maior número de conflitos solucionados dessa forma, aproximadamente 10 mil conflitos foram encerrados ainda na fase pré- processual. Percorreram o mesmo caminho da conciliação pré-processual os consumidores do Rio Grande do Norte, onde foram fechados mais de 2.200 acordos extrajudiciais, entre 2015 e 2016. O meio utilizado para isso foi o Expressinho Judiciário. Fruto de uma parceria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) com a empresa de telefonia Oi-Telemar, o projeto busca acordos entre a empresa e o consumidor antes de iniciado o processo judicial. Nesses dois anos, foram registrados 2.589 atendimentos e 2.218 acordos extrajudiciais (índice de 85% de conciliação). Quem, também, não quis esperar que os conflitos fossem ajuizados foram os cidadãos de Tocantins. Segundo dados da coordenadoria de gestão estratégica, estatística e projetos do Tribunal de justiça daquele Estado (TJTO), desde o ano passado foram encerrados 3.626 casos por conciliação na fase pré- processual. Na Justiça Federal da 4ª região (Sul), no ano passado, foram realizadas 630 audiências pré-processuais envolvendo Caixa, EMGEA, DNIT, INSS e questões envolvendo medicamentos, presenciais e por videoconferência, com acordos em 495 delas.258 Fazer justiça junto a conflitos de interesse é, de fato, fazer valer a conceituação de Alcalá-Zamora y Castillo259, bem como a pretensão resistida de Carnelutti. 258 BANDEIRA, Regina. Conciliação antes do processo contribui para desafogar a justiça. Agência CNJ de Notícias, 2017. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84612-conciliacao-antes-do-processo- contribui-para-desafogar-a-justica. Acesso em: 21 ago. 2019. Grifos nossos. 259 Para Alcalá-Zamora y Castillo (1992, op. cit.), o conceito de litígio deve ser expandido, no sentido de reunir especificações contrárias ao seu verdadeiro alcance e, portanto, por litígio deve-se entender, simplesmente, como 110 Lições atuais e pertinentes colhidas em artigo de opinião de Gajardoni et al.260, a saber: Esta questão, que durante longos anos foi respondida no Brasil de modo negativo, tem ganhado novos contornos a partir de diversos precedentes de tribunais superiores, em releitura das condições para o exercício do direito de ação, especialmente do interesse processual (interesse de agir). De fato, visto o interesse processual ser o juízo de necessidade/adequação, não parece fazer sentido se afirmar ‘necessário’ o pronunciamento judicial sem que o interessado tenha, antes, manifestado ao adversário sua pretensão. Antes do conhecimento de tal pretensão sequer poderia se pensar em resistência ao pedido. Além disso, não se pode ignorar o estímulo que o CPC confere aos meios extrajudiciais de solução de conflitos (art. 3º, § 3º). Desse modo, é necessária a releitura do princípio do acesso à justiça, de maneira que – dentro de certos parâmetros e desde que isso seja possível sem maiores dificuldades – não viola o art. 5º, XXxv, da CF e o art. 3º, caput, do CPC a exigência de prévio requerimento extrajudicial antes da propositura de ações perante o Judiciário. Estabelecer a conciliação pré-processual como condição da ação dependerá de alteração legislativa ( questão a ser abordada oportunamente) , a fim de que se possa fazer uma releitura do interesse de agir, bem como da credibilidade desse sistema de solução de disputas, sem custos (ou, ao menos, com custos menores que os praticados no Poder Judiciário formal). Para que a confiabilidade seja percebida, é preciso dotar a conciliação pré-processual de condições mínimas de funcionamento eficiente, o que vai muito além da criação, somente, de Centros Judiciários e Centrais de Conciliação por todo o país. Veja-se, a propósito, ministro do STJ, João Otávio de Noronha, para quem a saída para a crise não está no ajuizamento de demandas, mas na renegociação — preferencialmente fora dos autos judiciais, destacando “que o ideal seria que toda demanda passasse por tentativa de mediação antes da chegar ao Judiciário, que já está combalido em cenário que deve piorar por conta da crise”.261 Nesse sentido, mas em outra oportunidade, o ministro João Otávio de Noronha se pronunciou262, reforçando o acima dito. Em evento on-line, a Febraban e vários palestrantes um conflito juridicamente transcendente, que constitua um ponto de partida ou causa determinante de um processo, de uma autocomposição ou de uma autotutela. 260 GAJARDONI, Fernando et al. Releitura do princípio do acesso à Justiça: A necessidade de prévio requerimento e o uso da plataforma consumidor.gov.br. Migalhas, 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/tendenciasdoprocessocivil. Acesso em: 18 jun. 2019. 261 MEDIAÇÃO é saída mais eficiente para entraves do Direito Privado na crise. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-11/mediacao-saida-eficiente-entraves-direito-privado. Acesso em: 12 mai. 2020. 262 SAÍDA de emergência – Judiciário, Mediação e Direito Privado. [S. l.: s. n.], 2020. 1 vídeo (1h24min.). Publicado pelo canal Conjur. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TzGvQ9UBPHA&list=LLVn- K1049qoMfxF_1wWXpmA&index=4&t=0s. Acesso em: 09 ago. 2020. 111 que labutam frente ao sistema financeiro pronunciaram-se favoravelmente a que, antes da propositura de ação, a parte demandante comprove que percorreu o caminho da conciliação pré- processual, reforçando a tese ora proposta. A propósito, Enunciados do FONAMEC: Enunciado nº 06 – o tratamento pré-processual do conflito terá precedência a ações que induzam a judicialização de conflitos; Enunciado nº 20 – o juiz coordenador do CEJUSC poderá propor aos grandes litigantes da Comarca a realização de política pública de não judicialização de conflitos por meio do seu tratamento preventivo em conciliação ou mediação prévia. A verificação do interesse de agir deve incidir sobre cada conflito de interesses, considerando, por certo, algumas premissas, quais sejam: i) situação passível de autocomposição; ii) existência e regular e eficiente funcionamento dos CEJUSCs (justiça estadual) e CECONs (Justiça Federal); iii) ausência de embaraços incontornáveis a quem se vale da conciliação pré-processual; iv) situações e controvérsias excepcionais envolvendo complexidade ou que exijam indispensável acesso judiciário adversarial. A necessidade de racionalização do acesso à Justiça (essencial para a própria contenção de gastos em um Estado agigantado) e de se reduzir o número de demandas derivadas de conflitos hipotéticos (em que o adverso sequer tem conhecimento prévio da pretensão apresentada em juízo), bem indicam que o mote do sistema de Justiça é cada vez mais prestigiar mecanismos extrajudiciais de solução dos conflitos [...]. [...] Evidentemente, a releitura do princípio do acesso à Justiça, com exigência de prévio requerimento extrajudicial como condição para a postulação em juízo, pressupõe um grau de eficiência mínima da instância administrativa [...] Colocando em outros termos, só faz sentido condicionar o acesso ao Judiciário mediante demonstração de que houve prévia tentativa de se solucionar extrajudicialmente a questão se – e somente se –, o sistema extrajudicial de recepção e solução dos conflitos tenha capacidade de processar a reclamação e atende-la em tempo razoável, com respostas aos reclamantes que, além de breves, possam, no mais das vezes, atendê-los de maneira satisfatória (algo que deve ser constantemente auditado pelas autoridades públicas, inclusive, Judiciárias).263 Assim, nos assuntos suscetíveis de autocomposição que não demandem complexidade suficiente a ensejar passagem obrigatória pela justiça adjudicada, ou que exijam complexa produção de provas, a conciliação pré-processual é condição da ação para acorrer à jurisdição civil, desde que exista e funcione regularmente o setor de conflitos pré-processual na comarca/circunscrição judiciária competente, observando-se a proposta neste trabalho acerca 263 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual (REDP), v. 21, n. 2, 2020. p. 7-8. 112 do interesse de agir. Por exemplo: obrigações, relações contratuais, comerciais, bancárias, de consumo (responsabilidade do fornecedor), indenizações (responsabilidade civil e outras), posse, família, alimentos, direito tributário, direito previdenciário etc.264 Contudo, há de se considerarem exceções a essa interpretação: a existência de interesses que só podem ser tutelados judicialmente, ainda que as partes estejam de acordo, hipótese em que nos deparamos com as chamadas “demandas constitutivas (ou desconstitutivas) necessárias” (por exemplo, divórcio litigioso com filhos menores e anulação de casamento), além de outras demandas que exijam passagem necessária pela jurisdição ordinária (ações de constitucionalidade, homologação de sentença estrangeira etc.). O mesmo se diga acerca de eventuais conflitos: i) em que o possível réu esteja em lugar incerto e não sabido; ii) processos de execução; iii) tutelas de urgência e de evidência; iv) situações em que o possível demandado tenha domicílio/residência em outro país; e v) todas as pretensões que não sejam de livre disposição pelas partes conciliantes ou situações em que, textualmente, a lei exija sejam dirimidas na justiça adversarial (por exemplo, quando se trate de direitos e bens de incapazes; em processos de nulidade, ineficácia e anulabilidade de ato jurídico) e questões para as quais a lei não autoriza o Poder Público a transacionar. Partindo do pressuposto de que o interesse de agir deve ser analisado sob o prisma do Estado, fornecedor do sistema de justiça e gestor do orçamento público do Poder Judiciário, por certo que só haverá interesse de agir, nas situações passíveis de conciliação, se o pretenso autor de uma demanda houver passado pela conciliação pré-processual. Não custa lembrar que a justiça é bem comum, e, como tal, deve ser poupada de conflitos compossíveis por meios autocompositivos. Para as situações em que é indispensável a utilização do processo adversarial, não há de se falar em comprovação de passagem prévia e obrigatória pela conciliação pré-processual (e consequente pretensão efetivamente resistida). Todavia, para as situações em que há outros meios de solução que não só a justiça adversarial – e desde que não haja empecilhos institucionais que obstaculizem a solução do conflito – imperiosa a passagem prévia obrigatória como típica condição da ação (interesse de agir) de eventual demanda judicial. Se a inafastabilidade da jurisdição não é uma simples garantia passiva, mas sim uma prestação a ser ativamente ofertada pelo Estado, cabe ao prestador do serviço estabelecer explicitamente essa exigência, diante das situações que lhe são apresentadas para resolução. Porque seria um contrassenso a criação, instalação, nomeação de servidores, conciliadores e 264 Há matérias que podem não ser submetidas à obrigatoriddade da fase pré-processual. Ver item 4.6.3.6. 113 mediadores de um CEJUSC, como porta absolutamente apta a solucionar conflitos, se a ele não forem apresentados conflitos a serem dirimidos. Se os métodos consensuais se somam à jurisdição heterocompositiva – estabelecendo- se, por oportuno, a chamada jurisdição compartilhada ou a chamada “Justiça Multiportas”– nada mais eficiente do que se estabelecerem situações passíveis de conciliação e as exceções a esse regramento, que pedem passagem direta pela justiça ordinária. Assim como se devem observar regras de competência, bem como se deve escolher, adequadamente, o “procedimento” (levando-se em conta o princípio da instrumentalidade das formas e da fungibilidade), deve-se exigir em qual “porta” de acesso à prestação jurisdicional o autor de uma controvérsia deve dirimi-la, considerando toda a abordagem tratada no presente capítulo. Lamy265, pensando o direito processual na perspectiva dos direitos fundamentais, chega à conclusão de que o próprio elemento constituído pela jurisdição não precisa ser inerente ao conceito de processo, como também de que não é apenas a carga declaratória que interessa ao escopo da jurisdição, mas, principalmente, a produção de resultados efetivos por meio do processo. Não se afigura razoável, por exemplo, segundo a perspectiva constitucional, que a condição para o exercício do direito de ação constituída pelo interesse de agir necessite sempre de adequação procedimental à estrutura do CPC, e não ao direito material a ser tutelado. [...] Ao lado do binômio necessidade/utilidade do pronunciamento jurisdicional – deixa de estar ligada à formalidade dos procedimentos previstos pelo CPC, para numa perspectiva jusfundamental, adequar-se ao direito material e às situações reais a serem tuteladas: adequar-se aos fins de tutela dos direitos e não aos meios constituídos pela rígida estrutura do CPC. Segundo dados quantitativos do Relatório Justiça em Números 2020 – ano 2019 –,a maioria dos processos estão na justiça estadual, no primeiro grau, na fase de conhecimento. Veja-se, a propósito: Na Justiça Estadual, com aproximadamente 68% do total de processos ingressados no Poder Judiciário, reúne grande diversidade de assuntos. O tema direito civil aparece entre os cinco assuntos com os maiores quantitativos de processos em todas as instâncias da Justiça Estadual. Ressalta-se, também, o elevado quantitativo de processos de direito tributário na justiça comum e de direito do consumidor nos juizados especiais e turmas recursais.266 265 LAMY, Eduardo de Avelar. Considerações sobre a Influência dos Valores e Direitos Fundamentais no Âmbito da Teoria Processual. Revista Sequência, n. 69, Florianópolis, p. 301-326, dez. 2014. p. 312-313. 266 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit., p. 237. 114 Ademais, quando da análise do relatório acerca das demandas mais recorrentes segundo as classes e os assuntos, especificamente na justiça cível estadual e federal (corte epistemológico desta tese), as demandas em maior número no país são as ações obrigacionais em geral, ações consumeristas (responsabilidade do consumidor, indenizações), benefícios previdenciários, ações acerca de direito tributário, contratos, família e alimentos. Ou seja, são majoritariamente os conflitos passíveis de autocomposição, acima mencionados, que estão a inflacionar o Poder Judiciário Cível. Análise do relatório Justiça em Números 2020 mostra que, em 2019, o Direito do Consumidor foi o assunto com o maior número de demandas na Justiça Estadual de primeiro grau, representando, aproximadamente, 2,3 milhões de processos, e ocupou a terceira e a quinta posições no segundo grau de jurisdição, com mais de 260 mil processos .O mesmo se diga no que se refere aos Juizados Especiais Cíveis e nas suas turmas recursais. Questões que, certamente, poderiam ser muito bem solvidas com métodos consensuais no pré-processual (físico ou on-line).267 O relatório destaca que o assunto “indenização por dano moral” (direito civil/responsabilidade civil) é um nó presente em diversos tribunais. Os assuntos “responsabilidade do fornecedor/indenização por dano moral e obrigações/espécies de contratos” são obstáculos centrais dentro do mapa, o que significa que, em quase todos os tribunais, é uma causa frequentemente acionada na Justiça.268 Excepcionando-se as situações em que se faz premente a justiça adversarial, todos os assuntos que estão abarrotando o Judiciário Brasileiro bem poderiam ser direcionados para as “portas da consensualidade pré-processual”, onde elas, de fato, existam e funcionem com regularidade (não custa lembrar que na justiça estadual já são 1.284 CEJUSCs em todo o país), já que suscetíveis de autocomposição. Ou nas demais portas de autocomposição já mencionadas nesta tese. 267 “Com efeito, os próximos anos de vigência do CDC apresentarão novos desafios, que impõem a busca prioritária pela ponderação entre o ambiente de negócios e o arcabouço normativo e axiológico inscrito na legislação. Portanto, a principal expectativa relativa ao direito do consumidor dos próximos anos é a consolidação da gestão consensual de conflitos por meio dos seus métodos mais adequados, notadamente a conciliação, enquanto mecanismo apto a reduzir a judicialização nessa área e os impactos do contencioso administrativo. O que deverá ser estimulado a partir do crescimento das plataformas de Online Dispute Resolution, tal qual o consumidor.gov.br, e da disseminação do uso de sistemas de inteligência artificial no Poder Judiciário, nas sociedades de advogados e nos departamentos jurídicos.” (BELCHIOR, Wilson Sales. Conquistas, desafios e expectativas nos 30 anos do Código do Consumidor. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em:. https://www.conjur.com.br/2020-set-18/belchior-conquistas-desafios-expectativas-30-anos-cdc. Acesso em: 18 set. 2020). 268 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit., p. 241. 115 Examinar o interesse de agir nos moldes ora propugnados, estabelecendo-se passagem prévia pelo setor pré-processual efetivamente institucionalizado (ou autocomposição extrajudicial), por certo, não resolverá todos os problemas – que não são poucos – do Poder Judiciário, mas, dotando-se o pré-processual de estrutura adequada, certamente haverá desafogo considerável e consequente aumento dos índices de conciliação . Em nome de um critério de racionalidade e viabilidade do Poder Judiciário, importante que alguns conceitos sejam revisitados, relativizando-se entendimentos antes tidos como absolutos, a fim de que mais adequada interpretação possa ser feita acerca do que venha a ser pretensão resistida. Conforme já dito neste trabalho acadêmico, no ano de 2019, ingressaram, no Poder Judiciário, 20,2 milhões de ações originárias. Em um só ano, um descomedido número de processos judiciais que vão se somar aos outros milhões já em curso, advindos de anos anteriores. A tentativa prévia de conciliação não só evitaria o ajuizamento de milhares de processos, como também legitimaria a atuação jurisdicional sob o viés processual, com a comprovação da existência de uma das condições da ação: o interesse de agir. E não nos esqueçamos: no ano de 2019, as despesas totais do Poder Judiciário ultrapassaram R$ 100,00 bilhões, o equivalente a 1,5 do PIB brasileiro. Em 2019, o custo pelo serviço de Justiça foi de R$ 479,16 por habitante, R$ 10,7 a mais, por pessoa, do que no ano de 2018. Não é possível que não nos atentemos a esse volume desmedido de causas judiciais e às quantias exorbitantes gastas pelo Poder Judiciário brasileiro, sem pensar em alguma saída mais barata, célere e eficiente. Que se possa, portanto,estabelecer como obrigatória a fase pré-processual de conciliação fundada nessas considerações, que, em grande medida, objetivam racionalizar o sistema de justiça, a fim de que a justiça ordinária intervenha tão somente por exceção e somente quando demonstrada a necessidade de sua efetiva atuação. 2.4 SESSÃO DE CONCILIAÇÃO OU MEDIAÇÃO DO ARTIGO 334 (CPC): DA OBRIGATORIEDADE AO DESCUMPRIMENTO No procedimento comum brasileiro, o artigo 334, do CPC, estabelece como regra a obrigação de o juiz, após a elaboração do juízo positivo de admissibilidade da petição inicial, convocar o réu ao processo, para que este, em vez de contestar a demanda de imediato, compareça à audiência de conciliação ou de mediação. A audiência só não se realizará se ambas 116 as partes manifestarem desinteresse na sua realização, ou se a matéria tratada no conflito não admitir autocomposição269. Segundo Bruno Takahashi e Herbert Bruyn Jr., a obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação, prevista no artigo 334, do CPC de 2015, insere-se na ideia de promoção dos meios consensuais como norma fundamental do sistema processual brasileiro.270 Ou seja, regras de justiça coexistencial no decorrer do processo judicial brasileiro, que não é tema específico da tese em apreço, mas que requer análise, ainda que sucinta, a fim de que possamos traçar um paralelo entre a consensualidade no campo processual e no pré- processual. Ninguém aprende a conciliar sem dar a possibilidade da escuta, que, por sua vez, nos dá a possibilidade de conversar. No processo judicial, não é diferente. Não se põe em prática o princípio da oralidade sem facilitar o diálogo. E ninguém dialoga , processualmente falando, se não houver dia, hora e local apropriado para tanto. Para isso, existem audiências ou sessões, em especial, as de conciliação ou mediação (o mais correto seria nominá-la de sessão de conciliação ou mediação, uma vez que audiência, na definição processual, só pode ser presidida por um juiz).271 O presente trabalho acadêmico propõe estabelecer como condição da ação a passagem prévia e obrigatória pelo Setor Pré-processual. Para que se possa aferir se, afinal, uma mudança de paradigma dessa natureza, mormente se houver alteração legislativa para tanto, vai de fato colaborar para com a justiça brasileira, promovendo o aculturamento social acerca dos meios consensuais e um possível arrefecimento da judicialização excessiva, faremos um breve arrazoado acerca da audiência de conciliação e mediação no início do processo judicial, prevista pelo artigo 334, do CPC, já que há, na doutrina e na prática forense, dados e informações de que a referida audiência, na prática, não tem sido percebida – a despeito do dever do juiz de 269 Exemplos de situações que, se for feito acordo sobre direito indisponível não transacionável, tal avença será nula de pleno direito: a) art. 1.609 do Código Civil (o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável); b) art. 39, § 1º, da Lei nº 8.069/1990 (a adoção é medida irrevogável); c) arts. 1º e 9º da Lei nº 9.434/1997 (autorizam a disposição apenas gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano em vida para fins terapêuticos e de transplante). (GOMES, Guilherme Brandão; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A importância da audiência prévia no processo declarativo comum português: notas comparativas com o direito brasileiro. Revista Eletrônica de Direito processual (REDP), v. 21, n. 2, p. 137-162, 2020. p. 154). 270 BRUYN JR., Herbert Cornélio Pieter de; TAKAHASHI, Bruno. Desafios para a efetividade da audiência do artigo 334 do CPC na Justiça Federal. A obrigatoriedade da audiência de conciliação no início do processo surge para mudar a “cultura do litígio”. Jota, 2019. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/ajufe/desafios-para-a- efetividade-da-audiencia-do-artigo-334-do-cpc-na-justica-federal-19082019. Acesso em: 10 set. 2019. 271 LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. Desafios do art. 334 do CPC/2015. do art. 334 do CPC/2015. Revista de Processo RePro, ano 45, v. 303, mai. 2020. p. 505. 117 determiná-la, posto que nem sempre é designada, num flagrante descumprimento de norma legal expressa do Código de Processo Civil. Antes de tratarmos da questão propriamente dita, bom destacar as lições de Trícia Navarro X. Cabral, magistrada entusiasta dos meios consensuais. Já há no país, desde 2016, um Microssistema de métodos adequados de resolução de conflitos, que tem se denominado Justiça Multiportas272 (Res. 125/2010, CNJ; CPC e Lei de Mediação). Exige-se, ainda, que os tribunais priorizem a estruturação necessária – material e pessoal – para a implementação da política nacional de tratamento adequado de conflitos, afastando de vez a desculpa utilizada para não se aplicar o procedimento na forma instituída pelo legislador.273 Foi o próprio Judiciário, por intermédio do CNJ, que instituiu a política pública em apreço. Infere-se daí, portanto, que a institucionalização da política pública tem que contar com o apoio irrestrito de vários atores sociais e, especialmente, dos que compõem o próprio Poder Judiciário. Um país aculturado pelo demandismo só conseguirá abrir novos caminhos com a adesão da magistratura e demais protagonistas do sistema de justiça brasileiro. Há, portanto, expressiva normatização dos meios consensuais, que envia uma mensagem muito clara aos profissionais do direito sobre a mudança de paradigma que deve ocorrer em nosso sistema jurídico. Há política pública, há previsão expressa no atual CPC(que tem início com a norma fundamental estatuída no artigo 3º, §§ 2º e 3º, e vários outros artigos específicos que tratam de questões correlatas à autocomposição), bem como a Lei de Mediação. Para serem efetivamente cumpridas. O contrário disso é desrespeito legislativo expresso.274 272 O Sistema de Múltiplas Portas, denominado de Multidoor Courthouse System foi pela primeira vez descrito na Conferência Pound, de 1976, na cidade de Washington, como alternativa diante das insuficiências das práticas da justiça até então realizadas nos Estados Unidos,pelo professor de Direito da Universidade de Harvard, Frank Sander, que propôs um sistema de acesso a diferentes “portas”, com o propósito de resolver os problemas enfrentados pelo Judiciário estadunidense no que tange à administração da justiça na solução dos conflitos. 273 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. A eficiência da audiência do art. 334 do CPC. Revista de Processo RePRo, ano 44, v. 298, dez. 2019. p. 111. Grifos nossos. 274 A esse respeito, destaquem-se as palavras de Souza: “[...] nas comarcas onde não houver a figura do mediador ou do conciliador, a tentativa de conciliação, no Brasil, deverá ser feita pelo juiz, para se dar cumprimento aos arts. 139, V; art. 359; art. 334, § 1º, todos do CPC brasileiro. Não há como fugir disso, ou seja, não realizar a tentativa de conciliação porque não há conciliador ou mediador disponíveis para desempenhar tal tarefa é descumprir a lei” (SOUZA, André Pagani de. A importância do princípio da cooperação para a construção da transação na conciliação judicial: uma leitura do direito português e do direito brasileiro (parte II). Revista de Processo, São Paulo, n. 295, set. 2019. p. 45-46. Grifos nossos). 118 Decerto que a audiência de conciliação ou mediação prevista no artigo 334, do CPC, faz parte do “pacote” de estímulo à autocomposição. Mas há relatos contundentes de que a referida audiência não vem sendo designada em boa parcela das comarcas do país.275 Paulo Eduardo Alves da Silva e Tatyana C. Paravela276, em artigo acerca dos recorrentes motivos alegados pela magistratura estadual paulista para que não sejam designadas as audiências de conciliação e mediação em algumas Comarcas do Estado de São Paulo, a saber: O fundamento da incapacidade estrutural do Poder Judiciário foi recorrentemente invocado nas decisões analisadas para justificar a não designação das audiências do artigo 334 do CPC. Dentre os argumentos usados, destacam-se o da ausência dos CEJUSC em algumas comarcas, a incapacidade desses Centros (quando existentes) atenderem toda a demanda e, ainda, a falta de qualificação profissional suficiente para as tentativas de resolução consensual. Conjugados a esses fundamentos, aquele já conhecido da inviabilidade de se realizar as audiências de conciliação sem comprometimento do funcionamento das varas e da razoável duração dos processos. A eventual inconstitucionalidade do artigo 334 do CPC, conquanto não declarada oficialmente, também é utilizada para justificar a não designação da audiência. Os fundamentos centram-se principalmente nas garantias da duração razoável do processo(CF, art. 5º, inc. LXXVIII) e da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, inc. XXXV) - além de uma menção um tanto genérica à liberdade individual. E há também alegações de que as próprias partes, se quiserem chegar a um acordo, que procurem por si sós o CEJUSC local ou eventual programa de órgão de classe (como o Concilia OAB). Enfim, para não designar a audiência do artigo 334, do CPC, as justificativas são muitas e variam do descabido à falta de compromisso para com os ditames legais estabelecidos por uma política pública que vem, há tempos, se esforçando para fazer cumprir a máxima prevista no Microssistema Brasileiro de métodos consensuais de solução de conflitos, qual seja, o estímulo e a prática da consensualidade, inclusive no decorrer do processo judicial. Justificar a não designação da audiência em razão da falta de estrutura do Poder Judiciário (como se essa ausência de estruturação não existisse desde sempre) ou o grande número de processos nas Varas judiciais é um descabimento total. Ritos são estabelecidos para 275 Trícia Navarro X. Cabral observa que os advogados se empenharam e houve adesão às regras da audiência do art. 334 do CPC, ao passo que a magistratura não teve a mesma aceitação à implementação da política pública da consensualidade, por duas razoes principais: a) a falta de estrutura, ausência dos CEJUSCS e conciliadores e mediadores e b) por não acreditarem na efetividade dos resultados advindos dos meios consensuais, fazendo com que a referida audiência deixasse de ser designada em diversas localidades (Ibid., p. 112). 276 SILVA, Paulo Eduardo Alves da; PARAVELA,Tatyana Chiari. "Algum dia, talvez, se for o caso...” – Frequência e motivos para a não designação da audiência do artigo 334 do CPC em Comarcas da Justiça Estadual Paulista. Revista Eletrônica de Direito processual (REDP), v. 21, n. 3, 2020. p. 518. 119 serem cumpridos. Essa audiência não foi alocada logo no início da demanda judicial por mero capricho ou deleite do legislador. Há razões de política pública que justificam a importância de sua feitura exatamente nesta fase, quando os ânimos das partes ainda estão desarmados, e a possibilidade de um acordo seria um resultado excelente para todos, inclusive, para o Poder Judiciário, com a diminuição do número de processos em curso.277 O mesmo se diga quanto à ausência de CEJUSC na Comarca. Caso não haja o locus apropriado, ou conciliadores e mediadores capacitados – lembrar que é facultativa a instalação de CEJUSC em comarca onde exista apenas um Juízo –, pode-se contactar um Centro Regional ou Itinerante ou o juiz poderá designar a conciliação e realizar o ato, a despeito do princípio da confidencialidade que rege os meios autocompositivos. O importante é que as partes tenham a a oportunidade de composição da controvérsia, em momento processual inicial, com ânimos ainda não inflamados.Portanto, por mais que se compreenda que o sistema de justiça, estruturalmente, possui problemas e percalços, e que cabe aos tribunais organizar, com qualidade, os serviços de conciliação e mediação, disponibilizando estrutura física, material e de pessoal adequada, justificativas dessa natureza apenas confirmam o já dito: está havendo descumprimento escancarado de norma legal pela magistratura brasileira. Por certo que os Tribunais deveriam obrigar-se mais para com a consolidação dos meios consensuais, criando condições propícias para que alegação de ausência de estrutura fosse impossível de ser aventada por aqueles que ainda não compreenderam a importância dos meios autocompositivos. Também é verdade que a solução dos problemas não se dará com a só criação de CEJUSCs (atualmente tidos como unidades judiciárias aptas a promover a cultura do acertamento), sem conciliadores e mediadores bem formados e capacitados para a autocomposição. Mas não há como negar que já avançamos muito; manter os olhos no futuro só nos mostra que teremos condições físicas e materiais para que os Centros Judiciários de consensualidade sejam uma realidade nacional na grande maioria das comarcas brasileiras. Portanto, esse tipo de objeção, por parte da magistratura estadual (que, de fato, também precisa estar preparada e deve ser vocacionada para a política pública em questão), para se furtar à 277 “[...] o propósito do legislador foi reduzir ao mínimo a distância entre a propositura da demanda e a realização da audiência, lucrando-se com a brevidade do feito, tendo em vista a economia de tempo e energia processual alcançada; bem como pelo apaziguamento factual dos ânimos até então antagônicos, em incentivo à solução pacífica das controvérsias.” (CAMPOS, Adriana Pereira; MOREIRA, Tainá da Silva. A audiência de conciliação ou de mediação eleita em negócio jurídico processual e a possibilidade de sua realização pelo juiz ante às dificuldades estruturais e técnicas do foro. In: SICA, Heitor et al. (orgs.) Temas de Direito Processual Contemporâneo: III Congresso Brasil-Argentina de Direito Processual. Serra – ES: Editora Milfontes, 2019. v. 1. p. 287-288). 120 marcação da audiência do artigo 334 do CPC no decorrer do processo judicial, não se sustenta, deixando-se antever uma espécie de sabotagem com toda a cultura da pacificação propugnada pela política pública em apreço.278 No CPC/1973, havia audiência de tentativa de conciliação preliminar (art. 331). Mas acontecia somente após a oferta da contestação e da réplica, quando já havia passado dois ou três anos de tramitação processual sem que as partes tivessem tido a oportunidade de, ao menos uma vez, poderem dialogar diante do juiz. A falta de estrutura do Judiciário era igual ou até maior do que a que vemos hoje. E a audiência era designada. Ainda que as regras fossem diversas, e o momento da audiência do artigo 331 fosse outro, não houve tanto furor em não a designar, como se está a fazer com a audiência do artigo 334 do CPC. De qualquer forma, o art. 334, do CPC/15, está em pleno vigor, possuindo inúmeras particularidades processuais, distribuídas em seus 12 parágrafos, que devem ser observadas pelos sujeitos processuais. Ademais, a regra ali inserta é cogente, ou seja, não está na esfera de disponibilidade do juiz, tanto que exige a conversão de vontades dos dois polos da demanda pra que o ato seja designado ou afastado do procedimento. Trata-se, pois, de um direito subjetivo processual do jurisdicionado ao uso desses métodos autocompositivos de solução de controvérsias, e não de ato de poder ou de gestão do magistrado. Daí porque não se pode concordar com a corrente doutrinária que defende que a falta de estrutura ou a ‘intuição’ do juiz quanto à inviabilidade de acordo justificaria a dispensa da referida audiência.279 Por fim, a alegação de inconstitucionalidade do artigo 334, sob o fundamento das garantias da duração razoável do processo (CF, art. 5º, inc. LXXVIII) e da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, inc. XXXV), além de uma menção um tanto genérica à liberdade individual, é um total desserviço a quem se compromete a estudar e compreender a inafastabilidade da jurisdição, a duração razoável do processo e a liberdade individual, tendo em vista que esses postulados continuam em pleno vigor, diante da audiência do artigo 334 do CPC (destemperos e justificativas dessa natureza só prejudicam a imagem do Poder Judiciário). Ademais, o processo civil está permeado de regras e normas que estabelecem condições e pressupostos a serem seguidos, sob pena de não conhecimento da demanda e extinção do feito sem apreciação do mérito. Desde tempos imemoriais. E nem por isso se pode arguir desrespeito 278 Lagrasta Luchiari, juíza de Direito, adepta e admiradora dos meios autocompositivos, ao traçar um panorama sobre o CEJUSC e as Varas da Comarca de Jundiaí, apresenta resultados alvissareiros, quando se percebe que a magistratura privilegia a feitura regular da audiência do art. 334, do CPC, notando-se um aumento significativo no número de acordos realizados e consequente solução célere de processos. Luchiari ressalta que isso se explica devido à qualidade dos conciliadores/mediadores que trabalham na Comarca, todos capacitados de forma adequada (LUCHIARI, 2020, op. cit., p. 507-510). 279 CABRAL, 2019, op. cit., p. 112-113. 121 à liberdade dos indivíduos. O máximo do paradoxo seria permitir ampla e irrestrita liberdade na arte de litigar. Valendo-se da premissa (equivocada) da liberdade individual, decisões lastreiam a não aplicação da multa do §8º, do artigo 334 (por ato atentatório à Justiça) para a parte que deixar de comparecer à audiência, evidenciando o descalabro proposital da não designação da referida audiência. Adriana Campos e Tainá da Silva Moreira relatam dissabores havidos no Espírito Santo (ES), em situações em que as partes, por intermédio de negócio jurídico processual (art. 190, do CPC), requerem expressamente a feitura da audiência do artigo 334, do CPC, mas, mesmo assim, deixam de designá-la, ainda que com pedido expresso das duas partes do interesse que têm na realização da sobredita audiência. Informam que, logo após a distribuição da demanda, os juízes já dispensam a realização do ato, apesar do pedido expresso, via negócio jurídico processual (que valoriza sobremaneira a vontade das partes). Ou seja, na realidade jurídica brasileira, o maior problema apresentado para a realização das audiências de conciliação ou mediação está no Poder Judiciário. Por meio da celebração de negócio jurídico processual, as partes podem escolher a realização da audiência de conciliação ou da mediação no início do curso procedimental, o que não pode ser desprezado pelos juízes, haja vista a vontade manifesta dos envolvidos e diante da obrigatoriedade estampada no art. 334 do CPC/2015. Nesta hipótese, a autonomia da vontade merece grande relevo, mormente diante da codificação atual que valoriza e homenageia o protagonismo das partes na construção conjunta da definição para o tema sobre o qual contendem. Nesse aspecto, o juiz assume papel de gerente processual, mas sem antes atender à vontade emanada pelas partes. Assim, como propulsor do uso dos métodos autocompositivos em toda a trilha processual, fica o Juiz vinculado à realização da audiência de conciliação ou mediação, a depender da modalidade eleita pelos contendores. Ao se negar a conduzi-la pelas razões de deficiências estruturais, como atualmente vem ocorrendo nos foros, a via adjudicatória permanece como melhor caminho às partes, afastando cada vez mais dos sujeitos o acesso à Justiça, por meio da adoção dos métodos pacíficos de solução.280 O artigo também informa que há partes indispostas ao acordo (aliás, grandes litigantes, como é o caso dos bancos e INSS). Mas veja-se que a audiência em comento só não será designada se ambas as partes não tiverem interesse em sua feitura. A regra – cogente - foi assim disposta exatamente para que a parte “indisposta”, ainda que não queira, seja obrigada a comparecer à audiência para, ao menos, “escutar” o que a parte contrária tem a dizer. Isso só pode acontecer se não houver boicote do sistema judiciário, 280 CAMPOS; MOREIRA, 2019, p. 272-303. 122 aceitando placidamente a não designação com a simples menção de que uma das partes não tem interesse no acordo. O mesmo se diga, infelizmente, quando tratamos da Justiça Federal. Bruno Takahashi e Herbert Bruyn Jr.281: [...] o que se nota é que muitos magistrados não estão designando as audiências, sob as mais diversas justificativas: a falta de estrutura; a ausência de prejuízo caso não haja sua realização; a baixa probabilidade de autocomposição; a ofensa à razoável duração do processo; a violação à autonomia da vontade e à liberdade de contratar das partes; ou a desnecessidade de se designar a audiência prévia, porquanto o juiz possui o dever de promover a autocomposição a qualquer tempo. Isso, quando simplesmente não se realiza a audiência sem a apresentação de qualquer justificativa. Na Justiça Federal, o cenário é agravado pelo fato de se lidar basicamente com entes públicos (art. 109, CF). A partir da indevida generalização de que todos os direitos envolvendo a Administração são indisponíveis, os casos frequentemente são classificados como não admitindo autocomposição (art. 334, §4º, II, do CPC). Dessa forma, desconsidera-se que, por vezes, o interesse público exige a disponibilidade de bens e direitos, tal como ocorre no fornecimento gratuito de benefícios, bem como a distinção entre interesse público primário e secundário e, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 253.885, ainda em 2002, entendeu possível a transação com o Poder Público, ficando expresso do voto condutor da relatora, Ministra Ellen Gracie, que ‘há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação desse interesse’. Desconsiderando-se doutrina e jurisprudência, ignora-se o artigo 334 do CPC. O que fora retratado é um recorte do que, infelizmente, acontece majoritariamente Brasil afora. Valendo-se da falta de rigor para com argumentos principiológicos, além de outras considerações equivocadas, o sistema formal da justiça cível estadual e federal vem, paulatinamente, sabotando a política pública que tem por propósito estatuir a consensualidade no país.282 A quem interessa contrariar a Política Pública estatuída pela Res. 125/2010, do CNJ? Quais as razões para tamanho empenho em desacreditar a importância dos métodos consensuais 281 BRUYN JR; TAKAHASHI, op. cit. 282 “O levantamento também identificou decisões com poucos ou nenhuma motivação para a não designação da audiência do artigo 334 do CPC. Geralmente são decisões em que, em despacho inicial, determina-se diretamente a citação do réu para apresentar contestação em 15 dias sem qualquer menção à audiência de conciliação e mediação. Há também casos de decisões breves com fundamentação lacônica, em que apenas se ressaltou que ela seria designada em fase posterior. Nesse sentido, a decisão dos magistrados se resumia apenas em apresentar que ‘a tentativa de conciliação, se for o caso, será realizada em fase posterior’. Na mesma categoria, algumas decisões apenas determinaram que ‘por não vislumbrar na espécie, diante da natureza da controvérsia posta em debate, a possibilidade de composição consensual, deixo de designar a audiência a que alude o disposto no artigo 334 do Código de Processo Civil’.” (SILVA; PARAVELA, op. cit., p. 523). 123 logo no início do processo judicial? Ao que parece, arvoraram-se no “entendimento” de que a referida audiência não é obrigatória, e seguem descumprindo determinação legal sem que nenhuma atitude seja tomada para coibir essa prática judiciária, ao que tudo indica, corriqueira. Ada Pellegrini Grinover283, ao reformular sua compreensão acerca da Teoria Geral do Processo, revisita o instituto da jurisdição, atribuindo natureza jurisdicional aos meios consensuais, possibilitando a que as novas gerações possam vislumbrar a justiça com olhares mais amplos e abertos à consensualidade. Importante frisar que é papel do CNJ acompanhar a criação, a manutenção, o regular funcionamento e a capacitação de conciliadores e mediadores, razão pela qual se destaca que é premente a fiscalização escorreita dos tribunais, por parte do CNJ, no sentido de fazer com que o sistema de justiça, magistrados e servidores cumpram o estatuído em lei, a fim de que a cultura da pacificação não retroceda. Por isso, o reforço dessa tese – a passagem prévia pelo pré-processual deve, sim, ser obrigatória, para as situações em que seja possível a transação, e desde que haja locus apropriado e pessoal capacitado para a realização da sessão, antes da distribuição da demanda. Porque, se assim não for, de nada adiantará aguardar que o sistema formal de justiça faça a sua parte, no sentido de estimular, de fato, as práticas consensuadas, a fim de que minimizemos o excessivo demandismo brasileiro. Importa considerar, ademais, que o art.334, § 9º do CPC estabelece a obrigatoriedade da presença de advogados ou defensores públicos na audiência em apreço. Importante regramento, que deveria se estender ao pré-processual, caso aprovada a alteração legislativa proposta neste trabalho acadêmico, já que serão os advogados do futuro que colaborarão para a consolidação da política pública em questão. Ao deixar nas mãos de parte da magistratura brasileira que faz o “coro do contra”, desafortunadamente, não conseguiremos fazer valer a política pública da consensualidade. Silva e Paravela284 concluem: A análise do conteúdo de decisões judiciais que, a despeito da obrigatoriedade legal, optaram pela sua não designação permite começar a identificar traços da consciência jurídica coletiva acerca da chamada ‘justiça consensual’ e sua internalização na litigância civil brasileira. Além disso, permite identificar esses traços a partir da percepção dos atores centrais do sistema de justiça, os magistrados e magistradas incumbidos da condução dos processos judiciais cíveis. 283 “Se, conforme nosso pensamento, a jurisdição compreende a justiça estatal, a justiça arbitral e a justiça consensual, é evidente que fica superado o conceito clássico de jurisdição.” (GRINOVER, 2018, op. cit., p. 18). 284 SILVA; PARAVELA, op. cit., p. 531-532. 124 [...] Os motivos adotados nas decisões chamam a atenção porque i) são variados, ii) fazem combinações de argumentos de diferente natureza e estatura hermenêutica e iii) revelam uma dificuldade concreta que nem mesmo a criatividade retórica das decisões consegue esconder. Mais uma vez, a razão última para a dificuldade da incorporação das audiências de conciliação no processo civil está além do que as fundamentações jurídicas podem captar. Carlos Alberto de Salles, ao questionar questões atinentes às opções do então novo CPC, acerca da obrigatoriedade da audiência de conciliação e mediação prevista no artigo 334, do CPC, já advertia: “A opção do novel código de processo poderia ter sido outra, exigindo das partes a realização e documentação de uma tentativa de solução consensual prévia e externamente ao processo judicial”.285 Valéria Lagrasta286 aponta algumas medidas para efetivar a audiência do artigo 334, do CPC, a saber: i) disciplinas especificas sobre métodos consensuais nas instituições de ensino públicas e privadas, nos cursos de graduação e pós-graduação, além de estabelecer, nas Escolas da Magistratura, cursos de iniciação funcional e de aperfeiçoamento, com módulos específicos acerca da temática; ii) considerar que as atividades relacionadas aos meios autocompositivos sejam consideradas como critério de merecimento nas promoções e remoções dos magistrados (alterando, assim, a Resolução CNJ n. 106/2010). Ou seja, não levar em consideração apenas os números de conciliações/acordos, mas também considerar a atividade antecedente a essa, qual seja, o encaminhamento dos processos ao CEJUSC; iii) realizar gestão junto aos entes públicos nas demandas em que envolvam matérias sedimentadas pela jurisprudência por meio de termos de cooperação e protocolos institucionais para permissão do uso dos métodos consensuais. Além de: iv) realizar gestão junto a empresas, públicas e privadas, e às agências reguladoras de serviços públicos, a fim de que implementem práticas autocompositivas, com criação de banco de dados e selo de qualidade para aquelas que solicitem a designação de sessões de conciliação ou mediação aos juízes; v) interlocução direta com a OAB, Procuradorias, Ministério Público e Defensorias Públicas a fim de que atuem em regime de plantão junto aos CEJUSCs (abrindo a possibilidade para que o pré-processual seja mais utilizado); vi) criação de uma Central de Monitoramento para fiscalizar a realização da referida audiência, além de inspeções e correições, tanto pelo CNJ como pelos tribunais; vii) cobrar para que todas as Comarcas onde haja dois juízos, juizados ou varas instalem os CEJUSCS, em prazo preestabelecido, com recursos materiais e de pessoal adequados ao bom desenvolvimento do 285 SALLES, no prelo, op. cit., p. 219. 286 LUCHIARI, 2020, op. cit., p. 512-515. 125 trabalho, com quadro de conciliadores e mediadores devidamente qualificados e em número suficiente para atender à demanda processual; viii) acompanhar, orientar e apoiar as localidades que apresentem dificuldades com o manejo dos métodos autocompositivos; ix) oferecer cursos de capacitação básica de conciliadores e mediadores por Ead e x) desenvolver plataformas de conciliação ou mediação on line, integradas ao sistema do processo digital dos tribunais, possibilitando o seu uso tanto no pré-processual como no processual. Por certo que implementar todas essas medidas benfazejas não se dará do dia para a noite, diante dos dilemas do Poder Judiciário, sempre tão burocrático e nem sempre interessado em promover a politica pública da consensualidade, mas não deixa de ser interessante pensar que há, sim, saídas para as dificuldades, em especial, o não cumprimento de uma determinação legal basilar para o implemento dos métodos consensuais no país. 2.4.1 Passagem pela conciliação pré-processual e prescindibilidade da audiência do artigo 334 do CPC Cumpre ressaltar que a passagem prévia pela conciliação pré-processual não seria um ato procedimental a mais, a corroborar a tese dos que discordam da imposição desse regramento, sob o argumento de que se estaria ferindo a liberdade das pessoas, na medida em que a imposição de um dever processual serviria apenas e tão só a estabelecer mais uma “fase” ao processo judicial, alargando o tempo processual e prejudicando quem opta de forma primeira e imediata pelo contencioso judicial. Importa adiantar que, realizada a sessão de conciliação pré-processual sem que tenha havido acordo parcial ou total, e uma vez proposta a ação judicial, a regra passará a ser a da prescindibilidade da audiência de conciliação e mediação prevista no artigo 334, do CPC (e também nas demais hipóteses legais que a contemplem como obrigatória, por exemplo, nas ações de família e possessórias), salvo quando o autor da possível demanda judicial solicite expressamente sua realização. Portanto, não há de se falar em alargamento de regras procedimentais, mas sim em, pragmaticamente, fazer com que as portas da consensualidade efetiva e concreta estejam à disposição de quem necessita de solução de conflitos antes da propositura de uma ação judicial. O artigo 3º, § 2º, do CPC, determina sempre que possível a promoção da solução consensual de conflitos, por parte do Estado, a quem cabe o fomento dos meios autocompositivos. O §3º do referido artigo anuncia, expressamente, que “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por 126 juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Importa considerar, portanto, que a palavra “inclusive”, na atual legislação processual, anuncia que métodos consensuais também podem existir no decorrer de processo judicial, dando a entender que é absolutamente correto que aconteça, também, fora do processo adversarial, por exemplo, na conciliação pré-processual. Desse modo, absolutamente consentâneo com o dinamismo da vida contemporânea, à luz de múltiplos mecanismos de solução de conflitos, exigir-se, para as situações passíveis de composição, a passagem obrigatória e prévia, com a consequente dispensa da repetição da tentativa de conciliação (exigida pelo artigo 334, do CPC) se esta restou inviável no tratamento pela via pré-processual ou extrajudicial, promovendo maior racionalização e dinamismo no processo judicial. Vide os artigos 334, § 4º, inciso I, c/c parágrafo único, do artigo 190, que estabelecem uma formalidade que não nos parece inderrogável se, por outras vias, se tentou igual solução. Se a crise judiciária brasileira atingiu os patamares insustentáveis que vivenciamos, evitar o demandismo exacerbado requer o repensar que ora se está a propor na presente tese, ou seja, a utilização de um meio consensual eficaz para a solução do dano alegado, em momento prévio ao desenvolvimento da contenda judicial como condição para propositura de demanda. O Judiciário não pode mais ser a primeira, única e mais rentável forma de solução de controvérsias. Deve ser exceção, e não a regra, desde que comprovadas, antes, a necessidade e a razoabilidade da utilização de uma máquina judiciária formal, morosa e cara. 2.4.2 Punição por acordos não realizados no setor pré-processual sempre que o resultado judicial final seja inferior à proposta de acordo rejeitada no pré-processual O fomento aos meios autocompositivos, a fim de fazer cumprir todo o estatuído no Microssistema de Soluções Consensuais de controvérsias também pode advir de punições possíveis no processo judicial, na fase da sentença, caso não tenha havido acordo na autocomposição, prática já adotada por outros países, como a Itália e a Inglaterra. Na Itália, por exemplo, há a previsão da condenação do vencedor no processo judicial ao reembolso das despesas em favor do vencido, caso tenha recusado, por ocasião da mediação, proposta feita pelo mediador cujo conteúdo corresponda inteiramente à solução judicial.287 287 Itália – Decreto Legislativo 28, de 04 de março de 2010. 127 Ou seja, se – na passagem prévia pelos meios autocompositivos – houve proposta por parte do conciliador idêntica ao que decidido pelo juiz no processo judicial, a parte (ainda que vencedora) que recusou a proposta do facilitador naquele momento, por não ter aceitado a composição, poderá ser punida pelo juiz, por não ter poupado o sistema judicial de uma demanda que poderia ter sido resolvida, com idêntica forma, pelas vias consensuais. No processo civil inglês, o processo judicial deve, sempre que possível, ser evitado. Vias judiciais somente para situações extremas. O estímulo ao uso dos meios autocompositivos é uma realidade, de sorte que, antes de dar início à demanda, ambas as partes devem fazer ofertas de acordo (seja com relação ao todo ou à parte do conflito). Caso as partes, nessa fase anterior à ação judicial, não consigam obter um acordo, e havendo a necessidade de uma demanda judicial, será levada em consideração, pelo juiz, eventual recusa imotivada de qualquer das partes à tentativa de utilização da autocomposição quando da prolação de sua decisão.288 Portanto, poderá o magistrado, ao decidir o processo judicial – na existência de similitude entre a proposta do conciliador na passagem prévia pelo Setor Pré-processual, por exemplo – aplicar sanção processual (que fica a seu critério, tendo por balizamento as possibilidades previstas no CPC) a quem não se furtou a procurar o sistema formal de justiça, podendo ter acertado o conflito em momento prévio. Ou até, por exemplo, levar em consideração o fato de que a parte deixou de comparecer (ou de se empenhar) nas práticas conciliatórias havidas no processo judicial (por exemplo, a passagem prévia pela autocomposição ou o não comparecimento na audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334, do CPC). O juiz poderá aplicar multa, por exemplo, por litigância de má-fé, nos termos dos artigos 80 e 81 do CPC. Só assim conseguiremos estabelecer o uso consciente e responsável do sistema de justiça formal, na medida em que a conduta da parte ao longo do processo (aceitando ou rejeitando tentativas de conciliação recomendadas pelo juiz ou até rejeitando boas propostas de acordo é de suma importância para o magistrado decidir ao final uma série de questões, inclusive relacionadas à litigância de má-fé e que em nada comprometem a sua imparcialidade289. 288 Civil Procedure Rules/CPRs, Part.3, Rules 3.1-3.10. 289 SOUZA, op. cit., p. 52. Grifos nossos. 128 Há de se levar em conta que as partes precisam agir com boa-fé processual e cooperar entre si e com o sistema de justiça, já que, repita-se, é dever dos juízes, advogados, defensores públicos e representantes do Ministério Público estimular os meios consensuais, a fim de institucionalizar e efetivar os meios suasórios no Brasil. A compreensão dessa regra, insculpida no artigo 3º, § 3º, do CPC, impõe a todos, e às partes também, caso estejam disponíveis CEJUSCs e CECONs aptos às práticas compositivas, o dever de esquivar-se, sempre que possível, do sistema formal e do processo judicial (o qual deve ser a ultima ratio para solução dos conflitos). Tal punição poderá ser estabelecida, desde que haja a efetiva exigência da passagem prévia pela conciliação, coibindo-se, também, o abuso do direito de ação, nos termos do que vem sendo proposto no presente trabalho acadêmico. 129 3 DIREITO ESTRANGEIRO: MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO CONDIÇÃO DE ACESSO À JURISDIÇÃO Valemo-nos de apontamentos de legislações alienígenas, para demonstrar caminhos e soluções de outros ordenamentos jurídicos, potencializando o propugnado no presente trabalho acadêmico. A análise do direito estrangeiro pode ser fundamental para a proposta que ora se apresenta. Aluísio Mendes290, ao defender esse método, afirma: [...] sob o ponto de vista científico, a busca do aprimoramento do conhecimento costuma ultrapassar fronteiras, ainda que estas sirvam para eventuais dificuldades ou competitividade. O parâmetro meramente local ou nacional para estudos vem dando lugar a pesquisas mais amplas e a estudos que envolvem alguns ou vários países. Dificilmente, pode-se conceber que um ramo científico fique limitado ao âmbito nacional. Pelo contrário, busca-se a afirmação de descobertas, a elucidação de questões, a formulação de teses que encontrem respaldo, utilidade e viabilidade de caráter universal, sem prejuízo de soluções e inovações peculiares. [...] Nesse cenário, o direito não pode ser entendido apenas como a ciência da interpretação de normas nacionais, pelo contrário, deve compreender a busca por modelos de prevenção e resolução de conflitos sociais no contexto de uma sociedade globalizada. Assim, o Direito Comparado torna-se uma verdadeira ‘usina de ideias’, rica em uma gama de possíveis soluções, na medida em que potencializa maiores chances de construção de melhores instrumentos para um determinado país, sendo certo que não há mais razões para que se restrinjam as pesquisas no âmbito nacional. Antes de traçar algumas linhas do direito de alguns países (Itália, Colômbia e Argentina), importa destacar os ensinamentos de Dinamarco acerca dos motivos pelos quais se deve – ou não – estudar e invocar regras de direito estrangeiro:291 Com a chegada do novo Código de Processo Civil a ciência processual civil brasileira vive atualmente uma grande necessidade de tomar consciência das realidades circundantes representadas pelos institutos e conceitos dos sistemas processuais de outras nações, para a busca de soluções adequadas, seguras e consistentes aos problemas da nossa justiça – particularmente no que diz respeito às inovações trazidas pelo novo código. E mais a frente, arremata: ‘para o jurista, sua utilidade consiste em proporcionar melhor compreensão do direito de seu país, pelo conhecimento dos exemplos, sucessos e fracassos de leis estrangeiras; c) só será legítima uma comparação jurídica quando útil pelo menos a um dos ordenamentos comparados; d) o direito comparado tem por objeto as leis de dois ou mais países, não sendo correto fazer comparações a partir exclusivamente do que diz a doutrina’ [...]. 290 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O direito processual comparado no mundo contemporâneo. Revista Eletrônica de Direito processual (REDP), v. 21, n. 2, 2020. p. 3-5. 291 DINAMARCO, 2016, op. cit., p. 302 e 315. 130 A Itália, além de ser o berço da civil law, nos legou muito do nosso direito processual civil. Suas raízes nessa matéria estão presentes no ordenamento jurídico brasileiro desde o nosso primeiro CPC; por certo, influenciou e influencia a legislação e a doutrina processual brasileira. Guardadas as devidas proporções e diferenças, também não se pode negar que os países do sistema judicial latino-americano guardam certa semelhança (ainda que haja muitas diferenças), fruto de nossa origem ibérica comum. A América Latina possui vasta experiência na implementação de mecanismos alternativos de solução de conflitos (MASC) – como é costumeiramente chamada a autocomposição de conflitos na região, em especial, nos últimos 30 (trinta) anos. Ao tratar sobre o desenvolvimento dos MARC ou MASC (medios alternativos de solución o resolución de conflitos), Oteíza292, além de destacar brevemente acerca da pobreza, da debilidade do processo democrático e da falta de confiança na Justiça na América Latina, faz apontamentos importantes sobre os mesmos, tratando-os, indistintamente, como um problema de política pública vinculado ao acesso à prestação jurisdicional, a saber: Para dar satisfacción a la demanda de acceso a la justicia el Estado debe destinar una parte del gasto público para afrontar el costo que representa el mantenimiento de la estrutura del servicio de justicia. Como la capacidad del Estado para sostener los gastos totales es escasa y el costo del servicio de justicia compite com otras necessidades sociales como la salud o la educación se deben fijar prioridades. Para Peña González el Estado enfrenta la encrucijada entre dotar de mayores recursos al servicio de justicia a los fines de expandirlo, de modo tal que la mayor cantidad posible de conflictos sea atendido, o bien implementar mecanismos alternativos que sustituyan la acción estatal directa. [...] La justicia es un bien público que compite con otros requerimentos de la sociedade de similar relevancia. Es correcto, em consecuencia, fijar prioridades y trazar estratégias para atender requerimentos sociales que compiten frente a la escassez de recursos. [...] Brindar la oportunidad de acceder a los MARC pr su mayor eficiencia para el tratamiento del conflicto significa que su implementación no está fundada sólo em la imposibilidad del Estado de distribuir recursos escasos entre todos los potenciales requirentes de esos bienes, sino em desatacar que hay razones sustantivas que lo justifican. O desenvolvimento dos métodos adequados de solução de controvérsias se deu pari passu com a transição democrática e a reinstauração do Estado de Direito na América do Sul. 292 OTEIZA, Eduardo. Punto de vista: Marc/Adr y Diversidad de Culturas: el ejemplo Latinoamericano. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 738. 131 Os países da região passaram por experiências autoritárias, e o ressurgimento da democracia, em compasso com as cartas constitucionais que foram sendo promulgadas, precisaria dar fôlego para que se melhorasse a prestação de serviços judiciários, a fim de que houvesse um progressivo desapego ao formalismo procedimental, típico das leis coloniais espanholas que deram ensejo à legislação processual de quase toda a América Latina. Em suma, promover mudanças institucionais para incorporar os meios alternativos aos sistemas de justiça latino- americanos. A partir de 1985293, a América Latina recebeu apoio financeiro da USAID (United States Agency for International Development), agência estadunidense encarregada de distribuir considerável ajuda externa de caráter civil. A partir dos anos 90, o apoio financeiro veio do Banco Mundial e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), por intermédio do Fundo Multilateral de Investimentos.294 O incremento, na América Latina, dos chamados “meios alternativos de solução de conflitos” deu-se, majoritariamente, na década de 90. Não se pode esquecer de que o Documento Técnico 319, editado pelo Banco Mundial em 1996295 incentivou a descentralização na administração da justiça com a adoção de métodos consensuais de solução de disputas e justiça restaurativa. A recomendação do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, prevista na Resolução n. 1999/96, também exortava a que os Estados latino-americanos estabelecessem formas alternativas ao sistema judicial tradicional.296 Na década de 90, uma série de conferências sobre o tema passou a ser realizada em diferentes localidades da América Latina com vistas a sensibilizar os gestores de conflitos. As iniciativas, em definitivo, produziram efeitos.297 Todavia, cada país tem suas peculiaridades, e não se quer no presente trabalho simplesmente transpor e copiar modelos estrangeiros, mas sim analisar, com acuidade, os 293 Ibid., p. 739-743. 294 Nesse sentido: “O Banco Mundial, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre outros, têm tentado contribuir para a promoção de um Estado de Direito na América Latina. A ênfase nas reformas tem se desenvolvido em três áreas principais: o aprimoramento do desempenho da justiça, a introdução de reformas legislativas e a promoção da resolução alternativa de conflitos.” (CRESPO, Mariana Hernandez. Perspectiva sistêmica dos métodos alternativos de resolução de conflitos na América Latina: aprimorando a sombra da lei através da participação do cidadão. In: ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez. Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 47). 295 DAKOLIAS, op. cit. 296 TARTUCE, 2015, op. cit., p. 21. 297 FALECK, Diego; TARTUCE, Fernanda. Introdução histórica e modelos de mediação. In: TOLEDO, Armando Sérgio Prado de; TOSTA, Jorge; ALVES, José Carlos Ferreira (orgs.). Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 179. 132 possíveis sucessos e fracassos de países-paradigmas, a fim de que sugestões de reformas tenham o referencial de direito estrangeiro como mais um parâmetro a ser levado em consideração. Não se deve, pois, apenas transplantar medidas adotadas por outros países para o Brasil. Necessário a análise de outros ordenamentos, a fim de que a proposta da presente tese seja coerente com o sistema brasileiro – em especial o Microssistema Brasileira de Solução de Controvérsias – com aproveitamento da legislação já existente. É o que afirma Michele Taruffo: “o melhor modo de conhecer o próprio ordenamento é o de conhecer outros ordenamentos”. 3.1 ITÁLIA A Itália, berço da civil law, possui um ordenamento jurídico tradicional, delineado pela solução adjudicada, heterocompositiva. Tem, portanto, apego e especial afeição pela solução judicial de conflitos, como consequência direta da confiabilidade e respeito do povo italiano no processo judicial e na sua magistratura – ainda que críticas existam, em especial, no tocante à falta de celeridade processual. Portanto, ainda causa espanto e uma certa insegurança na população a possibilidade de utilização de métodos consensuais de solução de conflitos naquele país.298 Todavia, é fato que a Itália convive, hoje, com a autocomposição, em razão direta do importante papel desempenhado pela Diretiva299 52/2008 da União Europeia300, que promoveu 298 HILL, Flávia Pereira. A nova Lei de Mediação Italiana. Revista Eletrônica de Direito processual REDP, v. VI, n. 6, p. 294-321, 2010; FARIA. Marcela Kohlbach. Os Meios Alternativos de Solução de Controvérsias em uma perspectiva comparada. Revista Eletrônica de Direito Processual REDP, v. IX, n. 9, p. 458-480, 2012. 299 “Os antigos tratados que criaram a Comunidade Econômica Europeia e os vários outros atos que definem sua organização geraram instituições (Comissão, Conselho de Ministros, Corte de Justiça e Parlamento), conferindo- lhes competências normativas cuja produção é denominada como Direito Comunitário derivado (já que o Direito Comunitário Originário é composto justamente desses tratados que criaram a organização europeia). Dentre as normas derivadas, encontramos os regulamentos diretamente aplicados pelas administrações e jurisdições dos Estados-membros, integrando a legalidade que se impõe à ação administrativa desde sua publicação no Jornal Oficial da Comunidade, de modo que todo administrado pode dele se valer e as leis posteriores não podem fazer obstáculo à sua aplicação. Outra modalidade de norma derivada é a diretiva, prevista no art. 189 do Tratado de Roma, que liga todo Estado-Membro destinatário quanto ao resultado ou objetivo a ser buscado, deixando às instâncias nacionais a definição quanto à forma e os meios a serem empregados, aspecto que justamente permite a edição de regulamentos internos por cada país para tratar desses temas.” (FRANCISCO, José Carlos. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 204). 300 UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 52. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/eli/dir/2008/52/oj. Acesso em: 12 out. 2020. Sobre o tema: “[...] os atos jurídicos da União Europeia são a lei europeia, a diretiva europeia, o regulamento europeu, o regulamento europeu delegado, a decisão europeia, as recomendações e os pareceres. [...] as diretivas ou leis-quadro europeias são atos normativos de natureza legislativa que vinculam os Estados-Membros destinatários quanto aos resultados a serem alcançados, no entanto, deixando às instâncias nacionais dos Estados- Membros a competência para a escolha da forma e dos meios para melhor implementar esses resultados (semelhantes às diretivas). Em regra, tanto as leis europeias quanto as diretivas são adotadas mediante proposta da Comissão Europeia, sendo produzidas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho de Ministros nos termos de 133 uma verdadeira revolução, diante das tradições romano-germânicas, obrigando que cada Estado-membro (dentre eles, a Itália) dispusesse em sua legislação interna (seja no Código de Processo Civil, seja em legislação esparsa), acerca dos métodos consensuais para solução de conflitos.301 A Diretiva, ao estabelecer o dever de todos os Estados-membros de legislarem acerca da consensualidade como forma legítima e legal para erradicação das controvérsias de seus nacionais, enfrentou a tradição dos países-membros, dinamizando o direito processual contemporâneo europeu.302 O Parlamento Italiano, para fazer cumprir a Diretiva 52/2008, editou a Lei 69, de 18 de junho de 2009, conhecida como Lei de Reforma do Processo Italiano, e, em seu artigo 60303, incumbiu o Governo para que, em seis meses, a contar da vigência da referida lei, por meio de decreto legislativo, estabelecesse regras acerca da mediação no âmbito civil e comercial. Surgira, assim, o Decreto Legislativo 28, de 04 de março de 2010304, editado pelo Governo Italiano, com todas as regulamentações pertinentes à mediação.305 Naquilo que mais de perto nos interessa, a Itália estabeleceu, no artigo 5º, do Decreto Legislativo de 2010, a mediação prévia como condição da ação para propositura de demanda judicial. O artigo 5º estabelece a autocomposição prévia como condição da ação (logo, obrigatória), quando o conflito de interesses envolver as seguintes matérias: condomínio, direitos reais, divisão, sucessão hereditária, direito de família, comodato, locação, processo legislativo ordinário (sendo possível a produção desses atos mediante processos legislativos especiais, inclusive por iniciativa do Banco Central)” (FRANCISCO, 2009, op. cit., p. 205-206). 301 Acerca do Decreto Regulamentador da Mediação na Itália, o jurista Lotario Dittrich asseverou se tratar de: “um procedimento legislativo ambicioso e articulado, que pretende implementar os resultados de um debate científico que teve início nos anos 70 nos Estados Unidos vindo depois aportar no velho continente onde tem experimentado sortes distintas.” (VETIS ZAGANELLI, Margareth; SANTOS JR., Jamiro Campos dos. A mediação em matéria civil e comercial como método alternativo de solução de litígios no ordenamento italiano. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 70, p. 461-486, 2017). 302 A Itália sempre foi muito reticente quanto à utilização dos métodos alternativos, mas atualmente, encontra índices de mais de 40% de acordos efetuados (HILL, 2020, op. cit.). 303 Para tanto, a Lei 69/2009 estabeleceu norteamentos para a feitura do decreto legislativo, a saber : i) contemplar a mediação a solução de litígios envolvendo direitos disponíveis, ii) a instituição de um Registro dos organismos de mediação, mantido pelo Ministério da Justiça, iii) possibilidade de a Ordem dos Advogados e os conselhos profissionais instituírem órgãos de mediação, iv) possibilidade de desenvolvimento da mediação por meios eletrônicos, v) possibilidade de o mediador nomear peritos, caso seja necessário conhecimento específico, vi) previsão dos honorários dos mediadores em regulamento, sendo majorado o valor em caso de celebração de acordo, vii) previsão do dever de o advogado informar seu cliente sobre a possibilidade de mediação antes da instauração do processo judicial, viii) concessão de vantagens fiscais para a celebração de acordo, ix) previsão da condenação do vencedor no processo judicial ao reembolso das despesas em favor do vencido, caso tenha recusado, por ocasião da mediação, proposta feita pelo mediador cujo conteúdo corresponda inteiramente à solução judicial, x) vedação a que a mediação tenha duração superior a quatro meses, xi) garantia de imparcialidade, neutralidade e independência do mediador, xii) previsão de que o acordo de mediação tenha eficácia executiva e constitua título executivo para fins de hipoteca judicial. (HILL, 2010, op. cit., p. 298-299). 304 Entrou em vigor em 20 de março de 2011. 305 PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. A imposição da mediação como decorrência da Política Pública da União Europeia para a resolução consensual de conflitos. Revista do Programa de Direito da União Europeia, n. 7, p. 115-128, 2016. 134 ressarcimento de danos derivado de circulação de veículos e barcos (também sem motores), de responsabilidade médica e da difamação por meio de publicação em qualquer outro meio de publicidade, contratos assegurativos, bancários e financeiros.306 A Itália fez a opção pelo método autocompositivo da mediação ( ainda que haja , na legislação italiana, a previsão da prática da conciliação endoprocessual e extraprocessual). E estabeleceu a mediação obrigatória como condição para a propositura das demandas acima especificadas. Com fulcro no artigo 1º, do decreto em apreço, nos ensina Flávia Hill que a denominação “mediação”, na Itália, tem como alcance a busca da conciliação: O Decreto adota conceito abrangente do instituto, contemplando a mediação dita facilitadora pela doutrina italiana , na primeira parte do dispositivo, ao mencionar a função do mediador de auxiliar as partes no alcance de uma solução consensual, bem como a mediação chamada de valorativa ou adjudicatória, em sua parte final, ao aludir à possibilidade de formulação de proposta pelo mediador. Em outras palavras, na primeira hipótese, são as partes que diretamente formulam as propostas, contando com a ajuda do mediador para estabelecer e fortalecer o canal de diálogo, enquanto que, na segunda, é o mediador quem elabora a proposta com base em sua avaliação a respeito das posições apresentadas, cabendo às partes aceitá-la ou não. De fato, o Decreto refere-se à mediação como sendo o processo de tratativas presidido pelo mediador e a conciliação, por seu turno, como sendo o resultado buscado, ou seja, a celebração de um acordo . A conciliação seria, pois, nos termos do Decreto, a etapa final de um processo de mediação bem sucedido. Portanto, em todas as causas em que versem tais matérias, cabe ao pretenso autor, antes de acionar o sistema de justiça adversarial, promover a competente autocomposição prévia, valendo-se do método da mediação , tendo em vista que, na Itália, nessas situações, a passagem pelos métodos consensuais é condição para a propositura de ação judicial. Se houver desobediência a esse imperativo legal, poderá o réu alegar a questão nos autos do processo judicial. Outrossim, também é possível o juiz conhecer a questão de ofício até a data da audiência designada, cabendo ao magistrado fixar prazo de quinze dias para que a mediação seja instaurada pelas partes, sob pena de extinção da demanda. Se a mediação, já iniciada, ainda não estiver concluída, cabe ao juiz marcar a audiência subsequente depois do fim do prazo de 04 (quatro) meses, que é o limite máximo de duração da mediação na Itália.307 306 De acordo com o art. 5º, §4º, há exceções, ocasião em que não ocorrerá a mediação obrigatória (exemplos: nas ações possessórias, até a apreciação de medida urgente ; procedimentos de injunção; impugnação de execução forçada; ação civil ex delicto etc.). 307 O artigo 6º, do referido decreto, dispõe o seguinte: “O processo de mediação tem uma duração não superior a quatro meses”. 135 Nos demais conflitos de interesses, as partes, se desejarem, tendo em vista que não há obrigatoriedade de passagem prévia pela mediação, também poderão se valer dos meios autocompositivos para solução de suas contendas, antes ou durante o processo. Na Itália, doutrinadores chegaram a considerar inconstitucional o artigo 5º, do Decreto Legislativo, mas a Corte Constitucional italiana pôs fim à controvérsia, decidindo no sentido de que somente seria inconstitucional a passagem prévia pela mediação, como condicionante de uma demanda judicial, se a mediação prévia protelasse injustificadamente a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, causando evidente prejuízo às partes, o que, in casu, não aconteceria, já que, na Itália, a mediação prévia obrigatória possui duração máxima de 04 meses (art. 6º); não prejudica a concessão de medidas urgentes (art. 5º, §3º) e impede que ocorra a prescrição e a decadência (art 5º, §6º). Julgamento recente, de 2017, aponta que tal questão também foi objeto de discussão na União Europeia, perante a Corte de Justiça Europeia, acerca da possibilidade de exigir-se prévia tentativa de conciliação e/ou mediação extrajudicial. Segundo Vinícius Ribeiro Cazelli e Ricardo R. Ferro308 Vê-se, portanto, que, a despeito da inicial resistência dos italianos, aculturados que sempre foram pelas métodos heterônomos e adjudicatórios, os meios consensuais vêm sendo cada vez mais utilizados, possibilitando que a Itália se alinhe com outros países europeus como Bélgica, Alemanha, que já se valem dos meios adequados de solução de disputas.309 Ainda que haja vozes contrárias, em especial, à obrigatoriedade da mediação, nos termos 308 O entendimento foi manifestado pela Corte de Justiça da União Europeia (CJUE) quando do recente julgamento (opinião entregue em 14 de junho de 2017) do caso Menini & Rampanelli v. Banco Popolare Società Cooperativa (caso C-75/16), em matéria relacionada a questões de consumo. O nó górdio que se punha era saber se a previsão em lei nacional de procedimentos de prévia mediação obrigatória seria (ou não) compatível com a legislação consumerista e com garantia de livre acesso ao sistema judicial. O imbróglio restou decidido pela primeira câmara da CJUE em 14 de junho de 201719 no caso C-75/16, Menini & Rampanelli v. Banco Popolare–Società Cooperativa, o qual trouxe importantes contribuições sobre a possibilidade de adoção de procedimentos de conciliação extrajudicial obrigatórios como método alternativo de solução de litígios por países da União Europeia. [...] A CJUE, com base na questão submetida pela corte italiana, fixou a interpretação de que procedimentos obrigatórios de conciliação prévia são plenamente compatíveis com direitos do consumidor e com a garantia de acesso à justiça. [...] A CJUE decidiu que a natureza voluntária de mecanismos alternativos de solução de disputas não se funda na liberdade de acesso dos consumidores, mas sobretudo na liberdade de processo. O que é importante não é se as partes podem (ou não) escolher um mecanismo de SAD, mas o fato delas mesmas, quando da escolha, continuarem responsáveis pelo processo, podendo organizá-lo como desejem ou encerrá-lo ao tempo que entenderem. Em outras palavras, é irrelevante o fato de um sistema de mediação ser obrigatório ou facultativo, desde que o direito de acesso ao sistema judicial pelas partes seja mantido. [...] A decisão da CJUE representou, assim, importante passo para compatibilizar o direito de acesso efetivo à justiça de um lado e a utilização compulsória de procedimentos alternativos de solução de disputas de outro. (CAZELLI, Vinícius Ribeiro; FERRO, Ricardo Rage. Conciliação e Mediação obrigatória para uso racional da máquina judiciária – Experiência na União Europeia e na Colômbia. Revista Eletrônica de Direito processual REDP, v. 21. n. 2, p. 413-420, 2020). 309 VETIS ZAGANELLI, Margareth; BASTOS BECHEPECHE ANTAR, Natália. O instituto da mediação na reforma do processo civil italiano de 2009. Boletín mexicano de derecho comparado, v. 46, n. 136, p. 377-393, 2013. p. 380-381. 136 do artigo 5º, do Decreto Legislativo, há doutrinadores (como Andrea Proto Pisani e Michele Lupoi) que defendem a mediação obrigatória, alegando que não há descumprimento de princípios constitucionais, pois não se nega acesso ao Poder Judiciário.310 Segundo Flávia Hill311, entre os anos de 2011 e 2017, o volume de tentativas de mediação, na Itália, foi da ordem de 43,98%, e o número de acordos realizados ao final da mediação na ordem de 43,90%, a despeito da natural resistência de um povo que , desde tempos imemoriais, vale-se do processo judicial para solução de suas controvérsias. Outras peculiaridades da consensualidade na Itália, abaixo descritas, podem nos servir de referencial teórico e legislativo. Nos termos do artigo 4º, § 3º, do Decreto Legislativo, há um dever expresso ao advogado: o dever de informar por escrito ao seu cliente sobre a existência das formas consensuais para solução de seu conflito de interesses (seja o conflito listado ou não no rol que exige a mediação obrigatória), sob pena de anulabilidade do contrato a ser firmado com a parte. O mediador, na Itália, é pessoa ou pessoas físicas (mediador e co-mediador) que, individual ou coletivamente, realizam a mediação, apoiando as partes conflitantes, de forma imparcial, a fim de que busquem uma composição amigável ou formulem uma proposta de solução para a contenda. Não há, na Itália, mediadores autônomos. Necessariamente, devem compor um dos organismos (públicos ou privados), que demonstrem eficiência e seriedade no exercício das funções, inscritos em registro no Ministério da Justiça Italiana e, em matéria consumerista, também no Ministério do Desenvolvimento Econômico. Há, em cada um desses organismos, um Código de Ética, que deve ser seguido à risca, corroborando a fiabilidade da mediação italiana, bem como uma tabela de honorários e custas. Existe, também, a possibilidade de que o Conselho da Ordem dos Advogados possa constituir órgãos (organismos) de mediação, assim como outros conselhos profissionais também o possam, desde que haja autorização do Ministério da Justiça. Por fim, também é possível que haja órgãos de mediação nas Câmaras de Comércio para simples demandas. O mediador, necessariamente, não precisa ser advogado. Segundo Margareth Vétis Zaganelli e Jamiro Campos dos Santos Jr.312, os mediadores devem ser titulares de uma 310 Conforme apontamentos de SANTANA, Ana Carolina Squadri; PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. Considerações sobre a mediação no direito italiano. Academia Edu, s. d. Disponível em: https://www.academia.edu/19710949/CONSIDERA%C3%87%C3%95ES_SOBRE_A_MEDIA%C3%87%C3% 83O_NO_DIREITO_ITALIANO. Acesso em: 21 nov. 2020. p. 9. 311 HILL, 2020, op. cit., p. 489. 312 VETIS ZAGANELLI; SANTOS JR., op. cit. 137 qualificação igual ou superior a diploma universitário de três anos, ou, como alternativa, deve ser membro de um órgão ou conselho profissional e possuir formação específica com atualização de pelo menos dois anos, realizada em entes de formação habilitados para tal mister. Submetem-se, como no Brasil, aos princípios da celeridade, informalidade, imparcialidade confiança, pessoalidade, idoneidade, eficiência e sigilo. O prazo de duração da mediação, na Itália, será de, no máximo, 04 (quatro) meses, contados da data de apresentação do pedido de realização da mediação ou da data estabelecida pelo juiz para que a mediação ocorra. Importante destacar esse prazo máximo, já que, com isso, restam configuradas a eficiência e a agilidade dos métodos consensuais, não se podendo alegar tempo desperdiçado ou protelação do meio autocompositivo na solução da controvérsia, além, é claro, de ser condição imprescindível para que não se alegue inconstitucionalidade do decreto legislativo italiano. Na Itália, para além da mediação prévia obrigatória para as demandas já destacadas, a legislação prevê benefícios fiscais. Como benefícios fiscais, foi garantido às partes que utilizam o processo de mediação e pagam os honorários às pessoas nomeadas para conduzir o processo de mediação, no caso de êxito desta, receberão um crédito fiscal de até 500 euros, e de insucesso, este crédito será reduzido pela metade. Nota- se aqui, que à parte que buscar o processo de mediação ainda que nesse não haja acordo será garantido um benefício.313 Se a mediação foi satisfatória e obteve-se a conciliação das partes, o acordo escrito tem, como no Brasil, eficácia executiva, constituindo-se título para inscrição em hipoteca judicial. Caso não cheguem a um bom termo, o mediador poderá fazer uma proposta de conciliação (que pode ser feita em qualquer caso), havendo pedido conjunto das partes314. Antes de fazer essa proposta – em ata e assinada por todos os presentes –, o mediador deve assinalar aos contendores as consequências da não obtenção do acordo, em especial, no que concerne às despesas processuais, visto que, na Itália, o legislador impôs uma sanção em decorrência da discordância da proposta de acordo, ou seja, se a sentença judicial corresponder integralmente à proposta de acordo feita pelo mediador e for recusada pela parte vencedora, esta suportará as despesas do processo e os honorários do mediador.315 313 VETIS ZAGANELLI; BECHEPECHE ANTAR, op. cit., p. 383. 314 A se pensar, para discussões futuras: como o processo tem um custo para o Poder Público, a solução sem judicialização poderia ser estimulada com pagamentos para as partes que conciliarem. 315 Artigo 13, do referido decreto, relativo às custas do processo, prevê: «1. Quando a medida que põe termo ao litígio corresponda inteiramente ao conteúdo da proposta, o juiz negará a restituição das despesas suportadas pela parte vencedora que tenha recusado a proposta, referentes ao período 138 3.2 COLÔMBIA Na América Latina, o desenvolvimento dos métodos consensuais como solução de controvérsias ganhou notoriedade a partir da década de 90, com a edição do documento técnico de número 319/96, editado pelo Banco Mundial.316 Fernanda Tartuce317, sobre o tema: Na América Latina, o desenvolvimento de ‘meios alternativos de solução de conflitos’ ganhou atenção na década de 90. Documento técnico editado pelo Banco Mundial em 1996 exortou a descentralização na administração da justiça com a adoção de políticas de mediação e justiça restaurativa (recomendação igualmente preconizada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, na Resolução n. 1.999/96, para que os Estados contemplassem procedimentos alternativos ao sistema judicial tradicional). A Colômbia é um dos países latino-americanos que possui vasta experiência acerca da implementação dos meios autocompositivos de solução de disputas. Foi o primeiro país da América Latina a dar status constitucional à temática da consensualidade, ao prever, em seu artigo 116, que as pessoas físicas podem ser temporariamente investidas da função de administrar a justiça como jurados em processos criminais, como conciliadores, ou como árbitros autorizados pelas partes para julgar na lei ou na equidade, nos termos que a lei determinar.318 Segundo Eduardo Castillo Claudett, normas dessa natureza, inseridas no texto constitucional colombiano, mostram que o país possui uma noção flexível de administração de justiça, na medida em que deixa de ser um assunto exclusivo do Estado para passar a ser subsequente à formulação da mesma, e condená-la-á ao reembolso das despesas suportadas pela parte vencida relativas ao mesmo período, bem como ao pagamento a favor do Orçamento do Estado de uma quantia adicional de valor correspondente ao da quantia já paga a título de taxa de justiça unificada devida. Os artigos 92.° e 96.° do Código de Processo Civil [Codice di procedura civile] são aplicáveis. As disposições do presente número aplicam- se igualmente às despesas com a remuneração paga ao mediador e com os honorários devidos ao perito nos termos do artigo 8º, nº 4. (ITÁLIA. Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção). Processo C-492/11. 27 ju. 2013. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62011CJ0492&from=BG. Acesso em: 28 out. 2020). 316 DAKOLIAS, op. cit. 317 TARTUCE, 2015, op. cit., p. 21. 318 COLÔMBIA. [Constituição (1991)]. Constitución Política de 1991. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: http://www.suin-juriscol.gov.co/viewDocument.asp?ruta=Constitucion/1687988. Acesso em: 13 jun. 2019. 139 exercida por diversas instâncias sociais e comunitárias, inclusive, reconhecendo a capacidade dos cidadãos de resolver seus próprios assuntos de maneira privada. 319 Importante destacar que a definição dos meios autocompositivos de solução de controvérsias pelo texto constitucional como uma forma de administração de justiça é deveras sui generis, mormente se comparado à forma como a temática fora tratada nos demais países da América do Sul, tendo em vista que desmonopoliza o poder judicial formal, quando reconhece, nesses mecanismos, nítido caráter jurisdicional. Alejandra Mera320, a propósito: Por otra parte, la Corte Constitucional ha señalado que ‘el propósito fundamental de la administración de justicia es hacer realidad los principios y valores que inspiran al Estado Social de Derecho, entre los cuales se encuentran la paz, la tranquilidad, el orden justo y la armonía de las relaciones sociales, es decir, la convivencia’ y ‘para la Corte es claro que esas metas se hacen realidad no solo mediante el pronunciamiento formal y definitivo de un juez de la República, sino que asimismo es posible lograrlo acudiendo a la amigable composición o a la intervención de un tercero que no hace parte de la rama judicial’. [...] Esta mezcla de fundamentos permanecen en la actualidad. Así, en el Plan Nacional de Desarrollo del Gobierno 2010-2014, se señala que ‘Los Mecanismos Alternativos de Solución de Conflictos (MASC) deben seguir contribuyendo a la no judicialización de los conflictos, a la resolución pacífica de controversias, a la descongestión de los despachos judiciales y a fortalecer la cultura dialogal’. Ou seja, os fundamentos e as justificativas para a introdução dos meios consensuais na Colômbia, de início, foi o descongestionamento do sistema de justiça, mas também a criação de um sistema efetivo de solução de conflitos. Atualmente, a despeito de críticas de doutrinadores (para quem não é possível atribuir aos meios consensuais a tarefa hercúlea de diminuir o número de processos, seja em que país for), continua sendo essa a finalidade dos meios alternativos de solução de disputas na Colômbia – desjudicializar e fortalecer a cultura da autocomposição, sempre na busca do diálogo e da cultura da paz. Na América Latina, a Colômbia também foi o primeiro país a legislar ordinariamente acerca da matéria (Decreto 2651/1991 e Ley 23/1991321). 319 CLAUDETT, Eduardo Castillo. Colombia. Dossier resolución alternativa de conflictos em América. Revista CEJA. Disponível em https://sistemasjudiciales.org/wp-content/uploads/2018/09/dossier.pdf. Acesso em: 27 jun. 2019. 320 MERA, Alejandra. Mecanismos alternativos de solución de conflictos en américa latina diagnóstico y debate en un contexto de reformas. CEJA, 2016. Disponível em: http://biblioteca.cejamericas.org/handle/2015/4093. Acesso em: 17 mai. 2019. p. 385-386. 321 COLÔMBIA. Decreto Ley 2651 de 1991. Por el cual se expiden normas transitorias para descongestionar los Despachos Judiciales. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=14319. Acesso em: 13 jun. 2019. 140 Em compasso com a previsão constitucional, várias outras leis acerca dos meios consensuais foram editadas na Colômbia: Ley 446/1998 (que alterou artigos do Código de Processo Civil Colombiano e do Código Contencioso Administrativo, derrogou alguns artigos da Ley 23/1991 e ditou outras disposições sobre descongestionamento, eficiência e acesso à prestação jurisdicional); Decreto 1818/1998, Ley 640/2001; Ley 1098, de 2006; Ley 1285/2009 (que alterou artigos do Estatuto da Administração da Justiça); Ley 1395, de 2010; Ley 1437, de 2011; Ley 1564, de 2012; Ley 1579, de 2012; Ley 1801/2016; Ley 1996, de 2019, o que, muitas vezes, dificulta a compreensão do sistema de conciliação colombiano. De outra parte, segundo Harvey Peña Sandoval, o Governo, no exercício de suas faculdades de regulamentação de normas, tem expedido um número considerável de decretos, resoluções e circulares (por exemplo, o Decreto 1069/2015). O mais correto e coerente seria a criação de um Estatuto da Conciliação, a fim de facilitar a compreensão do que se passa na Colômbia acerca dos métodos autocompositivos, facilitando a compreensão dos que desejam conhecer o sistema, promovendo, acima de tudo, segurança jurídica.322 Portanto, há 29 (vinte e nove) anos foi institucionalizada a autocomposição na Colômbia, não só em razão da vasta e esparsa legislação ora mencionada, mas sobretudo porque os métodos consensuais alcançaram status constitucional.323 Esse reconhecimento constitucional é um fator importante para a promoção da política de conciliação. O que não quer dizer que ainda não haja problemas e revezes a serem resolvidos na Colômbia. A Colômbia (como toda a América Latina) é um sistema de civil law, e sempre teve no processo judicial a COLÔMBIA. Ley 23 de 1991. Por medio de la cual se crean mecanismos para descongestionar los Despachos Judiciales, y se dictan otras disposiciones. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=654. Acesso em: 13 jun. 2019. 322 PEÑA SANDOVAL, Harvey. Recomendaciones para una ley de conciliación. Revista de conciliación extrajudicial en derecho del centro de arbitraje y conciliación de la Cámara de Comercio de Bogotá, Bogotá, n. 1, p. 12-21, 2019. p. 12. 323 “[...] El reconocimiento en la Carta Política del país ha sido un gran avance porque há permitido el apoyo de la Rama Ejecutiva para la institucionalización de la conciliación y la Rama Judicial a través de sus Cortes cuando deben pronunciarse sobre una norma relativa a esta forma de resolución de conflictos o un acuerdo conciliatorio en concreto, ya que este es el fundamento jurídico de más alto rango. En Colombia poco se discute sobre las bases jurídicas de la conciliación; el gremio de los abogados tiene consenso sobre su existencia y validez jurídica. El país ha venido desarrollando un fuerte constitucionalismo del derecho y la conciliación no ha sido ajena a esta tendencia. Las decisiones de la Corte Constitucional sobre la materia han sido de gran impacto, ya sea para fortalecerla, como es el caso de las Sentencias C-160 de 1999, C-247 de 1999 y C-1195 de 2001, o para limitarla, como fue el caso en particular de la Sentencia C-895 de 2001.” (PEÑA SANDOVAL, Harvey. 25 Años del Sistema Nacional de Conciliación en Colombia. Avances y Oportunidades. La Trama, Revista interdisciplinaria de mediación y resolución de conflictos, n. 48, 2016. Disponível em: http://www.revistalatrama.com.ar/contenidos/larevista_articulo.php?id=322&ed=48. Acesso em: 04 abr. 2020. p. 2-3). Nesse sentido, PARRA QUIJANO, Jairo. La administración de justicia em Colombia. S.d. Disponível em: https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/4/1978/8.pdf .Acesso em: 04 abr. 2020. 141 única saída para a solução dos problemas da sociedade. Romper esse arquétipo, ainda que após quase 30 (trinta) anos da institucionalização da conciliação no país, não se faz tão-só pela implementação de ampla legislação acerca do tema. 3.2.1 Sistema Nacional de Conciliação, Espécies de Conciliação Na Colômbia, há um Sistema Nacional de Conciliação, liderado pelo Ministério da Justiça e Direito, de onde acorrem a maioria das leis relacionadas à autocomposição colombiana. O Ministério possui uma Diretoria para Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos, responsável por formular, coordenar, disseminar e promover políticas públicas para aumentar os níveis de acesso à jurisdição por meio de métodos consensuais. Cabe ao Ministério a criação dos Centros de Conciliação, e, ao fazê-lo, exerce o controle e vigilância sobre estes, tendo em vista que são nos Centros de Conciliação que ocorrem as sessões de conciliação, para além de também ser responsabilidade dos Centros a formação e qualificação dos conciliadores colombianos. Ademais, cabe aos Centros de Conciliação enviar para o governo federal todos os dados estatísticos acerca da política pública em questão. De outra banda, o Conselho Superior da Magistratura se encarrega de exercer o controle e a vigilância do trabalho desempenhado pelos conciliadores. Um dos fatores que norteiam o sucesso dos meios consensuais reside no fato da qualidade da formação do conciliador. Só com formação rigorosa e amplamente qualificada se consegue obter êxito nas audiências havidas nos Centros de Conciliação.324 Para fazer avançar a qualidade dos serviços consensuais, a Colômbia talvez seja o único país que conta com uma norma técnica de qualidade dos centros de conciliação (NTC -5906 de 2012).325 As partes confiam muito mais nos Centros de Conciliação que possuem o selo de qualidade referendado pela norma técnica em apreço e se espera que todos os demais cumpram 324 “La formación en conciliación es fundamental para que los futuros conciliadores tengan los fundamentos teóricos y prácticos de este método. Como se dijo anteriormente, el servir como conciliador es resultado del estudio de la conciliación. El Gobierno Nacional es quien avala a las entidades interesadas en formar los conciliadores y es necesario que se establezca el control, la inspección y vigilancia que garantice la calidad de la formación en la materia. La responsabilidad que tiene el Estado de vigilar esta actividad es equiparable a la del otorgamiento de los registros de los programas de las universidades. Si el conciliador es un particular que administra justicia transitoriamente, por la importancia y responsabilidad que esto conlleva, se debe contar con la preparación profesional previa y vigilar cómo se están formando los aspirantes a ser conciliadores.” (PEÑA SANDOVAL 2019, op. cit., p. 16). 325 PEÑA SANDOVAL, 2016, op. cit., p. 13. 142 com as exigências da NTC 5906, de 2012, a fim de que haja, sempre, melhorias nos serviços prestados pelos conciliadores.326 Segundo Harbey Pena Sandoval327, Solamente con el trabajo liderado por el Ministerio de Justicia y del Derecho, articulado con el Consejo Superior de la Judicatura, el Ministerio del Trabajo, el Ministerio de Educación Nacional, la Procuraduría General de la Nación, la Fiscalía General de la Nación, la Defensoría del Pueblo, el Instituto Colombiano de Bienestar Familiar, la Superintendencia de Notariado y Registro, Ministerio del Interior, la Agencia Nacional de Defensa Jurídica del Estado, la Policía Nacional, los centros de conciliación, conciliadores, las entidades avaladas para formar conciliadores y todas aquellas entidades que tengan funciones o relación con la conciliación, se podrían aunar esfuerzos con un mismo propósito: la cultura conciliatória. Imperioso destacar o que é a conciliação colombiana e quais as espécies de conciliação daquele país. Segundo Harvey P. Sandoval, o artigo 68, da Lei 446/1998, estabelece que a conciliação é mecanismo de solução de conflitos por meio do qual duas ou mais pessoas chegam por si à solução de suas diferenças com a ajuda de um terceiro neutro e qualificado, denominado conciliador. Segundo o autor, a classificação da conciliação nem precisaria existir, já que todas as espécies de conciliação seguem essa regra. Mas elas existem. Há a conciliação judicial (dentro do processo, como sói acontecer em quase todos os Códigos de Processo Civil dos países ocidentais), e a conciliação extrajudicial ( fora e antes do processo). E a conciliação extrajudicial pode ser em direito ou em equidade. Para a tese em apreço, interessa-nos a conciliação extrajudicial (“en derecho” ou “en equidad”). Somente os conciliadores em direito devem ter formação jurídica e devem ter formação específica em meios adequados de solução de conflitos, a menos que seja funcionário público (para os casos de conciliação no contencioso-administrativo) ou notário (que também pode se valer das práticas conciliatórias). Nesses casos, não são exigidos requisitos adicionais, mas a lei incentiva a que os funcionários públicos e notários também se qualifiquem e façam o curso para conciliador. 326 “El objeto de esta Norma es establecer los requisitos que deben cumplir los Centros de Conciliación y/o Arbitraje, para facilitar la conciliación y el arbitraje en condiciones de calidad, como Mecanismos Alternativos de Solución de Confl ictos. Para el Ministerio de Justicia esta Norma Técnica (primera en el mundo) representa un paso clave en orden a asegurar la calidad de la conciliación, velando porque los Centros cuenten con la infraestructura y servicios adecuados, para garantizar la satisfacción de los usuarios del sistema. Certifi carse a través de esta norma es, sin embargo, por el momento, facultativo para los Centros de Conciliación” (MERA, op. cit., s.p.). 327 PEÑA SANDOVAL, 2019, op. cit., p. 20. 143 Dos conciliadores em equidade não se exige formação profissional, e eles podem se valer dos usos e costumes locais e comunitários para a realização das conciliações. Segundo Alejandra Mera, ambos os sistemas se sobrepõem, e ambas as espécies de conciliadores podem tratar sobre os mesmos assuntos, já que ambas as conciliações, no fim e ao cabo, têm igual valor. Várias são as matérias que podem ser tratadas numa sessão de conciliação, ainda que possa haver uma ou outra regulação diversa para essa ou aquela situação prática. Todavia, a disposição mais relevante está prevista na Ley 640/2001, artigo 19: as partes podem conciliar em todas as matérias que sejam suscetíveis de transação. Portanto, desde que transacionável, a questão pode ser levada a uma audiência de conciliação. O Sistema Nacional de Conciliação funciona a partir dos conciliadores que se inscrevem em um determinado Centro de Conciliação. Os conciliadores podem ser nomeados pelo Centro, e a partir daí, fazer as audiências de conciliação em suas dependências, ou então serem nomeados pelas partes e fazer a sessão em um escritório particular. Mas a Ata da respectiva sessão deverá ser registrado no respectivo Centro ao qual o conciliador está ligado. Harvey P. Sandoval informa que, até 31 de dezembro de 2018, existiam 399 (trezentos e noventa e nove) Centros de Conciliação (o que corresponde, tão só, a 7,1% dos municípios colombianos), razão pela qual o referido autor cobra providências do Ministério da Justiça e do Direito da Colômbia no sentido de que ainda há um número diminuto de locus de consensualidade no país. Para fortalecer o funcionamento regular dos Centros de Conciliação, existem, na atualidade, Redes de Centros de Conciliação em Antioquia, Santander, Bogotá, Boyacá e Nariño, promovendo jornadas de conciliação, congressos, foros de discussão, propostas de reformas legislativas etc. 328 Notar que a conciliação em equidade, diferente da conciliação em direito, acontece no espaço das comunidades colombianas.329 Segundo nos ensina Alejandra Mera, o conciliador em equidade é uma pessoa reconhecida por sua comunidade, que incorpora as características e costumes locais na maneira de fazer com que as partes obtenham acordos acerca do conflito instaurado. Ele possui, portanto, o apoio da comunidade em que vive, mas é nomeado pelos juízes da sua jurisdição. Alejandra Mera informa que mais de 230 (duzentos e trinta) municípios 328 PEÑA SANDOVAL, 2016, p. 12. 329 Na Colômbia, a Lei 23/1991 criou uma série de mecanismos para descongestionar o Poder Judiciário, prevendo a criação de centros de mediação sob controle do Ministério da Justiça; a lei ainda obrigou Faculdades de Direito a organizarem centros próprios e previu a mediação comunitária (os juízes podiam eleger, de uma lista, os mediadores que atuariam gratuitamente, por equidade, em certos conflitos) (FALECK; TARTUCE, op. cit.). 144 possuem esse serviço e existem cerca de 5200 (cinco mil e duzentos) conciliadores nomeados para atuarem como conciliadores em equidade. E espera-se que até o ano de 2021 todos os municípios colombianos tenham a conciliação por equidade organizada. Ao que parece, a Colômbia também enfrenta reveses e dificuldades para a real e completa implementação da política pública de métodos consensuais em seu território. 3.2.2 Procedimento e financiamento das conciliações O procedimento não tem complexidade. A solicitação para a realização da audiência de conciliação pode ser feita de forma oral ou escrita. Bastante assemelhado aos regramentos brasileiros. Feita a solicitação pela parte Autora, o conciliador convoca as partes, com data, horário e local, e assim se dá a audiência. As partes podem formular propostas de acordo, lavra-se a ata da audiência de conciliação, que é devidamente registrada. O não comparecimento da parte contrária, desde que não justificado, dentro de três dias a contar da data da audiência, pode ser uma indicação séria contra suas alegações em possível processo judicial, e será levado em conta quando do julgamento pelo juiz. Na audiência de conciliação, as partes poderão comparecer sozinhas ou com seu procurador.Se um acordo não for alcançado, o conciliador deve deixar prova disso por escrito. Havendo acordo, confecciona-se a ata de Conciliação, que deve ser registrada, e somente após o registro, forma-se o título executivo. O Sistema Nacional de Conciliação estabelece conciliação gratuita ou com custos. A conciliação gratuita é realizada por um funcionário público, por Centros de conciliação pertencentes a entidades públicas, Centros de conciliação ou unidades de mediação e conciliação instaladas nas Casas de Justiça, bem como por escritórios jurídicos pertencentes às faculdades de direito. Essas entidades públicas atendem preferencialmente a setores de baixa renda da população.330 Os Centros de Conciliação que pertencem aos escritórios jurídicos das Universidades e Faculdades de Direito e das entidades públicas devem contar com recursos para o seu funcionamento, já que seu serviço é gratuito. Já os Centros montados, por exemplo, junto às Cãmaras de Comércio, Cooperativas, Fundações, Associações de Advogados, devem ser 330 Segundo Alejandra Mera (op. cit.), as faculdades de direito são obrigadas a ter Centros de Conciliação, a fim de formarem estudantes de direito nessas disciplinas. A partir de 2011, de acordo com o diretório de Centros de Conciliação da Colômbia, de um total de 342 centros, 103 correspondem a clínicas jurídicas de universidades, especialmente, faculdades de direito. 145 autossustentáveis, já que a entidade os subsidia ou porque cobram as taxas das partes que a elas acorrem.331 Não custa lembrar que, na Colômbia, desde 2013, exige-se que todos os estudantes de Direito devem ser formados em conciliação pelas faculdades e universidades nas quais estudam. Mas há conciliações que não são gratuitas. Estas são realizadas nos Centros de Conciliação de pessoas jurídicas sem fins lucrativos ou perante Cartórios, para os quais existe uma tabela e respectivas taxas estabelecidas pelo Ministério. As taxas são vinculadas ao valor da causa do conflito. 3.2.3 A conciliação como “requisito de procedibilidade” da demanda Muito embora tenha sido a Ley 23/1991 a primeira legislação a instituir a cultura do acertamento consensual no país, é certo que, levando em consideração a temática da presente tese, é a Ley 640/2001 (art. 35)332 que prevê uma das questões mais importantes da experiência 331 PEÑA SANDOVAL, 2016, op. cit., p. 13-14. 332 COLÔMBIA. Ley 640 de 2001. Por la cual se modifican normas relativas a la conciliación y se dictan otras disposiciones. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: http://www.secretariasenado.gov.co/senado/basedoc/ley_0640_2001.html#35. Acesso em: 17 jun. 2019. Art. 35: En los asuntos susceptibles de conciliación, la conciliación extrajudicial en derecho es requisito de procedibilidad para acudir ante las jurisdicciones civil, de familia y contencioso administrativa, de conformidad con lo previsto en la presente ley para cada una de estas áreas. En los asuntos civiles y de familia podrá cumplirse el requisito de procedibilidad mediante la conciliación en equidad. Realizada la audiencia sin que se haya logrado acuerdo conciliatorio total o parcial, se prescindirá de la conciliación prevista en el artículo 101 del Código de Procedimiento Civil o de la oportunidad de conciliación que las normas aplicables contemplen como obligatoria en el trámite del proceso, salvo cuando el demandante solicite su celebración. El requisito de procedibilidad se entenderá cumplido cuando se efectúe la audiencia de conciliación sin que se logre el acuerdo, o cuando vencido el término previsto en el inciso 1o del artículo 20 de esta ley la audiencia no se hubiere celebrado por cualquier causa; en este último evento se podrá acudir directamente a la jurisdicción con la sola presentación de la solicitud de conciliación. Con todo, podrá acudirse directamente a la jurisdicción cuando bajo la gravedad de juramento, que se entenderá prestado con la presentación de la demanda, se manifieste que se ignora el domicilio, el lugar de habitación y el lugar de trabajo del demandado, o que este se encuentra ausente y no se conoce su paradero. PARÁGRAFO 1º. Cuando la conciliación extrajudicial sea requisito de procedibilidad y se instaure la demanda judicial, sin perjuicio de lo previsto en los artículos 22 y 29 de esta ley el juez impondrá multa a la parte que no haya justificado su inasistencia a la audiencia. Esta multa se impondrá hasta por valor de dos (2) salarios mínimos legales mensuales vigentes en favor del Consejo Superior de la Judicatura. PARÁGRAFO 2º. En los asuntos civiles y de familia, con la solicitud de conciliación el interesado deberá acompañar copia informal de las pruebas documentales o anticipadas que tenga en su poder y que pretenda hacer valer en el eventual proceso; el mismo deber tendrá el convocado a la audiencia de conciliación. PARÁGRAFO 3º. En los asuntos contenciosos administrativos, antes de convocar la audiencia, el procurador judicial verificará el cumplimiento de los requisitos establecidos en la ley o en el reglamento. En caso de incumplimiento, el procurador, por auto, indicará al solicitante los defectos que debe subsanar, para lo cual concederá un término de cinco (5) días, contados a partir del día siguiente a la notificación del auto, advirtiéndole que vencido este término, sin que se hayan subsanado, se entenderá que desiste de la solicitud y se tendrá por no presentada. La corrección deberá presentarse con la constancia de recibida por el convocado. Contra el auto que ordena subsanar la solicitud de conciliación sólo procede el recurso de reposición. 146 colombiana, qual seja, a conciliação como etapa prévia obrigatória antes da propositura de demanda judicial. Na Colômbia, para algumas situações, a conciliação é requisito de procedibilidade da ação judicial, ou seja, um trâmite obrigatório prévio para que a parte possa ter acesso ao processo judicial. 333 Este requisito de procedibilidade se converte-se em um dos chamados pressupostos processuais da ação, aos quais se deve dar cumprimento no momento da distribuição da demada. Nos termos da Ley 640/2001, a sua ausência provoca a inadmissão da ação.334 Alejandra Mera: Una de las discusiones más relevantes en cuanto a la incorporación de los MASC en la región, dice relación con si ellos deben ser una instancia voluntaria, o bien una etapa obligatoria en alguna etapa previa o dentro del proceso. En algunos países, los MASC se han integrado como trámite obligatorio previo para acceder a la justicia formal (por ejemplo, este es el caso de Argentina y Colombia). Hay que esclarecer que la ‘obligación’ no se plantea en términos de resultado, sino que como una etapa a la que las partes son convocadas a concurrir, antes de poder comenzar el proceso judicial. En este sentido, quizá un término más adecuado es el que se utiliza en Colombia, que entiende a la conciliación como un requisito de procedibilidad. En términos concretos, la discusión dice relación con dos aspectos. En primer lugar, algunos verían la ‘obligatoriedad’ de la mediación o conciliación como una señal equívoca y contradictoria con los principios de la institución, que sería concebida como una instancia eminentemente voluntaria. Así, la voluntariedad para llevar adelante un proceso de mediación se consideraría como un elemento clave, además, para el éxito de la misma, ya que requiere un proceso y una disposición adecuada para lograr el entendimiento de las partes. Sin embargo, esta supuesta contradicción entre ‘obligatoriedad’ y ‘voluntariedad’ ha perdido fuerza con el tiempo, toda vez que la incorporación de los MASC como una instancia previa solo supone que se deba convocar a la mediación o conciliación antes de entablar la demanda, pero si las partes no concurren o no llegan a un acuerdo, el proceso judicial puede seguir adelante. Es decir, no están ‘obligadas’ a llevar adelante la mediación o la conciliación, que es realmente lo que el principio de voluntariedad demanda. La inasistencia (especialmente la injustifi cada), no obstante, puede tener diversas consecuencias en el proceso, como se ve más adelante. La segunda objeción con respecto a esta ‘obligatoriedad’ es la que concibe la mediación o conciliación previa como un obstáculo de acceso a la justicia, pues entiende que esta instancia es una ‘valla’ más que deben pasar los 333 “Hay que esclarecer que la ‘obligación’ no se plantea en términos de resultado, sino que como una etapa a la que las partes son convocadas a concurrir, antes de poder comenzar el proceso judicial. En este sentido, quizá un término más adecuado es el que se utiliza en Colombia, que entiende a la conciliación como un requisito de procedibilidade.” (MERA, op. cit., s.p.). 334 “Antes de profundizar en la temática es necesario hacer una aclaración. Cuando decimos que existen audiencias de mediación y/o conciliación obligatorias, obviamente no nos referimos a que exista ninguna obligación de llegar a un acuerdo sino de asistir a la audiencia. La denominación técnica más precisa, siguiendo la legislación colombiana, sería decir que es un requisito de procedibilidad.” (FANDIÑO, Marco. Recomendaciones para la implementación de mecanismos alternativos al proceso judicial para favorecer el acceso a la justicia. CEJA, año 16, n. 20, p. 58-70, 2017. p. 62). 147 ciudadanos antes de poder ingresar su caso al conocimiento de la instancia judicial. Es este argumento, por ejemplo, el que se esgrimió recientemente en Perú (año 2012) para terminar con la conciliación previa obligatoria en materias de familia. Ahora bien, de los países en estudio, Argentina, Colombia, Perú y Uruguay contemplan Leyes generales de mediación o conciliación de carácter previa y obligatoria en materias civiles. Bolivia, Panamá, México, Honduras, Ecuador y Costa Rica, por su parte, cuentan con leyes que incorporan de manera facultativa la mediación o conciliación en estas mismas materias. Chile incluye una instancia de mediación obligatoria en materias de familia, en ciertos aspectos de los confl ictos laborales y salud. Como na Itália, houve questionamentos acerca da constitucionalidade da conciliação como requisito de procedibilidade na Corte Constitucional. Há várias decisões da Corte Constitucional Colombiana acerca da constitucionalidade da conciliação como requisito prévio obrigatório para acudir à jurisdição adjudicada.335E, para melhor esclarecê-lo, imperioso retornar às espécies de conciliação, outrora tratadas nesse capítulo. Conforme já dito, existem, no território colombiano, a conciliação judicial (dentro do processo) e a conciliação extrajudicial (anterior e externamente ao processo). Esta pode ser em direito ou em equidade. O que mais de perto nos interessa é a conciliação extrajudicial, ou seja, a que deve ser realizada previamente à propositura de demanda judicial. Segundo o artigo 35, da Ley 640/2001: En los asuntos susceptibles de conciliación, la conciliación extrajudicial en derecho es requisito de procedibilidad para acudir ante las jurisdicciones civil, de familia y contencioso administrativa, de conformidad con lo previsto en la presente ley para cada una de estas áreas. En los asuntos civiles y de familia podrá cumplirse el requisito de procedibilidad mediante la conciliación en equidad. Segundo Harvey Pena Sandoval336, a conciliação extrajudicial em direito (ou seja, aquela que é realizada somente por conciliadores com formação jurídica) é requisito de procedibilidade para o contencioso-administrativo colombiano. E a conciliação extrajudicial em direito ou em equidade são requisitos de procedibilidade para as ações cíveis e de família. 335 Com riqueza de detalhes: PEÑA SANDOVAL, Harvey. La Conciliación como Requisito de Procedibilidad – Línea Jurisprudencial. 2009. Disponível em: https://www.academia.edu/2171054/La_Conciliaci%C3%B3n_como_Requisito_de_Procedibilidad_L%C3%AD nea_Jurisprudencial. Acesso em: 01 out. 2020. Nesse sentido: HERNÁNDEZ VILLARREAL, Gabriel. Aspectos procesales de la conciliación extrajudicial en derecho del área civil, a la luz de lo previsto en la ley 640 de 2001. Revista estudios socio-jurídicos, v. 4, n. 1, p. 143-161, 2002. 336 PEÑA SANDOVAL, 2019, op. cit., p. 14. 148 Mas há outra questão a ser abordada, que mostra o quão diverso é o sistema de conciliação colombiano. Para além de estabelecer a etapa prévia de conciliação como requisito necessário para o ingresso de ação judicial, o Governo estabeleceu, por Decreto (Decreto 2771 de 2001337), que, na Colômbia, para os casos cíveis e de família, ele entrará em vigor gradualmente, atendendo ao número de conciliadores existentes em cada distrito judicial para cada área de jurisdição. Ou seja, se a matéria do conflito a ser solucionado for de natureza civil ou de família, precisa haver um número de conciliadores equivalente a pelo menos 2% (dois por cento) do número total de processos anuais nessa determinada área de jurisdição. Caso não haja, não se fala, para essas situações, em requisito de procedibilidade. Na Colômbia, portanto, pressupõe- se um grau de eficiência mínima da instância extrajudicial (o equivalente ao nosso pré- processual). Todavia, a conciliação como requisito de procedibilidade em matéria do contencioso- administrativo, segundo o artigo 13, da Ley 1285 de 2009338, estabeleceu sua entrada em vigor sem considerar a oferta do número de conciliadores (o que é bastante criticado pela doutrina, tendo em vista que deveria ser exigido o mesmo grau de zelo e eficiência para o contencioso- administrativo colombiano). Fato é que, a despeito da ausência de estatísticas mais precisas acerca da conciliação obrigatória na Colômbia, há pontos positivos e vantagens quando se exige a passagem prévia pelos meios consensuais, como requisito processual para eventual demanda, mormente no que se refere à legitimação cultural da sociedade, que, com o passar dos anos, assimilou as práticas autocompositivas para solução de seus entreveros. 3.2.4 Contencioso Administrativo na Colômbia Importa destacar que, na Colômbia, há dupla jurisdição: o sistema judicial e a chamada jurisdição administrativa (o contencioso administrativo). 337 Artículo 2º. Determinación del índice para la entrada en vigencia del . El Ministro de Justicia y del Derecho determinará, mediante acto administrativo, la entrada en vigencia de la conciliación extrajudicial en derecho como requisito de procedibilidad, en aquellos distritos judiciales en los que exista un número de conciliadores equivalente al dos por ciento (2%) del número de procesos para los cuales se exija el requisito de procedibilidad que, anualmente y por área de jurisdicción, ingresen a cada distrito judicial. (COLÔMBIA. Decreto 1285 de 2001. Por medio del cual se reglamenta el artículo 42 de la Ley 640 de 2001. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: http://www.suin- juriscol.gov.co/viewDocument.asp?id=1489285. Acesso em: 01 dez. 2019). 338 COLÔMBIA. Ley 1285 de 2009. Por medio de la cual se reforma la Ley 270 de 1996 Estatutaria de la Administración de Justicia. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=34710. Acesso em: 01 dez. 2019). 149 A Colômbia estabeleceu requisito de procedibilidade – conciliação extrajudicial em direito – para o contencioso administrativo. A Lei 640/2001 possui um capítulo próprio que prevê o assunto, e, em especial, estabelece a conciliação extrajudicial como requisito de procedibilidade para a jurisdição administrativa e judicial de litígios administrativos. Segundo Vinícius Cazelli e Ricardo Ferro339: A lei nº 1285 que em 2009 reformou a lei nº 270 de 1996, no artigo 13 previu o uso da conciliação como requisito de procedibilidade antes de iniciar-se uma ação perante a jurisdição contenciosa administrativa. Isto significa que para iniciar quaisquer das ações contempladas nos artigos 138, 140 e 141 do ‘Código de Procedimiento Administrativo y de lo Contencioso Administrativo’ (CPACA)340 quais sejam: de nulidade e restauração do direito, b) reparação direta e c) de controvérsia contratual, há o prévio processo de conciliação extrajudicial a ser realizado. O requisito processual será considerado cumprido quando houver audiência de conciliação sem que o acordo seja alcançado ou quando a audiência não for realizada em 3 meses contados da apresentação do pedido. Neste último caso, poder-se-á acionar diretamente a jurisdição, apresentando a prova do pedido de conciliação. Também ingressará diretamente na jurisdição quando ignorados o endereço da residência, domicílio e o local de trabalho do réu, ou quando a parte esteja ausente e não se saiba seu paradeiro. No contencioso administrativo, somente é possível a conciliação extrajudicial em direito, que é realizada por conciliadores com formação jurídica e tal tarefa cabe à Procuradoria Geral da Nação (Ministério Público Judicial para Assuntos Administrativos sob a coordenação do Procurador Delegado de Conciliação) que, nos termos da Lei nº 1.367 de 2009341, foi organizado dentro da estrutura do Escritório do Procurador-Geral da Nação. Harvey P. Sandoval342 tece algumas críticas atuais ao cenário do contencioso administrativo colombiano. Sugere reformas urgentes e unificação de procedimentos e simplificação do contencioso administrativo da Colômbia. Para tanto, apresenta dados do Departamento Nacional de Planejamento: apenas em 01 (um) de cada 10 (dez) conflitos administrativos se obtém a conciliação. Aduz que, na média nacional, em matéria civil, comercial e de família, as conciliações são da ordem de 40%, chegando a 83% na Câmara do 339 CAZELLI; FERRO, op. cit. 340 COLÔMBIA. Ley 1437 de 2011. Código de Procedimiento Administrativo y de lo Contencioso Administrativo. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://leyes.co/codigo_de_procedimiento_administrativo_y_de_lo_contencioso_administrativo.htm. Acesso em: 01 dez. 2019. 341 COLÔMBIA. Ley 1367 de 2009. Por la cual se adicionan unas funciones al Procurador General de la Nación, sus Delegados y se dictan otras disposiciones. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=38466#:~:text=DECRETA%3A,el%20Es tado%20y%20los%20ciudadanos. Acesso em: 02 dez. 2019. 342 PEÑA SANDOVAL, 2019, op. cit., p .17. 150 Comércio de Bogotá, percentagem essa muito maior do que a encontrada no contencioso administrativo colombiano. De forma sucinta, o que se pode aferir acerca da consensualidade na Colômbia: há anos, a conciliação prévia é requisito obrigatório para o acesso à jurisdição civil em causas cujas matérias sejam transacionáveis, e ainda há caminhos a serem percorridos para que se consiga atingir índices mais robustos no que tange à solução de conflitos por intermédio da conciliação. Mas há uma constatação de Marco Fandino343 que parece ser importante: nos países da América Latina, os meios autocompositivos de solução de conflitos possuem um nível de relacionamento com o sistema de justiça formal e essa proximidade pode trazer, à consensualidade, efeitos negativos e positivos. Apesar de haver alguns aspectos negativos (por exemplo, o contágio da autocomposição pelos formalismos advindos do processo judicial), os efeitos positivos (efeito dissuasório gerado pelo fato de os meios consensuais estarem vinculados ao sistema judiciário, melhorando o nível de assistência nas conciliações e, como consequência, o cumprimento dos acordos) geram benefícios a todos que se valem de métodos consensuais, rápidos e eficientes, quando necessitam resolver suas pendências. Eis uma das razões pelas quais, na presente tese, a proposta é de que se institua o pré- processual primordialmente nos CEJUSCs e CECONs, ou seja, dentro do sistema formal de justiça, como condição da ação para a propositura da demanda. 3.3 ARGENTINA A Argentina, assim como a Colômbia, tem uma experiência fecunda com a consensualidade. As diferentes experiências desenvolvidas na Capital Federal (Buenos Aires), desde meados dos anos 90, foram replicadas nas províncias, que estabeleceram sua própria legislação, realizaram seus próprios projetos-piloto etc. Há, pois, uma diversidade da legislação existente na Argentina, e cada qual das Províncias criou e sistematizou seu sistema de meios consensuais.344 Para facilitar a 343 FANDIÑO, op. cit., p. 65. 344 “É preciso esclarecer que a República Argentina é dividida em províncias, e sua capital, Buenos Aires, é uma cidade autônoma desde a Reforma da Constituição de 1994. Ao mesmo tempo, é a capital do país e uma das 24 unidades federais. Ou seja, tem o estatuto de uma província, com sua Constituição própria, seu governo autônomo, seus legisladores próprios. [...] Resulta desta estrutura federativa que a maneira como a mediação de conflitos é conduzida em Buenos Aires não significa necessariamente que seja igual àquela conduzida em outras províncias.” (BAPTISTA, Bárbara Lupetti et al. Fronteiras entre judicialidade e não judicialidade: percepções e contrastes entre a mediação no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, v. 10, n. 1, 2016. p. 1 e 5). 151 compreensão, trataremos especificamente sobre a Capital, Buenos Aires, a fim de traçar um panorama, ainda que sucinto, acerca da conciliação e mediação argentinas.345A finalidade da legislação instituída na Argentina, como na Colômbia, também foi o excessivo número de processos judiciais e a ampliação do acesso à jurisdição, por intermédio dos até então chamados meios alternativos de direito. Alejandra Mera traça um panorama de colapso da situação do sistema de justiça argentina, à época da edição da Lei 24.573/96 – Lei de Mediação e Conciliação da Argentina: somente 10% dos processos chegavam a uma solução final. Na Argentina, há, dentre os operadores do direito, a compreensão de que referida Lei foi “incorporada” ao Código de Processo Civil e Comercial, o que só demonstra que os métodos consensuais foram aceitos pelos que atuam no sistema de justiça. Segundo Diego Faleck e Fernanda Tartuce346, em 1991, o Ministério da Justiça deu início a um Plano Nacional de Mediação347, a fim de institucionalizar programas que contemplassem a mediação em diversos setores sociais e, a partir desse ano, diversas iniciativas foram tomadas, até a promulgação da Lei 24.573/1995, que estatuiu a mediação prévia judicial em caráter obrigatório.348 Várias Leis e Decretos também foram editados na Argentina (Ley 24.573/1995; Decreto 1021/1995; Decreto 477/1996; Ley 26.589, de 2011). A Lei 24.573, de Mediação e Conciliação (incorporada ao Código de Processo Civil e Comercial), entrou em vigor em 1995, juntamente com Decreto 1021/95. Mais tarde, algumas modificações são introduzidas por meio do Decreto 477/96. 3.3.1 Mediação prévia e obrigatória aos processos judiciais 345 MERA, op. cit., p. 396 e ss. 346 FALECK; TARTUCE, op. cit., p. 171-189. 347 “En este contexto, en 1991 el Ministerio de Justicia creó una Comisión de Mediación con el objeto de que elaborara un anteproyecto de Ley de Mediación. La Comisión aconsejó que se implementara un Plan Nacional de Mediación, destinado a acercar la mediación al Poder Judicial, Colegios Profesionales, etc. Además, sugirió la inclusión de la mediación en los programas de estudio de las universidades, la creación de una Escuela y un Cuerpo de Mediadores y la implementación de un programa piloto en el contexto de la justicia civil. La mayoría de estas propuestas fueron avaladas por el Decreto 180/92, en el que se declaraba “de interés nacional la mediación. La Corte Suprema, por su parte, creó un Centro Judicial de Mediación, al que los jueces podían derivar casos si la mediación les parecía aconsejable, como también a petición de las partes. Si había un acuerdo, se remitía al Tribunal y el juez lo homologaba. Este programa fue evaluado positivamente tanto desde el punto de vista de los acuerdos logrados, como de la satisfacción de las partes y abogados. Esta fue la antesala de la Ley 24.573 de Mediación y Conciliación.” (MERA, op. cit.,. p. 396 e ss.). 348 Nesse sentido: DEMARCHI, Juliana. Mediação. Proposta de implementação no processo civil brasileiro. 2007. 317 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 193 e ss. 152 Na Argentina, estabeleceu-se a autocomposição prévia e obrigatória, e o fizeram para quaisquer matérias ou temas cíveis (exceto os expressamente proibidos349). Outrossim, estabeleceram, de forma peculiar, por um período de 05 (cinco) anos. Na sequência, foram prorrogando esse prazo quinquenal, por lei ordinária (prorrogaram por 04 vezes na província de Buenos Aires). Atualmente, a Lei 26.589/2010 estabelece a mediação prévia de maneira permanente, sem um prazo de vigência limitado. Atualmente, a Lei 26.589/2010 estabelece de forma ampla que a mediação preliminar obrigatória atinge todos os tipos de controvérsias, exceto as contidas no artigo 5º da referida legislação.350 Essa lei estabelece a mediação prévia de maneira permanente, sem um prazo de vigência limitado, como fora feito nos anos 90, de cinco em cinco anos. Disposições semelhantes estão previstas nas legislações das províncias. Marco Fandino351 nos dá exemplos acerca do avanço progressivo da obrigatoriedade da mediação prévia nas demais províncias: Dicha modalidad imperativa tuvo su primer expresión en nuestro país en el régimen nacional, donde fue contemplada inicialmente como un instrumento provisional para impulsar y difundir el sistema (ley 24.573 [1995]), transformándose quince años después en una opción de política pública declarada como permanente (ley 26.589 [2010]). 349 Por exemplo, na Ley 24.573, o artigo 2º estabelecia as exceções: ARTICULO 2° El procedimiento de la mediación obligatoria no será de aplicación en los siguientes supuestos: 1. Causas penales; 2. Acciones de separación personal y divorcio, nulidad de matrimonio, filiación y patria potestad, con excepción de las cuestiones patrimoniales derivadas de éstas. El juez deberá dividir los procesos, derivando la parte patrimonial al mediador; 3. Procesos de declaración de incapacidad y de rehabilitación; 4. Causas en que el Estado Nacional o sus entidades descentralizadas sean parte; 5. Amparo, hábeas corpus e interdictos; 6. Medidas cautelares hasta que se decidan las mismas, agotándose respecto de ellas las instancias recursivas ordinarias, continuando luego el trámite de la mediación; 7. Diligencias preliminares y prueba anticipada; 8. Juicios sucesorios y voluntarios; 9. Concursos preventivos y quiebras; 10. Causas que tramiten ante la Justicia Nacional del Trabajo. 350 ARTICULO 5º Controversias excluidas del procedimiento de mediación prejudicial obligatoria. El procedimiento de mediación prejudicial obligatoria no será aplicable en los siguientes casos: a) Acciones penales; b) Acciones de separación personal y divorcio, nulidad de matrimonio, filiación, patria potestad y adopción, con excepción de las cuestiones patrimoniales derivadas de éstas. El juez deberá dividir los procesos, derivando la parte patrimonial al mediador; c) Causas en que el Estado nacional, las provincias, los municipios o la Ciudad Autónoma de Buenos Aires o sus entidades descentralizadas sean parte, salvo en el caso que medie autorización expresa y no se trate de ninguno de los supuestos a que se refiere el artículo 841 del Código Civil; d) Procesos de inhabilitación, de declaración de incapacidad y de rehabilitación; e) Amparos, hábeas corpus, hábeas data e interdictos; f) Medidas cautelares; g) Diligencias preliminares y prueba anticipada; h) Juicios sucesorios; i) Concursos preventivos y quiebras; j) Convocatoria a asamblea de copropietarios prevista por el artículo 10 de la ley 13.512; k) Conflictos de competencia de la justicia del trabajo; l) Procesos voluntarios. ARTICULO 6º Aplicación optativa del procedimiento de mediación prejudicial obligatoria. En los casos de ejecución y desalojos el procedimiento de mediación prejudicial obligatoria será optativo para el reclamante sin que el requerido pueda cuestionar la vía. 351 FANDIÑO, Marco (coord.). Guía para la implementación de mecanismos alternativos al proceso judicial para favorecer el acceso a la justicia. Chile: Centro de Estudios de Justicia de las Américas (CEJA), 2016. Disponível em: http://biblioteca.cejamericas.org/handle/2015/5501. Acesso em: 04 nov. 2020. 153 Siguiendo esa experiencia, el criterio de la obligatoriedad fue trasladándose progresivamente a otras jurisdicciones del país, como las Provincias de Río Negro (ley 3.847 [2004]13), Tucumán (ley 7844 [2006]), Entre Ríos (arts. 286 a 291 bis, del CPCC [2007]), Buenos Aires (ley 13.951 [2009]), San Luis (ley IV-07000-2009 [2009]), Santiago del Este ro (arts. 802 a 835, CPCC, ley 6.910 [2008]), Corrientes (ley 5.931 [2009]), Santa Fe (ley 13.151 [2010]), Salta (ley 7.324 [2010]14) y La Pampa (ley 2.699 [2013]15). Otras jurisdicciones prevén modalidades atenuadas de obligatoriedad, por las que el paso previo por la mediación sólo es exigido en ciertos casos o para algunas materias, como ocurre en Córdoba (ley 8.858, v. infra, ap. III.4); Mendoza (sólo para cuestiones de familia y minoridad -ley 6.354- y para intentar un avenimiento en las ejecuciones hipotecarias financiadas por el Estado -art. 255 CPCC, conf. ley 7.065-); Catamarca (sólo para cuestiones de familia, conf. art. 1.A, in fine, Acord. CSJ N° 4066/08); Misiones (también para algunas cuestiones de familia -art. 653, CPCC-); San Juan (sólo para juicios contra el Estado -ley 7.675-); Tierra del Fuego (con un elenco más amplio establecido en el art. 18 de la ley 80416), etc. Na Argentina, houve, por parte do Poder Judiciário, um amplo apoio, que colaborou sobremaneira para que a consensualidade se tornasse a realidade que é vista até hoje. Isso se diga acerca da sociedade civil, por intermédio da Fundação Libra – uma instituição privada sem fins lucrativos, criada em 30 de setembro de 1991, na cidade de Buenos Aires, a fim de promover a modernização da Justiça Argentina e a aplicação pública e privada de técnicas de resolução. de conflitos. Segunda Alejandra Mera352, a Fundação Libra, por intermédio de pesquisas e treinamento, trouxe uma contribuição considerável para a expansão dos métodos autocompositivos pelas demais províncias, mormente no que se refere à qualificação rigorosa da formação dos mediadores. Alejandra Mera adverte: En lo que se refiere a la legislación concerniente a la Justicia Nacional, el sistema de mediación prejudicial se encuadra en un sistema de administración ‘conectada’ a los Tribunales. Esto quiere decir que la administración está a cargo del Ministerio de Justicia y Derechos Humanos, a través de la Dirección Nacional de Mediación y Métodos Participativos de Resolución de Conflictos. Sin embargo, está conectada con el Tribunal porque hay sorteos en las mesas de entrada para el que quiera, los acuerdos a que se lleguen tienen valor de sentencia etc. Otros modelos de organización de la mediación en Argentina son ‘anexos’ a los Tribunales, por ejemplo, en la Provincia de Río Negro. Allí, el programa es administrado por la Corte. También existen sistemas mixtos, como en la Provincia de Córdoba, que cuenta con un Centro Judicial del Tribunal Superior de Justicia, pero el sistema se implementa através del Ministerio de Justicia. 352 MERA, op. cit., p. 396 e ss. 154 Em terras portenhas, a mediação é etapa prévia ao processo judicial – o equivalente ao nosso pré-processual – já que ainda não há o litígio judicial entre as partes. A mediação prejudicial obrigatória nada mais é do que uma etapa e requisito de admissibilidade para eventual demanda judicial. Tanto isto é verdade que, num eventual processo judicial, obrigatória a juntada da Ata da sessão de mediação prévia, comprovando-se que as partes se submeteram à autocomposição, ainda que nenhum acordo tenha sido firmado. É, pois, documento indispensável a ser juntado quando da distribuição da demanda judicial. Barbara Baptista353 adverte que “caso os mediandos não compareçam à sessão de mediação, o processo não será recebido pelo Judiciário, sendo devolvido para que cumpram a exigência legal. Admite-se apenas umas poucas exceções, elencadas no art. 5º da Lei 26.589/2010”. 3.3.2 Mediadores Argentinos A despeito das práticas autocompositivas serem multidisciplinares, na Argentina, cabe sempre ao advogado (devidamente capacitado) a função de mediador. E só o será após três anos completos de formação em Direito (a contar da matrícula no órgão de classe em que desempenha suas funções). Outrossim, devem ter feito a capacitação para desempenhar as funções de mediador, além da posterior aprovação no exame organizado pelo Ministério da Justiça, para que obtenha, assim, o Registro Nacional de Mediador. Ademais, devem contar com escritórios adequados para desempenho das funções. A legislação mais recente também incorpora uma nova figura, o profissional assistente, que deve ter capacitação em assuntos relacionados à mediação e deve ser registrado no Registro Nacional de Mediação e no Registro de Profissionais Auxiliares, além do credenciamento 353 BAPTISTA, op. cit., p. 7. 155 específico em mediação.354 Segundo Alejandra Mera355, devem participar do curso de capacitação para que seja aprovado no exame de idoneidade e se quiserem atuar na área de família, devem comprovar 01 (um) ano de inscrição no Registro de Mediadores, bem como ser aprovado nos cursos de especializaçao em mediação familiar. Durante o processo de implementação da mediação na Argentina, houve um conflito entre diferentes órgãos profissionais, principalmente entre advogados e outros profissionais da área social, em relação aos espaços oferecidos pela mediação para cada um. No entanto, isso permaneceu nas mãos da advocacia e hoje já não há, (como já houve), advogados questionando a mediação e a mediação prévia obrigatória na Argentina como método adequado de solução de conflitos. Passados tantos anos da entrada em vigor de leis de estímulo à consensualidade, já se percebe que os profissionais de direito compreenderam a importância e o alcance dos métodos consensuais para todos aqueles que necessitam resolver suas controvérsias. Interessante as considerações absorvidas por Barbara Baptista, quando de entrevista efetuada com mediadores portenhos: Além disso, explicou: penso que os advogados entenderam que eles não perdem, que eles podem cobrar igual. Podem cobrar honorários. Que podem cobrar antes, que não precisam esperar longos processos. Os processos aqui são longos. É melhor cobrar menos, mas cobrar naquele momento. O cliente fica mais contente... e traz melhores clientes, novos clientes. Ou seja, o trabalho também deve ser feito junto aos advogados para que eles possam entender que para eles é bom e que convençam a seus clientes. Outra entrevistada explicou que chegou a exercer a profissão de advogada em Buenos Aires. Depois passou a trabalhar como mediadora. Ela disse que: Hoje a postura dos advogados [em relação à mediação obrigatória] é diferente; foi mudando ao longo do tempo. Os advogados passaram a ajudar os mediadores, auxiliando os clientes a fazerem o acordo. Os advogados mostraram para os clientes que a mediação é um bom caminho. Uma terceira mediadora privada com quem conversamos disse que: Nós temos a lei de mediação desde o ano 1996. Estamos quase 20 anos. A princípio, os advogados não queriam e traziam essa lógica dos litígios (‘juicio’) à mediação. Hoje, não. Hoje, muitos, 354 “Na Argentina, o mediador deve ser advogado formado há, pelo menos, três anos, conforme determina a Lei nº 26.589/2010. Ademais, como requisito para atuação, a legislação também determina que o mediador: 1) faça a capacitação em mediação que a lei exige; 2) faça o exame de idoneidade; 3) faça a prova e, caso aprovado, inscreva- se no Registro Nacional de Mediação. A Lei de 2010 trouxe uma inovação para a atuação do mediador, permitindo que profissionais formados em outra área (psicólogos, administradores, etc.) possam atuar como mediadores, os quais a lei denominou como “profissionais assistentes”. A Lei determinou que estes profissionais devem ser formados em disciplinas afins ao conflito que seja objeto da mediação e que estão sob a direção e responsabilidade do mediador (aquele que é formado em Direito). Ou seja, a lei determinou que o profissional assistente estará hierarquicamente abaixo do mediador, que é o responsável por conduzir o procedimento da mediação. A lei exige, ainda, que o profissional assistente deve realizar o curso de capacitação para mediação; fazer a prova do Registro Nacional de Mediadores para que, caso aprovado, possa inscrever-se no referido Registro”. (BAPTISTA, Bárbara Lupetti; FILIPO, Klever Paulo Leal; NUNES, Thais Borzino Cordeiro. A atuação profissional do mediador no Brasil e na Argentina. In: SICA, Heitor et al. (orgs). Temas de Direito Processual Contemporâneo. Serra: Editora Milfontes, 2019. v. 2. p. 100-114). 355 MERA, op. cit., p. 399. 156 quase todos (não todos, mas quase todos os advogados) já sabem a que vem a mediação. E aceitam a mediação. Então, longe de ser um obstáculo, muitas vezes o advogado é uma ajuda. Mas não são todos os mediadores que vêem assim. Isso depende muito do profissional. Eu penso que um bom advogado que assessora a pessoa que não sabe de Direito, ele me ajuda, porque eu não posso assessorar a pessoa. Então, um bom advogado não é um obstáculo. O advogado colaborativo é um parceiro. Barbara Baptista não deixa dúvidas de que a advocacia tem papel preponderante na autocomposição argentina (ao contrário do Brasil, onde os meios consensuais ainda encontram resistência de parcela dos advogados): A forma como Buenos Aires lida com o papel do advogado é muito diferente. Em Buenos Aires, a figura do advogado é central e positivamente valorizada na dinâmica e no funcionamento da mediação. Primeiro, porque os mediadores são, obrigatoriamente, advogados. Segundo, porque, sob pena de nulidade, não pode haver sessão de mediação sem que ambas as partes estejam acompanhadas de seus respectivos advogados. Logo, o advogado está presente não apenas na figura do mediador, como na figura de mandatário das partes mediandas. É fato. A mediação prejudicial obrigatória foi aceita na Argentina. Aceitação social e aceitação por parte dos advogados. No início, em 1996, foi alvo de muitas críticas, principalmente de advogados, que viam na mediação uma fonte de atrasos, custos e – acima de tudo – um perigo para sua renda. No entanto, passados 20 anos, pode-se perceber que a opinião geral é de que a compulsoriedade da mediação é ferramenta que otimiza o tempo de solução de conflitos, economiza dinheiro e produz satisfação para as partes em disputa. Houve uma mudança de paradigma e a maioria dos advogados aprendeu a se valer das técnicas de mediação, considerando-a uma aliada da profissão e hoje ela é incorporada ao mecanismo de gestão de conflitos utilizado pelo advogado , sendo certo dizer que sua conveniência não é discutida, assim como não se contesta que as partes sejam convidadas a uma conciliação. Ainda que haja críticas a essa reserva de mercado, as Associações de Advogados continuam imprimindo resistência importante, tanto para a realização da mediação obrigatória, como as demais sessões autocompositivas havidas na Argentina.356 356 Na Província de Córdoba, há legislação que estabelece que podem atuar ocomo comediadores em sede judicial quem possua um título universitário de pelo menos 03 anos e tenha sido aprovado no Plano Básico de estudos da Escola de Mediação do Ministério da Justiça. 157 Segundo Bárbara L. Baptista357, em Buenos Aires, as sessões de mediação ocorrem, de regra, na Dirección Nacional de Mediación y Promoción de Métodos Participativos de Resolución de Conflictos, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Direitos Humanos do Poder Executivo Federal, e no Consultorio Juridico Gratuito, vinculado à Faculdad de Derecho da Universidad de Buenos Aires (UBA) – Departamento de Práctica Profesional (patrocínio jurídico gratuito). Ou seja, não são realizadas sessões de mediação nas dependências do Poder Judiciário. Para melhor compreensão, Barbara L. Baptista358 assevera: na Argentina, de forma sintética, a mediação dos casos cíveis e comerciais se divide em mediação pública ou mediação privada. A mediação pública é realizada pelos centros públicos de mediação, que, na Capital Federal, são realizados na ‘Dirección Nacional de Mediación y Promoción de Métodos Participativos de Resolución de Conflictos’, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Direitos Humanos do Poder Executivo Federal, e no ‘Consultório Jurídico Gratuito’, vinculado à Faculdade de Direito da UBA – Universidad de Buenos Aires. Já a mediação privada ocorre em escritórios particulares, de forma individual ou por associação. Essa classificação se dá por conta dos serviços do mediador serem (ou não) remunerados. A mediação privada é paga e a mediação pública é gratuita, reservada, portanto, aos cidadãos que comprovarem insuficiência de recursos. Além disso, as mediações chegam a esses centros por três vias: 1) por solicitação das partes, sendo conhecidas como mediações voluntárias; 2) por força de Lei, que são os casos das mediações prévias e obrigatórias; 3) por determinação judicial, quando, no curso do processo, o Juiz decide submeter o caso a uma mediação, suspendendo o processo judicial e encaminhando-o a um centro público ou privado (caso mais raro, como apontou o trabalho de campo realizado na Capital Federal de Buenos Aires). [...] sempre, em qualquer situação, a mediação portenha será tratada de forma (e em âmbito) extrajudicial. Significa dizer, ‘fora do processo’. Ou seja, mesmo quando os casos chegam aos centros de mediação (públicos ou privados) por via judicial, sendo chamados de casos ‘derivados judicialmente’, ainda assim, serão trabalhados extrajudicialmente. Quanto aos honorários, os valores estão fixados em lei, mas nada impede que as partes fixem valores maiores do que os previstos na tabela. Leva-se em conta, para fins de base de cálculo, o valor do acordo (ou da sentença ou transação no processo judicial). Os honorários do co-mediador (ou assistente) não podem ser inferiores aos honorários básicos do mediador. 3.3.3 Procedimento 357 BAPTISTA et al., op. cit., p. 4. 358 Ibid., p. 7-8. 158 Segundo Juliana Demarchi359, o procedimento para a audiência de mediação prévia obrigatória tem início com o pedido do autor, que o faz por intermédio do preenchimento de formulário próprio. Com isso, suspende-se a prescrição. Sorteia-se o mediador e o autor, que fez o pedido, em três dias, deverá levar até ele o requerimento preenchido. A partir daí, marca- se a audiência e as partes são regularmente notificadas (por quaisquer meios que comprovem o recebimento) e intimadas do ato. A ausência das partes à primeira audiência de mediação importará em pagamento de multa de duas vezes o valor dos honorários do mediador. As partes devem comparecer, pessoalmente, exceção feita à pessoa jurídica e à pessoa física residente fora da Comarca. Ambas as partes, obrigatoriamente, deverão estar acompanhadas de seus respectivos advogados. Podem ocorrer quantas sessões forem necessárias, mas no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, podendo, a pedido das partes, ser prorrogado. Feito o acordo, lavra-se a competente ata, subscrita pelo mediador, partes e advogados, e esta valerá como título executivo. Não havendo acordo, lavra-se a ata, que será entregue às partes, para que, se quiserem, promovam a competente ação judicial. Há um estudo capitaneado pelo PNUD360 sobre o impacto da mediação prévia obrigatória e sobre a capacitação dos mediadores argentinos. No que se refere à capacitação e formação dos mediadores, em que pese as exigências rigorosas, existe um elevado questionamento acerca do perfil dos mediadores e a qualidade dos seus serviços. Além disso, há recomendações no sentido de se fortalecerem as funções desempenhadas pelos mediadores, seja pelo monitoramento sistemático deles, seja pela avaliação de desempenho, a fim de que haja melhora significativa das atividades consensuais desenvolvidas na Argentina. A obrigatoriedade da passagem pela etapa conciliatória prévia, como condição para possível demanda judicial, como em todos os países, gerou uma resistência no início da implementação dos meios consensuais, mas com o passar do tempo foi aceita pela sociedade e pela maioria dos operadores do direito (advogados, juízes), provocando uma mudança de paradigma satisfatória para quem acredita que a solução de embates cotidianos também pode se dar previamente à judicialização. Os acordos de mediação alcançados no sistema argentino, talvez fruto da formação rigorosa dos mediadores, são muito sustentáveis. 359 DEMARCHI, op. cit., p. 193 e ss. 360 LUZI, Nora (coord.). PNUD Argentina. Estudio de la mediación prejudicial obligatoria: un aporte para el debate y laefectividad de los medios alternativos de la solución de conflictos en Argentina. 1. ed. Buenos Aires: Programa Naciones Unidas para el Desarrollo – PNUD; Fundación Libra, 2012. 159 160 4 CAMINHOS PARA A OBRIGATORIEDADE DA FASE PRÉ-PROCESSUAL DE CONCILIAÇÃO NO BRASIL O mais recente Relatório Justiça em Números (2020), referente ao ano 2019 – (16ª edição do Relatório Justiça em Números), reúne dados de 90 órgãos do Poder Judiciário361, elencados no artigo 92, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, excluídos o STF e o CNJ, que possuem relatórios à parte. Ao final de 2019, o número de ações (de todas as justiças acima apontadas) que aguardam julgamento, chegou a 77,1 milhões. Tal número representa uma redução no estoque processual, em relação ao ano de 2018 (80,1 milhões) de aproximadamente 1,5 milhão de processos em trâmite, sendo a maior queda de toda a série histórica contabilizada pelo CNJ, com início em 2009. São 77,1 milhões de processos para um total de 211,7 milhões de brasileiros. Essa diminuição, portanto, está bem distante de solucionar os dilemas da justiça brasileira. Ainda existe um estoque processual de alta monta, e não há muito a comemorar. E não se quer dizer que não tenha havido empenho e competência dos juízes e serventuários de justiça, já que, a cada ano analisado, a produtividade dos magistrados e servidores só faz aumentar.362 O estoque de processos aguardando julgamento em todo o país aumentou na última década (embora, seja preciso anotar que diminuiu nos últimos dois anos). Em 2009, havia nos escaninhos dos tribunais um volume de 60,7 milhões de ações. Em 2019, o número chega a 77,1 milhões. 361 27 Tribunais de Justiça Estaduais (TJs); 05 Tribunais Regionais Federais (TRFs); 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs); 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs); 03 Tribunais de Justiça Militar Estaduais (TJMs); o Superior Tribunal de Justiça (STJ); o Tribunal Superior do Trabalho (TST); o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Superior Tribunal Militar (STM). 362 Ainda que a produtividade dos magistrados e servidores seja real, enquanto não deflagrarmos propostas de solução para a cultura do litígio, continuaremos a receber números hiperbólicos da Justiça brasileira: “Os índices de produtividade dos magistrados (IPM) e dos servidores (IPS-Jud) são calculados pela relação entre o volume de casos baixados e o número de magistrados e servidores que atuaram durante o ano na jurisdição. A carga de trabalho indica o número de procedimentos pendentes e resolvidos no ano, incluindo não somente os processos principais como também os recursos internos e os incidentes em execução julgados e em trâmite. O IPM e o IPS- Jud variaram positivamente no último ano, em 13% e 14,1%, respectivamente. Registre-se que é a maior produtividade dos últimos 11 anos para ambos os indicadores. As cargas de trabalho também cresceram, embora em menor escala. O volume de processos médio sob a gestão dos magistrados foi de 6.962 em 2019 (aumento de 13%). Houve crescimento na ordem de 4% para os servidores. Esse indicador tem crescido desde 2014 e atingiu o maior valor da série histórica no ano de 2019. Nesse período de 5 anos, a produtividade aumentou em 24,2%, alcançando a média de 2.107 processos baixados por magistrado em 2019, ou seja, uma média de 8,4 casos solucionados por dia útil do ano, sem descontar períodos de férias e recessos. O aumento do IPM foi verificado na Justiça Estadual, na Justiça Federal e nos Tribunais Superiores. Nas Justiças Trabalhista, Eleitoral e Militar ocorreu o oposto, com redução.” (BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit., p. 105). 161 Segundo a Apresentação do Relatório de 2020, da lavra do ministro Dias Toffoli363, “Além dos relevantes avanços alcançados no último ano, o Relatório Justiça em Números 2020 apresenta também os gargalos da Justiça brasileira. A litigiosidade no Brasil permanece alta e a cultura da conciliação, incentivada mediante política permanente do CNJ desde 2006, ainda apresenta lenta evolução”. E as adversidades não se resumem tão-só aos números expressivos apresentados ano a ano. Se consideramos que o tempo médio de duração de um processo nas Justiças Estadual e Federal é de 5 anos e 4 meses, nos defrontamos com mais um obstáculo que necessita, com urgência, ser transposto. Excesso de processos judiciais e lentidão processual tracejam um só caminho: prejuízo à garantia constitucional de acesso à jurisdição e desgaste da imagem do Poder Judiciário, que bem poderia fazer avançar a consensualidade, para evitar os dissabores que perduram. E não é só. No ano de 2018, as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 93,7 bilhões, o que corresponde a 1,4% do produto interno bruto (PIB) nacional, ou a 2,6% dos gastos totais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em 2018, o custo pelo serviço de justiça foi de R$ 449,53 por habitante. No ano de 2019, as despesas totais do Poder Judiciário ultrapassaram, pela primeira vez na série histórica, o patamar de R$ 100,00 bilhões, o que representou crescimento de 2,6% em relação ao ano de 2018. Segundo o relatório, esse crescimento foi ocasionado, especialmente, em razão da variação na rubrica das despesas com pessoal (2,2%) ou a 2,7% dos gastos totais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em 2019, o custo pelo serviço de Justiça foi de R$ 479,16 por habitante, R$ 10,7 a mais, por pessoa, do que no ano de 2018. Em 2014, as despesas totais do Judiciário alcançaram a importância de 90,3 bilhões de reais, em valores corrigidos. Cinco anos depois, em 2019, esse valor atinge a cifra de mais de 100 bilhões de reais. Em cinco anos, portanto, o Poder Judiciário passou a custar 10 bilhões a mais, e, ao que parece, esses números não pararão de crescer364. Apenas para traçar uma comparação numérica, eis aqui alguns dados, de 2015, trazidos por Luciano da Ros365 sobre as despesas totais correspondentes ao PIB de alguns outros países, a saber: Argentina: 0,13%; EUA e Inglaterra: 0,14%; Itália: 0,19%; Colômbia: 0,21%; Portugal: 0,28%; Alemanha: 0,32%. A despeito das diferenças territoriais, populacionais, sociais e 363 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit. 364 Ibid. 365 DA ROS, Luciano. O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória. Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, v. 2, n. 9, p. 1-15, 2015. 162 econômicas de cada qual desses países, é certo dizer que o orçamento destinado ao Poder Judiciário brasileiro é muito provavelmente o mais alto por habitante no hemisfério ocidental. E só faz crescer. A despesa da Justiça Estadual, segmento que abrange 79% dos processos em tramitação, corresponde a 57,2% da despesa total do Poder Judiciário. Na Justiça Federal, a relação é de 14% dos processos para 12% das despesas, e na Justiça Trabalhista, 6% dos processos e 21% das despesas. Segundo se pode aferir no último Relatório Justiça em Números, ainda que a despesa do Judiciário seja tamanha, é certo que, por intermédio do trabalho jurisdicional do Poder Judiciário, os cofres públicos receberam – durante o ano de 2019 – cerca de R$ 76,43 bilhões, um retorno da ordem de 76% das despesas efetuadas. Esse foi o maior montante auferido na série histórica. Somente em 2009 e 2018 a arrecadação havia superado o patamar de 60%. Ou seja, as custas judiciais cobrem pouco mais da metade das despesas do Poder Judiciário (não à toa, o CNJ criou um grupo de trabalho para diagnosticar, avaliar e propor ao órgão políticas judiciárias e propostas de melhoria aos regimes de custas, taxas e dispêndios judiciais. O grupo de estudos elaborou um novo projeto de custas judiciais – Anteprojeto de Lei Complementar – entregue no Congresso Nacional, em 2020, item 4.6.2, da presente tese).366 Calculam-se, na arrecadação os recolhimentos com custas, a fase de execução, emolumentos e eventuais taxas (R$ 13,1 bilhões, 17,2% da arrecadação), as receitas decorrentes do imposto causa mortis nos inventários/arrolamentos judiciais (R$ 7,5 bilhões, 9,9%), a atividade de execução fiscal (R$ 47,9 bilhões, 62,7%), a execução previdenciária (R$ 3,1 bilhões, 4,1%), a execução das penalidades impostas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (R$ 21,7 milhões, 0,03%) e a receita de imposto de renda (R$ 4.665,2 milhões, 6,1%). O acréscimo de 2019 deve-se, predominantemente, às receitas de execução fiscal que cresceram em quase R$ 10 bilhões em um ano (26%), em particular, na Justiça Estadual. 366 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Portaria n. 71, de 9 de maio de 2019. Institui Grupo de Trabalho para diagnosticar, avaliar e propor ao Conselho Nacional de Justiça políticas judiciárias e propostas de melhoria aos regimes de custas, taxas e despesas judiciais. Brasília, 2019. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/155133/2019_port0071_cnj.pdf?sequence=1&isAllow ed=y. Acesso em: 10 out. 2019. O grupo de trabalho terá como tarefas principais a promoção de debates. O grupo de trabalho deverá promover debates sobre as legislações de regência, fazer diagnósticos sobre a temática de acesso à justiça e sua relação com as custas judiciais, bem como elaborar estudos com indicação de possibilidades de melhorias do sistema de acesso à justiça relacionadas a procedimentos de cobrança das custas, taxas e despesas judiciais. O grupo foi criado pela Portaria 71, de 09 de maio de 2019, e tem como objetivo a elaboração de propostas de edição de Resolução e outros atos normativos ao Plenário e Presidência do CNJ. 163 Em razão da própria natureza de sua atividade jurisdicional, a Justiça Federal é a responsável pela maior parte das arrecadações: 42% do total recebido pelo Poder Judiciário, sendo o único ramo da justiça que retornou aos cofres públicos valor superior às suas despesas. Trata-se, majoritariamente, de receitas oriundas da atividade de execução fiscal, ou seja, dívidas pagas pelos devedores em decorrência de ação judicial. Dos R$ 47,9 bilhões arrecadados em execuções fiscais, R$ 31,9 bilhões (66,5%) são provenientes da Justiça Federal e R$ 15,8 bilhões (33%) da Justiça Estadual.367 Parte dessas arrecadações é motivada por cobrança do Poder Executivo, como ocorre, por exemplo, em impostos causa mortis, que podem, inclusive, incorrer extrajudicialmente, em valores não computados neste Relatório. Segundo o Relatório368, no quesito litigiosidade: Durante o ano de 2019, em todo o Poder Judiciário, ingressaram 30,2 milhões de processos e foram baixados 35,4 milhões. Houve crescimento dos casos novos em 6,8%, com aumento dos casos solucionados em 11,6%. Tanto a demanda pelos serviços de justiça como o volume de processos baixados atingiram, no último ano, o maior valor da série histórica. Se forem consideradas apenas as ações judiciais efetivamente ajuizadas pela primeira vez em 2019, sem computar os casos em grau de recurso e as execuções judiciais (que decorrem do término da fase de conhecimento ou do resultado do recurso), tem-se que ingressaram 20,2 milhões ações originárias em 2019, 3,3% a mais que no ano anterior. Destaque para essa cifra – ingressaram , no Poder Judiciário, 20,2 milhões de ações originárias no ano de 2019. Ou seja, a judicialização não arrefece, por mais que se queira demonstrar que houve diminuição histórica do número de processos em andamento. Continuamos a assistir, ano a ano, a esse gigantismo nos números de processos judiciais que, numa espiral crescente, só demonstra que ainda há muito a ser feito para conter o ímpeto demandista nacional. No quesito acesso à prestação jurisdicional, o Justiça em Números 2020369 apurou que, em média, a cada grupo de 100.000 habitantes, 12.211 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2019. 367 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit., p. 78. 368 Ibid., p. 93. 369 Nesse indicador, são considerados somente os processos de conhecimento e de execução de títulos extrajudiciais, excluindo,portanto, da base de cálculo as execuções judiciais iniciadas. O Estado de Minas Gerais, apesar de figurar como tribunal de grande porte em todos os segmentos (TJMG, TRT3 e TRE-MG), é, dentre os de grande porte, o que apresenta a menor demanda por habitante. Na Justiça Estadual, o tribunal mais demandado é o TJRO (17.454) e o menos demandado é o TJPA (2.963). Na Justiça Federal, o único com demanda acima do patamar de 2.500 casos por cem mil habitantes é o TRF da 4ª Região, que abrange os Estados da Região Sul do País (BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, 2020b, op. cit., p. 99). 164 Os dados por segmento de justiça demonstram que o resultado global do Poder Judiciário reflete quase diretamente o desempenho da Justiça Estadual, com 79,4% dos processos pendentes. A Justiça Federal concentra 13,8% dos processos, e a Justiça Trabalhista, 5,9%. Os demais segmentos, juntos, acumulam 0,9% dos casos pendentes. Portanto, não é novidade dizer que o gargalo do gigantismo de processos judiciais está na Justiça Estadual (muitas dessas ações, certamente, poderiam ter sido acertadas antes do processo, por intermédio da autocomposição prévia, no Setor Pré-processual). Veja-se, a propósito, a diferença entre volume de processos pendentes e o volume que ingressa a cada ano. Na Justiça Estadual, o estoque equivale a 3 vezes a demanda e na Justiça Federal, a 2 vezes.370 Como nos interessa a Justiça Cível Estadual e Federal, notamos que essas diferenças significam que, não havendo ingresso de novas demandas e sendo mantida a produtividade dos magistrados e dos servidores (ressalte-se, é alta), seriam necessários aproximadamente 2 anos e 2 meses de trabalho para zerar o estoque. Esse indicador pode ser denominado como “tempo de giro do acervo”. O tempo de giro do acervo na Justiça Estadual é de 2 anos e 5 meses, e na Justiça Federal é de 2 anos. No tocante à conciliação, o relatório traz a apresentação do índice de conciliação total, incluindo a fase pré-processual. A conciliação (política pública judiciária permanente desde 2006), no ano de 2019, alcançou a cifra de 12,5% dos julgados, por meio de sentenças homologatórias de acordo, índice que aponta para redução pelo terceiro ano consecutivo. Na fase de execução, as sentenças homologatórias de acordo corresponderam, em 2019, a 6,1% do total de sentenças, e na fase de conhecimento, a 19,6%. Em 2019, o Judiciário brasileiro homologou 3,9 milhões de acordos, o que representa 12,5% de todas as sentenças proferidas no ano passado. Ainda que a Justiça do Trabalho não seja objeto de estudo nesta tese, importa registrar que foi a que mais conciliou: 24% do total de casos foi solucionado por meio de acordo, taxa que aumenta para 39% quando é levada em consideração apenas a fase de conhecimento. Muito embora o número de acordos tenha aumentado, a porcentagem com relação ao número total de decisões proferidas apresenta uma tendência de queda nos últimos quatro anos. Em 2016, por exemplo, 13,6% das decisões proferidas pelo Judiciário se deram por meio da conciliação. Em 2017, essa porcentagem caiu para 13,5%. Em 2018, foi de 12,7% e, em 2019, 370 Ibid., p. 94. 165 apenas 12,5% de processos foram solucionados via conciliação. Veja-se que, até aqui, estamos a tratar tão-só das conciliações havidas na seara judicial. Ao considerar o índice de conciliação total, incluindo os procedimentos pré-processuais e as classes processuais que não são contabilizadas neste relatório (por exemplo, inquéritos, reclamação pré-processual, termos circunstanciados, cartas precatórias, precatórios, requisições de pequeno valor, entre outros), há redução no índice de conciliação de 12,5% para 9,6%. A maior redução ocorre na Justiça Estadual quanto ao total do segmento (de 11,3% para 8,2%), mas os números mudam nas avaliações por tribunal. A Justiça do Trabalho também apresentou redução, passando de 23,7% para 22,8%. Na Justiça Federal, os indicadores aumentam de 10,6% para 10,9%. Como bem conclui, em artigo de opinião, o desembargador Marcelo Buhaten371: Mais do que destacar números que se tornam sem sentido para quem vive a dura realidade de aguardar por anos o fim de uma disputa judicial, inicialmente, os entes federativos, União, Estados, municípios e suas concessionárias têm de descer do pódio de maiores litigantes. Só os executivos fiscais (ações que executam devedores dos entes citados), muitas vezes de poucos reais, representam 60% de todos os processos. É preciso um trabalho de médio prazo que mude a mentalidade da população e do Estado brasileiro. A balança da Justiça só estará equilibrada quando, no lugar do conflito, promovermos, de fato, alternativas como mediação e conciliação, notadamente a pré-processual, ainda mesmo na fase embrionária do ainda não conflito, quando as partes não dispenderam forças e dinheiro. Resumindo, vamos comemorar, porém só até a página dez. Urge pensar na “tragédia da justiça”372. Sem modismos. Sem maniqueísmos. Sem falseados expedientes. Eric Navarro Wolkart373, em sua tese de doutoramento, ao traçar um primoroso diagnóstico da justiça brasileira, assegura que a “tragédia da justiça” (ou esgotamento do aparato jurisdicional) possui elementos bem destacados, a saber: número excessivo de processos (litigância desenfreada); manejo excessivo de recursos; esgotamento 371 BUHATEN, Marcelo. A Justiça e os números que não consolam. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-09/marcelo-buhatem-numeros-nao-consolam. Acesso em: 12 set. 2020. 372 A justiça é um bem comum, e como todo bem comum, corre o risco de ser sobreutilizada, gerando o cenário de tragédia. Quando isso ocorre, o custo social de utilização da Justiça sobe demasiadamente, significando basicamente que (I) o sistema constitucionalmente garantido torna-se lento e ineficiente, como uma avenida congestionada por veículos que não saem do lugar; (II) como esse sistema é subsidiado por tributos, é a sociedade quem suporta esses custos (ou seja, as partes sofrem porque a justiça deixa de resolver a crise do direito por elas trazida). E a sociedade padece porque arca com os custos sociais da ineficiência. É que, a partir do momento em que há a percepção de que a justiça não funciona, as leis começam a ser descumpridas pelas pessoas, gerando danos de toda sorte (WOLKART, op. cit.). 373 WOLKART, op. cit., p. 231. 166 das cortes superiores; baixas taxas de autocomposição; inefetividade da execução; litigância habitual e ausência de uniformidade e coerência jurisprudencial374. Wolkart375, valendo-se da análise econômica do direito, traça mudanças de paradigmas ao Poder Judiciário Brasileiro, e, para tanto, questiona o papel do sistema de justiça, do Poder Judiciário e do próprio direito processual, assegurando, de chofre, que o objetivo de todos eles é diminuir os custos sociais que, sem o oferecimento estatal da atividade jurisdicional, seriam muito maiores. Em outras palavras, a atividade jurisdicional só existe porque, sem ela, a sociedade estaria muito pior do que com ela (é sob essa perspectiva que o autor encara a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição). Para ele, todos os escopos da jurisdição, do processo, sintetizam-se na diminuição dos custos sociais (englobando-se o escopo de pacificação social). E, ao agrupar os escopos na diminuição dos custos sociais, quer-se desnudar e corrigir essa surda abolição do regular funcionamento do sistema Judiciário, permitindo que a justiça possa voltar a funcionar razoavelmente, julgando uma quantidade ótima de processos, e não esse volume descomunal de demandas (que poderiam muito bem ser resolvidas por outros meios, que não o processo judicial). Outros pleitos, se apresentados, devem ser redirecionados para outras portas da justiça, em especial, para a autocomposição, por meio de incentivos aos meios autocompositivos. Segundo Marcato376, subjugar a famigerada crise da justiça exige do Poder Judiciário a compreensão de sua organização, estrutura, relações de interdependência com os demais poderes, o sistema jurídico vigente, e, finalmente, a “expectativa de justiça” de cada povo. E o referido autor nos lembra que o destinatário final da atividade jurisdicional [...] Não está preocupado com as causas da crise da justiça, nem com as soluções engendradas em sedes legal, doutrinária ou jurisprudencial para solucioná-la; nutre, apenas, a pragmática expectativa, natural a qualquer consumidor, de solução rápida, econômica e eficiente para a crise jurídica que o afeta, cabendo ao aparelho estatal, por sua vez, reconhecer e proteger, dentro do possível o direito de quem o tenha. [...] Na esfera de interesses do consumidor do produto justiça não ocupam espaço as questões teóricas que afligem os processualistas, nem as causas que as determinam; interessam-no, sim, quando se vê na contingência de buscar o socorro Judiciário, o custo e a 374 Nesse sentido: “O fenômeno denominado crise do Judiciário pode ser caracterizado principalmente pelo extraordinário número de processos, pela lentidão na tramitação dos feitos, pela falta de previsibilidade das decisões, pela pouca efetividade dos julgados, pelo número expressivo de recursos e pela utilização predatória da Justiça estatal.” (SILVA, 2013, op. cit., p. 12). 375 WOLKART, op. cit., p. 308-316. 376 MARCATO, Antonio Carlos. Algumas considerações sobre a crise da justiça. In: ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz (orgs.). 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil. Passado, presente e futuro. São paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 29. 167 demora do processo e, fundamentalmente, a eficiência do resultado prático por meio dele obtido.377 Portanto, pensando sempre que o sistema de justiça deve servir ao destinatário, e que cabe ao Estado o dever de prestação jurisdicional célere e eficiente (sem se descurar de todos os ditames legais), necessário se faz apontar a crise da justiça civil, na tentativa de se criarem alternativas razoáveis e palpáveis que colaborem para com o bom funcionamento do sistema de solução de disputas. Segundo Sergio Chiarloni378, é fato que os esforços para “deflacionar” as demandas por justiça passam, necessariamente, por variadas questões, por exemplo, pelo aumento do preço da justiça do Estado379 ou pela utilização dos “sistemas alternativos” (adequados) de solução de conflitos. Naquilo que mais nos interessa – Chiarloni aponta a utilização dos meios consensuais de solução de controvérsias como uma das possíveis saídas e solução para a tragédia da justiça que abala sistemas judiciários os mais variados possíveis, tornando a justiça inefetiva e de difícil acesso. É preferível, portanto, tentar aliviar a carga de trabalho dos juízes, encorajando os cidadãos a buscar métodos alternativos de solução dos conflitos. A complexa sociedade moderna não pode ser satisfeita com a justiça tradicional, seja ela de civil law ou de common law. Pelos juízes tradicionais e em procedimentos extremamente formais, que exigem um patrocínio caro. É necessário explorar novos caminhos, mais rápidos, mais baratos, mais simples e mais próximos das necessidades e, por que não, do modo de ser das categorias de cidadãos envolvidos no conflito. Todos os sistemas estão buscando agora, com maior ou menor determinação, uma nova coexistência no sistema Judiciário, mais inclinada à conciliação das partes. Pontual a advertência de Alcalá-Zamora y Castillo380, no sentido de que “o processo rende, com frequência, muito menos do que deveria – em função dos defeitos procedimentais, resulta muitas vezes lento e custoso, fazendo com que as partes, quando possível, o abandonem”381. 377 Ibid., p. 21. 378 CHIARLONI, Sérgio. Uma perspectiva comparada da crise na justiça civil e dos seus possíveis remédios. Revista Eletrônica de Direito Processual, REDP, v. 13, n. 13, 2014. 379 Questão a ser pontuada no capítulo 4. 380 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, 2000, op. cit., p. 238. 381 Apenas para demonstrar que não temos exclusividade em crise judiciária, vejam-se, a propósito, sugestões de solução à crise da justiça inglesa, ofertadas por Marcato (op. cit., p. 32-33), para além das previstas nas Civil Procedure Rules, com base no relatório de Lord Woolf, a saber: “Ademais, as demandas judiciais deverão ser evitadas sempre que possível, com o encorajamento das pessoas a se valerem das vias judiciais apenas em situações extremas, mediante a utilização de outros meios mais apropriados para a resolução dos conflitos 168 E não é demais lembrar as lições da professora Ada Pellegrini Grinover, para quem, “além da crise estrutural e institucional, há uma crise de mentalidade, evidenciada pela postura dos juízes em diversos casos, bem como uma crise dos mecanismos de controle das atividades judiciais”382. Evidencia-se, assim, que a crise da justiça assola a grande maioria dos países, sejam eles de sistemas de justiça idênticos ou diversos do nosso. E, dentre as recomendações prementes, aponta-se, com frequência, a utilização prévia de meios consensuais de conflitos para situações passíveis de composição (é bom lembrar que não devemos tratar os meios consensuais como pretenso remédio heroico que resolverá, “como que por encanto”, todos os males que assolam o sistema de justiça, já que, sabe-se, há situações as quais exigem passagem pela justiça adjudicada formal). Reformas processuais promovidas , por exemplo, pela Alemanha – segundo Marcato383, impuseram ao sistema de justiça meios extrajudiciais, prévios e obrigatórios de resolução de controvérsias, conseguindo-se, com isso, reduzir consideravelmente o tempo de duração média dos processos em primeiro grau e nos tribunais colegiados. Vejam-se, a propósito, a Itália, onde também se exige a prévia passagem pelos meios consensuais . Idêntica afirmação para alguns países latino-americanos, que se valem de técnicas autocompositivas obrigatórias e prévias ao ajuizamento de ações384. Macarena Vargas Pavez385, em tradução livre, ao tratar da obrigatoriedade da passagem pelos meios consensuais e sua vinculação ao sistema judicial: (Alternative Dispute Resolution – ADR), de sorte que, antes de dar início ao litígio, ambas as partes deverão fazer ofertas de acordo relacionadas à íntegra ou a parte da pretensão; havendo necessidade de decisão judicial, será levada em consideração eventual recursa imotivada de qualquer das partes à tentativa de utilização desses meios alternativos, ou o comportamento desarrazoado no curso das ADRs. Certamente, uma das alterações mais significativas foi a introdução de regramentos/protocolos de pre-action, representativos de uma fase prévia, anterior ao processo litigioso, tendente a disciplinar as formas de autocomposição. Por outras palavras: trata-se de método de trabalho destinado a constituir e a aumentar os benefícios da realização de acordos em fase precoce e com boa base de informação para ambas as partes, de modo a satisfazê-las genuinamente em uma disputa. Os propósitos da pre-action são, portanto: (a) chamar a atenção dos litigantes para as vantagens da resolução de uma disputa sem a instauração de um processo judicial; (b) permitir-lhes a obtenção de informações sobre a razoabilidade das exigências para a aceitação de um acordo apropriado; ou, ainda, (c)apresentar uma oferta apropriada de acordo, de tal forma que haja consequências pecuniárias no caso de, diante da recursa da outra parte, o processo ser instaurado ou prosseguir; e, finalmente, (d) estabelecer as bases para acelerar os procedimentos judiciais, se e quando não houver acordo nessa fase prévia.” (WOOLF, Lord. Access to Justice: Final Report (Final Report to the Lord Chancellor on the Civil Justice System in England and Wales). London, Eng: HMSO, 1996). 382 GRINOVER, Ada Pellegrini. A crise do Poder Judiciário. Revista da PGE/SP, n. 34, p. 11-25, São Paulo, dez. 1990. p. 24. 383 MARCATO, op. cit., p. 39. 384 Apontamentos mencionados no Capítulo 3 da presente tese. 385 VARGAS PAVEZ, op. cit. 169 acredito que na primeira etapa de divulgação e legitimação social da mediação – e mesmo correndo o risco de aparecer em contradição com os postulados básicos deste processo – é necessário vinculá-la ao sistema judicial e estabelecer o surgimento obrigatório dos programas de mediação anexos aos tribunais. Eu também considero que sua inserção cultural requer que esses programas sejam profusa e adequadamente disseminados para a comunidade, sejam facilmente acessíveis e de custo zero para as famílias. Por fim, creio que o Estado deve exercer um forte controle sobre a qualidade do treinamento dos mediadores familiares e dos serviços que eles prestam. Só assim será possível cumprir a tarefa da política pública de justiça delineada: ampliar e melhorar a oferta de proteção jurisdicional. Enfrentar a crise judiciária não é tarefa simplória, que se perfaz com soluções mágicas e milagreiras. O enfrentamento da questão ora proposta exigirá, por certo, o emprego de uma nova abordagem de institutos processuais pelo Poder Judiciário, aproximando o processo civil de uma concepção voltada ao seu precípuo escopo de pacificação social, nos moldes daquilo que Ada Pellegrini Grinover chamou de “deformalização do processo”, em que o próprio conceito de jurisdição merece uma acepção mais ampla, vista numa perspectiva funcional e teleológica. A proposta de fazer prevalecer, no Brasil, solução assemelhada para situações efetivamente passíveis de conciliação, passa, inevitavelmente, pela implantação de já regulamentadas ferramentas imprescindíveis a favor dos mecanismos autocompositivos de solução de conflitos, as quais podem fortalecer os caminhos – como o que se está a defender no presente trabalho – no sentido de se adotar, para algumas situações passíveis de autocomposição, a conciliação pré-processual como condição prévia da ação, numa releitura do interesse de agir, para a garantia do acesso à jurisdição de forma mais barata, célere, adequada e condizente com as reais necessidades de setores específicos da sociedade. De tais ferramentas, passa-se a tratar. 4.1 CAPACITAÇÃO, CONTRATAÇÃO E REMUNERAÇÃO DOS MEDIADORES E CONCILIADORES A Política Pública instituída pela Res. CNJ 125/2010, que deu ensejo ao atual CPC e à Lei de Mediação, para que passassem a tratar com afinco a temática, tem nos conciliadores e mediadores figuras exponenciais, na medida em que, sem eles, a consensualidade, nos moldes ora sugeridos, não se estabelece no país. Unanimidade na seara doutrinária: a importância da capacitação adequada, periódica e rigorosa dos conciliadores e mediadores, seja em que país for. Não há política pública, 170 legislação, alteração legislativa que resista sem que tenhamos, em todos os locus de consensualidade, pessoas com perfil conciliador e aptidão para desenvolver e se valer das técnicas advindas da capacitação. Além de qualquer prognóstico (nacional ou de direito estrangeiro), é constante e enfática a abordagem nesse sentido. Não há técnica e método que funcione sem que as ferramentas sejam devidamente apreendidas por quem se propõe a colocar em prática a Política Pública estabelecida pela Res. CNJ 125/2010. Sem que haja qualificação primorosa, por certo que os meios autocompositivos estarão fadados ao insucesso, infelizmente, uma realidade muito similar ao que já acontecera nos Juizados Especiais, quando de sua criação: não houve a capacitação adequada e escorreita dos conciliadores leigos, e o que se assistiu e o que ainda se percebe, em maioria, é que a conciliação não vem sendo ofertada, nos Juizados, por quem de fato detém formação e capacitação adequadas para tanto. Sem capacitação apropriada, corre-se o risco de que os meios consensuais sejam mal aplicados, concretizando-se a infeliz tese de alguns sabotadores da justiça Multiportas, qual seja, de que métodos adequados de solução de controvérsias nada mais seriam do que uma “justiça de segunda classe”. Acerca da capacitação, necessária a análise do artigo 167, § 1º (que faz remissão à capacitação mínima exigida pela Res. CNJ 125/2010) e à Lei de Mediação, que exige também graduação há, pelo menos, 02 (dois) anos. Veja que o exercício da profissão exige pessoa capaz, além da capacitação obtida em escola ou instituição de formação de conciliadores e mediadores, reconhecida pela ENFAM ou pelos Tribunais, em curso em que tenham sido observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo CNJ, em conjunto com o Ministério da Justiça. Outrossim, exige-se graduação em curso superior há pelo menos 02 anos, não ficando restrita aos graduados em Direito. E, se advogados desejarem se capacitar na condição de conciliadores ou mediadores, não poderão exercer a advocacia nos juízos que desempenhem essas funções (art. 167, § 5º, CPC). Mas há de se fazer uma ressalva importante: A Res.CNJ 125/2010, em seu artigo 11, define que para atuar no Judiciário, na condição de terceiros-facilitadores, como mediador judicial, a pessoa deve ser capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso superior e ter obtida a capacitação em escola ou instituição reconhecida pela ENFAM ou pelos Tribunais. Mas essa exigência é para mediador. Apenas para mediador. Tal questão provocou questionamentos junto ao CNJ, principalmente, com relação à graduação há, pelo menos, dois anos com relação ao conciliador. O CNJ, após ser questionado, entendeu que a exigência de dois anos de formado em curso de ensino superior não se aplica ao conciliador, que pode ser estudante de curso de 171 graduação, desde que cumpridas as exigências do Anexo I da Resolução CNJ 125/2010.386 O parecer também indica que o Anexo I da Resolução em apreço apenas exige a conclusão do curso de ensino superior para quem quiser ser instrutor e mediador judicial, não repetindo essa exigência para o conciliador. Segundo Daldice Santana e Bruno Takahashi387, estudantes universitários que tenham concluído o curso conforme as diretrizes da Resolução 125/2010, incluindo o estágio supervisionado, podem atuar como conciliadores. Por mais essa razão, a opção da presente tese pela conciliação. Por fim, saliente-se a importância da qualificação dos terceiros-facilitadores, que deve ser monitorada e fiscalizada pelo CNJ de forma permanente e rigorosa, bem como pelo próprio Judiciário, seja para apontar os erros e defeitos encontrados, seja para colaborar e apoiar os Estados que estejam encontrando dificuldades para a implementação da política pública instituída pela Res. 125/2010. O sucesso da consensualidade depende sobremaneira de profissionais realmente capacitados, e a fiscalização colabora de forma eficaz para que tal se dê. Também é preciso que sejam, conciliadores e mediadores, capacitados em número suficiente para atender a demanda. Já há, na Justiça Estadual, um bom número de CEJUSCs. O mesmo se diga quanto aos CECONs na Justiça Federal. E não se pode negar que há Câmaras privadas de conciliação e mediação espalhadas pelo país, para além das câmaras ou plataformas on-line, além de ambientes privados, como escritórios de advocacia, apropriados para que meios consensuais possam ser realizados. Portanto, urge mirar para a questão do número adequado de agentes de conciliação e mediação, a fim de que conflitos possam ser, de fato, solucionados. Apenas e tão somente criar e instalar CEJUSCs e CECONs não nos dá a garantia de que se consiga instituir, de verdade, todo o propugnado pelo microssistema legal de solução de controvérsias e pelo CNJ, fiel incentivador dos meios consensuais, a quem cabe a instituição, capacitação e fiscalização da política pública em apreço. Agora que o legislador nos municiou de arsenal legislativo necessário, urge formar mediadores capacitados e em número suficiente, bem como criar estrutura física adequada, a fim de que o imenso volume de litígios hoje existente possa efetivamente ser submetido à tentativa de acordos por meio da mediação. 388 386 Medida Liminar em Consulta n. 0007324-12.2016.2.00.0000, rel. Rogério Nascimento, j. 14.03.2017). In: SANTANA; TAKAHASHI, op. cit., p. 149. 387 Ibid., p. 150. 388 HILL, op. cit., p. 498. 172 Para além de capacitar, é preciso, pois, contratar. Todavia, é fato que o Judiciário ainda enfrenta dificuldades de ordem financeira e administrativa para que número suficiente dos chamados “facilitadores” seja colocado à disposição das pessoas que necessitem se valer do sistema multiportas brasileiro. Tribunais não detêm, por enquanto, cargos de conciliadores e mediadores concursados em sua estrutura administrativa389, ou não estão preparados para a contratação terceirizada de facilitadores e câmaras privadas que se cadastram junto aos Tribunais ou mesmo os conciliadores e mediadores indicados pelas partes, uma vez que ainda é uma novidade no sistema de justiça a forma de fazê-lo. Segundo os autores , portanto, o CPC previu duas formas de contratação de facilitadores: (i) a criação de cargos e investidura mediante regular concurso público de provas e títulos (art. 167, § 6º) e ii) terceirização, por contratação dos conciliadores ou mediadores ou câmaras privadas credenciadas (art. 167, § 1º ao 5º) ou de comum acordo indicados pelas partes (art. 168). No que se refere ao concurso de provas e títulos, nenhuma novidade no que concerne à contratação, já que o serviço formal de justiça seguiria as normas regulamentares para tanto. Tal forma de contratação promoveria um salto gigantesco na consensualidade brasileira. A terceirização, segunda forma de contratação, a despeito do previsto no CPC, não restou amplamente demonstrada, mas, segundo Claudio Madureira e Thiago Figueiredo, dar-se-ia pela contratação pública denominada credenciamento, como decorrência lógica do artigo 25 da Lei nº 8.666/1993, já que, por intermédio do credenciamento, contratar-se-ia o maior número de interessados, desde que cumpram os requisitos de habilitação estabelecidos pela Administração Pública (considerando a imposição legal quanto à realização de cadastro composto de todos os conciliadores/mediadores que preenchessem as condições exigidas, não havendo, pois, que se falar em concorrência). Quando as partes escolherem o conciliador/mediador, decerto que a contratação se dará por inexigibilidade de licitação. 389 Art. 167, § 6º O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo (BRASIL, 2015). 173 4.2 REMUNERAÇÃO DE MEDIADORES E CONCILIADORES O CNJ, por intermédio da Resolução n. 271, de 11 de dezembro de 2018390, fixou parâmetros da remuneração de conciliadores e mediadores judiciais, nos termos do disposto no artigo 169, CPC391, e artigo 13, da Lei de Mediação392. O artigo 1º, da Res. 271/2018, estabelece que os valores a serem pagos pelos serviços de mediação judicial são fixados pelo Tribunal ao qual estiver vinculado o mediador, exceção feita aos Tribunais que possuem quadro próprio de facilitadores, admitidos mediante concurso público de provas e títulos (os quais recebem seus vencimentos diretamente do erário público). O padrão de remuneração possui cinco níveis, conforme a autoatribuição a ser feita pelo mediador, junto ao Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores, indicando, assim, em qual faixa deseja atuar, a saber: i) voluntário393; ii) básico; iii) intermediário; iv) avançado e v) extraordinário. Portanto, cabe ao próprio facilitador indicar em qual faixa entende estar enquadrado (a depender de sua formação, tempo de experiência etc.), evitando, assim, que mediadores e conciliadores fiquem à mercê de avaliações do próprio Poder Judiciário.394 A partir da Resolução 271/2018, os tribunais ajustarão os valores previstos na tabela para atender à sua realidade. Já há vários Tribunais que fixaram, por resolução, os vencimentos de conciliadores e mediadores, valendo-se da tabela da Res. 271/2018 como parâmetro. Os honorários do mediador deverão, de preferência, ser recolhidos em frações iguais pelas partes. No primeiro contato com o mediador, que não será cobrado, será feita projeção das horas mediadas e apresentadas orientações sobre a confidencialidade do acordo.O mediador deverá encaminhar, no final de cada mês, ao CEJUSC ao qual estiver vinculado, relatório das horas trabalhadas. 390 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 271, de 11 de dezembro de 2018. Fixa parâmetros de remuneração a ser paga aos conciliadores e mediadores judiciais, nos termos do disposto no art. 169 do Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015 – e no art. 13 da Lei de Mediação – Lei nº 13.120/2015. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_271_11122018_12122018115214.pdf. Acesso em: 09 mai. 2019. 391 Art. 169. Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º , o conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça. § 1º A mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal. 392 Art. 13. A remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos tribunais e custeada pelas partes, observado o disposto no § 2º do art. 4º desta Lei. 393 Por mais louvável que seja o trabalho voluntário, é fato que a profissionalização de conciliadores e mediadores só se dará quando houver justa remuneração aos facilitadores. 394 SPENGLER, Fabiana Marion; COSTA, Márcio Dutra da. A remuneração de conciliadores e mediadores judiciais:considerações sobre a Resolução 271/2018 do CNJ. Revista de Processo (RePro), v. 298, ano 44, dez. 2019. p. 419. 174 Outro ponto de destaque da resolução é a ausência de obrigação de resultado. “Remunerar o profissional conforme a quantidade de acordos entabulados pode gerar consequências desastrosas”.395 Todavia, é sabido que vários Estados da federação, infelizmente, consignam o valor dos honorários de conciliadores e mediadores à feitura do acordo, ao final das sessões. O artigo 2º, § 8º, da referida resolução, estabelece que, como contrapartida da inscrição dos facilitadores no Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores ou em cadastro em tribunais, o dever de atuarem, a título não oneroso, em pelo menos 10% (dez por cento) dos casos encaminhados pelo Poder Judiciário, com a finalidade de atender aos processos em que foi deferida a gratuidade, cabendo ao CEJUSC ou ao NUPEMEC a indicação dos casos que serão atendidos nessa modalidade. Por fim, um registro importante, tendo em vista o tratamento desigual entre conciliadores e mediadores: referida Resolução estabelece com rigor e especificidade a remuneração de mediadores, tratando de forma diversa os conciliadores, na medida que fixa regramento de remuneração aos conciliadores de acordo com o previsto no artigo 7º, a saber: “Art. 7º Os conciliadores serão remunerados quando houver necessidade, com base no nível de remuneração um da tabela anexa, podendo cada tribunal fixar remuneração em valor diverso por ato ou outro critério que melhor atender à sua conveniência”. A despeito da diferença havida entre uma sessão de conciliação e mediação, é certo que as tarefas desempenhadas pelos conciliadores e mediadores demandam conhecimento das técnicas e métodos consensuais, zelo, probidade e ética profissional. Portanto, fazer essa diferenciação nos parece um rebaixamento das tarefas desempenhadas pelos conciliadores, tendo em vista que desempenham funções importantes no cenário da consensualidade brasileira. No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, a remuneração varia com o valor da hora-base de R$60,00 (sessenta reais) para causas estimadas de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e um valor máximo da hora-base de R$ 1.250,00 (hum mil duzentos e cinquenta reais) para causas acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), não havendo teto remuneratório. Nos CEJUSCs, no Setor Pré-processual, a remuneração dos facilitadores deverá ser custeada pelas partes, e o valor será dividido em igual valor. Se uma das partes não puder custear a sessão, a gratuidade se impõe (ou será voluntário o trabalho do terceiro-facilitador). 395 Ibid., p. 423. 175 No Tribunal de Justiça de São Paulo, a Resolução 809/2019396 estabelece as seguintes regras aos conciliadores: Art. 7º - Os conciliadores serão remunerados com base no nível de remuneração I (patamar básico) da tabela anexa, podendo o juiz reduzir o valor da remuneração, desde que haja expressa concordância do conciliador. Art. 8º - O valor da remuneração do conciliador será fixado pelo juiz do processo, quando a sessão for realizada na Vara Judicial, ou pelo juiz coordenador do CEJUSC quando os autos lhe forem remetidos para a realização da sessão e quando se tratar de procedimento pré-processual. Art. 9º - Caberá ao juiz do processo ou ao juiz coordenador do CEJUSC, conforme o caso, estabelecer o momento do pagamento da remuneração devida ao conciliador – antes ou depois da sessão, e a forma – mediante depósito em conta corrente de titularidade do conciliador ou mediante depósito judicial. Art. 10 - A remuneração do conciliador será custeada pelas partes, preferencialmente em frações iguais. Art. 11 - Será devida a remuneração ao conciliador desde que a sessão seja realizada, ainda que não for obtido o acordo. Art. 12 - Em procedimento pré-processual, a remuneração do conciliador e do mediador, a ser arbitrada pelo juiz coordenador do CEJUSC, corresponderá ao valor mínimo previsto na tabela anexa (patamar básico – nível de remuneração I), ressalvada a hipótese de concordância expressa do conciliador/mediador com o recebimento de valor inferior. Art. 13 - Será devida remuneração ao conciliador e ao medidor para sessões realizadas em segunda instância, aplicando-se o regramento constante desta Resolução. Art. 14 - É assegurada aos necessitados, beneficiários da assistência judiciária gratuita, a gratuidade da mediação e da conciliação. Fabiana Spengler e Márcio Dutra pontuam a questão em outros Estados, a saber: No Estado do Acre, por exemplo, os conciliadores percebem uma remeneração bruta de R$ 3.722,00 para uma jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta horas semanais, conforme o Código de Organização Judiciária do Acre. [...] os profissionais são recrutados por meio de processo seletivo simplificado para contratação temporária. Já no Estado do Rio Grande do Sul, os conciliadores são designados pelo juiz presidente do juizado especial para exercerem sua função pelo prazo de quatro anos, permitidas duas reconduções. [...] a função pode ser exercida de forma remunerada ou voluntária; nesse último caso, o recrutamento se dá por meio de processo seletivo público de provas e títulos. [...] Enquanto o conciliador criminal é remunerado por audiência, o conciliador cível e o da Fazenda Pública recebem pela realização de acordo em audiência, em desacordo com a ausência de obrigação de resultado. 396 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Resolução nº 809/2019. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Resolucao809-2019.pdf. Acesso em: 08 abr. 2020. Grifos nossos. A tabela da referida Resolução do TJ/SP está disponível em: http://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/TabelaDeRemuneracao.pdf?d=1600549561700. Acesso: 08 abr. 2020. 176 [...] no Estado de Mato Grosso, em que os conciliadores são remunerados por abono variável, de cunho indenizatório, observando-se o teto máximo correspondente ao subsídio do cargo efetivo de técnico judiciário, previsto na classe A, nível 1, (no valor de R$ 2.603,41 em 2018). O valor é escalonado conforme o número de audiênciasrealizadas no mês ( até 50; de 51 a 100; de 101 a 150), sendo fixados em unidades-padrão (UPF/MT). Se o conciliador realizar mais de 150 sessoes por mês, receberá 0,5 UPF/MT por sessão em que haja conciliação, mas apenas 0,2 UPF/MT por sessão em que as partes não conciliem. Pode-se perceber, pelas descrições estaduais acima mencionadas, que ainda há avanços a serem feitos, a fim de que facilitadores possuam uma remuneração justa e adequada à tarefa que desempenham, tendo em vista que a remuneração dos conciliadores, variável de Estado para Estado, também está, muitas vezes, em desacordo com a Resolução 271/2018 , o CPC e a Lei de Mediação. Em suma, quanto mais capacitados e bem remunerados forem os conciliadores e mediadores, mais qualidade haverá na consensualidade brasileira. Ganha, com isso, a cidadania brasileira, que terá à sua disposição profissionais aptos ao exercício do mister de compor controvérsias de forma autocompositiva. 4.3 RESOLUÇÃO CNE/CES N. 5/2018, ORIUNDA DO PARECER 635/2018 (PORTARIA 1.351, DE 14.12.2018 DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO) A Resolução CNE/CES n. 5/2018, oriunda do Parecer 635/2018, homologado pela Portaria 1351/2018397 , do MEC, a partir do ano de 2019, estabelece que serão obrigatórias as disciplinas sobre conciliação, mediação e arbitragem nas grades curriculares dos cursos de Direito de todo o país. As universidades e faculdades de Direito devem oferecer formação técnico-jurídica e prática jurídica de solução consensual de conflitos. As instituições têm o prazo de dois anos para adaptar a grade curricular e fazer cumprir o estatuído na presente Portaria do Ministério da Educação.398 397 BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Portaria 1351/2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/outubro-2018-pdf-1/100131-pces635-18/file. Acesso em: 17 out. 2020. 398 “Obviamente, não se pode tornar o Poder Judiciário algo maior do que tudo. Não se pode transferir para o Poder Judiciário a resolução de todos os conflitos. Isso é impossível e por isso é que se deve ter responsabilidade. [...]. E, sob outro aspecto, outra questão fundamental relacionada são as soluções consensuais. O direito, até pouco tempo atrás, era vocacionado para o conflito, para a guerra. Hoje, as faculdades de direito possuem o papel de criar outra cultura, de fornecer profissionais abalizados para a solução, extrajudicial ou mesmo judicial, de modo consensual e, para isso, precisa-se de pessoas que estejam devidamente conscientes e preparadas tecnicamente para realizar negociações, conciliações e mediações. Para tanto, é preciso se formar, estudar, experimentar e praticar, para se realizar, a contento, essa atividade diplomática, e com isso reduzir essa quantidade de processos 177 Nos países onde os métodos autocompositivos estão instalados há mais tempo, também foi necessária essa adequação nos currículos das faculdades de Direito, em especial, onde é obrigatória a presença de advogados nas conciliações e mediações (seja como facilitador ou como advogado das partes). Os artigos 4º, 5º e 6º, da Portaria 1351/2018, estabelecem que: O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as competências cognitivas, instrumentais e interpessoais, que capacitem o graduando a: [...] VI - desenvolver a cultura do diálogo e o uso de meios consensuais de solução de conflitos. VIII - atuar em diferentes instâncias extrajudiciais, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos; Art. 5º. O curso de graduação em Direito, priorizando a interdisciplinaridade e a articulação de saberes, deverá incluir no PPC, conteúdos e atividades que atendam às seguintes perspectivas formativas: [...] II - Formação técnico-jurídica, que abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a sua evolução e aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se, necessariamente, dentre outros condizentes com o PPC,conteúdos essenciais referentes às áreas de Teoria do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual; Direito Previdenciário, Formas Consensuais de Solução de Conflitos; [...] Art. 6º A Prática Jurídica é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização. § 1º É obrigatória a existência, em todas as IES que oferecem o curso de Direito, de um Núcleo de Práticas Jurídicas, ambiente em que se desenvolvem e são coordenadas as atividades de prática jurídica do curso. [...] § 6º A regulamentação e o planejamento das atividades de prática jurídica incluirão práticas de resolução consensual de conflitos e práticas de tutela coletiva, bem como a prática do processo judicial eletrônico. Essa alteração na grade curricular obrigatória dos cursos de Direito impactará a política pública estatuída pelo CNJ, na medida em que o desenvolvimento de habilidades e que existem no judiciário.” (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro Desafios e perspectivas da justiça no mundo contemporâneo. Revista Eletrônica de Direito Processual REDP, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, set.-dez./2019. p. 26). 178 competências no alunado de direito modificarão, ao longo do tempo, o desempenho dos egressos na sociedade. Fernanda Tartuce399, in verbis: As novas gerações de estudantes de direito revelam uma disposição muito forte para focar possibilidades mais amplas e eficientes de enfrentamento dos litígios. Muitos jovens estudantes de Direito têm demonstrado grande interesse em saber melhor sobre técnicas diferenciadas que respondam de forma mais coerente os questionamentos sobre as necessárias celeridade e eficiência na condução dos impasses verificados no tecido social. É preciso cuidado, porém, para que a dura prática que irão encontrar nas Côrtes de Justiça não os desanime em sua busca. Também os gestores do sistema Judiciário têm percebido as grandes vantagens da autocomposiçao em relação à decisão imperativa sobre o mérito: afinal, ‘devolver’ o conflito às partes libera o juiz de aprofundar sua análise sobre o objeto da demanda, finalizando de forma mais rápida e fácil o processo. Esse estranhamento e não aceitação dos métodos autocompositivos por parcela considerável de quem opera o sistema de justiça (juízes, promotores, advogados, serventuários etc.,), aos poucos, vai se desfazer. A contribuição que essa alteração no currículo dos cursos jurídicos400 vai provocar, certamente, será de grande valia. 4.4 CEJUSC COMO UNIDADE JUDICIÁRIA: RESOLUÇÃO 289/ 2019 O locus da consensualidade na justiça estadual – CEJUSC – sempre foi tratado como atividade-meio, mas, a partir da Resolução CNJ 289/2019401, que alterou a Resolução CNJ 399 TARTUCE, 2019, op. cit. 400 Inclusive, no campo das reflexões acerca do ensino jurídico, sabemos que a Resolução em pauta é apenas um dos mecanismos dentre tantos que precisam ser repensados, numa engrenagem que precisa de, ainda muitos reparos. A Resolução CNE/CES n. 5/2018 pode funcionar como uma contribuição para o que Florêncio Filho e Denardi chamam de indispensável, a saber, com a determinação de “uma nova ciência jurídica harmônica com a realidade social, promovendo uma sociedade mais perfeita e justa”; isso, dentro de um contexto ainda maior e desafiador: “Repensar a educação jurídica é imprescindível e, para isso, é necessário partir de teorias novas. Não se muda a estrutura se não houver emersão do próprio conhecimento predominante do direito. É necessário concretizar uma ruptura no princípio de ensino. Meras reformas não solucionarão essa questão. [...] A nova metodologia de ensino começa com uma conjuntura complexa para em seguida propor os conteúdos, as teorias, as leis, os princípios, enfim, os meios apropriados para sua investida e resolução. Só então, o ensino jurídico deixará de ser uma mera transferência de informações para se tornar uma atividade adequada que possibilitará aos alunos a produção de seus próprios conceitos e, assim, serem empenhados com o aprimoramento democrático do Estado e a modernização da sociedade. É mandatório que se faça a adaptação dos conteúdos às reivindicações do século XXI e, que dos educandos não se aguarde mais a habilidade de decorar leis, mas a capacidade de constituir um entendimento jurídico que lhes possibilite decodificá-las adequadamente, procurando retirar deles sua íntima vinculação com os fatos sociais e com a realidade do novo tempo.” (FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio Pinto; DENARDI, Eveline Gonçalves. A qualidade do ensino jurídico no Brasil: Algumas transformações necessárias. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 106-118, set/dez. 2018. p. 116). 401 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 282 de 29/03/2019. Altera a Resolução CNJ nº 219, de 26 de abril de 2016, que dispõe sobre a distribuição de servidores, de cargos em comissão e de funções de confiança 179 219/2016, passou a ser tratado como área de apoio direto à atividade judicante, sendo, portanto, atividade-fim. Daldice Santana402 afirmou, durante a votação da matéria no CNJ: [...] a medida é um grande passo para a consolidação da cultura da busca de meios alternativos para a solução de conflitos.’Os Cejuscs estavam sendo tratados como atividade meio, e, com a alteração aprovada, passam também a serem percebidos como atividades fim. A missão institucional do Poder Judiciário é a pacificação social, a qual tanto pode ser resultado de uma decisão impositiva do magistrado, pela sentença, quanto da construção de consenso das partes, por meio do acordo. Como não há hierarquia entre esses caminhos para a solução de conflitos, a alteração aprovada passou a contemplar essa realidade: ambos os caminhos são bons, se adequadamente aplicados’. A Resolução CNJ 219, de 26/04/2016403, que dispõe sobre a distribuição de servidores, de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo graus, passou a prever, em seu artigo 2º, inciso II, que os CEJUSCs são unidades judiciárias de primeiro grau, nos moldes das varas, juizados, turmas recursais e zonas eleitorais: Art. 2º Para fins desta Resolução, consideram-se: [...] II - Unidades judiciárias de primeiro grau: varas, juizados, turmas recursais, zonas eleitorais e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), compostos por seus gabinetes, secretarias e postos avançados, quando houver; (Redação dada pela Resolução nº 282, de 29.03.2019). O relator, conselheiro Fernando Matos, defendeu a adequação da norma como forma de permitir uma melhor distribuição de recursos humanos e carga de trabalho para onde há maior demanda de trabalho. A alteração passou pelo Comitê de Acompanhamento do CNJ da Política Nacional de Priorização do 1º Grau. Uma das ações propostas pela Política de Priorização é redistribuir servidores das atividades-meio para as atividades-fim, a fim de priorizar a finalidade da Justiça brasileira. Daldice Santana e Bruno Takahashi404: nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo graus e dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=2912. Acesso em: 24 out. 2020. 402 CENTROS de solução de conflitos são considerados atividade fim do Judiciário. Agência CNJ de Notícias, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/centros-solucao-de-conflitos-sao-considerados-atividade-fim-do- judiciario/. Acesso em: 20 nov. 2020. 403 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 219 de 26/04/2016. Dispõe sobre a distribuição de servidores, de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo graus e dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2274. Acesso em: 24 out. 2020. 404 SANTANA; TAKAHASHI, op. cit., p. 141. 180 Fazendo uma metáfora, se os NUPEMECs são os cérebros, em âmbito local, da Política Pública de tratamento adequado dos conflitos, os CEJUSCs são seus braços. De fato, é nos Centros que há a efetiva concretização da Política, por meio da realização diuturna de conciliações, mediações e atendimentos de cidadania. Nesse contexto, uma grande conquista foi o surgimento da Resolução CNJ 282/2019, que alterou o inc. II do art. 2º da Resolução CNJ 219/2016, para reconhecer que os CEJUSCs possuem natureza de unidade judiciária de primeiro grau. Portanto, já não há mais diferença entre varas judiciais e CEJUSCs. O novo texto da Resolução CNJ 219/2016 coloca os CEJUSCs no patamar das varas, juizados, turmas recursais e zonas eleitorais para fins de distribuição de servidores, justificando-se, assim, que, no Brasil, já há um Sistema Multiportas estabelecido, inclusive, de modo formal, por intermédio dessa determinação advinda do CNJ. Não há como negar o empenho do CNJ, que, desde o início do Movimento pela Conciliação, não deixa de medir esforços no sentido de priorizar os métodos autocompositivos. Nesse sentido, Mancuso405, ao apontar a quem cabe potencializar a cultura da pacificação: [Cabe] ao CNJ, e considerando que quem quer os fins dá os meios, segue-se que cabe a esse Poder fixar as metas e providenciar o quanto seja necessário. Não há soluções mágicas, nem adianta acalentar objetivos utópicos, cabendo antes reconhecer que a quantidade de processos afeta a qualidade. Portanto, a sobrevivência da justiça estatal depende do fomento aos outros meios de solução de conflitos, para incentivar a vera cidadania e como estratégia para reservar a tutela judicial às crises mais complexas, relevantes e/ou insuscetíveis de resolução por outras maneiras (e isso não quer dizer que se está a depreciar a justiça adjudicada, mas sim para valorizá-la). Não há mais como sustentar esse sentido radical da expressão “monopólio do sistema formal de distribuição de justiça”, tendo em vista que o processo judicial não é mais o único caminho para a resolução de controvérsias, mormente se considerarmos a oferta crescente de tantos outros meios de solução de conflitos. Eis aí o Poder Judiciário do terceiro milênio. Por isso, a preferência deste estudo acadêmico para que a conciliação pré-processual obrigatória se dê nos CEJUSCs e CECONs, já criados, instalados em parcela considerável das Comarcas e seções judiciárias brasileiras, promovendo-se uma coordenação dos meios autocompositivos com o sistema formal de justiça. A população brasileira ainda está habituada a procurar ajuda junto ao Poder Judiciário, e poderá, portanto, buscar a porta da conciliação pré-processual no mesmo ambiente a que está familiarizado – vale dizer, uma porta qualificada para a composição do litígio. 405 MANCUSO, 2014, op. cit. 181 4.5 OBRIGATORIEDADE DA PRESENÇA DO ADVOGADO NA AUTOCOMPOSIÇÃO Antes de quaisquer considerações, o advogado é indispensável à administração da justiça. Sua função social é explícita no texto constitucional. O artigo 133, da CF/88, estabelece que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Tal preceito é chancelado no Estatuto da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei nº 8.906/1994 – dispondo que no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. A justiça e a gestão da justiça não se resumem ao processo judicial. Outrossim, importa ressaltar que o papel do advogado é, cada vez mais, fundamental para a composição de conflitos de interesses. E esse profissional labora não só quando se vale do sistema judiciário, mas sua atuação se dá muito antes disso, e por essa razão, seria um contrassenso afirmar que a presença do advogado na composição de conflitos não é valorosa e relevante. Por isso, entende-se fundamental evidenciar o Setor Pré-processual. Advogado consciente, atento à consensualidade, poderá, certamente, com atitudes colaborativas, resolver problemas de seus clientes antes do processo judicial, mormente, se for obrigatória a passagem prévia pela autocomposição. Há projeto de Lei na Câmara dos deputados (PL 80/2018406), de iniciativa do deputado federal José Mentor, que obriga a participação do advogado na solução consensual de conflitos. Se aprovado, o PL alterará o artigo 2º, do Estatuto da Advocacia, que passará a dispor: Art. 2º O art. 2º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º: Art. 2º ................................ ................................................... § 4º É obrigatória a participação do advogado na solução consensual de conflitos, tais como a conciliação e a mediação, ressalvado o disposto no art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Causa celeuma essa discussão, especialmente, em razão da Nota Técnica do CNJ ,em que os conselheiros, por maioria, decidiram sobre a política de soluções consensuais de conflito, 406 BRASIL. Projeto de Lei da Câmara n° 80, de 2018. Altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que “Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”, para estabelecer a obrigatoriedade da participação do advogado na solução consensual de conflitos. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134076. Acesso em: 25 jun. 2019. 182 qual seja, orientações , por maioria de votos, pela não aprovação do Projeto de Lei nº 80/2018, que pretende alterar a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) para estabelecer a obrigatoriedade da participação do advogado na solução consensual de conflitos. As grades curriculares dos cursos de Direito tiveram de se adaptar à consensualidade, e, a partir de 2019 (mais rigorosamente falando, a partir de 2021), será obrigatória a disciplina sobre os meios consensuais de solução de conflitos, inclusive, na prática judiciária ofertada pelas faculdades de Direito em seus Núcleos de Prática Jurídica. Pode parecer pouco, mas não é. Até o presente, a academia só ensina os discentes a litigar. O único instrumental ensinado (e praticado nos núcleos de prática jurídica) é o processo judicial. O fato de alterarem-se essas perspectivas provocará nos acadêmicos, futuro da advocacia brasileira, um novo olhar, e as práticas a partir de então também se alterarão. Os egressos dos cursos de Direito ditarão novos rumos. Outrossim, a disseminação de cursos de formação e capacitação para conciliadores e mediadores, preparatórios para a consensualidade, estão sendo ofertados Brasil afora, e há parcela considerável de advogados que já perceberam que não há como evitar o Sistema Multiportas no Brasil, razão pela qual estão a participar dos estudos, seja para atuarem como facilitadores, seja para apreenderem as técnicas e métodos autocompositivos. A própria Ordem dos Advogados do Brasil – que já possui uma Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem – se posiciona nesse sentido, fazendo com que a mudança de rumos aconteça, ainda que a passos nem sempre tão rápidos. É preciso que a advocacia do século XXI esteja preparada para absorver e passar a praticar soluções de controvérsias pelos métodos autocompositivos. Em outras palavras, é imprescindível que o advogado assimile os meios consensuais, as diferenças entre os mesmos e o processo judicial, e perceba que terá mais uma “porta” de acesso à solução de interesses de seus clientes. Ainda que o exercício da advocacia esteja alicerçado nas práticas litigiosas, é fato que o advogado deverá se preparar para passar a ter um posicionamento colaborativo, diverso daquele de que se vale no processo judicial, para se adequar a essa nova realidade que se impõe. O novo advogado deverá deter várias potencialidades e ferramentas, a fim de melhor atender a sua clientela. Na medida em que compreende os métodos, poderá agir como um facilitador da comunicação entre as partes em conflito, fazendo com que a solução emerja de uma sessão de autocomposição. Se instituída no país a passagem prévia obrigatória pela conciliação pré-processual, nos moldes já propugnados, certamente só terá a ganhar a advocacia que tem olhos voltados para o que há de vir. 183 Piero Calamandrei dizia que ‘o advogado deve ser, mais do que o clínico, o higienista da vida judiciária’. Deve, segundo o jurista italiano, matar ‘à nascença os litígios com sábios conselhos de transação’. Um acordo se justifica quando é melhor do que a opção de litigar, com todos os riscos e despesas inerentes à disputa judicial. Nesse sentido, ninguém melhor do que o advogado para orientar o cliente, sobretudo com relação aos riscos e custos do processo judicial, a fim de que ele possa tomar uma decisão informada.407 Ao contrário do muito disseminado, no sentido de que a autocomposição provoca diminuição do mercado de trabalho da advocacia, vê-se que a conciliação e mediação passam a ser mais uma opção de defrontação do conflito para os advogados. Menos combatividade, mais diálogo e colaboração e solução no menor tempo possível. Oportunidade profissional que não se deve deixar passar. No Brasil, não há exigência de que conciliadores e mediadores sejam advogados, como na Argentina408. Poderão sê-lo, mas não só a advocacia pode se capacitar para tanto. Portanto, desde que preenchidos os requisitos pertinentes, estabelecidos pela Resolução 125/2010, pelo CPC e Lei de Mediação, quaisquer profissionais poderão ser facilitadores no Brasil. Todavia, entende-se totalmente pertinente que a advocacia deva estar presente , na condição de patrocínio das partes nas sessões de conciliação e mediação . Somos um país em que os profissionais do Direito estarão mais afetos aos meios consensuais e poderão, sim, colaborar para que as práticas conciliatórias aconteçam com maior frequência e se instale, de fato, a consensualidade como uma das possibilidades de resolução de conflitos no país.409 É certo que o Parecer do CNJ, contrário à presença obrigatória de advogados, estabelece que somente no processo judicial (art. 26, da Lei de Mediação) seria necessária a presença do advogado ou defensor público. No tocante ao pré-processual, apenas a faculdade do acompanhamento do advogado, neste último caso, obrigatória, se uma das partes estiver assistida por um advogado. 407 PIMENTEL, Wilson. A Mediação na Advocacia. In: ÁVILA, Henrique de Ameida; LAGRASTA, Valéria Ferrioli. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses – 10 Anos da Resolução 125/2010. São Paulo: Instituto Paulista de Magistrados – IPAM, 2020. p. 542. 408 Apenas para constar, na Colômbia, em algumas demandas, exige-se a figura do advogado. Em outras, não. 409 “A necessidade de ser orientado juridicamente é constante. Na maior parte das sociedades modernas é essencial – senão indispensável – que os indivíduos contem com advogados para decifrar as leis (cada vez maiores em número e complexidade) e para obter informações sobre os elementos necessários para atuar.” (TARTUCE, Fernanda. Advocacia e meios consensuais: novas visões, novos ganhos. 2016b. Disponível em: http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Advocacia-e-meios-consensuais-Fernanda- Tartuce.pdf. Acesso em: mai. 2020). 184 Ousa-se discordar do posicionamento do CNJ e concordar com a aprovação do Projeto de lei 80/2018. Importante e indispensável a presença do advogado acompanhando as partes na solução consensual de conflitos, inclusive no pré-processual. Não é demais dizer que, não havendo prejuízo às partes, a ausência da advocacia numa sessão de autocomposição não gera nulidade absoluta. Mas entende-se bastante razoável e necessária a presença de advogados acompanhando as partes na conciliação e mediação, seja ela pré-processual ou processual. A advocacia do futuro tem muito a colaborar para a efetivação da autocomposição no Brasil. Um outro ponto que pode servir de incentivo às soluções coexistenciais está previsto na Lei 69/2009 da Itália. Trata-se de norteamentos para a feitura do decreto legislativo acerca dos métodos autocompositivos, dentre eles, a previsão do dever de o advogado informar seu cliente sobre a possibilidade de conciliação e mediação antes da instauração do processo judicial. Ou seja, cabe à advocacia informar ao cliente que há outras portas de acesso à prestação jurisdicional que não tão-só a jurisdição adversarial, fomentando-se, com vigor, as práticas consensuais prévias. Fica a cargo dos advogados – primeiros profissionais que passam a ter contato com o conflito – a nobre função de promover a conciliação e não sugerir aventuras judiciais a esmo, como se só existisse o processo judicial para resolver a contenda. Ademais, se a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública, juntas, estabelecessem um sistema de plantão junto a CEJUSCs e CECONs, certamente, teríamos um ganho considerável de situações sendo resolvidas previamente, pelas vias autocompositivas. Portanto, plenamente possível conciliar meios autocompositivos prévios com a advocacia brasileira. Ademais, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) editou o Provimento 196/2020410 em que reconhece como atividades advocatícias as atuações de advogados como conciliadores, mediadores e árbitros. Ou seja, desde que capacitados de acordo com as exigências brasileiras, advogados têm muito a colaborar com o acesso à prestação jurisdicional na condição de conciliadores, mediadores e árbitros. A escolha dos facilitadores deve levar em consideração a seguinte regra: Nos termos da Lei nº 13.014/2015, a mediação extrajudicial pode ser conduzida por qualquer pessoa capaz e 410 CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Provimento nº 196/2020. Dispõe sobre o reconhecimento da atividade advocatícia decorrente da atuação de advogados como conciliadores ou mediadores, árbitros ou pareceristas e no testemunho (expert witness) ou no assessoramento às partes em arbitragem e dá outras providências. Disponível em: https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/196-2020?provimentos=True. Acesso em: 01 mar. 2020. 185 habilitada para a dinâmica da autocomposição. Já o facilitador judicial, além da capacidade civil , necessita comprovar graduação em nível superior há pelo menos dois anos e certificação oficial de capacitação. Assim, a escolha do facilitador não leva em conta a sua formação básica profissional. Em suma, não leva em conta a formação e experiência profissional na matéria de fundo. Todavia, é fato que a expertise de conciliadores e mediadores, a exemplo de um advogado- facilitador, é sempre um incentivo no momento de sua escolha. Muitas vezes, ainda que o conciliador tenha adquirido técnica consensual, lhe falta conhecimento técnico-jurídico, necessário para o acertamento do conflito entre as partes, e é nessa hora que o advogado- conciliador fará a diferença, facilitando a solução do problema. Assim, pode-se concluir que a participação da advocacia na autocomposição, seja na condição de advogado das partes, seja como facilitador, é deveras indispensável e importante para o sucesso da política pública em apreço. 4.6 PROJETOS DE ATOS NORMATIVOS Para situar na contemporaneidade legislativa as discussões até aqui propostas, considerando que, neste estudo, apontamos justamente para a necessidade de normatização do nosso objeto, selecionamos projetos de atos normativos compatíveis com a proposição lançada nesta tese. Trata-se de importantes sinalizações do Poder Legislativo, que serão pormenorizadas neste item. Os projetos são: a Proposta de Emenda à Constituição 136/2019, a qual tem o condão de estabelecer a adoção de métodos extrajudiciais de solução de conflitos como direito fundamental; o projeto de Lei Complementar, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça, que estabelece normas gerais para a cobrança de custas dos serviços forenses no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, e o controle de sua arrecadação. Destaque dado ao Projeto de Lei nº 3.813/2020, que pormenorizadamente fora tratado artigo a artigo. O PL “dispõe sobre a obrigatoriedade, nos litígios entre particulares que tenham por objeto direitos patrimoniais disponíveis, de realização de sessão extrajudicial de autocomposição prévia à propositura de ação judicial, estabelecendo normas para tanto”. Aborda, portanto, diretamente o objeto desta tese. 186 4.6.1 PEC 136/2019 Está em tramitação no Senado (distribuído ao Senador Rodrigo Cunha, para emitir relatório) a Proposta de Emenda à Constituição 136/2019411, que acrescenta inciso LXXIX ao artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, para estabelecer o emprego de meios extrajudiciais de solução de conflitos como um direito fundamental. A proposta, do Senador Veneziano Vital do Rego, atendendo solicitação de associação dos Mediadores, Árbitros e profissionais da área de resolução de conflitos do Distrito Federal, a fim de que garantir, no texto constitucional, a adoção dos meios consensuais, tem o escopo de promover o desafogo do Poder Judiciário, a promoção e o desenvolvimento da cultura da paz. A proposta de Emenda à Constituição é inspirada na PEC 108, de 2015, apresentada pelo ex-senador Vicentinho Alves (PR/TO). Na justificativa da PEC, faz-se menção ao excesso de processos em curso no país, apontando números contemporâneos à proposta, justificando que, para contornar esse cenário desalentador, a Constituição Federal precisa ser expressa em estimular a adoção de meios extrajudiciais para solucionar conflitos, visando a que tanto o legislador infraconstitucional quanto as autoridades públicas tenham respaldo para adotar medidas destinadas a incrementar a desjudicialização dos conflitos. Para tanto, informa que já temos no ordenamento jurídico brasileiro o atual CPC, a Lei de Mediação e a Res. CNJ 125/2010, mas que há necessidade de que haja um comando no texto constitucional, a fim de que os meios consensuais possam, de fato, ser institucionalizados. Se a PEC for aprovada, os meios consensuais de solução de controvérsias tornar-se-ão garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas, ganhando status de matriz constitucional, além de um reforço a todo o empenho que vem sendo feito, há anos, de reconhecimento, institucionalização e operacionalização dos métodos autocompositivos, dotando-os de maior proteção a eventuais investidas de afronta e negacionismo. 411 BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição n. 136, de 2019, op. cit. 187 4.6.2 Projeto de Lei Complementar de custas judiciais e incentivos fiscais à autocomposição Em setembro de 2020, ministros do STJ entregaram ao Congresso Nacional projeto de Lei Complementar, que estabelece normas gerais para a cobrança de custas dos serviços forenses no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, e o controle de sua arrecadação. O projeto apresentado é fruto do Grupo de trabalho criado pelo CNJ para diagnosticar, avaliar e propor melhorias aos regimes de custas, taxas e dispêndios judiciais. Os trabalhos foram coordenados pelo ministro Villas Bôas Cueva. Atualmente, os valores arrecadados a título de custas judiciais não cobrem as despesas anuais do Poder Judiciário, conforme já demonstrado quando da análise do relatório Justiça em números. Portanto, e de acordo com o ministro Humberto Martins – presidente do STJ quando da escrita desta tese – o projeto busca reduzir as disparidades na cobrança de custas e despesas processuais entre os Estados brasileiros, diminuindo o impacto desse custo sobre os mais vulneráveis e democratizando ainda mais o acesso à jurisdição. Segundo o ministro412: A proposta apresentada ao Congresso leva em consideração as peculiaridades de cada ramo do Judiciário e cada tipo de processo, define limites de cobrança das custas e propõe benefícios às partes que procurarem alternativas consensuais para a solução de conflitos. O aprimoramento do regime de custas resulta, sem dúvida, na melhora da prestação jurisdicional para todos os brasileiros. A regulamentação das custas judiciais no país compete concorrentemente à União e aos Estados, mas a União não havia se detido mais especificamente acerca do assunto, razão pela qual fora criado esse Grupo de Trabalho. A fim de que os Estados se mantenham autônomos, o projeto de lei uniformiza algumas regras, como por exemplo os momentos e critérios para a incidência das custas, cabendo às respectivas leis de regência estabelecer as alíquotas. O projeto de lei complementar certamente se faz necessário, e com certeza será fruto de discussões no Congresso Nacional. É certo que há uma relação direta entre as custas processuais e o número de demandas na Justiça. Todavia, o excesso de gratuidade de justiça, o desnivelamento dos valores de custas entre os Estados da federação, aliado ao baixo risco 412 MINISTROS do STJ entregam ao Congresso projeto de lei sobre regime de custas no Judiciário. STJ Notícias, 2020. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09092020-Ministros-do- STJ-entregam-ao-Congresso-projeto-de-lei-sobre-regime-de-custas-no-Judiciario.aspx. Acesso em: 26 set. 2020. Grifos nossos. 188 econômico estimulam ainda mais a judicialização. Se for barato e previsível demandar em juízo, a autocomposição não se impõe, já que as pessoas estarão predispostas a não fazer acordos.Há um visível abuso no pedido de gratuidade, o que impacta nas custas e nos honorários, e alimenta judicializações de todo tipo, sem consequências para o autor. É sabido que o baixo custo da litigação é mais um incentivo à propositura de litígios temerários e a resistência ao cumprimento de pretensões legítimas, o que comumente é chamado de uso predatório da justiça413. Portanto, há urgência de se conter custos desnecessários com o excesso de judicialização no Poder Judiciário e, de outra banda, incentivos aos métodos autocompositivos, a fim de que se promova maior efetividade na solução de conflitos. Antonio Gidi e Hermes Zaneti Jr.414, a propósito do tema, apontam que um dos problemas do Poder Judiciário reside no fato de que o processo civil brasileiro ainda não se atentou para a Era da Austeridade. Fala-se no amplo acesso à jurisdição, em efetividade e segurança, mas percebe-se que, no Brasil, a “justiça-grátis” e a não obrigatoriedade de se adotarem procedimentos desenhados pelo legislador para facilitar a administração da justiça geram uma sobrecarga do Poder Judiciário e uma ineficiência estrutural econômica do sistema. Com isso, identifica-se, no Brasil, a “Era da Perdularidade”, em que se gasta dinheiro e não se atinge o acesso à prestação jurisdicional (a efetividade da justiça fica comprometida pela sobrecarga do Poder Judiciário e a sobrecarga do Judiciário tende a onerar os cofres públicos com mais despesas). Além da questão do baixo custo da litigância, importa considerar os possíveis incentivos do referido projeto de lei complementar à autocomposição. O artigo 10 e parágrafos do Projeto de Lei Complementar trata especificamente dos incentivos, a saber: Art. 10. A lei poderá criar políticas especiais para o uso dos métodos autocompositivos de resolução de conflitos, por meio do estabelecimento de 413 “Não raro, torna-se cômodo e interessante para os clientes habituais do Judiciário (v.g. Poder Público, empresas de seguro-saúde, entidades de crédito ao consumidor, administradoras de cartões de crédito, empresas de telefonia) deixar que as pendencias se judicializem e permaneçam sub judice o maior tempo possível: isso dispensa tais litigantes de investir em recursos humanos e materiais na organização de serviços de atendimento ao público, que, bem manejados, preveniriam pendencias e resolveriam aquelas já instaladas. Dado que esse vasto segmento trabalha em economia de escala na sua relação com a Justiça estatl, o custo do acompanhamento dos processos não pesa significativamente, sendo antes um modo inteligente de repassar ao Estado o encargo de gerenciar tais pendências. Não admira que tantas empresas prefiram adotar uma política de apenas pagar direitos trabalhistas em juízo, assim se poupando do custo de organizar o seu próprio Departamento Jurídico, repassando ao Judiciário (numa sorte de terceirização) o ônus de analisar a pretensão do ex-empregado, calcular o quantum indenizatório e ainda presidir eventual negociação.” (MANCUSO, 2011, op. cit., p. 170). 414 GIDI, Antonio; ZANETI JR., Hermes. O processo civil brasileiro na “era da austeridade”? Efetividade, celeridade e segurança jurídica: pequenas causas, causas não contestadas e outras matérias de simplificação das decisões judiciais e dos procedimentos. Revista de processo, São Paulo, n. 294, p.70-72, ago. 2019. 189 custas diferenciadas, sem prejuízo da possibilidade de concessão da gratuidade da justiça. § 1º. As custas para a utilização dos serviços oferecidos pelos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, se previstas, serão fixadas em até cinquenta por cento do valor que seria devido para o ajuizamento da demanda. § 2º. Na hipótese de ajuizamento da demanda posterior, as custas referentes ao § 1º poderão ser abatidas das custas iniciais devidas. § 3º. A utilização do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, para fins de homologação de autocomposição judicial ou extrajudicial de qualquer natureza, não dispensa o pagamento das custas. § 4º. As pessoas jurídicas poderão se utilizar dos serviços do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para a tentativa de resolução consensual de controvérsias, mediante o pagamento de valor superior ao previsto no § 1º deste artigo. § 5º. A lei poderá fixar custas adicionais ou limites diferenciados para o cálculo caso a parte autora não se utilize, previamente ao ajuizamento da demanda, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania ou de plataforma online de resolução de controvérsia colocada à sua disposição. § 6º. Os valores arrecadados com as custas adicionais ou diferenciadas serão destinados à implementação da política pública judiciária de resolução consensual de conflitos, à remuneração de conciliadores e mediadores e à estruturação administrativa dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, obedecidos os parâmetros estabelecidos pelos respectivos Tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça. Se aprovado o projeto de lei, de acordo com o artigo 10, autoriza-se a criação de políticas especiais de incentivo ao uso dos métodos consensuais, com o estabelecimento de valores diferenciados caso o interessado, antes de ajuizar a demanda, busque o CEJUSC ou uma plataforma on-line de resolução de controvérsia. Outrossim, se houver custas ou despesas a serem pagas na autocomposição, há a possibilidade de abatimento desse valor das próprias custas judiciais que posteriormente poderão ser devidas, se não obtida a conciliação. O parágrafo 5º estabelece que a lei poderá fixar custas adicionais ou limites diferenciados para o cálculo caso a parte autora não se utilize, previamente ao ajuizamento da demanda, do CEJUSC ou de plataforma on-line de resolução de controvérsia colocada à sua disposição. Portanto, poderá haver custas adicionais a quem não se valer do pré-processual e automaticamente distribuir uma demanda. E, de acordo com o parágrafo 6º, do artigo 10, os valores arrecadados com as custas adicionais ou diferenciadas serão destinados à implementação da política pública judiciária de resolução consensual de conflitos, à remuneração de conciliadores e mediadores e à estruturação administrativa dos CEJUSCs, obedecidos os parâmetros estabelecidos pelos respectivos Tribunais e pelo CNJ. 190 Conforme mencionado alhures, é certo que um dos principais entraves à efetiva implementação da política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos incide sobre a falta ou incipiente definição da remuneração dos facilitadores, além da ausência de estruturação completa e adequada dos CEJUSCs e CECONs. Portanto, se aprovado o projeto de lei, pode-se atestar que o Brasil, por intermédio das possíveis alterações da lei de custas, mais uma vez, se mostra imbuído da tarefa de fazer prevalecer a consensualidade, não apenas com a edição das normas legais que formam o Microssistema de Solução Consensual de Controvérsias, mas também vinculando receitas do orçamento que serão destinadas ao pessoal e ao locus da autocomposição, a fim de que os fins propugnados pelos entusiastas e impulsionadores dos métodos autocompositivos se concretizem. 4.6.3 Projeto de Lei nº 3.813/2020 No transcurso da escrita da presente tese, toma-se conhecimento da apresentação, em 15 de julho de 2020, do Projeto de Lei nº 3.813/2020, de autoria do Deputado Ricardo Barros (PP/PR), que “Dispõe sobre a obrigatoriedade, nos litígios entre particulares que tenham por objeto direitos patrimoniais disponíveis, de realização de sessão extrajudicial de autocomposição prévia à propositura de ação judicial, estabelecendo normas para tanto”. Um projeto de lei que trata de autocomposição prévia, condicionante para acessar o sistema formal de justiça. Da leitura atenta do PL, vislumbra-se que há vários pontos em comum com este trabalho acadêmico, o que só justifica a pertinência da temática, bem como a abordagem aqui desenvolvida, mormente no que se refere ao interesse de agir e à pretensão resistida, alçando a questão da autocomposição prévia como condição da ação para acesso à jurisdição formal, deixando o processo judicial para a ultima ratio do sistema de justiça. O PL 3813/2020 vai ao encontro da tese proposta, ainda que haja pontos não abordados – os quais serão destacados –, satisfazendo as necessidades jurídicas prementes, em especial, no período pós-pandemia, com enfoque na autocomposição prévia como comprovação do interesse de agir, tudo no sentido de intensificar e reiterar o propugnado na política pública estabelecida pela Res. CNJ 125/2010. Decerto que a proposta em curso ratifica a ideia de que os mecanismos colaborativos de solução de disputas dissipem a preocupação de muitos no sentido de precarização de direitos, a 191 fim de que os métodos consensuais não sejam considerados “meramente alternativos” ou de “segunda classe”, mas sim adequados para resolução de conflitos. Reitere-se: não se quer criar mais uma etapa para o acesso ao sistema formal de justiça. Muito menos aumentar o descontentamento com o Poder Judiciário. Pretende-se, ao contrário, estabelecer regramento legal que possibilite solução célere e adequada do conflito. Ao referido projeto de lei, sugerem-se algumas questões pontuais, a fim de que essa alteração legislativa – se aprovada – possa efetivamente colaborar com a erradicação das controvérsias pelos meios consensuais. As sugestões são feitas artigo a artigo. 4.6.3.1 Litígios que envolvam o Poder Público e Disponibilidade e Indisponibilidade dos direitos (artigo 1º) De acordo com o PL 3813/2020: Art. 1º Nos litígios entre particulares, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sobretudo os que envolvam relações jurídicas cíveis, consumeristas, empresariais e trabalhistas, as partes envolvidas deverão obrigatoriamente se submeter, antes da propositura de eventual ação judicial, à prévia sessão de autocomposição, a ser realizada nos moldes da presente lei. Parágrafo único. A obrigatoriedade de tentativa de autocomposição preliminar abrange as causas de competência dos Juizados Especiais Cíveis, disciplinadas pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. O artigo 1º, do PL em comento, faz menção a litígios entre particulares, excluindo-se da exigência da autocomposição prévia as causas que envolvam o Poder Público em geral. É sabido que a Fazenda Pública e entes públicos são os maiores demandantes e demandados no Poder Judiciário brasileiro, seja na justiça estadual ou federal. Também é fato que o Poder Público, em decorrência do regime jurídico de direito público a que está subjugado, encontra uma série de sujeições enquanto parte no conflito, o que impede a atuação livre e desembaraçada de seus procuradores e representantes legais. Ao lado do propalado princípio da indisponibilidade do interesse público, encontra-se o princípio da legalidade, provocando sérios debates acerca da possibilidade de autocomposição pelos entes públicos. Desde que cumpridas as formalidades que se lhes impõem quando da realização da composição prévia de conflitos (por exemplo, lei que autorize o ente público a 192 realizar acordos, bem como disciplinando o procedimento, limites e as matérias conciliáveis), nada obsta que se possibilite a autocomposição. A academia, nos últimos anos, vem se empenhando na construção de base sólida para que conflitos envolvendo os entes públicos possam ser solúveis pela autocomposição. Nesse sentido, Trícia Navarro Xavier Cabral415 defende a amplitude de aplicação da conciliação e da mediação, destacando a possibilidade de os conflitos envolvendo a Administração Pública Federal direta, bem como suas autarquias e fundações, serem dirimidos por meios consensuais. Lembra a autora que a Lei de Mediação e o CPC vigente tratam da aplicabilidade desses instrumentos, o que afasta a tese de que não há previsão legal para que os conflitos sejam resolvidos pela via da autocomposição. Além disso, o interesse público, por si só, não é sempre indisponível. Há conflitos que envolvem o Poder Público - por exemplo, previdenciários - passíveis de conciliação. Nesse 415 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. NCPC: Conciliação e Mediação: Uma visão sobre o novo sistema. Jusbrasil, 2016. Disponível em: https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/346227885/ncpc-conciliacao-e-mediacao. Acesso em: 3 jul. 2020. 193 campo, também trazem importantes alterações a Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020416 e a Lei municipal da cidade de São Paulo, nº 17.324, de 18 de março de 2020.417 Importa destacar que o artigo 174, do Código de Processo Civil, prevê a criação de Câmaras de Conciliação e de Mediação pelo Poder Público para solução administrativa dos conflitos entre os órgãos administrativos e entre o particular e a pessoa jurídica de direito 416 BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nos 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm. Acesso em: 12 dez. 2020. Importante destacar que, para além de conflitos previdenciários, referida legislação tem papel de destaque junto à processos de recuperação judicial, como o ocorrido com o Grupo Oi. “A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informa que, por meio da Procuradoria-Geral Federal (PGF), seu órgão de representação judicial, celebrou transação com o Grupo Oi nos termos do art. 1º da Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, com o objetivo de encerrar litígios que envolvem multas da Anatel aplicadas em face de pessoas jurídicas que compõem o Grupo Oi.A transação constitui mais uma etapa do processo de soerguimento financeiro do Grupo Oi, que vem sendo acompanhado pela Anatel por meio de acompanhamento econômico-financeiro especial e diversas ações específicas desde 2013, em fase ainda anterior à instauração de sua Recuperação Judicial.Em 8 de setembro de 2020, foi realizada Assembleia-Geral de Credores (AGC) que deliberou acerca de Aditamento ao Plano de Recuperação Judicial (PRJ) que havia sido homologado pelo Juízo da Recuperação Judicial em 8 de janeiro de 2018. O Aditamento foi aprovado pela Assembleia-Geral de Credores e o Juízo da Recuperação homologou tal Aditamento em 5 de outubro de 2020.Em relação aos créditos de multas da Anatel, o Aditamento estabeleceu o dever jurídico de o Grupo Oi, no prazo de 180 dias, celebrar transação na forma da Lei nº 13.988/2020 e atos normativos aplicáveis, ficando prejudicadas as regras de pagamento previstas no Plano de Recuperação Judicial homologado em 8 de janeiro de 2018. No intuito de cumprir o disposto no Aditamento ao PRJ, foram intensificadas as tratativas com os órgãos da Procuradoria-Geral Federal, vinculada à Advocacia-Geral da União, o que levou à aprovação do termo de transação pelo Procurador-Geral Federal, em sua competência delegada pelo Advogado-Geral da União, bem como pelo Ministro de Estado das Comunicações. foram muitas as as tratativas havidas (realização de dezenas de reuniões, elaboração de diversas manifestações jurídicas e de relatórios contábeis, força-tarefa voltada à inscrição em dívida ativa de quase duzentos processos administrativos e adoção dos procedimentos necessários para tanto, adaptações no Sistema de Gestão de Créditos da Anatel para implementação da transação e a produção de manifestações para subsidiar as autoridades competentes). O trabalho também contou com a intensa e dedicada colaboração do Grupo Oi, tendo permitido o diálogo necessário para o adequado desenvolvimento das tratativas. O acordo firmado observou rigorosamente a disciplina estabelecida na Lei nº 13.988/2020 e na regulamentação aplicável (Portaria AGU nº 249, de 08 de julho de 2020, e Portaria PGF nº 333, de 09 de julho de 2020), previu que as multas de aproximadamente R$ 14.3 bilhões serão reduzidas para cerca de R$ 7.2 bilhões, os quais serão pagos em 84 meses, sendo que aproximadamente R$ 1.8 bilhão será pago já nos primeiros meses a partir de conversões em renda de depósitos judiciais vinculados a processos em trâmite no Poder Judiciário. Estabeleceu-se, ainda, a manutenção integral das garantias atualmente existentes no âmbito dos processos judiciais.A celebração da transação representa um marco na história do poder de polícia da Anatel, na medida em que, do universo de valores de multas constituídas pela Agência nos últimos vinte anos, grande parte desses valores será arrecadada em decorrência da transação, o que certamente confere concretude às sanções aplicadas pela agência reguladora. Ao mesmo tempo, para a Procuradoria-Geral Federal, a transação representou um caminho de segurança jurídica e efetividade no tocante à arrecadação de multas e extinção de litígios. A arrecadação de multas de cerca de R$ 85 milhões, em média, por mês de vigência da transação, propiciará um salto na arrecadação mensal de multas aplicadas por autarquias federais. Além disso, ao final da transação, cerca 1700 processos judiciais de grande monta serão extintos e os valores das multas pagas na forma da Lei nº 13.988/2020, reduzindo demandas no âmbito de atuação tanto da PGF quanto da própria Anatel.A transação das multas do Grupo Oi representa um claro exemplo de que as soluções conciliatórias constituem instrumentos capazes de garantir, com segurança jurídica, o interesse público, e de que o Poder Público está preparado para lidar com litígios de grandes dimensões, tanto em sua atuação contenciosa, quanto a partir de soluções embasadas no diálogo e na contínua construção de consensos, buscando, em todos os casos, a forma mais efetiva de o interesse público ser alcançado, inclusive em matéria de arrecadação de multas de poder de polícia.”https://www.gov.br/anatel/pt- br/assuntos/noticias/manifestacao-sobre-a-transacao-das-multas-da-anatel 417 SÃO PAULO. Lei nº 17.324 de 18 de março de 2020. Institui a Política de Desjudicialização no âmbito da Administração Pública Municipal Direta e Indireta. São Paulo, SP: Prefeitura Municipal, [2020]. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17324-de-18-de-marco-de-2020. Acesso em: 12 dez. 2020. 194 público. A Lei de Mediação (aplicável à espécie, anda que se esteja a tratar, nesse PL, de conciliação) possui capítulo especial destinado ao Poder Público, possibilitando a autocomposição nos conflitos em que for parte a pessoa jurídica de direito público418. Os CEJUSCs e as Centrais de Conciliação, portanto, podem, nos conflitos em que a matéria de ordem pública não encontre vedação legal, promover, previamente ao ajuizamento de demanda, uma conciliação pré-processual – desde que haja CECONS especializados sobre o assunto, com conciliadores devidamente capacitados para os métodos consensuais em geral e também capacitados para a conciliação em conflitos que envolvam matéria de direito público específico. O mesmo se diga com relação às possíveis Câmaras de Prevenção e Resolução administrativa dos conflitos. Bruno Takahashi419, a propósito dos conflitos previdenciários: Apesar de as discussões acerca da capacitação serem inúmeras, interessa para o trabalho pontuar um aspecto do conteúdo mínimo teórico. De maneira mais específica, acredita-se que, além de noções gerais sobre meios consensuais, é importante algum conhecimento jurídico por parte do conciliador que atua em conflitos previdenciários. [...] Defende-se, no caso dos conflitos previdenciários, além de conhecimentos jurídicos acerca da função de conciliador ( por exemplo, princípios, vedações, direitos etc.), deva haver também lições básicas de direito processual( especialmente acerca da competência da Justiça Federal) e da seguridade social. [...] para apresentar soluções, o conciliador deve ele próprio possuir alguns conhecimentos básicos acerca do processo e do direito previdenciário. Para as ações envolvendo particulares, a questão é mais simples. Mas não se pode perder a oportunidade de se incluir a possibilidade de o Poder Público também ter dirimidas suas questões controversas previamente ao processo judicial. 418Art. 174, do CPC: Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública;II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. Art. 32, da Lei de Mediação: Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para: I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. [...]. 419 TAKAHASHI, op. cit., p. 116-117. 195 O Projeto de Lei em comento, portanto, bem poderia acrescer a possibilidade de que conflitos os quais envolvam o Poder Público também devessem passar, previamente, pela conciliação, desde que observados os ditames legais e havida capacitação específica dos facilitadores de CECONs, CEJUSCs ou Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa dos conflitos. Ademais, o projeto de lei aponta litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A despeito de compreender que os direitos disponíveis são passíveis de transação, ficaria mais bem equacionada a questão se a locução “direitos disponíveis” fosse substituída por “causas que admitam autocomposição ou que admitam transação (transacionáveis)”. Há direitos indisponíveis que são passíveis de transação por intermédio dos métodos autocompositivos. Portanto, a sugestão é que seja feita uma abordagem extensiva, permitindo-se que direitos disponíveis e indisponíveis, desde que transacionáveis, possam se enquadrar no PL 3813/2020. As relações jurídicas cíveis, consumeristas, empresariais e as que envolvam a Fazenda Pública (desde que possível a conciliação) poderiam estar abarcadas pelo PL 3813/2020. Quanto às questões trabalhistas, não se fará menção, tendo em vista que foge ao recorte da presente tese, ainda que não se vislumbrem embaraços ou empecilhos para que também lhes seja possibilitada a prévia autocomposição. O mesmo se diga quanto às questões criminais , que fogem ao recorte desta tese. O relatório Justiça em Números aponta as demandas cíveis mais recorrentes nas justiças Estadual e Federal, quais sejam: ações obrigacionais em geral, ações consumeristas (responsabilidade do consumidor, indenizações), benefícios previdenciários, ações acerca de direito tributário, contratos, família e alimentos. Todos estes, inclusive os que envolvam o Poder Público (benefícios previdenciários, direito tributário), desde que cumpridas algumas formalidades, são passíveis de autocomposição, e bem poderiam ser resolvidos pelos meios consensuais, considerando que, obrigatoriamente, se submetam, antes da propositura de eventual ação judicial, à prévia sessão de autocomposição. Poderiam ser incluídas no PL 3813/2020 as causas de competência dos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública, possibilitando-se, assim, que direitos que envolvam o Poder Público também possam ser solucionados pela autocomposição pré-processual obrigatória, como condição da ação para a propositura da demanda. Feitas essas considerações, na tabela 1, constam as alterações sugeridas ao artigo 1º, do PL 3813/2020. 196 Tabela 1 - Artigo 1º Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 1º Nos litígios entre particulares, relativos a Art. 1º Nos litígios entre particulares, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sobretudo os que direitos patrimoniais transacionáveis, sobretudo os envolvam relações jurídicas cíveis, consumeristas, que envolvam relações jurídicas cíveis, consumeristas, empresariais e trabalhistas, as partes envolvidas empresariais e trabalhistas, as partes envolvidas deverão obrigatoriamente se submeter, antes da deverão obrigatoriamente se submeter, antes da propositura de eventual ação judicial, à prévia sessão propositura de eventual ação judicial, à prévia sessão de autocomposição, a ser realizada nos moldes da de autocomposição, a ser realizada nos moldes da presente lei. presente lei. Parágrafo único. A obrigatoriedade de tentativa de § 1º Nos litígios que envolvam o Poder Público, desde autocomposição preliminar abrange as causas de que exista permissivo legal e a matéria admita a competência dos Juizados Especiais Cíveis, autocomposição, os CEJUSCs, CECONs ou Câmaras disciplinadas pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de de Prevenção e Resolução administrativa dos conflitos 1995. deverão exigir a prévia sessão de autocomposição, com conciliadores devidamente capacitados em meios consensuais e também nas questões de direito público a serem dirimidas. § 2º A obrigatoriedade de tentativa de autocomposição preliminar abrange as causas de competência dos Juizados Especiais Cíveis, disciplinadas pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, pelos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001) e Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009), quando não conflitar com as disposições legais. Fonte: Elaborada pela autora. 4.6.3.2 Autocomposição extrajudicial prévia em escritórios de advocacia (artigo 2º) Propõe o artigo 2º, do PL 3813/2020: Art. 2º A parte que tomar a iniciativa de solucionar a questão litigiosa deverá notificar a outra para que participe de sessão extrajudicial de autocomposição, informando, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias corridos, contados do recebimento da notificação, data, horário, local e objeto específico e detalhado a ser debatido. § 1º A notificação poderá ser feita por qualquer meio idôneo, inclusive por email ou aplicativos de mensagens, desde que inequívoca e passível de posterior comprovação. Para os litígios entre particulares, a forma de chamamento para a sessão de autocomposição pode ser feita dessa forma, mormente se a sessão consensual ocorrer em um escritório de advocacia. Caso a sessão ocorra em CEJUSCs, CECONs ou Câmaras Públicas, a forma de notificação da parte contrária deve, em regra, seguir os regramentos estabelecidos por cada Centro Judiciário de consensualidade, previstos, em geral, por Resolução de cada qual dos 197 Tribunais de Justiça, Tribunal Regional Federal ou entes públicos que tenham criado as Câmaras Públicas de prevenção e resolução de conflitos. Tabela 2 - Artigo 2º, caput Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 2º A parte que tomar a iniciativa de solucionar a Art. 2º A parte que tomar a iniciativa de solucionar a questão litigiosa deverá notificar a outra para que questão litigiosa deverá notificar a outra para que participe de sessão extrajudicial de autocomposição, participe de sessão pré-processual de autocomposição, informando, com antecedência mínima de 15 (quinze) informando, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias corridos, contados do recebimento da notificação, dias corridos, contados do recebimento da notificação, data, horário, local e objeto específico e detalhado a data, horário, local e objeto específico e detalhado a ser debatido. ser debatido. § 1º Caso a autocomposição ocorra em CEJUSC, CECON ou Câmaras Públicas, Privadas ou serventias extrajudiciais, a forma de notificação da parte contrária deverá seguir as regras estabelecidas por cada Centro Judiciário, Câmara ou Cartório Extrajudicial, exceção feita às situações em que apenas tenha sido cedido o espaço para a feitura da sessão. Fonte: Elaborada pela autora. Nessa seara, ainda o PL 3813/2020: § 2º A sessão será realizada em ambiente reservado, público ou particular, preferencialmente em escritório de advocacia, sem prejuízo de se efetivar de forma não presencial, por meio de recursos tecnológicos de transmissão de voz e de imagem em tempo real. § 3º Caso agendada sessão presencial a parte notificada só poderá se insurgir quanto ao local designado arguindo justificativa concreta e plausível, não se aceitando como recusa a eventual realização no escritório do patrono da parte notificante. Havendo recusa justificada, a sessão realizar-se-á em local estabelecido de comum acordo entre as partes e, persistindo a ausência de consenso, efetivar-se-á de modo não presencial (BRASIL, 2020, grifos nossos). Veja-se que o PL, no § 2º, do artigo 2º, fala em autocomposição extrajudicial prévia, em ambiente reservado, público ou particular, preferencialmente em escritórios de advocacia. Estabelecer a autocomposição prévia, nesses termos, exigiria imaginar que a advocacia brasileira estivesse, toda ela, absolutamente preparada para se valer dos métodos autocompositivos. A participação dos advogados, seja como facilitadores ou patronos das partes, deve ser incentivada, mas estabelecer tal medida como preferencial, diante da existência de locus de consensualidade já distribuídos – ao menos na Justiça Estadual, em parcela considerável do País –, seria negligenciar todo o empenho e os custos já havidos para que CEJUSCs, por 198 exemplo, fossem criados e instalados Brasil afora. Destaque-se que as Centrais de Conciliação na Justiça Federal também estão criadas e em funcionamento no país. Em outras palavras, entendemos que o incentivo à participação dos advogados é independente da utilização dos escritórios de advocacia como espaços preferenciais para realização da autocomposição extrajudicial prévia. O estímulo é um ganho para a advocacia e para o sistema de justiça, já a inclinação para escritórios de advocacia como ambientes primeiros para autocomposição é ônus que pode ser excludente, prejudicando tanto o advogado quanto o sistema em geral. Já foram instituídos, no Brasil, 1284 (hum mil duzentos e oitenta e quatro) CEJUSCs. Gerados, instalados, distribuídos nas Comarcas Brasileiras – hoje tidos, aliás, como unidades judiciárias, equiparados que foram às varas judiciais – por certo, devem cumprir a missão a que são destinados, em especial, a passagem prévia pela consensualidade. Em tempos de constante crise orçamentária, não se pode conceber a criação de mais de 1000 (mil) unidades judiciárias consensuais que não tenham como finalidade primeira e última o regular funcionamento da autocomposição. No presente trabalho acadêmico, a sugestão, ainda que não exclusivamente, seria a feitura prévia de conciliação pré-processual primordialmente nos CEJUSCs e CECONs. Ou seja, autocomposição prévia realizada pelos Centros Judiciários de consensualidade estabelecidos amplamente pelo Poder Judiciário. O Estado já está a colocar à disposição das pessoas um sistema Multiportas, modelo consensual que propicia a cultura do acertamento desjudicializado, como uma forma de autossuperação dos conflitos de maneira não- heterônoma. Tudo para que possam ser ampliadas as funcionalidades das soluções consensuais e fazer funcionar, de forma regular e efetiva, o Setor de Solução de Conflitos Pré-processual – seja nos CEJUSCs e CECONs (desde que já instalados e em funcionamento satisfatório, com conciliadores e mediadores devidamente capacitados). A passagem de um determinado conflito pelo Poder Judiciário formal só pode acontecer quando a questão estiver, ao menos, resistida. O Judiciário só deve ser acionado e se manifestar acerca de controvérsias prévia e efetivamente discutidas , a fim de que os juízes não se detenham com demandas hipotéticas. Para tanto, a parte tem de demonstrar passagem prévia da questão em sede administrativa ou pela autocomposição pré-processual. Segundo Daldice Santana e Bruno Takahashi420: 420 SANTANA; TAKAHASHI, op. cit., p. 141. 199 Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) são os grandes responsáveis pela execução dos ditames da Resolução CNJ 125/2010. De fato, tal Resolução propõe uma estrutura que se organiza em três níveis, partindo das diretrizes gerais traçadas pelo art. 6º, passando pela coordenação local dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMECs), prevista no art. 7º, e chegando à efetiva execução da Política pelos CEJUSCs (art. 8º). No entanto, centralização não significa ‘monopólio’ da solução consensual de conflitos. Tratando-se da Política Pública instituída pela Resolução CNJ 125/2010, isso significa reconhecer espaços de intersecção entre o Poder Judiciário e algumas entidades privadas. Esse aspecto fica marcante, em especial, no que se refere às Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação e aos serviços notariais e de registro. Seria melhor alargar a previsão do § 2º, do artigo 2º, e estabelecer tão-só a locução “em ambiente reservado, público ou particular”, abarcando-se, assim, a possibilidade de que conciliações pré-processuais possam acontecer nos CEJUSCs, CECONs, mas também nas Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, Serventias Extrajudiciais (Provimento nº 67 de 26/03/2018), Câmaras de Prevenção e Resolução administrativa dos conflitos, conciliação pré- processual em plataformas digitais e, também, nos escritórios de advocacia.421 Além da materialização/efetivação da conciliação pré-processual (que não foi gestada e criada “por acaso”, mas para que, de fato, funcione de forma regular, razão pela qual merece a atenção que deve lhe ser dada), não se pode esquecer de que a passagem obrigatória por uma primeira instância conciliatória, indiretamente, também produzirá efeitos didáticos, pedagógicos, aos que precisam compor seus conflitos de interesses. Tabela 3 - Artigo 2º, § 2º Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação § 2º A sessão será realizada em ambiente reservado, § 2º A sessão será realizada em ambiente reservado, público ou particular, preferencialmente em escritório público (CEJUSC, CECON, Câmaras públicas) ou de advocacia, sem prejuízo de se efetivar de forma não particular (Câmaras Privadas, serventias presencial, por meio de recursos tecnológicos de extrajudiciais, escritórios de advocacia), sem prejuízo transmissão de voz e de imagem em tempo real. de se efetivar de forma não presencial, por meio de § 3º Caso agendada sessão presencial a parte recursos tecnológicos de transmissão de voz e de notificada só poderá se insurgir quanto ao local imagem em tempo real. designado arguindo justificativa concreta e plausível, § 3º Caso agendada sessão presencial, a parte não se aceitando como recusa a eventual realização no notificada só poderá se insurgir quanto ao local escritório do patrono da parte notificante. Havendo designado arguindo justificativa concreta e plausível, recusa justificada, a sessão realizar-se-á em local não se aceitando como recusa a eventual realização no estabelecido de comum acordo entre as partes e, escritório do patrono da parte notificante. Havendo persistindo a ausência de consenso, efetivar-se-á de recusa justificada, a sessão realizar-se-á em local modo não presencial. estabelecido de comum acordo entre as partes e, persistindo a ausência de consenso, efetivar-se-á de modo não presencial. 421 A própria Ordem dos Advogados do Brasil, em suas Seções e Subsecções, poderia instituir órgãos de autocomposição prévia, facilitando sobremaneira o estabelecimento legal e cultural da passagem por uma sessão antecedente de conciliação. 200 Fonte: Elaborada pela autora. 4.6.3.3 Assistência obrigatória de advogado (artigo 3º) Em seu artigo 3º, o PL 3813/2020 apresenta o seguinte texto: Art. 3º Na realização da sessão de autocomposição ambas as partes deverão estar obrigatoriamente assistidas por advogados, assegurando-se a assistência judiciária gratuita, na forma da lei, aos que não dispuserem de condições financeiras para a contratação de patrono. Parágrafo único. Não se obtendo o consenso, os advogados que participarem da sessão extrajudicial de conciliação não ficarão impedidos de atuar judicialmente na causa. A obrigatoriedade da presença dos advogados das partes e a previsão de assistência judiciária gratuita aos que de fato não dispõem de condições financeiras para a contratação dos profissionais vem ao encontro do já tratado na presente tese, item 4.5. Para que esse artigo não seja descartado do projeto de lei em apreço, o PL 80/2018, da lavra do então deputado José Mentor, precisa ser aprovado. Se aprovado, o PL alterará o artigo 2º, do Estatuto da Advocacia, que passará a dispor: Art. 2º O art. 2º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º: Art. 2º ................................ ................................................... § 4º É obrigatória a participação do advogado na solução consensual de conflitos, tais como a conciliação e a mediação, ressalvado o disposto no art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Nas palavras de Fernanda Tartuce422: para otimizar a eficiência dos mecanismos autocompositivos a participação do advogado pode ser valiosa; o fomento à adoção do meio consensual pelo cliente e a presença na sessão propiciará aos envolvidos contar com o profissional habilitado a orientar, sanar dúvidas, conferir a viabilidade dos pactos e, se o caso, fazer alertas quanto ao cumprimento do acordo entabulado. No que se refere ao advogado-facilitador, duas questões importantes: se as conciliações prévias acontecerem extrajudicialmente, por exemplo, no escritório de advocacia, qualquer 422 TARTUCE, 2016b, op. cit. 201 pessoa poderá fazê-lo, e não haverá impedimento para que, não havendo o acordo, o patrono das partes possa atuar judicialmente no mesmo conflito. Todavia, se acontecer nos CEJUSCs e CECONs, ainda que de forma pré-processual, exige-se a formação e a capacitação mínima exigida pelo CNJ. Ademais, o CPC, em seu artigo 167, § 5º, preceitua que: Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções. Portanto, caso a sessão de conciliação pré-processual ocorra nas dependências do Poder Judiciário, o advogado que estiver a atuar como conciliador estará impedido de exercer a advocacia no juízo onde ocorrera a prévia autocomposição, por imposição do artigo 167, § 5º, do CPC). Tabela 4 - Artigo 3º Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 3º Na realização da sessão de autocomposição Art. 3º Na realização da sessão de autocomposição ambas as partes deverão estar obrigatoriamente ambas as partes deverão estar obrigatoriamente assistidas por advogados, assegurando-se a assistência assistidas por advogados, assegurando-se a assistência judiciária gratuita, na forma da lei, aos que não judiciária gratuita, na forma da lei, aos que não dispuserem de condições financeiras para a dispuserem de condições financeiras para a contratação de patrono. contratação de patrono. Não se obtendo o consenso, os Parágrafo único. Não se obtendo o consenso, os advogados que participarem da sessão prévia de advogados que participarem da sessão extrajudicial de conciliação não ficarão impedidos de atuar conciliação não ficarão impedidos de atuar judicialmente na causa. judicialmente na causa (BRASIL, 2020). Parágrafo único. Realizada a sessão de conciliação em ambiente público, o advogado que estiver a atuar como conciliador estará impedido de exercer a advocacia no juízo onde ocorrera a prévia autocomposição, nos termos do art. 167, § 5º, do CPC. Fonte: Elaborada pela autora. 4.6.3.4 Duração das sessões complementares de autocomposição (artigo 4º) No PL 3813/2020, encontra-se o seguinte: Art. 4º A sessão de autocomposição será informada pelos princípios da simplicidade, da informalidade, da oralidade, da autonomia da vontade e da resolução colaborativa, objetivando a pacificação social, a celeridade e a solução consensual do litígio. § 1º A sessão será registrada por escrito em ata simples e objetiva, contendo minimamente as informações referentes a data, horário, local e modo, presencial ou não, de realização, e ao objeto da reunião, bem como síntese do quanto debatido e do resultado final do encontro, sendo subscrita pela parte e seus patronos. A assinatura será por meio digital, e apenas dos advogados, quando realizada a sessão por meio de recursos tecnológicos. § 2º Poderão ser agendadas sessões complementares de autocomposição, desde que ambas as partes consintam de modo expresso (BRASIL, 2020). 202 Como sugestão de aprimoramento desse artigo, do PL em comento, seria interessante acrescentar ao § 2º um período máximo para que as sessões prévias aconteçam, nos moldes do previsto pelo art.334, §2º do CPC (duração máxima de 02 meses), a fim de que não se alegue, a posteriori, que a sessão prévia de autocomposição, como exigência legal, esteja a protelar injustificadamente a possibilidade de acesso ao processo judicial, causando prejuízos às partes e, em última análise, à garantia constitucional de acesso à jurisdição. Tabela 5 - Artigo 4º, § 2º Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 4º A sessão de autocomposição será informada Art. 4º A sessão de autocomposição será informada pelos princípios da simplicidade, da informalidade, da pelos princípios da simplicidade, da informalidade, da oralidade, da autonomia da vontade e da resolução oralidade, da autonomia da vontade e da resolução colaborativa, objetivando a pacificação social, a colaborativa, objetivando a pacificação social, a celeridade e a solução consensual do litígio. celeridade e a solução consensual do litígio. § 1º A sessão será registrada por escrito em ata simples § 1º A sessão será registrada por escrito em ata simples e objetiva, contendo minimamente as informações e objetiva, contendo minimamente as informações referentes a data, horário, local e modo, presencial ou referentes a data, horário, local e modo, presencial ou não, de realização, e ao objeto da reunião, bem como não, de realização, e ao objeto da reunião, bem como síntese do quanto debatido e do resultado final do síntese do quanto debatido e do resultado final do encontro, sendo subscrita pela parte e seus patronos. A encontro, sendo subscrita pelo conciliador, pela parte assinatura será por meio digital, e apenas dos e seus patronos. A assinatura será por meio digital, e advogados, quando realizada a sessão por meio de apenas dos advogados, quando realizada a sessão por recursos tecnológicos meio de recursos tecnológicos. § 2º Poderão ser agendadas sessões complementares § 2º Poderão ser agendadas sessões complementares de autocomposição, desde que ambas as partes de autocomposição, desde que ambas as partes consintam de modo expresso. consintam de modo expresso, observado o tempo máximo de todas as sessões, que não deve ultrapassar o período de 02 (dois) meses. Fonte: Elaborada pela autora. 4.6.3.5 Aferição da falta do interesse de agir (artigo 7º) Em observância ao artigo 7º, do PL 3813/2020, tem-se: Art. 7º Realizada a sessão extrajudicial de autocomposição e não solucionado consensualmente o litígio, qualquer das partes poderá promover as medidas judiciais aplicáveis ao caso concreto, instruindo a petição inicial, nos moldes do art. 320 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil –, necessariamente com cópia das referidas notificação e ata. § 1º A não comprovação da realização ou da tentativa de realização da sessão extrajudicial de autocomposição configurará, nos termos dos dispositivos contidos no Código de Processo Civil, ausência de condição da ação na modalidade interesse de agir (art. 17), matéria a ser alegada em preliminar de contestação pelo réu (art. 337, inc. XI), cognoscível de ofício pelo Juiz (art. 337, § 5º), implicando extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, inc. VI). 203 Nos moldes do § 1º, a forma de aferição da falta do interesse de agir pode se dar pela não comprovação da realização da sessão prévia de conciliação pré-processual e da tentativa de realização da sessão prévia de autocomposição, autorizando que o juiz entenda ser o autor carecedor de ação, possibilitando-se, assim, a extinção da ação judicial sem resolução do mérito. Não havendo prova da utilização de autocomposição prévia de eventual conflito, em fase pré-processual – que seria a condicionante pelo viés do interesse de agir – não restará configurada a pretensão resistida pela parte ré, autorizando-se, por oportuno, a extinção de possível demanda sem apreciação do mérito. A possibilidade de demandar em juízo não pode mais ser confundida com a movimentação do custoso sistema judicial, de qualquer forma e por qualquer motivo, sem que exista demonstração mínima de uma prévia tentativa de solução da controvérsia que dará ensejo a uma demanda judicial. Não é demais dizer que já é chegada a hora de promovermos o acesso “consciencioso” à justiça. Havendo no sistema mecanismos prévios, ágeis, sem custos ou com baixos custos, à disposição dos cidadãos em conflito, a fim de resolvê-lo de forma efetiva e célere, absolutamente razoável a leitura do interesse de agir no sentido de que se exija a passagem prévia pela conciliação pré-processual, antes de ajuizada qualquer demanda judicial, configurada, assim, a condição da ação. No entanto, para que não se alegue incompatibilidade ou eventual arguição de inconstitucionalidade da garantia constitucional de acesso à jurisdição, em moldes assemelhados ao modelo colombiano, a verificação do interesse de agir deve levar em conta, a fim de melhor explicitar o artigo 7º do presente projeto de lei, deve incidir sobre cada conflito de interesses, considerando, por certo, a comprovação da ausência de empecilhos incontornáveis a quem se vale da autocomposição prévia conciliação pré-processual. Duas premissas se impõem, a saber: i) caso as partes escolham um ambiente reservado público, e desejem a passagem prévia pelo pré-processual nas dependências dos CEJUSCs ou CECONs, deve-se comprovar existência e regular funcionamento destes na Comarca ou Circunscrição; ou , ao menos, um Centro Itinerante para que a passagem prévia pelo setor pré- processual possa acontecer, sem que as partes tenham prejuízos pela ausência de locus adequado de consensualidade. Logo, nos assuntos suscetíveis de autocomposição que não demandem complexidade suficiente a ensejar passagem obrigatória pela justiça adjudicada, ou que exijam complexa produção de provas, a autocomposição prévia ou conciliação pré-processual é condição da ação 204 para acorrer à jurisdição civil, desde que exista e funcione regularmente o setor de conflitos pré-processual na comarca/circunscrição judiciária competente. A passagem prévia pela autocomposição junto ao Setor de Conflitos pré-processual efetivamente institucionalizado. (existência e regular funcionamento na Comarca ou Circunscrição, ou ao menos um Centro Itinerante). Se considerarmos que já há locus de consensualidade em quase metade das Comarcas brasileiras (justiça cível estadual), não nos parece difícil que tal institucionalização, em muito pouco tempo, seja realidade no país. Além disso, ii) necessário lembrar que, para situações e controvérsias excepcionais, envolvendo complexidade ou que exijam indispensável acesso ao Judiciário adversarial, não há obrigatoriedade de passagem pela autocomposição prévia. Tabela 6 - Artigo 7º Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 7º Realizada a sessão extrajudicial de Art. 7º Realizada a sessão de autocomposição prévia e autocomposição e não solucionado consensualmente o não solucionado consensualmente o litígio, qualquer litígio, qualquer das partes poderá promover as das partes poderá promover as medidas judiciais medidas judiciais aplicáveis ao caso concreto, aplicáveis ao caso concreto, instruindo a petição instruindo a petição inicial, nos moldes do art. 320 da inicial, nos moldes do art. 320 da Lei nº 13.105, de 16 Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de de março de 2015 – Código de Processo Civil –, Processo Civil –, necessariamente com cópia das necessariamente com cópia das referidas notificação e referidas notificação e ata. ata. § 1º A não comprovação da realização ou da tentativa § 1º Caso as partes optem pela realização de sessão de de realização da sessão extrajudicial de conciliação pré-processual em ambiente reservado autocomposição configurará, nos termos dos público (CEJUSC, CECON, Câmaras públicas), deve- dispositivos contidos no Código de Processo Civil, se comprovar existência e regular funcionamento ausência de condição da ação na modalidade interesse destes na Comarca ou Circunscrição; ou, ao menos, de agir (art. 17), matéria a ser alegada em preliminar um Centro Itinerante, a fim de que as partes não de contestação pelo réu (art. 337, inc. XI), cognoscível tenham prejuízos pela ausência de locus adequado de de ofício pelo Juiz (art. 337, § 5º), implicando extinção consensualidade. do processo sem resolução do mérito (art. 485, inc. § 2º A não comprovação da realização ou da tentativa VI). de realização da sessão prévia de autocomposição configurará, nos termos dos dispositivos contidos no Código de Processo Civil, ausência de condição da ação na modalidade interesse de agir (art. 17), matéria a ser alegada em preliminar de contestação pelo réu (art. 337, inc. XI), cognoscível de ofício pelo Juiz (art. 337, § 5º), implicando extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, inc. VI). § 3º Para situações e controvérsias excepcionais envolvendo complexidade ou que exijam indispensável acesso ao Poder Judiciário adversarial, não há obrigatoriedade de passagem pela autocomposição prévia. Fonte: Elaborada pela autora. 4.6.3.6 Exceções à obrigatoriedade de passagem prévia pela conciliação (artigo 9º) O artigo 9º estabelece apenas uma exceção às regras por este PL 3813/2020 estabelecidas. 205 Art. 9º O quanto disposto na presente lei não obsta a propositura de medida judicial objetivando a eventual concessão de tutela provisória de urgência, nos termos em que disciplinada nos Capítulos I, II e III, Título II, Livro V, da Parte Geral da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, seguindo-se, nessas hipóteses, o previsto no referido diploma acerca da conciliação e da mediação. Como sugestão, seguem outras exceções que poderiam ser incluídas no artigo 9º, a saber: i) situações conflituosas em que o possível réu esteja em lugar incerto e não sabido; ii) processos de execução em geral; iii) situações conflituosas em que seja necessário o pedido de tutelas de urgência e de evidência; iv) situações em que o possível demandado tenha domicílio/residência em outro país; v) situações em que, textualmente, a lei exija sejam dirimidas na justiça adversarial (por exemplo, quando se trate de direitos e bens de incapazes; em processos de nulidade, ineficácia e anulabilidade de ato jurídico, “demandas constitutivas" – ou desconstitutivas – necessárias; ações de constitucionalidade, homologação de sentença estrangeira, carta rogatória, etc.); em outras palavras, quando a lei obrigatoriamente, exigir a passagem judiciária ou para conflitos em que o direito seja absolutamente indisponível; vi) todas as pretensões que não sejam de livre disposição pelas partes conciliantes. Tabela 7 - Artigo 9º Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 9º O quanto disposto na presente lei não obsta a Art. 9º O quanto disposto na presente lei não se aplica propositura de medida judicial objetivando a eventual às seguintes situações: concessão de tutela provisória de urgência, nos termos I -eventual pedido/concessão de tutela provisória de em que disciplinada nos Capítulos I, II e III, Título II, urgência ou evidência; Livro V, da Parte Geral da Lei nº 13.105, de 16 de II -situações conflituosas em que o possível réu esteja março de 2015 – Código de Processo Civil -, em lugar incerto e não sabido; seguindo-se, nessas hipóteses, o previsto no referido III - situações conflituosas em que o possível diploma acerca da conciliação e da mediação. demandado tenha domicílio/residência em outro país; IV -processos de execução em geral; V -situações conflituosas em que a lei exija sejam dirimidas por ação judicial; VI -situações conflituosas em que o direito seja absolutamente indisponível ou que as pretensões não sejam de livre disposição pelas partes conciliantes. VII – temas para os quais a lei não autoriza o Poder Público a transacionar. Fonte: Elaborada pela autora. Aproveitando o exposto neste trabalho acadêmico, importa considerar as seguintes situações, como sugestões de inclusão no Projeto de Lei, como artigos de lei que se seguem ao artigo 9º: a) passagem pela conciliação pré-processual e prescindibilidade da audiência do 206 artigo 334, do CPC – considerando que, se houve autocomposição prévia que não tenha resultado em acordo, prescinde-se da audiência do artigo 334 – CPC, a teor do previsto no item 2.4.1 da presente tese. Tabela 8 - Artigo 10 Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 10 Esta lei entra em vigor no prazo de cento e Art. 10 Nos assuntos suscetíveis de conciliação, a oitenta dias, a partir da data de sua publicação. conciliação prévia (pré-processual) é condição de ação para acudir à jurisdição civil. Realizada a sessão de conciliação prévia sem que tenha havido acordo total ou parcial, prescindir-se-à da audiência de conciliação prevista no art. 334 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, salvo quando o autor solicite expressamente sua realização. Fonte: Elaborada pela autora. Bem como, b) autocomposição prévia e suspensão da prescrição – inteligência do artigo 17, parágrafo único, da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015). A Lei de Mediação prevê a suspensão da prescrição no transcurso da mediação: Art. 17. Considera-se instituída a mediação na data para a qual for marcada a primeira reunião de mediação. Parágrafo único. Enquanto transcorrer o procedimento de mediação, ficará suspenso o prazo prescricional. Portanto, por analogia, valendo-se da inteligência do artigo em comento, pode-se interpretar que, nas situações em que se exige a passagem prévia pela autocomposição, nos termos do PL, suspenso estará o prazo prescricional, até para que não se aleguem prejuízos dessa ordem às partes. Tabela 9 - Artigo 11 Proposta de redação Art. 11 Enquanto transcorrer a conciliação prévia estabelecida pela presente lei, ficará suspenso o prazo prescricional. Fonte: Elaborada pela autora. No correr das reflexões, somos um dos países que mais judicializa no mundo. Para que as práticas suasórias possam, de fato, fazer parte da realidade do jurisdicionado que possui um conflito a resolver, precisamos, além de estabelecer a passagem prévia pela conciliação, criar incentivos e possíveis punições que impulsionem a utilização dos meios autocompositivos. 207 A Itália possui incentivos bastante interessantes. Além da mediação prévia obrigatória para as demandas já destacadas, a legislação italiana prevê benefícios fiscais: Como benefícios fiscais, foi garantido às partes que utilizam o processo de mediação e pagam os honorários às pessoas nomeadas para conduzir o processo de mediação, no caso de êxito desta, receberão um crédito fiscal de até 500 euros, e de insucesso, este crédito será reduzido pela metade. Nota- se aqui, que à parte que buscar o processo de mediação ainda que nesse não haja acordo será garantido um benefício.423 Há, no Brasil, um projeto de Lei Complementar (abordado detalhadamente no item 4.6.2, da presente tese), que estabelece normas gerais para a cobrança de custas dos serviços forenses no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, e o controle de sua arrecadação. O projeto apresentado é fruto do Grupo de trabalho criado pelo CNJ para diagnosticar, avaliar e propor melhorias aos regimes de custas, taxas e dispêndios judiciais. Nesse projeto de lei complementar, há proposição no sentido de que legislação poderá criar benefícios às partes que procurem resolver seus conflitos por meio dos métodos consensuais. Portanto, não seria demais viabilizar, no PL 3813/2020, alguns benefícios a quem se vale dos meios consensuais, estabelecendo-se, para tanto, a situação: c) concessões de vantagens fiscais para celebração do acordo e punição pela não utilização da conciliação pré- processual. Essa situação seria materializada por meio de um sugerido artigo 12, porém, dada a impossibilidade de previsão do que será feito do PL apresentado no item 4.6.2, inviável se fez uma proposição de referido dispositivo. No entanto, veja-se, a propósito, o artigo 10 e parágrafos do projeto de Lei Complementar que trata especificamente dos incentivos, a saber: Art. 10. A lei poderá criar políticas especiais para o uso dos métodos autocompositivos de resolução de conflitos, por meio do estabelecimento de custas diferenciadas, sem prejuízo da possibilidade de concessão da gratuidade da justiça. § 1º. As custas para a utilização dos serviços oferecidos pelos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, se previstas, serão fixadas em até cinquenta por cento do valor que seria devido para o ajuizamento da demanda. § 2º. Na hipótese de ajuizamento da demanda posterior, as custas referentes ao § 1º poderão ser abatidas das custas iniciais devidas. § 3º. A utilização do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, para fins de homologação de autocomposição judicial ou extrajudicial de qualquer natureza, não dispensa o pagamento das custas. 423 VETIS ZAGANELLI; BECHEPECHE ANTAR, op. cit., p. 383. 208 § 4º. As pessoas jurídicas poderão se utilizar dos serviços do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para a tentativa de resolução consensual de controvérsias, mediante o pagamento de valor superior ao previsto no § 1º deste artigo. § 5º. A lei poderá fixar custas adicionais ou limites diferenciados para o cálculo caso a parte autora não se utilize, previamente ao ajuizamento da demanda, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania ou de plataforma online de resolução de controvérsia colocada à sua disposição. § 6º. Os valores arrecadados com as custas adicionais ou diferenciadas serão destinados à implementação da política pública judiciária de resolução consensual de conflitos, à remuneração de conciliadores e mediadores e à estruturação administrativa dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, obedecidos os parâmetros estabelecidos pelos respectivos Tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça. Se aprovado o projeto de lei, de acordo com o artigo 10, autoriza-se a criação de políticas especiais de incentivo ao uso dos métodos consensuais, com o estabelecimento de valores diferenciados caso o interessado, antes de ajuizar a demanda, busque os Centros Judiciários de consensualidade ou uma plataforma on-line de resolução de controvérsia. Outrossim, se houver custas ou despesas a serem pagas na autocomposição, há a possibilidade de abatimento desse valor das próprias custas judiciais que posteriormente serão devidas, se não obtida a conciliação. Há, também, previsão de punição para quem não se vale previamente da conciliação pré-processual. O parágrafo 5º estabelece que a lei poderá fixar custas adicionais ou limites diferenciados para o cálculo caso a parte autora não se utilize, previamente ao ajuizamento da demanda, do CEJUSC ou de plataforma on-line de resolução de controvérsia colocada à sua disposição. Portanto, poderá haver custas adicionais a quem não se valer do pré-processual e automaticamente distribuir uma demanda.424 Por exemplo, poder-se-ia pensar na previsão de condenação do vencedor no processo judicial ao reembolso das despesas em favor do vencido, caso o vencedor tenha recusado participar, sem justificativa plausível, da tentativa de conciliação pré-processual, ou tenha recusado a proposta feita pelo conciliador, por ocasião da autocomposição prévia, cujo conteúdo corresponda inteiramente à solução judicial havida a posteriori, em razão da necessidade da demanda judicial. 424 Se aprovado o Projeto de lei Complementar em comento, e, de acordo com o parágrafo 6º, do art. 10, os valores arrecadados com as custas adicionais ou diferenciadas serão destinados à implementação da política pública judiciária de resolução consensual de conflitos, à remuneração de conciliadores e mediadores e à estruturação administrativa dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, obedecidos os parâmetros estabelecidos pelos respectivos Tribunais e pelo CNJ. 209 Ou então, punição por acordos não realizados na autocomposição prévia particular ( ou no pré-processual em CEJUSCs e CECONs) sempre que o resultado judicial seja inferior à proposta de acordo rejeitada na prévia tentativa de autocomposição. Enfim, sugestões ao presente PL 3813/2020, que poderia ser ainda mais útil à concretização da consensualidade brasileira. Para cumprir a formalidade final, o artigo 10, do PL 3813/2020, passaria a ser o artigo 13: Tabela 10 - Artigo 13 Redação original (PL 3813/2020) Proposta de redação Art. 10 Esta lei entra em vigor no prazo de cento e Art. 13 Esta lei entra em vigor no prazo de cento e oitenta dias, a partir da data de sua publicação. oitenta dias, a partir da data de sua publicação. Fonte: Elaborada pela autora. 4.7 CENTRO DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO (CMC) NO STF Por intermédio da Resolução 697/2020425, e para que não pairem dúvidas acerca da consolidação da prática permanente de incentivo à consensualidade brasileira, foi criado o Centro de Mediação e Conciliação (CMC), no STF (ainda sob a Presidência do ministro Dias Toffoli), responsável pela busca e implementação de soluções consensuais nos processos em andamento na Corte. O centro será coordenado por juiz auxiliar da Presidência.426 Segundo o artigo 1º, § 1º, o CMC estará subordinado diretamente à Presidência do Tribunal, a quem cabe a implantação do referido centro, respeitadas as disponibilidades orçamentária e financeira. 425 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução 697/2020. Dispõe sobre a criação do Centro de Mediação e Conciliação, responsável pela busca e implementação de soluções consensuais no Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DJE198.pdf. Acesso em: 01 out. 2020. 426 É bastante pontual, nesse momento do texto, quando se apresenta a implementação de um Centro de Mediação e Conciliação do Supremo Tribunal Federal, trazer à pauta a também excessiva carga de demandas que ficam sob os cuidados da Corte Suprema do País. Na observação de José Levi Mello do Amaral Júnior, o STF é “parte do Judiciário pátrio, seguindo modelo análogo ao da Suprema Corte americana, ou seja, um órgão de cúpula, a ele convergindo todos os demais ramos do Judiciário, inclusive estaduais. Tudo chega, ou pode chegar, ao STF pela via recursal, mormente pelo recurso extraordinário, como é natural ao modelo, mas não apenas: há toda uma imensa competência originária em habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, ações cíveis (em conflitos federativos) e ações penais por prerrogativa de função etc.” (AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências. Revista Jurídica da Presidência, v. 21, n. 124, p. 411-425, 2019. p. 415, grifos nossos). Nessas circunstâncias, saídas vêm sendo pensadas, na tentativa de desafogar a Suprema Corte do demandismo exacerbado, como a proposta também por Amaral Júnior: “Assim, convém uma cogitação que seja estratégica e cirúrgica: talvez seja o caso de dotar o STF de juízo amplo e discricionário de oportunidade e conveniência acerca de quais processos julgará (claro, isso sem prejuízo de alguns poucos processos de julgamento obrigatório, como ações diretas e ações penais), aliás, como se dá na Suprema Corte americana e nos Tribunais Constitucionais europeus” (Ibid., p. 421). 210 O CMC buscará, mediante mediação ou conciliação, a solução de questões jurídicas sujeitas à competência do STF que, por sua natureza, a lei permita a solução pacífica. A tentativa de conciliação poderá ocorrer nas hipóteses regimentais de competência da Presidência ou a critério do relator, em qualquer fase processual, ressaltando-se, por oportuno, a possibilidade de resolução de controvérsias pré-processuais. Enfim, o protagonismo dos métodos consensuais na mais alta Corte do Poder Judiciário brasileiro, à disposição dos interessados.427 Nesse sentido, Saul Tourinho Leal428, in verbis: A Resolução nº 697/2020 do STF é a própria transformação acontecendo. Para entender a sua exata dimensão, é preciso antes percorrer a própria simbologia do Tribunal. [...] A jurisdição constitucional exercida por uma Suprema Corte não deve expressar o poder, mas moderá-lo, pacificamente, zelando pela sua autoridade. [...] A missão do STF nesse século é nos convidar a sentarmos juntos, numa mesa redonda — sem cabeceiras —, para olharmos reflexivamente para os nossos conflitos e, de boa-fé, e com esforço sincero, renunciarmos reciprocamente a questões individuais na busca de uma solução coletiva. [...] Aglutinando conciliações e acordos supervisionados, o STF tem a oportunidade de dar um novo sentido à jurisdição constitucional brasileira, apresentando ao mundo algo original, que pode até encontrar paralelos em outras jurisdições — como o engajamento significativo sul-africano —, mas que, como sabemos, é fruto de um jeito de ser que é único. Um jeito de ser consistente na máxima: ‘é conversando que a gente se entende’. Os artigos 2º e 3º dão o tom da mudança paradigmática que se está a dar perante a mais alta Corte do País, evidenciando, dessa forma, o impulso verdadeiro que o Poder Judiciário quer dar aos meios autocompositivos: Art. 2º O CMC deverá atuar nas seguintes atividades segmentadas: I – solução de conflitos pré-processuais; II – solução de conflitos processuais. Parágrafo único. Ao CMC compete buscar, mediante mediação ou conciliação, a solução de questões jurídicas sujeitas à competência do STF que, por sua natureza, a lei permita a solução pacífica. Art. 3º A tentativa de conciliação poderá ocorrer nas hipóteses regimentais de competência da Presidência ou a critério do relator, em qualquer fase processual. Parágrafo único. Os interessados poderão peticionar à Presidência do STF para solicitar a atuação do CMC em situações que poderiam deflagrar conflitos de competência originária do Supremo Tribunal Federal, de modo a viabilizar a solução pacífica da controvérsia antes da judicialização. 427 Já há interessados. A Confederação Nacional do Turismo (CNTur) fez um pedido na presidência do STF para atuação do CMC para discutir a inconstitucionalidade da Resolução 4.782/20 do BC., tendo em vista que esta restringiu o acesso isonômico às operações de crédito e empréstimos. 428 LEAL, Saul Tourinho. Oficialização das conciliações no STF pode dar novo sentido à jurisdição. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-19/observatorio-constitucional-stf-oficializa- conciliacoes. Acesso em: 04 out. 2020. 211 Assim, na medida em que interessados solicitem a atuação do CMC, disponibiliza-se a prática da conciliação e mediação antes de judicializada a questão. Segundo Saul Tourinho429, a estrutura física do CMC e o quantitativo de seus colaboradores deverão ser proporcionais à demanda existente. Os ministros poderão indicar à Presidência servidores e juízes auxiliares e instrutores de seus gabinetes para atuarem nas atividades conciliatórias nos processos de sua relatoria (§ § 1º e 2º, do artigo 6º). Poderão atuar como mediadores e/conciliadores, de forma voluntária e não remunerada: ministros aposentados; magistrados, membros do Ministério Público, advogados e defensores públicos aposentados; servidores do Poder Judiciário; e advogados. A atividade não constituirá vínculo empregatício e não acarretará despesas ao STF. 4.8 PROVIMENTO CG 11/2020 – PROJETO PILOTO DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO PRÉ-PROCESSUAL PARA DISPUTAS EMPRESARIAIS (TJ/SP) O projeto-piloto visa a conciliação e mediação pré-processual para empresários e sociedades empresariais, bem como demais agentes econômicos, desde que envolvidos em negócios jurídicos relacionados à produção e à circulação de bens e serviços, para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da pandemia de Covid-19. O Tribunal de Justiça de São Paulo levou em consideração os possíveis efeitos da judicialização em massa das disputas envolvendo contratos empresariais e demandas societárias diretamente relacionadas à pandemia. O projeto está previsto no Provimento 11/2020430, da Corregedoria Geral de Justiça de SP, e estabelece um projeto que evita a judicialização das questões empresariais e afins, privilegiando a autocomposição pré-processual. Ressalte- se que o funcionamento do projeto é totalmente remoto. Segundo se pode apreender do Provimento em apreço, a parte interessada em se valer dessa via de autocomposição para formalização e homologação judicial de acordos, deve apresentar qualificação das partes envolvidas na controvérsia, com respectivos documentos comprobatórios, e-mail para localização da parte contrária, expor pedido e causa de pedir e 429 Ibid. 430 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Provimento CG nº 11/2020. Processo 2020/42835. Dispõe sobre a criação de projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Coronavirus/Comunicados/Provimento_CG_N11-2020.pdf. Acesso em: out. 2020. 212 formular requerimento ao e-mail institucional do projeto, sempre observando a relação com as consequências advindas da pandemia, observando-se, a propósito, a competência das Varas Empresariais e de Conflitos de Arbitrgem da Capital, São Paulo. Assim que recebido o pedido, será designada audiência de conciliação, intimando-se as partes pelos e-mails indicados. A audiência será designada em até 07 (sete) dias, a partir do protocolo, e realizada por juiz que participe do referido projeto, dando início, assim, a uma conciliação pré-processual. Caso reste infrutífera a conciliação pré-processual, o conflito será remetido a um mediador (devidamente cadastrado e habilitado, com experiência na matéria objeto do litígio empresarial), escolhido de comum acordo pelas partes, ou designado pelo magistrado, caso não obtido consenso. A audiência de conciliação ou sessão de mediação serão realizadas por meio do sistema Microsoft Teams, disponibilizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Atingido consenso entre as partes, seja por intermédio da audiência de conciliação pré- processual ou da sessão de mediação, o acordo será homologado pelo juiz responsável e disponibilizado às partes no prazo de até (03) três dias da audiência. Será lavrada ata da audiência ou sessão, devidamente assinada de forma digital pelo juiz responsável, pelo mediador designado, se for o caso, bem como pelos procuradores das partes. O acordo será homologado pelo juiz, constituindo título executivo judicial, que será disponibilizado às partes, no prazo de até 03 (três) dias da realização da audiência. Caso não haja consenso, as partes poderão ajuizar a competente ação judicial. O artigo 11 do provimento estabelece, por fim, que o projeto-piloto funcionará até 120 (cento e vinte) dias após o encerramento do “Sistema Remoto de Trabalho”, instituído no Provimento CSM n. 2.549/2020. Encerrado tal período, será avaliada pela Corregedoria Geral da Justiça a viabilidade de sua prorrogação, com integração e submissão ao sistema já existente do NUPEMEC, conforme as regras vigentes. O provimento destaca a importância da segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade do mercado e força vinculante dos contratos, e deixa antever que a autocomposição pré- processual, em especial nos momentos de crise, colabora sobremaneira para com a resolução de controvérsias . 213 CONCLUSÃO A crise judiciária, evidenciada em muitos países, atinge o sistema de justiça, e o direito processual não pode deixar de a enfrentar, a fim de que os conflitos de interesses sejam solucionados, uma vez que a solução das controvérsias do destinatário final deve ser justa, efetiva, célere e eficiente. O presente trabalho acadêmico partiu dessa premissa maior (e, ao mesmo tempo, básica), para propor o estabelecimento da conciliação pré-processual – nas matérias suscetíveis de autocomposição – como obrigatória – a fim de que o interesse de agir, uma das condições da ação, reste configurado, sob pena de extinção da ação sem resolução do mérito. Colocando em perspectiva tudo o que fora apresentado nesta tese, importante explicitar a linearidade traçada no presente texto até a chegada a esta conclusão. O problema posto na pesquisa fora o de, compreendendo que o direito de ação advém da garantia de acesso à prestação jurisdicional, examinar se é possível (observando o arcabouço jurídico vigente, certamente, tomando como centro a Constituição Federal e o direito processual civil contemporâneo) comprovar-se o interesse de agir somente quando o autor tiver cumprido a etapa prévia de tentativa de conciliação pré-processual. A resposta a essa questão, alcançada ao final deste trabalho, é afirmativa. Acreditamos que a não comprovação da realização (ou da tentativa) da sessão de conciliação prévia processual deve configurar ausência de condição da ação, na modalidade interesse de agir, matéria a ser alegada em preliminar de contestação pelo réu, cognoscível de ofício pelo juiz. A conciliação pré-processual, se tratada em lei como condição da ação – consequentemente, sua ausência implicando extinção do processo sem resolução do mérito –, como defendido por esta tese, alinha-se à garantia de livre acesso à prestação jurisdicional e à contemporânea leitura da Teoria Geral do Processo, dando ao interesse de agir aderência aos preceitos constitucionais de acesso à jurisdição, bem como ofertando ampliação das relações entre a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição e os meios autocompositivos de resolução de controvérsias. No Brasil, crescentes são as medidas normativas e gerenciais (notadamente do CNJ) que vêm capitaneando a compreensão de que os métodos de solução autocompositivos de controvérsias são verdadeiros contributos do acesso à jurisdição, e não uma ameaça a este. O estímulo à desjudicialização é exatamente o oposto de restrição, é justamente uma possibilidade de concretização de referido direito fundamental. A conciliação pré-processual, proposta por alteração legislativa – nos moldes em que se apresenta neste trabalho – e tudo o que dela 214 depende e a ela dá sustentação é, de fato, um caminho para que a jurisdição estatal seja ofertada nos moldes da noção contemporânea de Estado Democrático de Direito – isto é, como ultima ratio – ao passo que um sistema bem estruturado de resolução de demandas de modo célere e eficaz pode simbolizar a verdadeira democratização do acesso à prestação jurisdicional. A legislação, vimos, cumpre papel essencial na história. Deve voltar-se à satisfação dos interesses e necessidades dos cidadãos. Nesse sentido, nossa conclusão é a de que, sem alteração legislativa, não é possível compreender a renovada condição de ação (a saber, o interesse de agir), tampouco exigir a passagem prévia pela conciliação pré-processual nas situações passíveis de autocomposição. Contar com uma só interpretação do texto constitucional431 e dos artigos de lei que compõem o Microssistema de Soluçao de Controvérsias , amplamente divulgados neste trabalho acadêmico, não conseguiria produzir os resultados esperados nesta tese. Por essa razão, a opção pela alteração legislativa nos moldes traçados no item 4.6.3. Os esforços para dar à consensualidade status de condição da ação ficaram explícitos com a proposição do Projeto de Lei nº 3.813/2020, por parte do Deputado Ricardo Barros (PP/PR), quevisa a implementar a obrigatoriedade de realização de sessão extrajudicial de conciliação prévia à propositura de ação judicial, nos termos nos quais advogamos nesta tese. Referido PL, ao, indiretamente, tocar a pauta do renovado interesse de agir e da real pretensão resistida, dá ao processo judicial o adequado status de ultima ratio do sistema de justiça. Assim, importante retomar brevemente o item 4.6.3 desta tese, em que apresentamos propostas de redação tomando como base o texto atual do PL 3.813/2020, com vistas a pormenorizar o que acreditamos ser o caminho para que, ausente o interesse de agir (necessário para que uma demanda judicial seja apreciada com resolução de mérito), não seja proposta lide em juízo. Consideramos, depois de todas as reflexões aqui feitas, que o estabelecimento mediante lei da conciliação prévia como condição para que a demanda possa ser ajuizada é, em seu conteúdo, de necessidade posta e evidente. O tempo que levará para existir no mundo jurídico é, deveras, à guisa de conclusão, a verdadeira indagação. É plausível (importante pontuar) que a regulamentação dessa norma geral seja debatida (provavelmente – e acertadamente – o será). Afinal, tomando como base o PL 3.813/2020, único que, no momento de pesquisa desta tese, visa dar à conciliação prévia caráter obrigatório, não 431 “O problema da interpretação está ligado ao da determinação ou indeterminação do direito e também ao de sua objetividade ou subjetividade. Se o direito é determinado ou de alguma forma objetivo, infere-se que a interpretação deve levar a um resultado correto; se ele é indeterminado ou subjetivo, não se pode justificar de maneira adequada o resultado da interpretação.” FONTES, Paulo Gustavo Guedes. op. cit., p 150 215 se pode deixar de pensar que o Poder Público não pode ficar alheio à etapa prévia obrigatória, como condição da ação, o quanto for possível (a saber, as comentadas controvérsias cíveis, consumeristas, empresariais, sendo possível a conciliação). O Brasil tem uma boa política pública, instituída, referendada, equipada. O que põe em evidência o fato de que Poderes Legislativo e Judiciário vêm constantemente publicizando a necessidade de que os métodos autocompositivos façam parte da cultura de resolução de conflitos no País. Enfrentamos, nesta tese, as resistências sobre os meios consensuais. Para tanto, foram estes apresentados não como uma solução mágica para todos os males que atingem o Poder Judiciário, mas como plausíveis mecanismos de acesso à prestação jurisdicional. Além disso, apesar da demonstrada deferência que o legislador e o Poder Judiciário vêm dando à autocomposição, esse crédito não é o bastante (ao menos, não exclusivamente). A implementação da conciliação pré-processual no Brasil é desafio que passa por questões teóricas, porém, acima de tudo, por medidas práticas – basta lembrar que é imperativa a necessidade de condições básicas de funcionamento, capacitação profissional, justa remuneração, dentre outros, como dissemos –, ações que, se tomadas tempestiva e acertadamente, podem significar a consagração de uma política pública de necessidade inegável diante dos números apresentados pelo Poder Judiciário nacional. Havendo alteração legislativa que estabeleça a fase pré-processual obrigatória de conciliação como condição da ação, tais medidas saem do campo teórico e passam a esse necessário âmbito prático. Um direito processual alinhado às políticas públicas e a tantas outras ferramentas apresentadas está condicionado a uma renovada perspectiva do acesso à jurisdição e da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição. E isso pode acontecer se alçada a conciliação pré-processual ao status que a permita se transformar num mecanismo fortalecido de jurisdição compartilhada. Desde que obedecidas as regras e as exceções discutidas nesta tese – isto é, observadas as situações em que seja possível a transação, excetuando-se as matérias destacadas oportunamente neste trabalho acadêmico – o acesso à prestação jurisdicional é plenamente viável fora da litigiosidade exacerbada, como já acontece, como vimos, na Itália, na Colômbia e na Argentina. E os ventos sopram a favor. Basta lembrar que iniciativas em curso já demonstram que existe ambiente – e que o momento não só permite como clama – para o estabelecimento da conciliação pré-processual como condição da ação, nos moldes referendados por esta tese. O Projeto de Lei Complementar, pensado pelo Superior Tribunal de Justiça, com vistas a estabelecer normas para cobrança de custas dos serviços forenses no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios é um exemplo disso. Esse PL impulsiona a 216 autocomposição, na medida em que pode sinalizar o acordo como uma via mais barata e que menos sobrecarrega o sistema que, do modo como se organiza, tem custo econômico pesado, evitando o excesso de gastos diametralmente oposto ao precário acesso efetivo à justiça. Na prática, isso passaria por um preliminar aumento de custos (para criação de estrutura), mas que, depois, faria diminuir as despesas. A desoneração pleiteada pelo Projeto de Lei Complementar (item 4.6.2 da tese) em comento incentiva, consequentemente, a autocomposição. Isso é notável quando se percebe no documento a previsão de que, caso o interessado – antes do ajuizamento da demanda – busque formas alternativas de solução de controvérsias, pode haver o estabelecimento de valores diferenciados (a saber, mais baratos) para que isso ocorra. Esse Projeto de Lei Complementar estabelece a possibilidade de que a lei fixe custas adicionais no caso de o interessado não utilizar, de modo prévio, o CEJUSC ou outro meio adequado. Distribuir uma demanda, na intenção da lei, passaria a ser mais caro que resolver o conflito por meio da autocomposição. Também somos favoráveis ao debate a respeito do ambiente em que a autocomposição prévia deve ocorrer. É preciso que seja incentivada a participação dos advogados com responsabilidade e, especialmente, com forte aliança com o investimento já feito para que CEJUSCs, por exemplo, funcionem com todos os equipamentos e recursos materiais e humanos necessários. Para não falar, também, nas Centrais de Conciliação na Justiça Federal. Por isso, ratificamos que, em termos operacionais, é preciso pensar na utilização primordial de CEJUSCs e CECONs como espaços onde a autocomposição prévia possa ser realizada. O investimento estatal, que, passo a passo, vem dando estrutura ao Sistema Multiportas precisa ser regular e efetivamente transformado em locus de funcionamento contínuo – observada, ressalte-se, a resolução dos entraves apontados ao longo desta tese. Não podemos concluir sem lembrar a Proposta de Emenda à Constituição 136/2019, que visa alçar os meios consensuais de solução de controvérsias ao status de direito fundamental, assegurados, portanto, no texto constitucional de 1988. Mais um passo que – se dado – ajuda a consolidar a almejada consensualidade brasileira. Não há como fugir, ao cabo desta tese, da afirmação de que o ajuizamento tradicional de uma demanda, isto é, no seio do Poder Judiciário formal, só deve ocorrer em caso de pretensão efetivamente resistida. O sufocado sistema de justiça marcado pela litigiosidade excessiva já não suporta mais o recebimento de ações cujas controvérsias sequer foram discutidas administrativamente ou via autocomposição pré- processual. Com o estabelecimento, em lei, da conciliação pré-processual como condição da ação, ao menos para algumas ações – dotando o sistema de justiça de efetivas e reais condições – 217 ganham a cultura da conciliação, da resolução menos desgastante, menos dispendiosa, mais barata e mais célere de conflitos. Ganham a garantia constitucional de acesso à prestação jurisdicional, a cidadania e o Poder Judiciário. A razão de existir da prévia conciliação, certamente, não é ser a única responsável por descongestionar o Poder Judiciário, mas sua utilização devida e objetiva, calcada e reforçada pelo que há de positivo nesses meios, só nos leva a crer no ganho evidente da sociedade e do sistema de justiça. 218 REFERÊNCIAS ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Estudios de teoría general del proceso. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Proceso, autocomposición y autodefensa. Contribución al estudio de los fines del proceso. Cidade do México: Instituto de Investigaciones Juridicas de la UNAM Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 2000. ALVIM, José Manuel de Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 11. ed. rev., ampl. e atual. com a reforma processual 2006/2007. São Paulo: RT, 2007. v. 1. ALVIM, José Manuel de Arruda. Tratado de direito processual civil. 2. ed. refundida, do vol. 1 (arts. 1º ao 6º) do Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1990. v. 1. ALVIM, José Eduardo Carreira. Justiça: acesso e descesso. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v. 21, n. 73, jan./jun. 2003. AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências. Revista Jurídica da Presidência, v. 21, n. 124, p. 411-425, 2019. ANDRADE, Érico. O mandado de segurança: a busca da verdadeira especialidade (proposta de releitura à luz da efetividade do processo). Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010. BANCO MUNDIAL. Documento Técnico n. 319/96. “O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: BANDEIRA, Regina. Conciliação antes do processo contribui para desafogar a justiça. Agência CNJ de Notícias, 2017. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84612- conciliacao-antes-do-processo-contribui-para-desafogar-a-justica. Acesso em: 21 ago. 2019. BAPTISTA, Bárbara Lupetti et al. Fronteiras entre judicialidade e não judicialidade: percepções e contrastes entre a mediação no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, v. 10, n. 1, 2016. BAPTISTA, Bárbara Lupetti; FILIPO, Klever Paulo Leal; NUNES, Thais Borzino Cordeiro. A atuação profissional do mediador no Brasil e na Argentina. In: SICA, Heitor et al. (orgs). Temas de Direito Processual Contemporâneo. Serra: Editora Milfontes, 2019. v. 2. p. 100- 114. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sobre os Pressupostos Processuais. Temas de Direito Processual (Quarta Série). São Paulo: Saraiva, 1989. BELCHIOR, Wilson Sales. Conquistas, desafios e expectativas nos 30 anos do Código do Consumidor. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em:. https://www.conjur.com.br/2020-set- 18/belchior-conquistas-desafios-expectativas-30-anos-cdc. Acesso em: 18 set. 2020 BENETI, Sidnei Agostinho. Resolução alternativa de conflitos (ADR) e constitucionalidade. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n. 9, jan./jul. 2002. 219 Bíblia online. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/mt/5/25. Acesso em: 16 jul. 2019. BRASIL. [Constituição (1824)]. Constituição Política do Imperio do Brazil, de 25 de março de 1824. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 18 jul. 2019. BRASIL. [Constituição (1946)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 17 jul. 2019. BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Resolução nº CJF-RES-2016/00398, de 04 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política Judiciária de solução consensual dos conflitos de interesses no âmbito da Justiça Federal e dá outras providências. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/setembro/resolucao-cjf-398.pdf/view. Acesso em: 05 abr. 2019. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 326, de 26 de junho de 2020a. Dispõe sobre alterações formais nos textos das Resoluções do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original203228202006305efba15c2a6cd.pdf. Acesso em: 09 jun. 2020. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Guia de Conciliação e Mediação – Orientações para implantação de CEJUSCs. 2015. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/1818cc2847ca50273fd110ea fdb8ed05.pdf. Acesso em: 03 set. 2019. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2020b: ano-base 2019. Brasília: CNJ, 2020. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Metas nacionais para 2020. Aprovadas no XIII Encontro Nacional do Poder Judiciário. Maceió/AL, 2019. Disponível em:. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/01/Metas-Nacionais-aprovadas-no-XIII- ENPJ.pdf. Acesso em: 15 ago. 2020. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Portaria n. 71, de 9 de maio de 2019. Institui Grupo de Trabalho para diagnosticar, avaliar e propor ao Conselho Nacional de Justiça políticas judiciárias e propostas de melhoria aos regimes de custas, taxas e despesas judiciais. Brasília, 2019. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/155133/2019_port0071_cnj.pdf?se quence=1&isAllowed=y. Acesso em: 10 out. 2019 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 271, de 11 de dezembro de 2018. Fixa parâmetros de remuneração a ser paga aos conciliadores e mediadores judiciais, nos termos do disposto no art. 169 do Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015 – e no art. 13 da Lei de Mediação – Lei nº 13.120/2015. Disponível em: 220 https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_271_11122018_12122018115214.pdf. Brasíia, 2018. Acesso em: 09 mai. 2019. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 219 de 26/04/2016. Dispõe sobre a distribuição de servidores, de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo graus e dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2274. Acesso em: 24 out. 2020. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 282 de 29/03/2019. Altera a Resolução CNJ nº 219, de 26 de abril de 2016, que dispõe sobre a distribuição de servidores, de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo graus e dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos- normativos?documento=2912. Acesso em: 24 out. 2020. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015a. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 18 mai. 2019. BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nos 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm. Acesso em: 12 dez. 2020. BRASIL. Decreto nº 359, de 26 de abril de 1890. Revoga as leis que exigem a tentativa da conciliação preliminar ou posterior como formalidade essencial nas causas civeis e commerciaes. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D359.htm. Acesso em: 20 mai. 2019. BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Crêa em cada uma das freguezias e das capellas curadas um Juiz de Paz e supplente. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM.-15-10-1827.htm. Acesso em: 19 mai. 2019. BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015b. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm. Acesso em: 28 ago. 2019. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 11 abr. 2019. 221 BRASIL. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. Dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7244.htm. Acesso em: 10 ago. 2019. BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em: 11 abr. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Portaria 1351/2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/outubro-2018-pdf-1/100131-pces635-18/file. Acesso em: 17 out. 2020. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria de Reforma do Judiciário – SRJ. S. d. Disponível em: https://www.justica.gov.br/Acesso/auditorias/subpaginas_auditoria/secretaria-de-reforma-do- judiciario. Acesso em: 09 jun. 2020. BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição n. 136, de 2019. Acrescenta inciso LXXIX ao Art. 5º da Constituição Federal, para estabelecer o emprego de meios extrajudiciais de solução de conflitos como um direito fundamental. Brasília, DF: Senado Federal, [2019]. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138749. Acesso em: 15 out. 2019. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução nº 697, de 6 de agosto de 2020. Dispõe sobre a criação do Centro de Mediação e Conciliação, responsável pela busca e implementação de soluções consensuais no Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DJE198.pdf. Acesso em: 12 dez. 2020. BRUYN JR., Herbert Cornélio Pieter de; TAKAHASHI, Bruno. Desafios para a efetividade da audiência do artigo 334 do CPC na Justiça Federal. A obrigatoriedade da audiência de conciliação no início do processo surge para mudar a “cultura do litígio”. Jota, 2019. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e- analise/colunas/ajufe/desafios-para-a-efetividade-da-audiencia-do-artigo-334-do-cpc-na- justica-federal-19082019. Acesso em: 10 set. 2019. BUHATEN, Marcelo. A Justiça e os números que não consolam. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-09/marcelo-buhatem-numeros-nao- consolam. Acesso em: 12 set. 2020. BULOW, Oskar von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Tradução e Notas de Ricardo Rodrigues da Gama. Campinas: LZN, 2003. BUNN, Maximiliano Losso. Por um Novo Modelo de Jurisdição: releitura do conceito de atividade jurisdicional na sociedade contemporânea. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, v. 1, n. 03, p. 11-24, dez. 2015. 222 CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do Processo, legitimidade ad actum e zonas de interesse: sobre a migração entre polos da demanda. In: ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz. (org.). 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil. Passado, presente e futuro. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. A eficiência da audiência do art. 334 do CPC. Revista de Processo RePRo, ano 44, v. 298, dez. 2019. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. NCPC: Conciliação e Mediação: Uma visão sobre o novo sistema. Jusbrasil, 2016. Disponível em: https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/346227885/ncpc-conciliacao-e-mediacao. Acesso em: 3 jul. 2020. CADIET, Loïc. Perspectivas sobre o sistema da justiça civil francesa. Seis lições brasileiras. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. (Coleção O Novo Processo Civil). CAHALI, Francisco José; CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. Do estímulo aos métodos de solução consensual de conflitos. In: BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1. CAHILL, Mia; GALANTER, Marc. Most cases settle: Judicial Promotion and Regulation of Settlements. Stanford Law Review, Stanford, v. 46, p. 1339-1391, jul. 1994. CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandes Barbiery. Campinas: Bookseller, 1999. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2014. v. 1. CAMBI, Eduardo; CORRALES, Eluane de Lima. Neoinstrumentalismo do processo? – expansão dos métodos atípicos de resoluções de conflitos. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, ano 12, v. 19, n. 1, 2018. CAMPOS, Adriana Pereira; MOREIRA, Tainá da Silva. A audiência de conciliação ou de mediação eleita em negócio jurídico processual e a possibilidade de sua realização pelo juiz ante às dificuldades estruturais e técnicas do foro. In: SICA, Heitor et al. (orgs.) Temas de Direito Processual Contemporâneo: III Congresso Brasil-Argentina de Direito Processual. Serra – ES: Editora Milfontes, 2019. v. 1. CAMPOS, Adriana Pereira; SOUZA, Alexandre de Oliveira Bazilio de. A Conciliação e os Meios Alternativos de Solução de Conflitos no Império Brasileiro. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 59, n. 1, p. 271-298, 2016. CNJ LANÇA Movimento pela Conciliação. Notícias STF, 2006. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=67638. Acesso em: 12 dez. 2020. CAPPELLETTI, Mauro. Algunas reflexiones sobre el rol de los estúdios processales en la actualidad. Revista de Processo, São Paulo, n. 64, p. 156, set. 1991. 223 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Brian. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. CARNELLUTTI, Francesco. “Note sull’accertamento negoziale”. Rivista di Diritto Processuale Civile, v. 1, p. 3-24, 1940 CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Proceso Civil. Tradução da 5ª edição italiana por Santiago Sendis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-América, 1973. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004. v. 1. CASEMIRO, Luciana; CARVALHO, Jailton de. Quem recorrer à Justiça será orientado a buscar conciliação pelo Consumidor.gov.br. O Globo, 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/quem-recorrer-justica-sera- orientado-buscar-conciliacao-pelo-consumidorgovbr-23678799. Acesso em: 02 jun. 2019. CASTRO FILHO, José Olímpio de. A Conciliação no Processo Civil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. v. 5. Belo Horizonte: UFMG, 1953. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Novas Perspectivas em termos de soluções consensuais. In: SIMONS, Adrian et al. (orgs.). Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira. 1. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. [livro eletrônico]. CAVACO, Bruno de Sá Barcelos. Desjudicialização e resolução de conflitos: a participação procedimental e o protagonismo do cidadão na pós-modernidade. Curitiba: Juruá Editora, 2017. CAZELLI, Vinícius Ribeiro; FERRO, Ricardo Rage. Conciliação e Mediação obrigatória para uso racional da máquina judiciária – Experiência na União Europeia e na Colômbia. Revista Eletrônica de Direito processual REDP, v. 21. n. 2, p. 413-420, 2020. CENTROS de solução de conflitos são considerados atividade fim do Judiciário. Agência CNJ de Notícias, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/centros-solucao-de-conflitos- sao-considerados-atividade-fim-do-judiciario/. Acesso em: 20 nov. 2020. CHIARLONI, Sérgio. Uma perspectiva comparada da crise na justiça civil e dos seus possíveis remédios. Revista Eletrônica de Direito Processual, REDP, v. 13, n. 13, 2014. CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2002. v. II. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 25. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. Civil Procedure Rules/CPRs, Part.3, Rules 3.1-3.10. CLAUDETT, Eduardo Castillo. Colombia. Dossier resolución alternativa de conflictos em América. Revista CEJA. Disponível em https://sistemasjudiciales.org/wp- content/uploads/2018/09/dossier.pdf. Acesso em: 27 jun. 2019. 224 COLÔMBIA. [Constituição (1991)]. Constitución Política de 1991. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: http://www.suin- juriscol.gov.co/viewDocument.asp?ruta=Constitucion/1687988. Acesso em: 13 jun. 2019. COLÔMBIA. Decreto 1285 de 2001. Por medio del cual se reglamenta el artículo 42 de la Ley 640 de 2001. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: http://www.suin-juriscol.gov.co/viewDocument.asp?id=1489285. Acesso em: 01 dez. 2019. COLÔMBIA. Decreto Ley 2651 de 1991. Por el cual se expiden normas transitorias para descongestionar los Despachos Judiciales. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=14319. Acesso em: 13 jun. 2019. COLÔMBIA. Ley 1285 de 2009. Por medio de la cual se reforma la Ley 270 de 1996 Estatutaria de la Administración de Justicia. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=34710. Acesso em: 01 dez. 2019 COLÔMBIA. Ley 1367 de 2009. Por la cual se adicionan unas funciones al Procurador General de la Nación, sus Delegados y se dictan otras disposiciones. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=38466#:~:text=DECR ETA%3A,el%20Estado%20y%20los%20ciudadanos. Acesso em: 02 dez. 2019. COLÔMBIA. Ley 1437 de 2011. Código de Procedimiento Administrativo y de lo Contencioso Administrativo. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://leyes.co/codigo_de_procedimiento_administrativo_y_de_lo_contencioso_administrati vo.htm. Acesso em: 01 dez. 2019. COLÔMBIA. Ley 23 de 1991. Por medio de la cual se crean mecanismos para descongestionar los Despachos Judiciales, y se dictan otras disposiciones. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: https://www.funcionpublica.gov.co/eva/gestornormativo/norma.php?i=654. Acesso em: 13 jun. 2019. COLÔMBIA. Ley 640 de 2001. Por la cual se modifican normas relativas a la conciliación y se dictan otras disposiciones. Bogotá, D.E.: Presidencia de la República, [2019]. Disponível em: http://www.secretariasenado.gov.co/senado/basedoc/ley_0640_2001.html#35. Acesso em: 17 jun. 2019. CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Provimento nº 196/2020. Dispõe sobre o reconhecimento da atividade advocatícia decorrente da atuação de advogados como conciliadores ou mediadores, árbitros ou pareceristas e no testemunho (expert witness) ou no assessoramento às partes em arbitragem e dá outras providências. Disponível em: https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/196- 2020?provimentos=True. Acesso em: 01 mar. 2020. 225 CRESPO, Mariana Hernandez. Perspectiva sistêmica dos métodos alternativos de resolução de conflitos na América Latina: aprimorando a sombra da lei através da participação do cidadão. In: ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez. Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. CURY, Cesar Felipe. Mediação. In: ZANETI JUNIOR, Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. DA ROS, Luciano. O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória. Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, v. 2, n. 9, p. 1- 15, 2015. DAKOLIAS, Maria (rel.). Documento Técnico n. 319. O setor judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Trad. Sandro Eduardo Sardá. 1. ed. Washington, D.C.: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento/Banco Mundial, 1996. DEMARCHI, Juliana. Mediação. Proposta de implementação no processo civil brasileiro. 2007. 317 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. t. II. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 8. ed., rev. e atual. Segundo o Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2016. v. 1. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. v. II. DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do novo processo civil. 2. ed, rev e atual., São Paulo, Malheiros Editores, 2017. p. 36-37. DUARTE, Clarice Seixas. Para Além da Judicialização: a necessidade de uma nova forma de abordagem das Políticas Públicas. In: SMANIO, G. P. S.; BERTOLIN, P. T. M.; BRASIL, P. C. (orgs.). O Direito nas Fronteiras das Políticas Públicas. São Paulo: Editora Páginas e Letras, 2015. ESTEFANES, Bruno Fabris. Conciliar o Império: Honório Hermeto Carneiro Leão, os partidos e a política de conciliação no Brasil monárquico (1846-856). 2010. 211 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. FALECK, Diego; TARTUCE, Fernanda. Introdução histórica e modelos de mediação. In: TOLEDO, Armando Sérgio Prado de; TOSTA, Jorge; ALVES, José Carlos Ferreira (orgs.). Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 226 FANDIÑO, Marco (coord.). Guía para la implementación de mecanismos alternativos al proceso judicial para favorecer el acceso a la justicia. Chile: Centro de Estudios de Justicia de las Américas (CEJA), 2016. Disponível em: http://biblioteca.cejamericas.org/handle/2015/5501. Acesso em: 04 nov. 2020. FANDIÑO, Marco. Recomendaciones para la implementación de mecanismos alternativos al proceso judicial para favorecer el acceso a la justicia. CEJA, año 16, n. 20, p. 58-70, 2017. FARIA. Marcela Kohlbach. Os Meios Alternativos de Solução de Controvérsias em uma perspectiva comparada. Revista Eletrônica de Direito Processual REDP, v. IX, n. 9, p. 458- 480, 2012. FGV DIREITO SP. Relatório ICJBrasil. 1º sem. 2017. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/19034/Relatorio- ICJBrasil_1_sem_2017.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 19 jun. 2020. FISS, Owen. Contra o Acordo. In: SALLES, Carlos Alberto de (coord.). Direito como Razão Pública. Processo, Jurisdição e Sociedade. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2017. p. 133- 150. FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio Pinto; DENARDI, Eveline Gonçalves. A qualidade do ensino jurídico no Brasil: Algumas transformações necessárias. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 106-118, set/dez. 2018 FONSECA, Reynaldo Soares da. O Princípio Constitucional da Fraternidade: Seu resgate no sistema de justiça. Belo Horizonte:Editora D’Plácido, 2019. FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Neoconstitucionalismo e Verdade. Limites deocráticos da jurisdição constitucional, 3ªed. revista e atualizada. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2020. FRANCISCO, José Carlos et al. Arbitragem em Geral e em Direito Tributário: Soluções Alternativas de Resolução de Conflitos. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2013. FRANCISCO, José Carlos; PIERDONA, Zélia Luiza; SILVA, Patrícia Schoeps. Atuação do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça para o accountability do Poder Judiciário. Cadernos de Dereito Actual (Online), v. 12, p. 261-274, 2019. FRANCISCO, José Carlos. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. FRANCISCO, José Carlos. Verbete: Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional. In: DIMOULIS, Dimitri (coord. geral). Dicionário Brasileiro de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. FREITAS, Vladimir Passos de. A Conciliação como forma de solução de conflitos. Ibrajus. Disponível em: http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=266. Acesso em: 02 mar. 2019. GABBAY, Daniela Monteiro; DA COSTA, Susana Henriques; ASPERTI, Maria Cecília Araujo. Acesso à justiça no brasil: reflexões sobre escolhas políticas e a necessidade de 227 construção de uma nova agenda de pesquisa. Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 6, n. 3, 2019. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual (REDP), v. 21, n. 2, 2020. GAJARDONI, Fernando et al. Releitura do princípio do acesso à Justiça: A necessidade de prévio requerimento e o uso da plataforma consumidor.gov.br. Migalhas, 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/tendenciasdoprocessocivil. Acesso em: 18 jun. 2019. GALANTER, Marc. Introduction: compared to what? Assessing the quality of dispute resolution. Denver University Law Review, v. 66, n. 3, 1989. GHISLENI, Ana Carolina; SPENGLER, Fabiana Marion. A busca pela cultura da paz por meio da mediação: o projeto de extensão existente em Santa Cruz do Sul como política pública no tratamento de conflitos. Revista Direito e Sensibilidade, v. 1, n. 1, p. 109-118, 2011. GIDI, Antonio; ZANETI JR., Hermes. O processo civil brasileiro na “era da austeridade”? Efetividade, celeridade e segurança jurídica: pequenas causas, causas não contestadas e outras matérias de simplificação das decisões judiciais e dos procedimentos. Revista de processo, São Paulo, n. 294, p.70-72, ago. 2019. GOMES, Guilherme Brandão; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A importância da audiência prévia no processo declarativo comum português: notas comparativas com o direito brasileiro. Revista Eletrônica de Direito processual (REDP), v. 21, n. 2, p. 137-162, 2020. GORETTI, Ricardo. Mediação e acesso à justiça. Salvador: JusPodivm, 2016. GOVERNO e Judiciário fazem acordo para reduzir ações da previdência social. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-21/governo-judiciario- fazem-acordo-reduzir-acoes-previdencia. Acesso em: 21 ago. 2019. GRECO, Leonardo. A Teoria da Ação no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 2003. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I. GRINOVER, Ada Pellegrini. A crise do Poder Judiciário. Revista da PGE/SP, n. 34, p. 11-25, São Paulo, dez. 1990. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade. Fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2018. GRINOVER, Ada Pellegrini. O minissistema brasileiro de Justiça consensual: compatibilidades e incompatibilidades. Publicações da Escola da AGU, v. 8, n. 1, 2016. GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista de Arbitragem e Mediação, ano 4, n. 14, p. 16-21, 2007. 228 GUERRERO, Luis Fernando. Efetividade das Estipulações voltadas à instituição dos Meios Multiportas de Solução de Litígios. 2012. 256 f. Tese (Doutorado em Direito) – Departamento de Direito Processual. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. HERNÁNDEZ VILLARREAL, Gabriel. Aspectos procesales de la conciliación extrajudicial en derecho del área civil, a la luz de lo previsto en la ley 640 de 2001. Revista estudios socio- jurídicos, v. 4, n. 1, p. 143-161, 2002. HILL, Flávia Pereira. A nova Lei de Mediação Italiana. Revista Eletrônica de Direito processual REDP, v. VI, n. 6, p. 294-321, 2010. HILL, Flávia Pereira. Passado e futuro da Mediação: Perspectiva Histórica e Comparada. Revista de Processo (RePro),v. 303, ano 45, mai. 2020. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 11. ed. São Paulo: Editora Positivo, 2010. ITÁLIA. Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção). Processo C-492/11. 27 ju. 2013. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62011CJ0492&from=BG. Acesso em: 28 out. 2020. LAMY, Eduardo de Avelar. Considerações sobre a Influência dos Valores e Direitos Fundamentais no Âmbito da Teoria Processual. Revista Sequência, n. 69, Florianópolis, p. 301-326, dez. 2014. LAMY, Eduardo de Avelar; RODRIGUES, Horácio Wanderley. Curso de Processo Civil de acordo com o projeto do novo CPC. In: LAMY, Eduardo de Avelar; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (coords.). Teoria Geral do Processo. 2. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. v. 1. LEAL, Saul Tourinho. Oficialização das conciliações no STF pode dar novo sentido à jurisdição. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set- 19/observatorio-constitucional-stf-oficializa-conciliacoes. Acesso em: 04 out. 2020. LIEBMAN, Enrico Tullio. L’azione nella teoria del Processo Civile. Problemi del Processo Civile. Napoli: Morano Editore, 1962. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. Desafios do art. 334 do CPC/2015. do art. 334 do CPC/2015. Revista de Processo RePro, ano 45, v. 303, mai. 2020. LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. Dez medidas para aplicação do artigo 334 do CPC. Como evitar retrocesso no caminho da cultura da paz? Jota, 2019. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/dez-medidas-para-aplicacao-do-artigo-334-do- cpc-21072019. Acesso em: 23 jul. 2019 LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. Mediação e Conciliação. Evolução histórica rumo ao futuro. In: SILVEIRA, João José Custódio da; AMORIM, José Roberto Neves (coords). A 229 Nova Ordem das Soluções Alternativas de Conflitos e o Conselho Nacional de Justiça. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013. LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. Política Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos. In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (coords.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2014. LUCIANO, Pablo Bezerra. Assoberbamento judicial e esquecimento do interesse de agir. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-12/pablo- luciano-assoberbamento-judicial-interesse- agir#:~:text=1)%20Pois%20bem%2C%20uma%20das,de%20direitos%20lesionados%20ou% 20sob. Acesso em: 14 set. 2020. LUCON, Paulo Henrique. Interesse Processual. Migalhas. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI263829,101048-Interesse+processual. Acesso em: 20 jan. 2019 LUZI, Nora (coord.). PNUD Argentina. Estudio de la mediación prejudicial obligatoria: un aporte para el debate y laefectividad de los medios alternativos de la solución de conflictos en Argentina. 1. ed. Buenos Aires: Programa Naciones Unidas para el Desarrollo – PNUD; Fundación Libra, 2012. MADUREIRA, Claúdio; FIGUEIREDO, Thiago Alves de. Terceirização de Conciliadores e mediadores: formalidades de contratação, remuneração e financiamento do modelo. Revista de Processo RePro, ano 45, v. 306, ago. 2020. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução de conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT, 2011. MARCATO, Antonio Carlos. Algumas considerações sobre a crise da justiça. In: ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz (orgs.). 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil. Passado, presente e futuro. São paulo: Malheiros Editores, 2013. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. MARTÍN, Núria Belloso. Um paso más hacia la desjudicialización. la Directiva Europea 2008/52/CE sobre mediación en asuntos civiles y mercantiles. Revista Eletrônica de Direito Processual REDP, v. 21. n. 2, 2020. MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruiz. Breve ensaio sobre a postura dos atores processuais em relação aos métodos adequados de resolução de conflitos. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 69-88. 230 MEDIAÇÃO é saída mais eficiente para entraves do Direito Privado na crise. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-11/mediacao-saida- eficiente-entraves-direito-privado. Acesso em: 12 mai. 2020. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro Desafios e perspectivas da justiça no mundo contemporâneo. Revista Eletrônica de Direito Processual REDP, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, set.-dez./2019. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O direito processual comparado no mundo contemporâneo. Revista Eletrônica de Direito processual (REDP), v. 21, n. 2, 2020. MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; HARTMANN, Guilherme Kronemberg. A audiência de conciliação ou de mediação no Novo Código de Processo Civil. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. MERA, Alejandra. Mecanismos alternativos de solución de conflictos en américa latina diagnóstico y debate en un contexto de reformas. CEJA, 2016. Disponível em: http://biblioteca.cejamericas.org/handle/2015/4093. Acesso em: 17 mai. 2019. MESQUITA, José Ignácio Botelho de. As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu reexame. Teses, estudos e pareceres de Processo Civil. São Paulo: RT, 2005. v. I. MINISTROS do STJ entregam ao Congresso projeto de lei sobre regime de custas no Judiciário. STJ Notícias, 2020. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09092020-Ministros-do- STJ-entregam-ao-Congresso-projeto-de-lei-sobre-regime-de-custas-no-Judiciario.aspx. Acesso em: 26 set. 2020. MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. arts. 1º ao 45. 5. ed. rev. e atual. Atualização legislativa de Sergio Bermudes. Rio de janeiro: Forense, 1999. t. I. MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018. NALINI, José Renato. É urgente construir alternativas à Justiça. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 33-48. OLIVEIRA, Débora Leal de. Acesso à justiça: diagnóstico, reflexões e propostas. 2013. 141 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. OSNA, Gustavo. Processo Civil, Cultura e Proporcionalidade: Análise Crítica da Teoria Processual. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 231 OTEIZA, Eduardo. Punto de vista: Marc/Adr y Diversidad de Culturas: el ejemplo Latinoamericano. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier (coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodivm, 2016. PACTO Republicano: parceria entre os Três Poderes a serviço da democracia. Portal STF Internacional, s. d. Disponível em: http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_ pt_br&idConteudo=173547. Acesso em: 12 dez. 2020. PARRA QUIJANO, Jairo. La administración de justicia em Colombia. S.d. Disponível em: https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/4/1978/8.pdf .Acesso em: 04 abr. 2020. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de janeiro: Forense, 2000. PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. A imposição da mediação como decorrência da Política Pública da União Europeia para a resolução consensual de conflitos. Revista do Programa de Direito da União Europeia, n. 7, p. 115-128, 2016. PEÑA SANDOVAL, Harvey. 25 Años del Sistema Nacional de Conciliación en Colombia. Avances y Oportunidades. La Trama, Revista interdisciplinaria de mediación y resolución de conflictos, n. 48, 2016. Disponível em: http://www.revistalatrama.com.ar/contenidos/larevista_articulo.php?id=322&ed=48. Acesso em: 04 abr. 2020. PEÑA SANDOVAL, Harvey. La Conciliación como Requisito de Procedibilidad – Línea Jurisprudencial. 2009. Disponível em: https://www.academia.edu/2171054/La_Conciliaci%C3%B3n_como_Requisito_de_Procedibi lidad_L%C3%ADnea_Jurisprudencial. Acesso em: 01 out. 2020. PEÑA SANDOVAL, Harvey. Recomendaciones para una ley de conciliación. Revista de conciliación extrajudicial en derecho del centro de arbitraje y conciliación de la Cámara de Comercio de Bogotá, Bogotá, n. 1, p. 12-21, 2019. PIMENTEL, Wilson. A Mediação na Advocacia. In: ÁVILA, Henrique de Ameida; LAGRASTA, Valéria Ferrioli. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses – 10 Anos da Resolução 125/2010. São Paulo: Instituto Paulista de Magistrados – IPAM, 2020. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito Processual Civil Contemporâneo. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. v. 1. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; STANCATI, Maria Martins Silva. Processo à Luz da Constituição Federal. A ressignificação do princípio do acesso à justiça à luz do art. 3º do CPC/2015. REPRO, v. 254, abr. 2016. PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. A Mediação e a necessidade de sua sistematização no processo civil brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 5, jan./jun. 2010 232 PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. Marco legal da mediação no direito brasileiro. In: GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (coords.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2014. p. 35-89. PINHO, Humberto Dalla Bernardino de; PAUMGARTEN, Michele. Os desafios para a integração entre o sistema jurisdicional e a mediação a partir do Novo Código de Processo Civil. Quais as perspectivas para a Justiça brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coords.). A Mediação no Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo; FEFERBAUM, Marina. Metodologia da Pesquisa em Direito: técnicas e abordagens para elaboração de monografias, dissertações e teses. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. REICHELT, Luis Alberto. Reflexões sobre o conteúdo do direito fundamental ao acesso à justiça no âmbito cível em perspectiva contemporânea. Revista de Processo (RePro), v. 296, ano 44, out. 2019. RIBAS, Antonio Joaquim. Consolidação do Processo Civil comentada pelo Conselheiro Dr. Antonio Joaquim Ribas. Rio de Janeiro: Dias da Silva Junior Typographo Editor, 1879. v. primeiro. SADEK, Maria Tereza. Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista USP, n. 101, p. 55-66, março a maio. 2014. SAÍDA de emergência – Judiciário, Mediação e Direito Privado. [S. l.: s. n.], 2020. 1 vídeo (1h24min.). Publicado pelo canal Conjur. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TzGvQ9UBPHA&list=LLVn- K1049qoMfxF_1wWXpmA&index=4&t=0s. Acesso em: 09 ago. 2020. SALLES, Carlos Alberto de. Mecanismos alternativos de solução de controvérsias e acesso à justiça: a inafastabilidade da tutela jurisdicional recolocada. In: FUX, Luiz; NERY JR.; Nelson; WAMBIER, Teresa A. A. (coords.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006. SALLES, Carlos Alberto de. Nos braços do leviatã: os caminhos da consensualidade e o judiciário brasileiro. No prelo. SANTANA, Ana Carolina Squadri; PINHO, Humberto Dalla Bernardino de. Considerações sobre a mediação no direito italiano. Academia Edu, s. d. Disponível em: https://www.academia.edu/19710949/CONSIDERA%C3%87%C3%95ES_SOBRE_A_MEDI A%C3%87%C3%83O_NO_DIREITO_ITALIANO. Acesso em: 21 nov. 2020. SANTANA, Daldice; TAKAHASHI, Bruno. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses: Uma obra em obras. In: ÁVILA, Henrique de Ameida; LAGRASTA, Valéria Ferrioli. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses – 10 Anos da Resolução 125/2010. São Paulo: Instituto Paulista de Magistrados, 2020. 233 SÃO PAULO. Lei nº 17.324 de 18 de março de 2020. Institui a Política de Desjudicialização no âmbito da Administração Pública Municipal Direta e Indireta. São Paulo, SP: Prefeitura Municipal, [2020]. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17324-de-18- de-marco-de-2020. Acesso em: 12 dez. 2020. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CG nº 11/2020. Processo 2020/42835. Dispõe sobre a criação de projeto-piloto de conciliação e mediação pré- processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Coronavirus/Comunicados/Provimento_CG_N11- 2020.pdf. Acesso em: out. 2020. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Resolução nº 809/2019. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Resolucao809-2019.pdf. Acesso em: 08 abr. 2020. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual civil. In: ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz (orgs.). 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil. Passado, presente e futuro. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. SILVA, Érica Barbosa e. Conciliação Judicial. 1. ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013. SILVA, Paulo Eduardo Alves da; PARAVELA,Tatyana Chiari. "Algum dia, talvez, se for o caso...” – Frequência e motivos para a não designação da audiência do artigo 334 do CPC em Comarcas da Justiça Estadual Paulista. Revista Eletrônica de Direito processual (REDP), v. 21, n. 3, 2020. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legitimidade Jurídica das Políticas Públicas: A Efetivação da Cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; BERTOLIN, Patricia Tuma Martins. O Direito e as Políticas Públicas no Brasil. São Paulo: Editora Atlas, 2013. p. 3-15. SOUZA, André Pagani de. A importância do princípio da cooperação para a construção da transação na conciliação judicial: uma leitura do direito português e do direito brasileiro (parte II). Revista de Processo, São Paulo, n. 295, set. 2019. SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação: Um retrospecto histórico, conceitual e teórico. In: SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Mediação enquanto Política Pública: a teoria, a prática e o projeto de lei. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010. SPENGLER, Fabiana Marion; COSTA, Márcio Dutra da. A remuneração de conciliadores e mediadores judiciais:considerações sobre a Resolução 271/2018 do CNJ. Revista de Processo (RePro), v. 298, ano 44, dez. 2019. TAKAHASHI, Bruno et al. Manual de mediação e conciliação na Justiça Federal. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2019. TAKAHASHI, Bruno. Desequilíbrio de Poder e Conciliação. O papel do conciliador nos conflitos previdenciários. 1. ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2016. TAMER, Maurício Antonio. O princípio da inafastabilidade da jurisdição no Direito Processual Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Z Editora, 2017. 234 TARTUCE, Fernanda. Advocacia e meios consensuais: novas visões, novos ganhos. 2016b. Disponível em: http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Advocacia- e-meios-consensuais-Fernanda-Tartuce.pdf. Acesso em: mai. 2020 TARTUCE, Fernanda. Conciliação em juízo: questionamentos relevantes. 2019. Disponível em: http://www.fernandatartuce.com.br/wp- content/uploads/2019/01/Concilia%C3%A7%C3%A3o-questionamentos-Fernanda-Tartuce- versao-parcial.pdf. Acesso em: 08 dez. 2018. TARTUCE, Fernanda. Estímulo à autocomposição no Novo Código de Processo Civil. 2016a. Disponível em: http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2016/10/Estimulo-a- autocomposicao-no-NCPC-tempo-de-acordar.pdf. Acesso em: 20 jul. 2019. TARTUCE, Fernanda. Mediação de Conflitos: Proposta de Emenda Constitucional e Tentativas Consensuais Prévias à Jurisdição. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, ed. 82, p. 5-21, jan./fev. 2018. TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método: 2015. TARTUCE, Fernanda; CARDOSO, Simone Tassinari. Suspensão da Prescrição e Procedimento da Mediação. reflexões sobre o parágrafo único do art. 17 da lei 13140/2015. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 73, p. 233-250, jul./dez. 2018. TARUFFO, Michelle. Un’Alternativa alle alternative. Modelli di risoluzione dei conflitti. Argumenta Journal Law, Jacarezinho-PR, n. 7, p. 257-270, fev. 2013. TAVARES, Fernando Horta. Mediação, Processo e Constituição: Considerações sobre a autocomposição de conflitos no Novo Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre et al. (orgs.). Novas Tendências do Processo Civil – Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Editora JusPodivm, 2013. p. 57-74. TOFFOLI, José Antonio Dias. Movimento conciliatório e a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF): breves considerações. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 50, jul.-set. 2016. UNIÃO EUROPEIA. Diretiva 52. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/eli/dir/2008/52/oj. Acesso em: 12 out. 2020. VARGAS PAVEZ, Macarena. Mediación obligatoria.Algunas razones para justificar su incorporación. Revista de Derecho, v. XXI, n. 2, p. 183-202, diciembre 2008. VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. VELLASCO, Ivan de Andrade. O juiz de paz e o Código do Processo: vicissitudes da justiça imperial em uma comarca de Minas Gerais no século XIX. Justiça História, v. 3, n. 6, p. 65- 95, 2003. 235 VETIS ZAGANELLI, Margareth; BECHEPECHE ANTAR, Natália Bastos. O instituto da mediação na reforma do processo civil italiano de 2009. Boletín mexicano de derecho comparado, v. 46, n. 136, p. 377-393, 2013. VETIS ZAGANELLI, Margareth; SANTOS JR., Jamiro Campos dos. A mediação em matéria civil e comercial como método alternativo de solução de litígios no ordenamento italiano. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 70, p. 461-486, 2017. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. v. 1. WATANABE, Kazuo. Cultura da sentença e cultura da pacificação. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanóide de (coord.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 684-690. WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. In: PELUSO, A. C.; RICHA, M. A. (orgs.). Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional. São Paulo: Forense, 2011. WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São Paulo: RT, 2019. WOOLF, Lord. Access to Justice: Final Report (Final Report to the Lord Chancellor on the Civil Justice System in England and Wales). London, Eng: HMSO, 1996. ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. Desjudicializar conflitos: uma necessária releitura do acesso à justiça. Novos Estudos Jurídicos, v. 17, n. 2, p. 237-253, 2012.